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A Pedagogia Freinet e a renovação educativa em Portugal (1920-1980)

La pedagogía Freinet y la renovación educativa en Portugal (1920-1980)

Freinet Pedagogy and Educational Renewal in Portugal (1920-1980)

Pédagogie Freinet et renouvellement éducatif au Portugal (1920-1980)

Resumo

Este artigo tem como principais objetivos refletir sobre a receção da Pedagogia Freinet em Portugal, entre os anos 20 e os anos 80 do século XX; analisar a forma como foi apropriada em diversos contextos de renovação pedagógica e avaliar o seu contributo para a construção de uma tradição pedagógica progressista. Começamos por dar conta da sua aparição no final do momento Educação Nova para, a seguir, destacar a sua importância no âmbito das experiências alternativas desenvolvidas a partir dos anos 50 e, finalmente, analisar a sua presença na trajetória do Movimento da Escola Moderna, criado em meados dos anos 60, em que manteve uma indiscutível centralidade até ao “deslocamento” teórico operado nos anos 80. A perspetiva adotada tem por base a História Cultural e recorre-se a fontes diversas, em particular artigos da imprensa pedagógica e um conjunto de obras de intelectuais portugueses do campo educativo.

Palavras-chave:
Pedagogia Freinet; Educação Nova; Movimento da Escola Moderna; Renovação Pedagógica; Apropriação; Tradição de Inovação

Resumen

Este artículo tiene como objetivos principales reflexionar sobre la recepción de la Pedagogía Freinet en Portugal, entre las décadas de 1920 y 1980; analizar cómo fue apropiada en diferentes contextos de renovación pedagógica y evaluar su contribución a la construcción de una tradición pedagógica progresista. Comenzamos describiendo su aparición al final del período de la escuela nueva; luego destacamos su importancia en el ámbito de las experiencias alternativas desarrolladas a partir de la década de 1950; y finalmente analizamos su presencia en la trayectoria del movimiento de la escuela moderna, creado a mediados de 1960, en la que mantuvo una centralidad indiscutible hasta el “desplazamiento” teórico operado en la década de 1980. la perspectiva adoptada se basa en la historia cultural y recorrimos a diferentes fuentes, en particular artículos de la prensa pedagógica y un conjunto de obras de intelectuales portugueses del campo de la educación.

Palabras clave:
Pedagogía Freinet; Escuela Nueva; Movimiento de la Escuela Moderna; Apropiación; Tradición de innovación

Abstract

The main objectives of this article are to reflect on the reception of Freinet pedagogy in Portugal, between the 1920s and the 1980s, to analyse how it was appropriated in different contexts of pedagogical renewal and to evaluate its contribution to the construction of a progressive pedagogical tradition. We begin by describing its appearance at the end of the New Education period, then highlighting its importance within the scope of alternative experiences developed from the 1950s onwards, and finally analysing its presence in the trajectory of the Modern School Movement, created in the mid-1960s, in which it maintained an indisputable centrality until the theoretical “displacement” operated in the 1980s. The perspective adopted is based on Cultural History and uses various sources, in particular articles from the pedagogical press and a set of works by Portuguese intellectuals from the field of education.

Keywords:
Freinet Pedagogy; New Education; Modern School Movement; Appropriation; Tradition of innovation

Résumé

Les principaux objectifs de cet article sont de réfléchir sur la réception de la pédagogie Freinet au Portugal, entre les années 1920 et les années 1980, d'analyser comment elle a été appropriée dans différents contextes de renouveau pédagogique et d'évaluer sa contribution à la construction d'une tradition pédagogique progressiste. Nous commençons par nous intéresser à son apparition à la fin de la période de l'Éducation nouvelle, puis nous soulignons son importance dans le cadre des expériences alternatives développées à partir des années 1950, et enfin nous analysons sa présence dans la trajectoire du Mouvement de l'École moderne, créé au milieu des années 60, où il a conservé une centralité indiscutable jusqu'au « déplacement » théorique opéré dans les années 80. La perspective adoptée s'appuie sur l'Histoire culturelle et nous avons eu recours à différentes sources, notamment des articles de la presse pédagogique et un ensemble d'ouvrages d'intellectuels portugais dans le domaine de l'éducation.

Mots-clés :
Pédagogie Freinet; Éducation Nouvelle; Mouvement de l’École Moderne; Appropriation; Tradition d'innovation

Pretendemos, com o presente artigo, refletir sobre alguns “momentos” (ROBERT; SEGUY, 2020ROBERT, André D.; SEGUY, Jean-Yves. The French Classes Nouvelles (1945-1952): Why is it so difficult to change traditional pedagogy? Espacio, Tiempo y Educación, 7 (1), p. 27-45, 2020.) de renovação educativa que tiveram expressão, no caso português, entre os anos 20 e os anos 80 do século XX e nos quais a Pedagogia Freinet serviu como fonte de inspiração principal. Este trabalho faz parte de um projeto mais amplo, a que nos temos dedicado nos últimos anos, através do qual ambicionamos produzir um mapeamento e uma caracterização das experiências escolares e dos movimentos pedagógicos, potencialmente inovadores, que se desenvolveram em Portugal do final do século XIX ao início do século XXI. Tomando a atualidade como ponto de partida, procuramos, em certo sentido, construir uma “genealogia” (FOUCAULT, 1986FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 8ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986.) das inovações educativas presentes ainda hoje no campo educativo. A preservação da memória nas suas diferentes “formas de existência” (VAN GORP, 2020VAN GORP, Angelo. «Like Air Bricks on Earth»: notes on developing a research agenda regarding the post-war legacy of New Education. Espacio, Tiempo y Educación , 7 (1), p. 7-25, 2020. ) é fundamental para evitar tanto o risco do esquecimento de ideias e de experiências educativas particularmente estimulantes como a absolutização das suas manifestações atuais e, em particular, os efeitos de moda a que a educação não é alheia.

Inspirados em Cros (2001CROS, Françoise. L’innovation scolaire. Paris: INRP, 2001., 2017CROS, Françoise. Innovation et société: Le cas de l’école. London: ISTE Editions, 2017.), temos defendido que a inovação não representa, na maior parte das suas manifestações, uma invenção ou uma novidade absoluta, mas, antes, uma recombinação de ideias e de práticas antigas ou, ainda, uma reinterpretação e apropriação dessas ideias e práticas por novos atores em contextos diversos. A novidade subjacente à inovação é, assim, uma novidade sempre relativa e vinculada em permanência a um dado contexto. Como enfaticamente afirma Carbonell Sebarroja (2003CARBONELL SEBARROJA, Jaume (Org.). Pedagogías del siglo XX. Porto Alegre: Artmed, 2003., p. 7), “estamos sempre reelaborando, reorganizando, reinventando a partir do já conhecido. Não nos enganemos: pelo menos na pedagogia, inventa-se muito pouco”. Vão no mesmo sentido as palavras de Cros (2017CROS, Françoise. Innovation et société: Le cas de l’école. London: ISTE Editions, 2017., p. 17) quando afirma o seguinte:

Car il n’y a pas d’innovation sans tradition, c’est-à-dire sans racines qui fertilisent l’innovation [...]. A cela, il faut ajouter que la tradition est sans cesse revisitée par ceux qui la considèrent, notamment pour l’innovation pédagogique.

Recorreremos, a este propósito, ao conceito paradoxal de “tradição de inovação”, proposto por Burke, de modo a podermos construir um olhar complexo, não dicotómico. Para o referido autor a tradição e a inovação em educação devem ser entendidas como plurais, vivas e interligadas. Segundo as suas próprias palavras, “às vezes, a inovação aparente esconde a persistência da tradição; outras vezes, a continuidade aparente disfarça inovações” (BURKE, 2007BURKE, P. Cultura, tradição, educação. In: GATTI JÚNIOR, Décio; PINTASSILGO, Joaquim. (Org.). Percursos e desafios da pesquisa e do ensino de História da Educação. Uberlândia: Edufu, 2007, p. 13-22., p. 20). Esse paradoxo permite-nos compreender a forma como determinados movimentos inovadores, como a Educação Nova ou o Movimento da Escola Moderna (MEM), conduziram à criação de verdadeiras tradições, que aqui designaremos por “alternativas” (CARBONELL SEBARROJA, 2015CARBONELL SEBARROJA, Jaume. Pedagogías del siglo XXI: alternativas para la innovación educativa. Barcelona: Octaedro, 2015.), ainda hoje muito presentes nas realidades educativas.

No seu conjunto, a pesquisa de que este texto decorre tem como principal fonte de inspiração teórica a História Cultural. Recorremos a alguns dos conceitos utilizados por esta abordagem, de que são exemplo representações, práticas, circulação e apropriação (CHARTIER, 2002CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel, 2002.). O nosso olhar terá, assim, em conta as modalidades de circulação dessas representações e a forma como foram apropriadas em contextos diferentes. Será importante, por isso, dialogar com as mais recentes abordagens globais e transnacionais uma vez que muitos desses modelos e práticas circularam internacionalmente, sendo localmente apropriados por intelectuais e educadores (FUCHS; RÓLDAN VERA, 2019FUCHS, Eckhardts; ROLDÁN VERA, Eugenia (ed.). The transnational in the History of Education: concepts and perspectives. London: Palgrave Macmillan, 2019.). Utilizaremos um conjunto diverso de fontes que inclui artigos de três revistas de educação e cultura - Educação Social, Escola Moderna e Seara Nova - e obras pedagógicas de intelectuais do campo educativo, entre as quais destacamos as seguintes coletâneas: Ensaios sobre educação de João dos Santos (1991SANTOS, João dos. Ensaios sobre educação (2 Vol.). Lisboa: Livros Horizonte , 1991.); As três faces da pedagogia de Maria Amália Borges Medeiros (1975MEDEIROS, Maria Amália Borges. As três faces da pedagogia. 2ª ed. Lisboa: Livros Horizonte , 1975.); e Escritos sobre educação de Sérgio Niza (2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012.).

