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EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS E DAS SENSIBILIDADES: ENTRE A MODA ACADÊMICA E A POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÃO NO ÂMBITO DAS PESQUISAS EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO1 1 Uma versão reduzida deste trabalho foi produzida para fins de publicação no formato de capitulo de livro, em língua espanhola, a convite dos colegas Pablo Pineau e Nicolas Arata, da Universidade de Buenos Aires. Agradeço aos colegas pela gentil autorização para a publicação no Brasil, em versão ampliada e como artigo.

Resumo

O artigo, de caráter teórico-historiográfico, discute a voga atual de estudos sobre a história da educação dos sentidos e das sensibilidades. Inicia-se com a apresentação do tema “sensibilidades” e a sua presença em diferentes tradições historiográficas, mostrando como não é nova essa abordagem no campo da História. Em seguida, ainda na sua primeira parte, discute a chegada recente do tema nos debates da História da Educação na América Latina. Na segunda parte, apresenta e situa um conjunto de estudos de caráter monográfico desenvolvidos pelo Núcleo de Estudos sobre a Educação dos Sentidos e das Sensibilidades - Nupes, da FAE/UFMG, em parceria com pesquisadores do Brasil e de outros países, discutindo alguns dos seus pressupostos básicos. Finaliza o texto a problematização dos limites, dos riscos e do alcance da história da educação dos sentidos e das sensibilidades como uma voga que se equilibra entre o modismo acadêmico e a possibilidade de arejamento das formas consagradas de inquirir o passado e o presente da educação no âmbito latino-americano.

Palavras-chave:
história da educação; história da educação dos sentidos e das sensibilidades; historiografia

Abstract

The article, in a theoretical-historiographic perspective, discusses the current trend of studies on the history of education of the senses and sensibilities. It begins with the presentation of the theme "sensibilities" and its presence in different historiographical traditions, showing how this approach in the field of History is not new. Then, in its first part, it discusses the recent arrival of the theme in the debates of History of Education in Latin America. In the second part, it presents and situates a set of monographic studies developed by the Center for Studies on the Education of Senses and Sensibilities - Nupes, FAE/UFMG, in partnership with researchers from Brazil and other countries, discussing some of their basic assumptions. The text concludes by discussing the limits, risks, and scope of the history of education of the senses and sensibilities as a trend that balances between academic fad and the possibility of renovating the consecrated forms of investigating the past and the present of Latin American education.

Keywords:
history of education; history of the education of senses and sensibilities; historiography

Resumen

El artículo, de carácter teórico-historiográfico, discute la actual ola de estudios sobre la historia de la educación de los sentidos y de las sensibilidades. Se inicia con la presentación del tema "sensibilidades" y su presencia en diferentes tradiciones historiográficas, señalando cómo no es nuevo ese enfoque en el campo de la historia. A continuación, aún en su primera parte, discute la llegada reciente del tema en los debates de la Historia de la Educación en América Latina. En la segunda parte, presenta y sitúa un conjunto de estudios de carácter monográfico desarrollados por el Núcleo de Estudios sobre la Educación de los Sentidos y de las Sensibilidades - Nupes, de la FAE/UFMG, en asociación con investigadores de Brasil y de otros países, discutiendo algunos de sus elementos básicos. Finaliza el texto la problematización de los límites, de los riesgos y del alcance de la historia de la educación de los sentidos y de las sensibilidades como una ola que se equilibra entre el modismo académico y la posibilidad arrojar nuevos aires en las formas consagradas de inquirir el pasado y el presente de la educación en el ámbito latinoamericano.

Palabras-clave:
historia de la educación; historia de la educación de los sentidos y de las sensibilidades; historiografía

Résumé

Dans cet article, de caractère théorique et historiographique, nous discutons l’actuelle vogue des études sur l'histoire de l'éducation des sens et des sensibilités. Nous commençons par la présentation du thème des «sensibilités» et sa présence dans de différentes traditions historiographiques, montrant que cette approche n'est pas nouvelle dans le domaine de l'Histoire. Ensuite, toujours dans la première partie, nous traitons de la récente arrivée du thème dans les débats de l'Histoire de l'Éducation en Amérique latine. Dans la deuxième partie, nous présentons et situons un ensemble d'études de caractère monographique développées par le Groupe d'Étude sur l'Éducation des Sens et des Sensibilités - Nupes, FAE/UFMG, en partenariat avec des chercheurs du Brésil et d'autres pays, en discutant certains de leurs hypothèses de base. Nous terminons le texte par la problématisation des limites, des risques et de la portée de l’histoire de l’éducation des sens et des sensibilités comme une vogue qui s'équilibre entre l'engouement académique et la possibilité d'aération des formes consacrées d'examiner le passé et le présent de l’éducation en Amérique latine.

