Open-access A CONQUISTA DA ESCOLA: A ESCOLA NOVA ENTRE O MANIFESTO E AS PRÁTICAS ADMINISTRATIVAS

THE CONQUEST OF THE SCHOOL: THE NEW SCHOOL BETWEEN THE MANIFESTO AND ADMINISTRATIVE PRACTICES

LA CONQUISTA DE LA ESCUELA: LA ESCUELA NUEVA ENTRE EL MANIFIESTO Y LAS PRÁCTICAS ADMINISTRATIVAS

LA CONQUÊTE DE L'ÉCOLE : L'ÉCOLE NOUVELLE ENTRE LE MANIFESTE ET LES PRATIQUES ADMINISTRATIVES

Resenha do livro: PAULILO, André Luiz. Escola Nova: políticas de reconstrução: a educação no Rio de Janeiro e em São Paulo (1927-1938) Campinas, SP Editora da Unicamp 2022

Resenha do livro: PAULILO, André Luiz. Escola Nova: políticas de reconstrução: a educação no Rio de Janeiro e em São Paulo (1927-1938). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2022.

Produzir sobre o tema da Escola Nova no Brasil, para além da dificuldade em encontrar espaços por dentre trabalhos já amplamente difundidos e estabelecidos, corresponde a tarefa árdua, também, pela recorrência e amplitude de estudos que se dedicaram sobre este período da Educação brasileira. Nomes como Carvalho (1998), Catani (2003), Chaves (2001), Nunes (2000), Vidal (1992; 2001), Xavier (2002), Warde (2004) e Coniff (2006), compõem um pequeno, mas representativo grupo destas pesquisas. Estas adversidades, entretanto, não comprometeram a unicidade do trabalho de André Paulilo em “Escola Nova: políticas de reconstrução (2022).

Professor pelo departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da Unicamp (FE-Unicamp), Paulilo propõe, neste livro que é fruto de seu processo de livre-docência, novos e ampliados caminhos para um tema que já vem perseguindo desde seu mestrado (2001; 2007; 2015a; 2015b; 2017a; 2017b; 2019; 2020). Nesta investida mais recente, a administração escolar durante os anos 1920-1930, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, é vista assim, a partir da perspectiva das estratégias empreendidas pelos reformadores ligados ao Manifesto dos pioneiros da educação (1932).

Lançado oficialmente no final de 20221, o livro percorre então este mesmo recorte, trazendo, entretanto, um novo olhar sobre “os agenciamentos e os recuos” (PAULILO, 2022; p. 257) empreendidos pelos pioneiros. Devedor aos trabalhos pioneiros de Clarice Nunes e Diana Vidal, que se aproximaram dos cotidianos da Educação carioca do início do século XX, mas sem perder de vista os aspectos sócio-políticos já amplamente abordados pela historiografia, Paulilo promove o acercamento entre estratégias administrativas e a composição da burocracia educacional. Se distancia, então, ainda mais das explicações abrangentes e flerta com as contradições e dificuldades práticas que os processos reformistas educacionais enfrentaram na figura de seus diretores.

Dividindo a análise em três partes, nove capítulos compõem as trajetórias de Fernando de Azevedo, Manuel Bergstrom Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Antônio de Almeida Júnior de forma intercomunicativa. Caminhando por dentre as reformas educacionais efetuadas na cidade de São Paulo e no então Distrito Federal, Paulilo recorta o intervalo que vai de 1927 a 1938 em sua dupla significação: educacional e política. Iniciando sua análise com a reforma de Fernando de Azevedo no Rio de Janeiro em 1927, pouco antes do processo revoltoso que colocaria Getúlio Vargas no poder, vai até o final da administração de Almeida Jr. em São Paulo em 1938, logo após o endurecimento do governo, com o estabelecimento do regime ditatorial conhecido como Estado Novo.