Delimitámos, para tal, algumas fases de um longo período que tem início na Ditadura Militar que marca a transição da 1ª República (1910-1926) para o Estado Novo (1932/33-1974) e que termina nos anos iniciais do Portugal Democrático possibilitado pela Revolução de 25 de Abril de 1974.

O momento Educação Nova e a receção inicial da Pedagogia Freinet em Portugal

As primeiras décadas do século XX, coincidindo parcialmente com a 1ª República portuguesa, laica e patriótica, são, por excelência, o momento da Educação Nova, aquele em que as principais teses que caracterizam essa revolução coperniciana estão presentes, com destaque para a afirmação da cientificidade da pedagogia; a colocação da criança no centro do processo educativo; a presença de um ideal de educação integral dos educandos, implicando a valorização de áreas como os trabalhos manuais, a educação física ou a educação estética; a crença na necessária comunhão com a natureza, de que as escolas ao ar livre ou as festas escolares da árvore são excelentes exemplos; a defesa de um ensino prático e concreto assente no processo intuitivo e nas lições de coisas; a aposta em métodos ativos, designadamente sob a forma de centros de interesse ou da pedagogia de projetos; e, finalmente, a concretização do projeto de educação moral e cívica através do self-government escolar (PINTASSILGO, 2018PINTASSILGO, Joaquim. A Educação Nova em Portugal: construção de uma “tradição de inovação”. Historia Caribe, 13 (33), p. 49-82, 2018.).

Foi desenvolvido, nesse período, um conjunto amplo de experiências escolares alternativas tendo como referência o ideário da Educação Nova; a mais emblemática foi a Escola Oficina Nº 1 de Lisboa, mas a que podemos acrescentar os casos dos Jardins Escola João de Deus, do Instituto de Odivelas, da Casa Pia de Lisboa ou d’A Voz do Operário (CANDEIAS, 1994CANDEIAS, António. Educar de outra forma: a Escola Oficina n° 1 de Lisboa (1905-1930). Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1994.; FIGUEIRA, 2004FIGUEIRA, Manuel Henrique. Um roteiro da Educação Nova em Portugal: escolas novas e práticas pedagógicas inovadoras. Lisboa: Livros Horizonte, 2004.; PINTASSILGO; ALVES, 2019PINTASSILGO, Joaquim; ALVES, Luís Alberto Marques (Coord.). Roteiros da inovação pedagógica: escolas e experiências de referência em Portugal no século XX. Lisboa: Instituto de Educação da Universidade de Lisboa , 2019.). Não se trata propriamente de Escolas Novas, se tivermos em conta o paradigma representado pelos 30 pontos de Ferrière (1915-2015FERRIÈRE, Aldophe. Prefácio. In: VASCONCELOS, Faria de. Uma escola nova na Bélgica. Aveiro: UA Editora, 1915-2015, p. 7-20.), mas de instituições onde foi visível o esforço para pôr em prática muitos dos princípios subjacentes a esse modelo. Ao mesmo tempo, um vasto grupo de intelectuais e educadores apropriam-se das teses do movimento e promovem a sua circulação em Portugal através de livros e folhetos, de artigos da imprensa pedagógica e de manuais de pedagogia e didática, entre outras fontes. Destacam-se nesse labor os nomes de Adolfo Lima1 1 (1874-1943): Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra em 1900. Exerceu uma carreira jurídica até 1910; a partir daí passa a dedicar-se à educação e à cultura (teatro e tradução). Foi professor na Escola Oficina n° 1 de Lisboa e grande inspirador do processo de renovação pedagógica aí empreendido. Foi professor da Escola Normal de Lisboa e do Liceu Pedro Nunes, para além de ter colaborado intensamente com diversas associações educativas e culturais. Assumiu-se como intelectual anarquista e pacifista. Dirigiu a Revista Educação Social (1924-1927) e foi autor de livros e artigos diversos sobre educação. , Faria de Vasconcelos, António Sérgio2 2 (1883-1969): Foi, inquestionavelmente, um dos grandes intelectuais portugueses do século XX. Iniciou a carreira militar, mas rapidamente desistiu para se dedicar à ação cívica, cultural e pedagógica. Frequentou, como aluno, o Instituto Jean-Jacques Rousseau de Gèneve (1914-1916), daí resultando a sua ligação às ideias da Educação Nova. Foi, por um curto período, Ministro da Instrução Pública. Esteve ligado a vários projetos editoriais, com destaque para a Revista Seara Nova, cuja publicação se iniciou em 1921. É autor de uma bibliografia vasta, destacando-se, no campo da educação, a obra Educação Cívica (1915), onde faz apologia do self-government escolar. Foi igualmente pioneiro como teórico do cooperativismo. Durante o Estado Novo foi um dos mais destacados membros da oposição política ao regime autoritário. , Álvaro Viana de Lemos3 3 (1881-1972): Começou a sua carreira como militar, mas, logo, os seus interesses se viraram para a educação. Fez formação na área das artes em Bruxelas (1908-1909) e, ao regressar, dedica-se ao ensino a partir de 1909. Foi professor de trabalhos manuais no Instituto dos Pupilos do Exército (1911-1914) e na Escola Normal de Lisboa (1915-1916). Em 1919, depois de nova passagem pelo exército, torna-se professor da Escola Normal de Coimbra de onde será afastado pelo Estado Novo, na sequência da sua prisão, em 1934. Foi um dos impulsionadores do movimento da Educação Nova em Portugal, teve uma atividade pioneira na área dos trabalhos manuais educativos, manteve um intenso intercâmbio com educadores internacionais e colaborou ativamente na imprensa pedagógica. , João de Barros, João de Deus Ramos, António Aurélio da Costa Ferreira, Irene Lisboa e Frederico Ferreira de Simas, entre muitos outros (NÓVOA, 2003NÓVOA, António. Dicionário de Educadores Portugueses. Porto: Edições ASA, 2003.). É um movimento que se difunde em rede, assente em sociedades, com destaque para a Sociedade de Estudos Pedagógicos, e em publicações periódicas como a Revista de Educação Geral e Técnica, a Revista Escolar, a Seara Nova ou a Educação Social (NÓVOA, 1993).

É já perto do final desse momento que a Pedagogia Freinet tem a sua primeira aparição pelas mãos de Lemos. Convém sublinhar que, nesta fase, Freinet surge como uma figura ligada a esse movimento, não se destacando ainda as suas propostas como parte de um ramo autónomo no âmbito das redes internacionais de renovação pedagógica. É num artigo de 1926 da Revista Educação Social, dirigida por Adolfo Lima, que surge, segundo cremos, a primeira referência ao trabalho de Freinet; o artigo intitula-se significativamente A imprensa na escola e nele Lemos (1926LEMOS, Álvaro Viana de. A imprensa na escola. Educação Social: Revista de Pedagogia e Sociologia, 3, (53-54), p. 80-82, 1926, p.81-82) afirma o seguinte:

O professor francês Freinet [...] procurou resolver o problema [de transformar a escola num ‘organismo vivo’] e pode dizer-se que o conseguiu com pleno êxito na sua escola […]. Montou ali uma pequena tipografia e foi industriando, como trabalho manual, os seus alunos na arte tipográfica, dando-lhes para assunto de composição o que cada dia mais naturalmente interessava ou ocupava a imaginação dos seus alunos […]. Freinet ensaiou também estender a ‘experiência tipográfica’ a outras escolas, permutando com colegas animados pelos mesmos princípios as respetivas folhas do livro da vida escolar […]. A iniciativa de Freinet é notável e interessante sob todos os aspetos. Tornando o trabalho escolar vivo, traz a escola ao verdadeiro lugar que ela deve desempenhar na sociedade.

Lemos mostra ter captado o essencial do que surge, nessa fase, como a principal novidade de entre as propostas de Freinet. Tendo como elemento central a imprensa, propõe-se uma forma alternativa de organizar o trabalho dos alunos em ligação com a vida e com o quotidiano, o seu e o da comunidade onde se inseriam, tendo como resultado o “livro da vida escolar”, desenvolve-se, igualmente, a correspondência escolar. A adjetivação não deixa dúvidas sobre a adesão de Lemos a estas propostas; o autor refere-se ao “pleno êxito” da iniciativa, referindo-se a ela como “notável e interessante”.