Mots-clés:
histoire de l’éducation; histoire de l’éducation des sens et des sensibilité; historiographie

1. História da educação dos sentidos e das sensibilidades: um novo campo de estudos?

Assim Anne-Emmanuelle Demartini inicia o verbete Sensibilidades, segundo o Dictionnaire de l’historien (GAUVARD; SIRINELLI, 2015):

“A Sensibilidade e a História: sujeito novo. Não conheço o livro onde ele seja tratado. Não vejo, inclusive, que os múltiplos problemas que ele engaja se encontrem formulados em algum lugar”. Esta proposição de Lucien Febvre, co-fundador dos Annales, em 1941, diz bastante acerca do quanto a sensibilidade esteve longo tempo fora da história. Essa faculdade do sujeito de ser afetado por uma modificação exterior remete a um conjunto heterogêneo de fenômenos, mais ou menos complexos, colocando em jogo, ao mesmo tempo, o corpo e o espírito: percepções, sensações, sentimentos e emoções. Nesse domínio, a negligência dos historiadores se alimentava de evidências relativas ao caráter transcultural das emoções (todos os homens amariam, sofreriam, gozariam da felicidade da mesma maneira em todas as épocas), evidências que estão hoje ultrapassadas. De agora em diante, aliás, os historiadores preferem falar nas sensibilidades. O plural exprimindo melhor o caráter variável e coletivo dos fatos sociais, inteiramente culturais, que justifica o estudo histórico. (p. 642).2 2 A tradução deste verbete para a língua portuguesa foi de Natália de Lacerda Gil, a quem agradeço.

O fato daquela noção, assim como a de sentidos, aparecerem como verbetes em um dicionário especializado recente, parece atestar que ambas, mais do que palavras neutras e vazias de sentido, se estabilizaram no léxico dos historiadores contemporâneos.

O tema sentidos e sensibilidades pode parecer, aos menos familiarizados, novo no debate historiográfico. Porém, só podemos pensar dessa forma se esquecermos muitas significativas contribuições, tais como as de Johan Huizinga, no seu fascinante O outono da Idade Média, de 1919. Ou mesmo aquelas de Paul Zumthor (1993, 2005), Werner Jaeger (1986JAEGER, Werner. Paideia. A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1986.), Norbert Elias (1991ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.), Mikhail Bakhtin (1999BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. São Paulo: Hucitec-Brasília, Edunb, 1999.), Walter Benjamin (2008_____. Obras - libro 1, vol. 2. Madrid: Abada, 2008., 2009, 2012, 2013), Edward Thompson (1989, 1998), Carlo Ginzburg (1989_____. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989., 2010) e tantos outras referências para aquilo que fazemos nesse domínio, nas mais diferentes tradições historiográficas. Mas é de se supor que foi Lucien Febvre (1985FEBVRE, Lucien. A sensibilidade e a história. In: Combates pela História. Lisboa: Presença, 1985.) o primeiro a propor nesses termos a preocupação com as sensibilidades como necessidade premente de uma história social da cultura, ainda na década de 1950. Na sua esteira, Alain Corbin (2005CORBIN, Alain. O prazer do historiador. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 25, n. 49, p. 11-31, 2005.) parece ser o autor que mais tem se ocupado desse domínio, na esfera de influência dos herdeiros dos Annales. No entanto, certamente quem se mobilizou pelo estudo da história das sensibilidades foi Peter Gay (1989), sobretudo com a sua monumental obra em cinco volumes sobre a cultura vitoriana. Assim, se podemos pensar em um novo e recente domínio de estudos no âmbito da História da Educação, não devemos esquecer que esta matéria já é objeto dos historiadores de diferentes tradições teórico-metodológicas há décadas.

Em relação à América Latina, embora seja necessário e prudente percorrer a tradição historiográfica de cada país, algo que os limites do autor não permitem fazer aqui, não é demais lembrar pelo menos a obra de Gilberto Freyre, de 1936, em relação ao Brasil, além dos ensaios históricos do colombiano Willian Ospina (1999, 2008). Mas quem, de fato, assumiu sem hesitação a rubrica história da sensibilidade foi o uruguaio José Pedro Barrán, em 1989.