Ao voltar o olhar para as ações administrativas educacionais e, em suas palavras, ao “exercício do mando” (PAULILO, 2022; p. 11) Paulilo traz luz às estratégias das quais lançaram mão os signatários do Manifesto que alçaram cargos de direção na instrução pública no período. Por dentre o progressivo avanço de setores conservadores na política, sobretudo associados à Igreja católica (PAULILO, 2022; pp. 60-61), apresenta assim diferentes nomes que, ligados diretamente ou não ao movimento, participaram destes processos de conformação das instituições de controle educacional no período. Desta forma, a narrativa se compõe de modo a permitir que a comparação entre a capital paulista e a carioca esteja sempre em comunicação e sem o paralelismo simplista que um exercício deste estilo arrisca promover.

A primeira parte do livro concatena assim a direção educacional de Fernando de Azevedo no então Distrito Federal a partir de 1927, com o mando de Lourenço Filho em São Paulo a partir de 1930. São abordados neste sentido aspectos da constituição da Diretoria Geral do Ensino (SP) e da Diretoria Geral de Instrução Pública (RJ), as discussões em torno deste projeto pelos jornais da época, bem como entre as relações políticas estabelecidas para difusão da renovação escolar. Fica evidente então a principal hipótese sobre a qual a pesquisa se dedicou: os diferentes usos e apagamentos implícitos da expressão Escola Nova deram-se não somente por sua aplicação enquanto teoria educacional, mas também pelas negociações e cenários políticos nos quais estiveram inseridos os principais nomes do movimento (PAULILO, 2022; pp. 73-74).

Assim, na percepção de Paulilo (2022, pp. 53-54), se para Azevedo havia a necessidade premente de garantir um capital político para si que firmasse o papel da Escola Nova e a racionalização da renovação educacional no Rio de Janeiro; para Lourenço Filho, três anos depois em São Paulo, não se tratava de estabelecer-se nas propostas escolanovistas, mas fazê-las efetivas em um espaço politicamente hostil.

Traz então, para a segunda parte do livro, uma análise aprofundada das publicações com as quais estiveram envolvidos Fernando de Azevedo e Lourenço Filho. Dos usos dos periódicos oficiais de cada Diretoria nas estratégias administrativas, aos trabalhos particulares de editoração de coleções de livros, há a preocupação do autor em “saber como se fizeram agir as diferenças” nas “estratégias de representação do escolanovismo no Rio de Janeiro e em São Paulo” (PAULILO, 2022; p. 113).

Reconhecendo no Boletim de educação pública, criado por Fernando de Azevedo no início de 19302 e na Revista Escola Nova de Fernando de Azevedo3“mais ruídos que ressonâncias”, Paulilo aborda tais diferenças a partir das estratégias de “dar à Escola Nova uma fundamentação e um método de utilização que haviam escapado às normas da administração ou sido preteridas pelo magistério por outras práticas de ensino” (PAULILO, 2022; p. 117). Desta forma, a análise da escolha dos autores, a disposição dos diferentes momentos políticos e de gestão de cada periódico, e o exame da criação de redes de sociabilidade, são aspectos presentes também na investigação das coleções.

Não se preocupou, desta forma, com as estratégias editoriais em si, como o fez, e magistralmente bem, Maria Rita de Almeida Toledo (2001; 2020) mas toma as produções periódicas na perspectiva das articulações promovidas por sujeitos que se equilibravam entre a defesa de um ideal educacional e as investidas políticas. Esta perspectiva permite trazer novos objetos para a pesquisa da implementação das políticas educacionais frente aos desafios que o campo impõe quanto a fronteiras institucionais (POPKEWITZ, 1997).

Os trabalhos de editoração de Fernando de Azevedo na Biblioteca Pedagógica Brasileira junto a Companhia Editora Nacional e de Lourenço Filho na Bibliotheca de Educação (sobretudo a série Atualidades Pedagógicas) junto à Editora Melhoramentos são percebidos então, na sua capacidade tanto de afirmar “a autoridade técnica de seus principais colaboradores” quanto de atuar “para encontrar e produzir os leitores necessários” (PAULILO, 2022; p. 137). Como parte nos feitos de “aparelhar os serviços escolares e controlar a formação docente” (Idem), interessou a Paulilo observar ambas as coleções a partir do crescimento da ideia de Escola Nova, “beneficiada pelo que foi o advento reformista dos anos 1920-1930, pelos circuitos de especialização que então se consagrou e pela mistura entre os chamados técnicos da educação e a burocracia do estado” (PAULILO, 2022; p. 142).