No ano seguinte (1927), de novo na Revista Educação Social, César Porto4 4 (1873-1944): Cursou Antropologia em Paris e dedicou-se, principalmente, à atividade literária e teatral e à ação educativa. Foi maçom, republicano e libertário tendo colaborado assiduamente no órgão anarquista A Batalha e na imprensa pedagógica. Foi professor da Escola Oficina nº 1 e seu responsável pedagógico a partir de 1918. Colaborou ativamente com a Associação de Professores de Portugal e com a Universidade Popular Portuguesa. Visitou a Rússia em 1925, tendo publicado a seguir as suas impressões sobre essa viagem. Foi preso durante a Ditadura Militar que antecedeu o Estado Novo. , um intelectual libertário e, como Adolfo Lima, ligado à Escola Oficina Nº 1, publica uma recensão crítica do livro de Freinet L’imprimerie à l’école. O facto de a recensão surgir no próprio ano da publicação da obra atesta a rapidez da sua circulação entre nós.

O meu bom amigo Freinet acaba de publicar em França um livro muito curioso sobre a iniciativa pedagógica, que há uns anos vem realizando, de fazer elaborar pelos próprios alunos a seleta para uso da classe. Aproveita-lhes para isso as redações inspiradas em pormenores familiares da vida de cada qual […]. Faz imprimir certos textos que mais interessaram a turma […]. Para isso inicia os alunos na arte da tipografia […]. [O livro de leitura], que vai formando dia a dia com esses palpitantes impressos, e ainda o necessário para uma troca com os camaradas de outras escolas que já usam o mesmo sistema […]. O facto é que, segundo a experiência, essas aulas onde se estabeleceu o processo a que aludimos, adquiriram uma vida intensa, suscitaram nos alunos grande interesse. […] e se o processo não deve ser olhado - o que Freinet também denega - como uma panaceia pedagógica, é, contudo, grandemente meritório (PORTO, 1927PORTO, César. L’imprimerie à l’écola. Educação Social: Revista de Pedagogia e Sociologia, 3 (53-54), p. 126-127, 1927., p. 126-127).

Para além de, segundo cremos como artifício retórico, mostrar grande proximidade com Freinet, ao tratá-lo por “meu bom amigo”, Porto manifesta, como Lemos, ter captado o essencial da proposta inicial do educador francês assente em estratégias pedagógicas - por ele apelidadas de “técnicas”. Merecem destaque a experiência de “vida intensa” que essas aulas terão proporcionado e o “grande interesse” que terão provocado nos alunos. A avaliação é, de novo, muito positiva, quando o autor considera esse processo como “grandemente meritório”, mesmo não sendo assumido como uma “panaceia pedagógica”.

Na transição dos anos 20 para os anos 30, Álvaro Viana de Lemos terá sido, de acordo com Figueira (2004FIGUEIRA, Manuel Henrique. Um roteiro da Educação Nova em Portugal: escolas novas e práticas pedagógicas inovadoras. Lisboa: Livros Horizonte, 2004., p. 241), o responsável pela dinamização de “uma rede informal de animação pedagógica” que tinha como núcleo central a Escola Normal de Coimbra. O mesmo autor comprova a existência de correspondência entre Lemos, Freinet e outros professores portugueses, a qual decorreu entre 1927 e 1933.

A partir daí o contexto português conhece uma mudança radical. A 1ª República é substituída em 1926 por uma Ditadura Militar que abrirá caminho à consolidação do Estado Novo autoritário, a partir dos anos 1932/33, e ao protagonismo de Salazar, apresentado, pela propaganda do regime, como “Salvador da Pátria”. No terreno mais específico da pedagogia, assistimos a apropriações conservadoras e católicas da Educação Nova tendo como referência o slogan “escola ativa”, propagandeado por Ferrière, mas interpretado localmente de forma diversa (PINTASSILGO; ANDRADE, 2018PINTASSILGO, Joaquim; ANDRADE, Alda Namora de. Domingos Evangelista, tradutor de Ferrière: reflexões a propósito de uma tradução conservadora de «L’École Active». Educação Unisinos, 22 (3), p. 255-263, 2018.). A recusa do laicismo, do self-government, da coeducação, da escola única e do internacionalismo são algumas das opções que afastam esse momento do anterior. Mesmo assim, podemos ainda encontrar vários dos lugares-comuns da Educação Nova, ainda que a sua presença seja meramente retórica, como são os casos da crítica da escola dita tradicional e de um ensino centrado no verbalismo e na memorização de conteúdos, a crença numa educação integral (ainda que impregnada de catolicismo) ou a defesa de métodos ativos de ensino-aprendizagem. Se, nas publicações pedagógicas, é o discurso da “escola ativa” que predominantemente circula, os quotidianos escolares, evocados pelas memórias de antigos alunos, remetem-nos antes para a prevalência de métodos autoritários (designadamente, castigos físicos), para o recurso constante a práticas tendo em vista a memorização de conhecimentos e para rituais associados ao catolicismo e ao patriotismo e que tinham em vista a inculcação dos valores do regime.

Muitas das experiências escolares inovadoras do período anterior mantiveram-se ao longo dos anos 30 e 40, embora se tenham adaptado, de alguma maneira, ao novo contexto, como aconteceu com a Escola Oficina Nº 1, abandonando algumas das suas práticas mais radicalmente inovadoras. Não obstante o ambiente político adverso e a necessidade de sobrevivência, algumas delas foram mantendo, discretamente, os laços com a resistência política ao regime, como é claramente o caso da histórica A Voz do Operário (BANDEIRA, 2020BANDEIRA, Filomena. A Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário: Outra forma de fazer política: A propósito da reforma dos serviços escolares (1924-1935). Cadernos de História da Educação, 19 (1), p. 187-213, 2020.) ou de uma escola fundada nos anos 30, o Colégio Moderno, ambas ainda em funcionamento. Mas esses não eram tempos propícios para as pedagogias alternativas. É isso que explica o completo desaparecimento da pedagogia Freinet dos discursos pedagógicos difundidos tanto pela imprensa especializada como pelos manuais de pedagogia e didática utilizados nas escolas de formação de professores (FERNANDES, 1998FERNANDES, Rogério. Movimentos de inovação pedagógica no Portugal contemporâneo: Maria Amália Borges e a integração educativa em meados do século. Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna, Lisboa, 5ª série (3), p. 23-41, 1998.).

A emergência, sob o signo da Pedagogia Freinet, de um novo momento de renovação pedagógica

A partir de meados dos anos 50, vamos reencontrar, ainda em pleno regime autoritário, um novo impulso tendo em vista a renovação da escola portuguesa. Este momento possui traços próprios e vai durar até cerca de meados dos anos 70, quando a revolução democrática do 25 de abril de 1974 altera radicalmente os dados da equação. Os educadores que protagonizam esse período integram uma geração na qual progressismo pedagógico e oposição à ditadura salazarista surgem profundamente irmanados. A luta por uma escola diferente e o combate pela democratização política nascem como duas dimensões de um mesmo projeto. Podemos destacar, de entre eles, as figuras de Maria Amália Borges Medeiros5 5 (1919-1971): Licenciou-se em ciências histórico-filosóficas e foi professora tanto do ensino privado como do ensino público, de onde foi afastada por via da sua colaboração com a oposição ao Estado Novo. Criou uma escola experimental, onde experimentou as técnicas Freinet, e dirigiu durante algum tempo o Centro Helen Keller. Partiu para o Canadá em 1963, para escapar à perseguição política, tendo aí sido professora universitária e editora de revistas na área de ciências da educação. , João dos Santos6 6 (1913-1987): Iniciou o seu percurso profissional como professor de educação física, tendo-se depois formado como médico e especializado em psiquiatria infantil. Militou na oposição política ao regime autoritário. Trabalhou em Paris com Henri Wallon entre 1946 e 1950. Regressado a Portugal, foi um dos principais dinamizadores de algumas das experiências escolares alternativas desenvolvidas a partir dos anos 50 como o Colégio Claparède e o Centro Helen Keller. Desenvolveu uma abordagem particular que designou por “pedagogia terapêutica”. , Rui Grácio7 7 (1921-1991): Licenciou-se em ciências histórico-filosóficas e foi professor do Liceu Francês Charles Lepierre, em Lisboa (1947-1972). Militou na oposição política ao regime autoritário, tendo sido um dos fundadores do Partido Socialista (1973). Desenvolveu atividades, partir de 1963, no âmbito do Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Calouste Gulbenkian. Após a Revolução de 1974 foi membro do governo (como Secretário de Estado), tendo sido o impulsionador de algumas das principais reformas empreendidas nesse conturbado período. e, ainda que mais jovem, Sérgio Niza8 8 (Nascido em 1940): Iniciou o seu percurso profissional na cidade de Évora, onde fez a sua formação como professor primário. Foi afastado do ensino oficial devido às suas atividades de oposição ao regime. Trabalhou na Fundação Calouste Gulbenkian e no Centro Infantil Helen Keller, tendo igualmente estado como bolseiro em Paris. Foi um dos fundadores do Movimento da Escola Moderna Portuguesa (MEM), tendo-se transformado, pelos seus escritos e pela sua ação, na sua principal referência teórica e figura tutelar. . Esses educadores procuram, por um lado, enraizar o seu pensamento na “tradição de inovação” proveniente da Educação Nova e, por outro, dialogar com novos autores e correntes cujas ideias conhecem, então, ampla circulação internacional como são os casos das pedagogias não-diretivas, da pedagogia institucional e da pedagogia da “desescolarização”. É, no entanto, a redescoberta da Pedagogia Freinet que assume o protagonismo nesse movimento de renovação pedagógica.