Um dos traços definidores dessa perspectiva de estudos históricos é a sua face tanto multi quanto transdisciplinar. Se Febvre advogava a necessidade de diálogo dos historiadores com o campo da Psicologia, outros dos autores acima citados desenvolveram os seus estudos mirando a Antropologia, a Psicanálise, a Sociologia Histórica, a Filosofia, a Linguistica, a Estética e, mais recentemente as chamadas Neurociências. Portanto, esse domínio de estudos nos impele a ampliar os canais de diálogo com os mais diversos campos disciplinares, daí emergir parte do seu fascínio e das dificuldades para a sua realização.

Todos esses trabalhos, muitos já clássicos, embora não tenham sido pensados para qualquer tipo de história da educação, nos mostram formas de definição, mobilização, estabilização e transformação das sensibilidades, normalmente muito mais afinadas com a educação dos sentidos corporais do que com os discursos ou as ideias pedagógicas. Logo, a emergência de uma preocupação com as relações entre cultura e natureza, com a dimensão material da vida e, consequentemente com a corporalidade ao longo da história, fosse na perspectiva escolar ou em outras instâncias educativas, parece ter demarcado este campo de estudos. Assim, se pode reconhecer este domínio da história como um domínio no qual os sentidos corporais são constantemente mobilizados para a definição ou transformação das sensibilidades, justamente como mostra José Barrán ao sugerir a passagem da cultura “bárbara” ao disciplinamento, na sua obra acima citada, mas também como mostram os trabalhos de Sandra Pesavento (2005PESAVENTO, Sandra. Sensibilidades no tempo, tempo das sensibilidades. Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En ligne], Colloques, mis en ligne le 04 février 2005. Available in: <http://nuevomundo.revues.org/229>. Access in: 29 may 2017.
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), ou os estudos reunidos por Brepohl et al. (2012).

Lembremos, com Pesavento (2005PESAVENTO, Sandra. Sensibilidades no tempo, tempo das sensibilidades. Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En ligne], Colloques, mis en ligne le 04 février 2005. Available in: <http://nuevomundo.revues.org/229>. Access in: 29 may 2017.
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), a

[...] sensibilidade como uma outra forma de apreensão do mundo para além do conhecimento científico. As sensibilidades corresponderiam a este núcleo primário de percepção e tradução da experiência humana que se encontra no âmago da construção de um imaginário social. O conhecimento sensível opera como uma forma de reconhecimento e tradução da realidade que brota não do racional ou das construções mentais mais elaboradas, mas dos sentidos, que vêm do íntimo de cada indivíduo. Às sensibilidades compete esta espécie de assalto ao mundo cognitivo, pois lidam com as sensações, com o emocional, com a subjetividade, com os valores e os sentimentos, que obedecem a outras lógicas e princípios que não os racionais. As sensibilidades são uma forma do ser no mundo e de estar no mundo, indo da percepção individual à sensibilidade partilhada (s. p.).