Como conclusão ao capítulo 6 aponta que, após o recrudescimento do conservadorismo e da repressão do regime de Getúlio Vargas a partir de 1934, os signatários do Manifesto “gravitavam na periferia do círculo restrito de pessoas que formulavam e executavam estratégias políticas de longo prazo na educação” (PAULILO, 2022; p. 162). Contudo, no capítulo 7, Paulilo reconstrói as estratégias de Anísio Teixeira na composição da “escola progressista” em alternativa ao termo “Escola Nova” (PAULILO, 2022; 181-183) e os usos e apropriações que seu esforço gerou, alcançando as práticas e os cotidianos já não só dos reformadores, mas de professoras e atores ligados diretamente ao chão da escola (PAULILO, 2022; p. 192).

Por fim, mas não menos importante, os dois últimos capítulos da última parte voltam seu olhar para São Paulo, com a reforma de Fernando de Azevedo em 1933, e para o período posterior, com a gestão de Almeida Júnior a partir de 1935. O entusiasmo do momento pós-lançamento do Manifesto é contraposto assim aos desmontes que os anos que antecedem o “Estado Novo” trazem.

Se a Fernando de Azevedo foi possível elaborar e efetivar o Código de Educação de 1933 em apenas seis meses, garantindo a centralização dos órgãos de controle escolares e a difusão de ideais da Escola Nova nos moldes como já havia balizado no Distrito Federal (PAULILO, 2022; pp. 200-201); por outro lado, a Almeida Jr. coube a tentativa de recuperação dos princípios do Código de 1933 após anos de políticas descentralizadoras encabeçadas por Sud Mennucci, João Toledo, Francisco Azzi e Luís Motta Mercier. Para ambos, entretanto, coube um “abandono” da designação “Escola Nova”. Entretanto, se para Fernando de Azevedo a manobra serve à “promoção e defesa da reforma do ensino” (PAULILO, 2022; p. 199); para Almeida Jr., a dependência da “receptividade às inovações” frente a uma “estrutura da escola paulista tradicional” justifica o apagamento (PAULILO, 2022; p. 229).

Não sendo possível abarcar todo o trabalho minucioso de André Paulilo, intentou-se aqui, ao menos, tornar mais visível a engenhosa narrativa que o autor promoveu por entre reformas e reformadores, sem descuidar das práticas. “Escola Nova: políticas de reconstrução” garante, de forma mais que satisfatória, uma análise por dentre as “ambições e inventivas” (PAULILO, 2022; p. 9) dos reformadores, como se teve em vista demonstrar neste exercício de leitura e análise, mas deixa a necessária e intencional sensação de que ainda há muito a se realizar no que se refere ao campo das práticas astuciosas que desafiaram os diretores e suas estratégias. O livro de Paulilo permite assim, uma leitura instigante pela multiplicidade de interpretações da noção de “Escola Nova”; revisita a historiografia sobre o tema de forma metódica e abrangente ao passo que permite se pensar novos caminhos para a continuidade da pesquisa em História da Educação no que se refere ao período. Na impossibilidade de traçar todos os caminhos aqui, buscou-se, ao menos, garantir um panorama justo do trabalho.