Paralelamente, vão sendo criadas, entre meados dos anos 50 e o início dos anos 70, em particular ao nível do ensino privado, diversas escolas que se apresentam como alternativas e que vão procurar desenvolver um conjunto de experiências inovadoras. Podemos destacar: o Colégio Eduardo Claparède (1953), o Jardim Infantil Pestalozzi (1955), o Centro Infantil Helen Keller (1955), o Externato Fernão Mendes Pinto (1968) e A Torre (1970) (PINTASSILGO; ALVES, 2019PINTASSILGO, Joaquim; ALVES, Luís Alberto Marques (Coord.). Roteiros da inovação pedagógica: escolas e experiências de referência em Portugal no século XX. Lisboa: Instituto de Educação da Universidade de Lisboa , 2019.). Os seus fundadores e os professores da fase inicial, juntamente com os educadores já aqui referenciados, constituem uma espécie de rede informal de profissionais que procuram impulsionar essas experiências e contribuir para o reforço do campo educativo progressista.

A redescoberta de Freinet tem como ponto de partida uma viagem a Paris, em 1958, de uma professora portuguesa, Maria Isabel Pereira, que aí contacta com a rede de educadores Freinet. Em seguida, difunde-a em Portugal, o que proporciona a realização de estágios em escolas Freinet por várias educadoras portuguesas no início dos anos 60. No ano letivo de 1961/62, Medeiros põe em funcionamento, na sua própria casa em Lisboa, uma pequena escola experimental inspirada nas técnicas Freinet. A mesma experiência é desenvolvida no Centro Helen Keller (CHK), de que ela era então diretora. É no CHK que se realizam, em 1965 e 1966, “estágios de pedagogia ativa”, dinamizados por Niza, que tinham em vista a formação de professores nas técnicas Freinet. A realização, entre 1963 e 1966, na sede do Sindicato Nacional de Professores (que aglutinava os profissionais do ensino privado, já que os do público estavam impedidos de o fazer), de um curso de aperfeiçoamento dinamizado por Rui Grácio, criou as condições para a criação, por Niza, de um Grupo de Trabalho de Promoção Pedagógica, geralmente tido como o embrião do MEM. Nesse mesmo ano de 1966, no Congresso Francês da Escola Moderna, em Perpignan, representado por Sérgio Niza e Rosalina Gomes de Almeida, o MEM é internacionalmente reconhecido pela Federação Internacional dos Movimentos da Escola Moderna (FIMEM). O MEM desenvolve várias iniciativas e vai-se consolidando na transição dos anos 60 para os anos 70, mas é só depois da Revolução do 25 de Abril de 1974, e da implementação da democracia em Portugal, que se torna possível iniciar a publicação da Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna, sob a forma de Boletim Interno9 9 Dado o formato que a publicação teve entre os anos de 1974 e 1981, esclarecemos que, ao longo do artigo, será utilizada a palavra Boletim para referenciarmos a publicação Escola Moderna. (1974), formalizar a sua existência como associação (1976) e realizar o 1º Congresso (1979), o que levou à transformação do MEM no principal movimento pedagógico organizado em Portugal, situação que se mantém nos dias de hoje, ainda que o movimento tenha repensado os seus fundamentos iniciais, questão a que voltaremos.

Segundo a maioria dos autores, tanto coevos como recentes, foi a já referida Maria Amália Borges Medeiros que representou o papel de principal protagonista no que se refere à difusão da Pedagogia Freinet no Portugal da transição dos anos 50 para os anos 60. Para Santos (1982SANTOS, João dos. A caminho de uma uma utopia: um Instituto da Criança. Lisboa: Livros Horizonte , 1982., p. 21), porventura a principal referência dessa geração, “a redescoberta da grande aventura pedagógica de Freinet e dos métodos da Escola Moderna” deve-se a Medeiros. É a própria visada que, num dos seus textos, nos dá conta da forma como ocorreu essa redescoberta, quase como uma espécie de iluminação interior:

Um dia o trabalho na classe de amblíopes da Liga Portuguesa de Profilaxia da Cegueira permitiu-me descobrir Célestin Freinet. E um pouco de luz se fez. […] Eis um conjunto de ideias que começaram a ter para mim um significado, quando entrei em contacto com o pensamento e com as técnicas pedagógicas de Célestin Freinet. E compreendi melhor o alcance da palavra educação (MEDEIROS, 1972MEDEIROS, Maria Amália Borges. As três faces da pedagogia. 2ª ed. Lisboa: Livros Horizonte , 1975., 1975, p. 16-17).

O conjunto de ideias a que a autora se refere remete-nos para a valorização do trabalho da criança, tendo em vista a resolução de problemas que lhe dizem respeito, para a defesa da expressão livre e da comunicação, para o entendimento da própria vida da criança como sendo o centro de interesses por excelência e para o destaque dado à cooperativa escolar em cujo contexto os alunos são os principais protagonistas. Ou seja, a interpretação que a autora faz de Freinet não se restringe às então chamadas técnicas, mas leva-a a alguns dos principais pressupostos da pedagogia do educador francês, que se tornarão elementos centrais das pedagogias progressistas e construtivistas que se desenvolvem a partir desse momento em Portugal.

Uma das experiências escolares em que essa apropriação teve um maior impacto, logo no início dos anos 60, foi, como já foi dito, o CHK. Criado em 1955, no âmbito da Liga Portuguesa de Profilaxia da Cegueira, como Centro Infantil de Reeducação de Diminuídos Visuais, o Centro adotou o nome de Helen Keller algum tempo após uma visita à instituição daquela que passará a ser a sua patrona. Depois de passar por vários edifícios sem grandes condições, o CHK instalou-se em 1973 no excelente espaço que ainda hoje ocupa, no usufruto de um terreno oferecido pela Câmara Municipal de Lisboa. O CHK foi uma escola pioneira no campo do que hoje nomeamos Educação Inclusiva, tendo integrado, desde sempre e em conjunto, alunos com e sem deficiência. Foi igualmente pioneiro na adoção da coeducação, em boa medida proibida pelo Estado Novo (depois de ter tido uma concretização parcial durante a República). À sua inspiração inicial na Educação Nova e, em particular, no pensamento de António Sérgio, veio juntar-se, no início dos anos 60, a adoção das técnicas Freinet. Alguns dos princípios e práticas presentes historicamente no CHK resultaram da conjugação dessas duas fontes de inspiração, designadamente a valorização de um contacto estreito com a natureza, o recurso constante à arte, o desenvolvimento de formas de vida autónoma e comunitária, a concretização de uma pedagogia assente no trabalho dos alunos ou a ausência de manuais (FERNANDES, 1998FERNANDES, Rogério. Movimentos de inovação pedagógica no Portugal contemporâneo: Maria Amália Borges e a integração educativa em meados do século. Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna, Lisboa, 5ª série (3), p. 23-41, 1998.). No âmbito de uma investigação recente, Amado (2019AMADO, Maria Romeiras. Centro Infantil Helen Keller: educar na diversidade. In: PINTASSILGO, Joaquim; MARQUES, Luís Alberto Marques (Coord.). Roteiros da inovação pedagógica: escolas e experiências de referência em Portugal no século XX. Lisboa: Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, 2019, p. 381-413., p. 391) procurou reconstituir a história do CHK e sintetizou, como a seguir se apresenta, as principais manifestações desta apropriação:

A utilização das técnicas Freinet foi a base pedagógica desta escola desviante do sistema oficial do Estado Novo. […] assim, o Centro Helen Keller usou a imprensa, produziu revistas, teve uma cooperativa escolar em que os alunos analisavam e decidiam dos eventos do seu dia-a-dia. De casa, vinham as novidades e as notícias que eram disseminadas no Jornal de Parede […]. Desse utilitário que era a escrita, nascia também, à semelhança da escola de Vence, a correspondência escolar.

A partir de um conjunto diverso de textos dos educadores que participaram nas experiências alternativas desenvolvidas entre os anos 50 e 70, podemos tentar sistematizar quais as ideias-chave que foram alvo da sua apropriação e que constituíram a base do processo de renovação educativa então fomentado à margem da pedagogia oficial. Uma das principais fontes é a secção especial de um número da Revista Seara Nova, publicado em dezembro de 1966, e onde Freinet é evocado na sequência do seu falecimento, que ocorrera dois meses antes. Aí encontramos depoimentos de Lucinda Atalaia, de Maria Isabel Pereira, de Rosalina Tainha e, claro, de Sérgio Niza.

Pereira (1966PEREIRA, Maria Isabel. Que devemos a Freinet?: depoimento. [dezembro de 1966]. Lisboa: Seara Nova , 1454, p. 355-357., p. 357) relata-nos como teve notícias de Freinet, da sua escola de Vence e “de todo um impetuoso caudal de vida e orientação pedagógica” ao visitar Paris em 1958 e contactar com professores franceses. Dois anos após teve oportunidade de usufruir de um estágio de dois meses em Vence com Freinet.

Segundo Tainha (1966TAINHA, Rosalina. Que devemos a Freinet?: depoimento. [dezembro de 1966]. Lisboa: Seara Nova , 1454, p. 355-357., p. 356), para quem Freinet constituiu uma “revelação”, o “verdadeiro espírito da Escola Moderna” pode ser encontrado no novo olhar sobre a criança e a relação pedagógica que lhe está subjacente: “O espírito educativo deve basear-se no respeito pela criança, na exaltação das suas potencialidades criadoras, na organização progressiva da sua liberdade, na sua autodisciplina e na aprendizagem da cooperação e entreajuda no trabalho”. Neste caso é principalmente a herança da Educação Nova, claramente presente em Freinet, que é valorizada por esta educadora. A Pedagogia Freinet pode, de resto, ser considerada uma das principais metamorfoses da Educação Nova. Dessa herança são parte importante tanto o pedocentrismo como o self-government. De acordo com Tainha (1966), a reforma protagonizada pela Pedagogia Freinet assentava nas seguintes bases: 1) Uma nova atitude por parte do professor; 2) Novos materiais e novas condições de trabalho; 3) Relação da escola com o meio; 4) Uma organização escolar assente no trabalho cooperativo. As novidades em relação ao momento Educação Nova tinham, principalmente, que ver com novos materiais e com a ênfase no trabalho cooperativo.

A fundadora do Jardim Infantil Pestalozzi, expressa uma adesão crítica ao “método”; por um lado, destaca o facto de ter começado, havia cinco anos, “a utilizar a imprensa, a grande inovação de Freinet na didática contemporânea”, por outro, sublinha que “não pode haver um método estático […], mas, sim, técnicas em constante evolução”, dando conta de que sempre busca utilizar as técnicas “que melhor pareçam servir à formação do indivíduo para a vida” (ATALAIA, 1966ATALAIA, Lucinda. Que devemos a Freinet?: depoimento. [dezembro de 1966]. Lisboa: Seara Nova, 1454, p. 355-357., p. 356). Esta posição conduzi-la-á a um relativo distanciamento em relação ao MEM algum tempo depois da sua fundação.

Niza que, nesta fase, começava a tornar-se a grande referência do movimento Freinet em Portugal, considera que a Escola Moderna se havia constituído, nas últimas décadas, num “frutuoso laboratório de experiências pedagógicas” e que as ideias do seu fundador “revolucionaram a Educação e o Ensino” ao porem em prática “uma autêntica pedagogia ativa”, possibilitando a “expressão livre como meio de ação educativa” e “a vivência duma verdadeira Educação do Trabalho como meio de promoção moral e cívica duma sociedade em devir”. Embora a noção de “educação do trabalho” já esteja presente na Educação Nova e, em particular, em Kerschensteiner, é incontestável a centralidade e o novo sentido que assume na ideologia pedagógica de Freinet. Niza (1966NIZA, Sérgio. Que devemos a Freinet?: depoimento. [dezembro de 1966]. Lisboa: Seara Nova , 1454, p. 355-357., p. 357) lembra, ainda, as “numerosas técnicas pedagógicas” que Freinet e os seus colaboradores nos haviam deixado, designadamente a imprensa escolar, o “limógrafo”, cadernos e fichas autocorretivas e material diverso de documentação e investigação, evocando, neste caso, os aspetos mais óbvios da apropriação de Freinet pelos educadores portugueses.

Noutros textos o mesmo Niza destaca mais alguns aspetos, para si relevantes, do contributo de Freinet. Num excerto inserido na contracapa da tradução de 1973 da obra de Freinet As técnicas Freinet da Escola Moderna, afirma o educador português: “é, sem dúvida, pela primeira vez na história da pedagogia, uma renovação que parte radicalmente de baixo”; noutro momento considera que “[Freinet] aventurou-se na construção de uma ‘Escola para o Povo’ a partir de uma crítica radical à escola tradicional” (NIZA, 1973NIZA, Sérgio. Texto Contracapa. In: FREINET, Célestin. As técnicas Freinet da Escola Moderna. Lisboa: Editorial Estampa, 1973.). A noção de “escola do povo” é, sem dúvida, outra das traves-mestras do pensamento pedagógico de Freinet, em clara articulação com o seu posicionamento político marxista.

Num texto evocativo dos 25 anos do MEM, Almeida, uma das pioneiras do MEM, recorda o seu contacto inicial com a Pedagogia Freinet por via da compra, em 1959, numa livraria de Lisboa (a Sá da Costa, ligada à oposição ao regime), da obra O texto livre, certamente ainda na versão em língua francesa. Num olhar já relativamente distanciado, a educadora prossegue no relato desses tempos primordiais:

De seguida li e maravilhei-me com o tal livro de Freinet, depois seguiram-se as várias peregrinações ao local do Milagre bem como às suas sucursais, até que me tornei parceira da Maria Amália na criação, orientação e trabalho com crianças duma Escolinha Experimental na Rua Maria, aos Anjos. Ali pusemos em prática o que na época se chamavam ‘técnicas Freinet’, técnicas importadas no sentido real do termo, dificilmente importadas dado os tempos serem outros (ALMEIDA, 1992ALMEIDA, Rosalina Gomes. Entrevista evocativa dos 25 anos de MEM. In: VILHENA, Graça; SOARES, Júlia; HENRIQUE, Manuel (Org.). Nos 25 anos do Movimento da Escola Moderna Portuguesa. Lisboa: Movimento da Escola Moderna, p. 27-29, 1992., p. 28).

Dando resposta a uma pergunta por ela mesma formulada - “Como sinto eu hoje as marcas pedagógicas destes anos?” - Almeida (1992ALMEIDA, Rosalina Gomes. Entrevista evocativa dos 25 anos de MEM. In: VILHENA, Graça; SOARES, Júlia; HENRIQUE, Manuel (Org.). Nos 25 anos do Movimento da Escola Moderna Portuguesa. Lisboa: Movimento da Escola Moderna, p. 27-29, 1992., p. 28-29) considera que “no centro desta pedagogia estava a prática no seu sentido mais concreto. A Pedagogia Freinet começou pela subversão das práticas tradicionais”. E acrescenta: “Freinet propunha como matriz do trabalho escolar o vivido dos alunos; o seu vivido social e o seu vivido pessoal”. Estão aqui formuladas duas das conceções centrais da Pedagogia Freinet e ponto de partida do trabalho pedagógico: a centralidade da “prática” e o “vivido dos alunos”. Daí decorre uma transformação radical do papel do professor, que deixa de ser o professor “que tudo sabe” para passar a ser o “orientador e elemento organizador que favorece o trabalho dos alunos, que coloca ao seu alcance os instrumentos e a documentação indispensáveis para que estes avancem no campo experimental”.

Também Santos (1991SANTOS, João dos. Ensaios sobre educação (2 Vol.). Lisboa: Livros Horizonte , 1991., p. 68) que foi, como já vimos, a figura tutelar do movimento de renovação pedagógica dos anos 50 a 70, e que vai estar presente, como verdadeiro pivot, em muitas das experiências escolares fomentadas, releva a importância da Pedagogia Freinet nesse movimento e procura resumir os principais traços da sua apropriação pelos educadores portugueses:

Há Freinet e os seus discípulos, que defendem a escola-oficina, permeável à vida social, onde as crianças reinventam a escola em cada dia, criam os seus textos, fabricam os seus livros, decoram as salas de aula e organizam-se cooperativamente.

Encontramos aqui referência ao ideal de cooperação, absolutamente central na Pedagogia Freinet, mas, também, às ideias de escola-oficina e de escola do trabalho e à produção livre de textos pelos próprios alunos, para além do destaque dado à necessária permeabilidade entre a escola e a vida social.

Uma das marcas visíveis da receção de Freinet pelo campo pedagógico português é dado pelas traduções das suas obras, o que vai acontecer, de forma intensa, entre o final dos anos 60 e a primeira metade dos anos 70, ou seja, entre a fase final do regime autoritário e os tempos subsequentes à Revolução portuguesa. São as seguintes as obras de Freinet (ou de Élise) traduzidas nesse período temporal:

- Em 1969, o Nascimento de uma pedagogia popular: Os métodos de Freinet, de Élise Freinet, publicada pela Editorial Estampa;

- Em 1973, foram publicados quatro livros de Célestin Freinet: Pedagogia do bom senso, publicado pela Moraes Editores; Para uma escola do povo, publicado Editorial Presença; As técnicas Freinet da Escola Moderna, publicado pela Editorial Estampa e O texto livre, publicado pela Dinalivro;

- Em 1974, foram publicados três livros de Freinet: A educação pelo trabalho, publicado pela Editorial Presença; O jornal escolar e Conselho aos pais, ambos publicados pela Editorial Estampa.

Estão igualmente presentes no campo educativo, ao longo desse período, outras propostas que se assumem como alternativas de que são exemplo a pedagogia institucional (de resto, com raízes no movimento Freinet), as pedagogias não diretivas, as teses da “desescolarização” ou o recurso educativo a estratégias inspiradas na psicanálise. Algumas das experiências desenvolvidas acabam por conjugar várias fontes de inspiração construindo projetos educativos marcados por algum hibridismo. O próprio MEM, não obstante o predomínio da Pedagogia Freinet na fase inicial, mostrou-se aberto a outros contributos como reconhece Niza10 10 O livro de Niza (2012) citado nas referências finais é um compilado de textos que foram escritos por ele entre os anos de 1965 a 2010, assim, consideramos necessária a menção do ano em que foi escrito para a contextualização que se propõe. (1998-2012, p. 353): “Durante os primeiros anos, marcaram a prática pedagógica desses profissionais as Técnicas Freinet, a Pedagogia Institucional e os Procedimentos Não Diretivos na educação”.