Referências

  • CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde nacional e fôrma cívica: higiene, moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931). Bragança Paulista: Edusf, 1998.
  • CATANI, Denice Barbara. Educadores à meia-luz: um estudo sobre a revista de ensino da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo (1902-1918). Bragança Paulista: Edusf , 2003.
  • CHAVES, Miriam Waidenfeld. A escola anisiana dos anos 30: fragmentos de uma experiência - A trajetória pedagógica da Escola Argentina no antigo Distrito Federal (1931-1935). Tese (Doutorado em Educação) - Departamento de Educação, PUC-RJ. Rio de Janeiro, 2001.
  • CONNIFF, Michael. Política urbana no Brasil. A ascensão do populismo, 1925-1945. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 2006.
  • MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA. A reconstrução educacional no Brasil - Ao povo e ao governo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1932.
  • NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Bragança Paulista: Edusf , 2000.
  • PAULILO, André Luiz. Reforma Educacional e Sistema Público de Ensino no Distrito Federal na década de 1920. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2001.
  • PAULILO, André Luiz. A Estratégia como Invenção: as políticas públicas de educação na cidade do Rio de Janeiro entre 1922 e 1935. 2007. 430 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2007.
  • PAULILO, André Luiz. A docência e a memória: escritas e lembranças da educação. Campinas: Leitura Crítica, 2015b.
  • PAULILO, André Luiz. A compreensão histórica do fracasso escolar no Brasil. Cadernos De Pesquisa (Fundação Carlos Chagas Online), v. 47, p. 1252-1267, 2017a.
  • PAULILO, André Luiz. Um Capítulo da História da Formação e da Profissão Docente no Brasil: o Instituto De Educação do Distrito Federal e sua historiografia. Educação & Sociedade (Impresso), v. 38, pp. 117-132, 2017b.
  • PAULILO, André Luiz. Inventivas Administrativas nas Reformas da Instrução Pública (Distrito Federal 1922-35). Cadernos De História Da Educação (Online), v. 18, pp. 191-207, 2019.
  • PAULILO, André Luiz. Casos e Histórias da Profissionalização Docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1928-1935). História da Educação, v. 24, pp. 1-26, 2020.
  • PAULILO, André Luiz. Políticas Púbicas de Educação: a estratégia como invenção: Rio de Janeiro, 1922-1935. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2015a.
  • PAULILO, André Luiz. Escola Nova: políticas de reconstrução: a educação no Rio de Janeiro e em São Paulo (1927-1938). Campinas, SP: Editora da Unicamp , 2022.
  • POPKEWITZ, Thomas S. Reforma Educacional: uma política sociológica. Poder e Conhecimento em Educação. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997.
  • TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Coleção Atualidades Pedagógicas: do projeto político ao projeto editorial (1931-1981). São Paulo, Edusp, 2020.
  • TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Coleção Atualidades Pedagógicas: do projeto político ao projeto editorial (1931-1981). São Paulo, Pontifícia Universidade Católica, 2001, 295 p. (Tese de Doutorado em Educação).
  • VIDAL, Diana Gonçalves. Fragmentos para uma história da educação no Distrito Federal (1930-1935): análise do Boletim de educação pública. São Paulo, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), 1992, mimeo, 75 p.
  • VIDAL, Diana Gonçalves. O exercício disciplinado do olhar: leituras e práticas de formação docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937). Bragança Paulista: Edusf , 2001.
  • WARDE, Miriam Jorge. Legado e legatários: questões sobre o Manifesto dos pioneiros da educação nova. In: XAVIER, Maria do Carmo (org.). Manifesto dos pioneiros da educação: um legado educacional em debate. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2004, pp. 221-240.
  • XAVIER, Libânia Nacif. Para além do campo educacional: um estudo sobre o Manifesto dos pioneiros da educação nova (1932). Bragança Paulista: Edusf , 2002.
  • 1
    Lançado na penúltima semana do mês de dezembro de 2022, o livro chega oficialmente às livrarias no final do primeiro trimestre de 2023 e seu lançamento oficial se dá em junho daquele ano.
  • 2
    Paulilo (2022; p. 105) aponta que a criação do periódico estava prevista desde o “Regulamento do Ensino” de 1928 (Decreto n.º 3.281), porém, seu primeiro número foi publicado somente no ano de 1930, já com uma organização diferente da proposta em 1928.
  • 3
    A Revista Escola Nova em São Paulo iniciou suas publicações em outubro de 1930, substituindo a publicação da “Revista Educação” que vinha sendo publicada desde 1927 (PAULILO, 2022; pp. 107-108).

Editado por

  • Editor responsável:
    Eduardo Cristiano Hass da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    08 Maio 2024
  • Aceito
    05 Ago 2024
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