O Movimento da Escola Moderna (MEM): entre a crítica da Educação Nova e a adoção da Pedagogia Freinet

Não obstante ser a Pedagogia Freinet a grande referência dos movimentos de renovação pedagógica desenvolvidos, em Portugal, a partir dos anos 50 do século XX, é inquestionável a presença, embora mais distante e de forma ambivalente, de muitas das ideias e práticas que marcaram o momento Educação Nova, designadamente no que se refere à centralidade da criança e ao recurso aos métodos ativos. Essa presença é muito clara, por exemplo, em Medeiros (1972-1975MEDEIROS, Maria Amália Borges. As três faces da pedagogia. 2ª ed. Lisboa: Livros Horizonte , 1975., p. 58 e 121) quando afirma o seguinte:

Há implícita em toda a pedagogia ativa uma psicologia que nos diz que se aprende melhor o que se fez por si próprio, que é o ‘aprender fazendo’ de Dewey, a interpretar num sentido muito amplo. Aprende-se fazendo. [...] A partir de Rousseau, e passando por todos os grandes pedagogos da escola ativa, de Pestallozi a Dewey e Freinet, um dos princípios de base, geralmente admitido, é o respeito da criança na criança.

O próprio Niza (1987-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 96) dá conta da presença da herança da Educação Nova quando considera, referindo-se ao MEM, que “radicamos a nossa pedagogia na tradição cultural que nos vem de Claparède”. Em outra ocasião, reafirma a importância da “herança de António Sérgio”, tanto no que diz tanto à “ideia de trabalho cooperativo de aprendizagem” como ao projeto de “formação democrática” (NIZA, 1998-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 357-358). No entanto, fica claro que se começa a sentir algum distanciamento em relação a algumas das perspetivas da Educação Nova. Isso é particularmente visível em Niza (e, por consequência, no MEM) quando, distanciando-se do pedocentrismo da Educação Nova, afirma: “A nossa luta sempre foi com as crianças e nunca para as crianças” (NIZA, 1978-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 57). Noutro momento, compara os três modelos que considera terem-se sucedido na trajetória do pensamento e das práticas educativas:

Na escola tradicional, quem é o ‘senhor todo-poderoso’ é o professor. Na ‘Escola Nova’ propõe-se que o poder deve residir na importância que a criança tem; o professor deve servir a criança. Para nós, parece-nos que a escola deve ser fundamentalmente um lugar onde se vai trabalhar; e é o grupo composto por professores e alunos que constitui a escola. É por isso que as nossas escolas são organizadas cooperativamente (NIZA, 1979-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 61).

Ou seja, recusa-se tanto um ensino centrado no professor como um ensino centrado no aluno. Na Escola Moderna, segundo o autor, é a cooperação, a organização cooperativa do trabalho escolar no interior do grupo (incluindo alunos e professores) que é o essencial. Em artigo do Boletim apresenta-se uma outra formulação para a mesma ideia: “A Pedagogia Freinet não está centrada nem na classe, nem na criança, nem no professor, mas na relação” (MEM, 1977MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA (MEM). Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna. Lisboa, 1974-1981., p. 19), ideia esta que parece antecipar as concetualizações mais recentes sobre a chamada “pedagogia da comunicação”. A aposta é naquilo a que Niza (2001-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 411) chama a “construção social das aprendizagens”, em oposição ao que considera ser o individualismo e o funcionalismo que caracterizavam o pensamento de Claparède. Outra das críticas que Niza (1979-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 60) faz à Educação Nova diz respeito ao seu presumível elitismo:

O Movimento da Escola Moderna, surgindo a partir da ‘Escola Nova’, levanta-se contra a ‘Escola Nova’ para denunciar essa esclerose [burocratização e academicismo]. E consegue, por isso mesmo, como movimento de base que é, manter-se e renovar-se permanentemente […]. Este passo inteiramente novo no campo da pedagogia leva os professores e educadores a: assumirem inteiramente a prática e a teorização da sua prática, não esperando pelos pedagogos ‘iluminados’.

Embora o autor admita a filiação da Escola Moderna na Escola Nova, a sua tese é a de que aquela terá superado esta e, em particular, no facto de a Escola Moderna, ao contrário da sua antecessora, constituir um “movimento de base”, assumindo os profissionais que a constituem a reflexão teórica sobre a sua própria prática, pondo em causa o controlo exercido a esse propósito pelos supostos especialistas da educação.

Em face desse distanciamento, a adoção de Freinet como principal referência teórica por parte do MEM, a partir da sua constituição em meados dos anos 60, surgia como natural, tendo em conta o próprio caminho alternativo que o mestre francês havia feito; as suas ideias apareciam aos olhos desse grupo renovador como verdadeiras novidades e, em particular, as suas “técnicas” surgiam como muito mais próximas do terreno e do trabalho de professores e alunos do que as teorias dos pedagogos ilustres.

Podemos tentar sistematizar, a partir da primeira fase do Boletim (1974-1981), quais os principais traços que dão conta da apropriação da Pedagogia Freinet pelo MEM (PINTASSILGO; PEREIRA; ANDRADE, 2018PINTASSILGO, Joaquim; PEREIRA, A.; ANDRADE, Alda Namora de. Renovação pedagógica em Portugal nos anos 60 e 70 do século XX: o contributo do Movimento da Escola Moderna (MEM). In: MARTÍN SÁNCHEZ, Miguel Ángel et al. Tradición e innovación en la educación europea en los siglos XIX-XX: los casos de España e Portugal (pp. 81-106). Roma: Aracne, 2018). No Boletim n.º 1 (jun. 1974), são apontadas as “finalidades do Movimento” e enfatizadas as seguintes três: 1) “Praticar uma pedagogia de trabalho criador, livremente escolhido e assumido pelo grupo”; 2) “Fazer funcionar o grupo como uma cooperativa de trabalho” [e] “um centro de formação e entreajuda para os participantes”; 3) “Lutar […] por uma transformação profunda das estruturas escolares […], condição essencial para uma educação popular”. Só assim se poderá promover, em síntese, “uma sociedade educativa, permitindo uma vivência democrática, na escola e fora dela, através de um trabalho criador” (MEM, 1974MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA (MEM). Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna. Lisboa, 1974-1981., p. 11). No texto publicado no n.º 2 (MEM, 1980MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA (MEM). Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna. Lisboa, 1974-1981., p.5), com o significativo título O que somos - Pilares de uma prática educativa, afirma-se que o MEM se propõe “formar as crianças e os jovens para a intervenção democrática através de uma intervenção democrática exemplificante” e identificam o que consideram serem as “invariantes” do “modelo educativo” do MEM, com destaque para: 1) “Os conteúdos escolares radicam na vida”; 2) “Os processos de aprendizagem pressupõem a expressão livre como motor e arranque de uma iniciação científica e uma livre intervenção estética”; 3) “A organização democrática dos meios humanos e materiais no ato pedagógico impõem a gestão cooperativa”.

Em síntese esboçada no n.º 2 (MEM, 1979MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA (MEM). Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna. Lisboa, 1974-1981., p. 1) assegura-se que o MEM é “a única força pedagógica capaz de se apresentar ao País como modelo coerente de Educação Escolar que vive, na ação, as regras democráticas de cooperação como estrutura básica do ato pedagógico”. Cremos poder sintetizar o que fica dito nesses diversos momentos através da seguinte seleção de palavras-chave que em boa medida espelham o ideário inicial do MEM: trabalho, criatividade, liberdade, democracia, cooperativismo, vida, ação pedagógica e educação popular. Sublinha-se, ainda, a consideração de que estamos face a uma estrutura coerente interpretada como um “modelo educativo” ou, na terminologia mais recente, como um “modelo pedagógico”.

A presença da Pedagogia Freinet é igualmente visível nos momentos em que os articulistas do Boletim procuram descrever o conteúdo essencial desse “modelo”. Importa, a este propósito, começar por destacar o facto de existirem dois temas omnipresentes nas páginas do Boletim ao longo desta sua fase inicial. Um deles decorre de uma influência direta do pensamento de Freinet, sendo um dos seus principais lugares-comuns. Por exemplo, no n.º 2 (jan. 1977) é referida a “conceção fundamental do tateamento experimental que deve nortear a nossa atuação” e acrescenta-se, mais adiante, a justificação para esta centralidade: “É este conceito, científica e pedagogicamente inovador, o conceito de ‘tateamento experimental’ com toda a sua fundamentação psicopedagógica, que deve ser comunicado aos outros professores das Escolas do Magistério” (MEM, 1977MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA (MEM). Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna. Lisboa, 1974-1981., p. 20). As referências são recorrentes e prendem-se, como vemos na última citação, com a tentativa de legitimar cientificamente as opções pedagógicas assumidas. É visível a presença, nesta fase do pensamento do MEM, de uma preocupação, herdada da Educação Nova, com a cientificidade do seu discurso e dos conceitos que lhe dão suporte. A Carta Pedagógica do MEM, no ponto transcrito no Boletim (MEM, 1978MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA (MEM). Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna. Lisboa, 1974-1981., p. 7), afiança que “o MEM bater-se-á prioritariamente por introduzir na Escola os métodos científicos a partir de um tateamento experimental”. Muito interessante, a este propósito, é o dilema com que somos confrontados:

O nosso objetivo e aspiração sempre presente de construirmos uma Escola Popular assente numa pedagogia científica e de massas parece, de tempos a tempos, vir a ser contrariado por certas conceções elitistas no Movimento provenientes, como é evidente, da exigência técnico-científica que pomos no nosso percurso pedagógico (MEM, 1978MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA (MEM). Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna. Lisboa, 1974-1981., p. 3).

Ou seja, é aqui claramente explicitado o desejo de que o rigor científico e a exigência técnica, que são apanágio do MEM e da sua pedagogia, não colidam com a vontade de construir uma “escola popular” e “de massas”, algo que é indissociável do seu projeto, para além de coerente com o contexto revolucionário por que havíamos passado recentemente.

Outro dos grandes temas presentes de forma transversal no Boletim, mais uma vez um dos conceitos fulcrais da Pedagogia Freinet que é apropriado pelo MEM, é o que se refere à chamada “gestão cooperativa”. No n.º 7 de julho de 1977 cita-se a Carta Pedagógica para afirmar que “a organização do nosso trabalho decorrerá da GESTÃO COOPERATIVA (técnica, administrativa e social) de cada centro escolar com a COMUNIDADE” (MEM, 1977MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA (MEM). Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna. Lisboa, 1974-1981., p. 24). No n.º 5 de 1979 aprofunda-se o tema:

A cooperação é a relação educativa em que nos afirmamos. A cooperação ergue-se a partir de distintas vocações, papéis sociais e idades que, coexistindo, enriquecem e transformam as pessoas que, partindo de um agrupamento, passam a viver um projeto de vida cooperativa (MEM, 1979MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA (MEM). Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna. Lisboa, 1974-1981., p. 3)

A cooperação impregna, nesta perspetiva, toda a vida escolar, da sala de aula à escola e na relação desta com a comunidade. É, por um lado, um valor nuclear do projeto educativo que se procura erguer como base para a transformação das pessoas e do coletivo e, por outro, uma forma de organização e gestão da organização num sentido profundamente democrático. A “Assembleia de alunos” - afirma-se no n.º 4 de abril de 1977 - é característica fundamental de uma classe Freinet” (MEM, 1977MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA (MEM). Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna. Lisboa, 1974-1981., p. 17). E como tal passa para o MEM. Pela primeira vez, em 1980, utiliza-se a expressão “Conselho Cooperativo”, já mais próxima da atualmente em uso, “Conselho de Cooperação Educativa”, apresentando-o como o “órgão que reflete e delibera, que divide tarefas e que avalia os seus resultados com o apoio discreto e empenhado do professor” (MEM, 1980MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA (MEM). Escola Moderna: Revista do Movimento da Escola Moderna. Lisboa, 1974-1981., p. 5).

Uma diferença essencial - e elemento absolutamente central da pedagogia do MEM - é a que se refere à maneira como é encarada a formação de professores, designadamente tendo como ponto de partida o conceito de “isomorfismo pedagógico”, que ainda não aparece nesta fase do Boletim, embora a ideia já lá esteja. O MEM é, à partida e por definição, um espaço que tem em vista a “(auto)formação cooperada” dos professores, para utilizar a expressão usada mais recentemente para definir este seu propósito e que está, desde sempre, muito presente no Boletim. Muitas das notícias ou relatos provenientes de vários pontos do país referem-se, exatamente, a situações em que os professores (do MEM e não só) se juntam para partilhar experiências resultantes das práticas pedagógicas desenvolvidas com os seus alunos, troca essa de experiências que tem uma finalidade eminentemente formativa. Uma das características que mais definem o MEM é esta vontade de romper, desde o início, com formas mais padronizadas ou tradicionais de formação. Os professores surgem, neste contexto, simultaneamente, como destinatários e agentes dessa mesma formação, a qual é desenvolvida entre pares de forma cooperativa, como comunidade de aprendizagem, sendo usadas as mesmas estratégias que deveriam ser usadas por esses professores com os seus alunos.

O “deslocamento” teórico operado pelo MEM nos anos 80

Depois de uma fase inicial muito marcada pelas propostas de Freinet, Niza e o MEM vão apropriar-se de outros contributos teóricos e promover o que o próprio autor designa por “deslocamento” do modelo pedagógico para novas perspetivas (PINTASSILGO; ANDRADE, 2019PINTASSILGO, Joaquim; ALVES, Luís Alberto Marques (Coord.). Roteiros da inovação pedagógica: escolas e experiências de referência em Portugal no século XX. Lisboa: Instituto de Educação da Universidade de Lisboa , 2019.). Vejamos a caracterização que Niza (2009-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 605) nos propõe dessa transformação:

O Movimento da Escola Moderna Portuguesa reorientou, no entanto, desde os anos oitenta, o seu trabalho de formação cooperada e o respetivo modelo pedagógico de intervenção escolar para uma perspetiva comunicativa e sociocultural decorrente dos trabalhos de Vigotsky e da atual perspetiva cultural de Bruner, deslocando-se, assim, dos esforços empreendidos nos primeiros tempos, com o apoio das técnicas Freinet, tendo abandonado, entretanto, a FIMEM.

Esse processo vai ocorrendo paulatinamente ao longo dos anos 80, ainda que a formalização do afastamento em relação à Federação Internacional, que se mantém demasiado ligada às suas raízes, apenas ocorra em 1990. É, como vemos, a leitura dos trabalhos de Vygotsky e de Bruner, entre outros autores mais na linha do construtivismo social e cultural, que inspira esta nova etapa na vida do MEM. Freinet não foi abandonado, mas o seu contributo passa a ser relativizado. Daquilo a que o próprio Niza (1996-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 191) chama uma “conceção empirista da aprendizagem”, assente no famoso “tateamento experimental” de Freinet, a pedagogia do MEM foi evoluindo no sentido da valorização de um modelo centrado na comunicação e na cooperação, ou seja, nas interações sociais e no diálogo cultural a fomentar entre pares (no que se refere aos alunos), mas também com os adultos, em particular os professores. Essa ênfase na cooperação é claramente expressa por Niza (1979-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 67): “A cooperação é a relação em que nos afirmamos”. O mesmo acontece em relação à comunicação: “A comunicação é um dos mecanismos centrais da pedagogia do MEM enquanto fator de desenvolvimento mental e de formação social” (NIZA, 1998-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 355). Igualmente importantes, como nota o autor, são os conceitos de “interação” e de “ensino interativo”: “É por isso que eu prefiro o conceito de ensino interativo, introduzido pelos socio-cognitivistas, porque o ensino interativo tem como base a comunicação, o diálogo para aprender” (NIZA, 2005-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 515). Nessa mesma linha, a “socialização dos produtos escolares” adquire uma enorme relevância como expressão da cooperação e da interação e forma de comunicação: “Uma das perspetivas culturais da nossa ação pedagógica é a socialização dos produtos escolares” (NIZA, 2001-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 405).

Na ótica do MEM, a intenção é, agora, valorizar não a criança em si, mas as relações que ela estabelece com os outros como elemento central da aprendizagem, designadamente através de projetos de estudo e de intervenção desenvolvidos em cooperação. Na síntese de Niza (1996-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 191): “Do enfoque pedocêntrico [os educadores do MEM] deslocaram a gestão do ato pedagógico para uma visão sociocêntrica da educação escolar”.

Um dos aspetos que é interessante sublinhar é o facto deste processo de “deslocamento” em relação ao modelo original, na interpretação de Niza, não representar uma adesão a uma qualquer “moda” mais recente, mas antes um esforço de reflexão crítica sobre os próprios fundamentos e de interpretação original tanto da trajetória seguida até aí como dos caminhos a percorrer no futuro. Particularmente significativa, a esse propósito, para além do brilhantismo retórico, é a citação que a seguir se apresenta:

Hoje, portanto, já não somos António Sérgio, já não somos Rui Grácio, já não somos Maria Amália Borges, já não somos Freinet. Somos aquilo que pudemos construir a partir deles e, quantas vezes, contra eles. Mas já não somos também nem eu, nem a Rosalina; somos uma dinâmica muito forte e contraditória, com muitas áreas de luz e muitas áreas de penumbra, tal como a vida real, autêntica, para sermos autênticos e verdadeiros (NIZA, 1987-2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012., p. 167).

O contributo dos vários mestres é generosamente reconhecido, mas não reverenciado ou sacralizado. Eles foram, cada um a seu tempo e a seu modo, uma preciosa fonte de inspiração, mas o passo seguinte é o da superação, incluindo-se nesse gesto os líderes carismáticos da fase inicial do MEM, o próprio Sérgio Niza acima de todos.

Considerações Finais

A Pedagogia Freinet surgiu pela primeira vez em Portugal no final dos anos 20 do século XX por iniciativa de Álvaro Viana de Lemos, uma das figuras nacionais do movimento da Educação Nova. No entanto, rapidamente caiu no esquecimento no ambiente fortemente repressivo (também no plano pedagógico) que marcou as décadas iniciais do Estado Novo salazarista. A herança de Freinet foi redescoberta no final dos anos 50, no âmbito do movimento de renovação pedagógica que se desenvolveu à margem do regime e que teve como figuras de referência Maria Amália Borges Medeiros, João dos Santos e Rui Grácio. O MEM, criado em meados dos anos 60, tendo como principal inspirador Sérgio Niza, veio a tornar-se o principal movimento pedagógico presente no campo educativo português entre esse momento e a atualidade. O ideário do MEM encaixa na perfeição no conceito de “tradição de inovação” cunhado por Peter Burke. Por um lado, é inquestionável o seu enraizamento na tradição progressista; por outro lado, é visível o permanente esforço feito no sentido de repensar o modelo, o que permite que o possamos continuar a olhar na perspetiva da inovação pedagógica, em todo o caso um rótulo sempre problemático.

A análise a que aqui procedemos permitiu-nos uma aproximação ao “modelo pedagógico” do MEM, tal como se expressa na fase inicial, tanto no que diz respeito aos princípios que lhe estão subjacentes como às “técnicas” então privilegiadas. Este é um momento em que é claramente visível a forma como o MEM se apropria das ideias e das práticas educativas propostas por Freinet e as integra nas suas conceções pedagógicas. Embora estejam presentes outras fontes de inspiração, este é um momento em que a Pedagogia Freinet surge, inequivocamente, não só como a grande referência doutrinária, mas, também, como o repositório de técnicas educativas a que os militantes do MEM recorrem na sua luta pela renovação pedagógica, por uma escola diferente e, também, pela transformação da sociedade. Os anos subsequentes conduzirão a um alargamento e aprofundamento da respetiva fundamentação teórica, labor a que se dedicou em particular Sérgio Niza, e a um relativo distanciamento em relação a esta identificação tão próxima para com a herança de Freinet e a prevalência das suas “técnicas”, ainda que elas mantenham uma presença visível tanto nos “instrumentos de planeamento e estruturação do trabalho” (NIZA, 2001-2012, p. 412) usados pelo MEM como em muitas das práticas educativas desenvolvidas nos contextos escolares alternativos portugueses da atualidade.

Para terminar, gostaríamos de destacar os principais momentos em que é evidenciado o caráter transnacional da receção da pedagogia Freinet no caso português. Os contactos iniciais resultam em estágios de educadoras portuguesas em escolas Freinet. Na interpretação do MEM, a sua história inicia-se com o seu reconhecimento simbólico pela FIMEM no congresso de 1966 em Perpignan. À influência inicial da pedagogia Freinet junta-se a de outros modelos com grande circulação internacional entre os anos 60 e 70, como são os casos da pedagogia institucional e da pedagogia não-diretiva. A sua difusão dá-se igualmente por via da tradução de obras de Freinet, Carl Rogers e Ivan Illich, entre outros. Além disso, João dos Santos e Sérgio Niza viveram algum tempo em França e Maria Amália Borges Medeiros no Canadá. Do mesmo modo, o “deslocamento” teórico operado pelo MEM nos anos 80, e o afastamento em relação à FIMEM, resultaram da receção de autores ligados ao construtivismo sociocultural e com ampla circulação internacional nesse momento, Vygotsky e Bruner acima de todos. Em síntese, a receção da pedagogia Freinet em Portugal e, em particular, a trajetória do MEM são excelentes exemplos de como o campo pedagógico português se construiu em permanente diálogo com os modelos pedagógicos em circulação internacional.

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  • 1
    (1874-1943): Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra em 1900. Exerceu uma carreira jurídica até 1910; a partir daí passa a dedicar-se à educação e à cultura (teatro e tradução). Foi professor na Escola Oficina n° 1 de Lisboa e grande inspirador do processo de renovação pedagógica aí empreendido. Foi professor da Escola Normal de Lisboa e do Liceu Pedro Nunes, para além de ter colaborado intensamente com diversas associações educativas e culturais. Assumiu-se como intelectual anarquista e pacifista. Dirigiu a Revista Educação Social (1924-1927) e foi autor de livros e artigos diversos sobre educação.
  • 2
    (1883-1969): Foi, inquestionavelmente, um dos grandes intelectuais portugueses do século XX. Iniciou a carreira militar, mas rapidamente desistiu para se dedicar à ação cívica, cultural e pedagógica. Frequentou, como aluno, o Instituto Jean-Jacques Rousseau de Gèneve (1914-1916), daí resultando a sua ligação às ideias da Educação Nova. Foi, por um curto período, Ministro da Instrução Pública. Esteve ligado a vários projetos editoriais, com destaque para a Revista Seara Nova, cuja publicação se iniciou em 1921. É autor de uma bibliografia vasta, destacando-se, no campo da educação, a obra Educação Cívica (1915), onde faz apologia do self-government escolar. Foi igualmente pioneiro como teórico do cooperativismo. Durante o Estado Novo foi um dos mais destacados membros da oposição política ao regime autoritário.
  • 3
    (1881-1972): Começou a sua carreira como militar, mas, logo, os seus interesses se viraram para a educação. Fez formação na área das artes em Bruxelas (1908-1909) e, ao regressar, dedica-se ao ensino a partir de 1909. Foi professor de trabalhos manuais no Instituto dos Pupilos do Exército (1911-1914) e na Escola Normal de Lisboa (1915-1916). Em 1919, depois de nova passagem pelo exército, torna-se professor da Escola Normal de Coimbra de onde será afastado pelo Estado Novo, na sequência da sua prisão, em 1934. Foi um dos impulsionadores do movimento da Educação Nova em Portugal, teve uma atividade pioneira na área dos trabalhos manuais educativos, manteve um intenso intercâmbio com educadores internacionais e colaborou ativamente na imprensa pedagógica.
  • 4
    (1873-1944): Cursou Antropologia em Paris e dedicou-se, principalmente, à atividade literária e teatral e à ação educativa. Foi maçom, republicano e libertário tendo colaborado assiduamente no órgão anarquista A Batalha e na imprensa pedagógica. Foi professor da Escola Oficina nº 1 e seu responsável pedagógico a partir de 1918. Colaborou ativamente com a Associação de Professores de Portugal e com a Universidade Popular Portuguesa. Visitou a Rússia em 1925, tendo publicado a seguir as suas impressões sobre essa viagem. Foi preso durante a Ditadura Militar que antecedeu o Estado Novo.
  • 5
    (1919-1971): Licenciou-se em ciências histórico-filosóficas e foi professora tanto do ensino privado como do ensino público, de onde foi afastada por via da sua colaboração com a oposição ao Estado Novo. Criou uma escola experimental, onde experimentou as técnicas Freinet, e dirigiu durante algum tempo o Centro Helen Keller. Partiu para o Canadá em 1963, para escapar à perseguição política, tendo aí sido professora universitária e editora de revistas na área de ciências da educação.
  • 6
    (1913-1987): Iniciou o seu percurso profissional como professor de educação física, tendo-se depois formado como médico e especializado em psiquiatria infantil. Militou na oposição política ao regime autoritário. Trabalhou em Paris com Henri Wallon entre 1946 e 1950. Regressado a Portugal, foi um dos principais dinamizadores de algumas das experiências escolares alternativas desenvolvidas a partir dos anos 50 como o Colégio Claparède e o Centro Helen Keller. Desenvolveu uma abordagem particular que designou por “pedagogia terapêutica”.
  • 7
    (1921-1991): Licenciou-se em ciências histórico-filosóficas e foi professor do Liceu Francês Charles Lepierre, em Lisboa (1947-1972). Militou na oposição política ao regime autoritário, tendo sido um dos fundadores do Partido Socialista (1973). Desenvolveu atividades, partir de 1963, no âmbito do Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Calouste Gulbenkian. Após a Revolução de 1974 foi membro do governo (como Secretário de Estado), tendo sido o impulsionador de algumas das principais reformas empreendidas nesse conturbado período.
  • 8
    (Nascido em 1940): Iniciou o seu percurso profissional na cidade de Évora, onde fez a sua formação como professor primário. Foi afastado do ensino oficial devido às suas atividades de oposição ao regime. Trabalhou na Fundação Calouste Gulbenkian e no Centro Infantil Helen Keller, tendo igualmente estado como bolseiro em Paris. Foi um dos fundadores do Movimento da Escola Moderna Portuguesa (MEM), tendo-se transformado, pelos seus escritos e pela sua ação, na sua principal referência teórica e figura tutelar.
  • 9
    Dado o formato que a publicação teve entre os anos de 1974 e 1981, esclarecemos que, ao longo do artigo, será utilizada a palavra Boletim para referenciarmos a publicação Escola Moderna.
  • 10
    O livro de Niza (2012NIZA, Sérgio. Escritos sobre Educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012.) citado nas referências finais é um compilado de textos que foram escritos por ele entre os anos de 1965 a 2010, assim, consideramos necessária a menção do ano em que foi escrito para a contextualização que se propõe.

Editado por

Editora responsável:

Patrícia Weiduschadt

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Abr 2023
  • Aceito
    08 Dez 2023
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