Se a educação dos sentidos e das sensibilidades ganha impulso com a renovação historiográfica experimentada sobretudo a partir dos anos 1960 em todo o mundo, embora já estivesse na pauta dos primeiros historiadores dos Annales (CORBIN, 2005CORBIN, Alain. O prazer do historiador. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 25, n. 49, p. 11-31, 2005.), como vimos ela já estava presente em obras de referência no campo da História desde o começo do século XX, pelo menos. No campo pedagógico, devemos registrar a ocorrência dos verbetes sensibilité/sentiments, e sens (Educatión des) no Dictionnaire de Ferdinand Buisson (1911BUISSON, Ferdinand. Dictionnaire de Pédagogie et d’Instruction Publique Primaire. 1911. Avaible in: <http://www.inrp.fr/edition-electronique/lodel/dictionnaire-ferdinand-buisson/document.php?id=3807>. Access in: 28 may 2017.
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). Sua recente importância no campo da história da educação pode ser dimensionada pelo desenvolvimento de uma mesa sobre o futuro da história da educação, desenvolvida durante a 33 International Standing Conference for the History of Education, realizada em 2011, no México. A sessão, intitulada Historiografia del futuro: mirando atrás hacia el futuro, organizada por Kate Rousmaniere e Frank Simon, teve os seguintes trabalhos apresentados: História de las identidades (MOCTEZUMA, 2011); História de los sentidos (GROSVENOR, 2011) e Historia de la emociones. (SOBE, 2011). Também foi destaque na programação do Congreso Iberoamericano de Historia de la Educación Latinoamericana, em Toluca, México, em maio de 2014, em uma conferência pronunciada por Grosvenor (2014). Nas edições do Congreso Iberoamericano de Historia de la Educación Latinoamericana realizadas no Rio de Janeiro (2009), Toluca (2014) e Medellin (2016) foram realizadas sessões especiais de trabalhos sobre o tema. Alguns daqueles resultados foram publicados em Taborda de Oliveira (2012). Nas sessões da International Standing Conference for the History of Education, realizada em agosto de 2016 na cidade de Chicago, foram inúmeros os trabalhos dedicados a esta temática. Ali foi criado, inclusive, um SDW (Standing Work Group) dedicado ao tema, intitulado Objects, Senses and the Material World of Schooling. Com a conferência da mesma entidade em Buenos Aires, em julho de 2017, é possível afirmar que a história da educação dos sentidos e das sensibilidades (dos afetos, das emoções...) se converteu na nova “moda” do campo da História da Educação, uma vez que um número significativo (e impressionante!) de trabalhos submetidos àquele evento assumem essa designação, independentemente dos seus conteúdos ou das suas problemáticas. Mais do que um problema a dimensão sensível parece ter se tornado uma rubrica.

Se há, então, uma tradição de estudos que se ocupa de compreender em chave histórica as sensibilidades, quando se deu a preocupação com a sua educação, objeto hoje caro ao campo da História da Educação como mostram os estudos reunidos nos volumes dirigidos por Dussel e Gutierrez (2006DUSSEL, Inés; GUTIERREZ, Daniela. Educar la mirada. Buenos Aires: Manantial, FLACSO, 2006.), Taborda de Oliveira (2012), Pineau (2014PINEAU, Pablo (Dir.) Escolarizar lo sensible. Buenos Aires: Teseo, 2014.) e Braghini, Munakata e Taborda de Oliveira (2017BRAGHINI, Katya. As aulas de demonstração científica e o ensino da observação. Rev. bras. hist. educ., Maringá-PR, v. 17, n. 2 (45), p. 208-234, abr./jun. 2017.)? Muitos aspectos podem ser aqui sugeridos, mas podemos nos ater a três dimensões daquilo que talvez possa ser caracterizado como uma inflexão em direção aos sentidos e às sensibilidades, o qual certamente foi oportunizado pela renovação dos estudos em História da Educação e a sua intensa aproximação do campo da História na América Latina, nos últimos 20 anos, pelo menos.

A primeira delas diz respeito a um tipo de saturação das histórias de caráter generalizante, se não, abstratas. História das ideias, história da pedagogia, história dos discursos podem servir para muitos domínios inerentes ao conhecimento histórico e como tal devem ser valorizadas. Mas elas sempre nos mantiveram distantes daquilo que faziam as pessoas, os grupos sociais, com as ideias ou com os discursos. Distante da materialidade da vida. Que repostas davam as pessoas, incluindo as pessoas comuns, em diferentes situações, àquilo que as estruturas - sociais, políticas, econômicas - pretendiam impor sobre as suas vidas. Como pensavam o mundo e como a ele reagiam? Como se adaptavam ou resistiam? A emergência desse tipo de preocupação permitiu aos historiadores da educação se voltarem para o domínio das práticas, dos usos, dos modos de fazer, pensar, agir, sentir. Numa palavra, com as experiências, definidas por Edward Thompson como “exploração aberta do mundo” que se dá no “diálogo entre ser e consciência social” (1978). E a experiência é eminentemente corporal, mobilizando todo o nosso aparato perceptivo na definição das nossas sensibilidades, como esplendidamente nos mostra a vasta obra de Walter Benjamin.

Então, e esse é um segundo aspecto importante, tornou-se necessário questionar as macro-explicações, todas as generalizações, a fim de captar como, a despeito de um sem número de prescrições de como deveria se organizar a vida, ela se organizava a partir do choque de experiências entre instâncias normativas e a vida ordinária dos indivíduos. Se o Estado e as elites dominantes sempre procuraram enquadrar a vida da gente comum, por exemplo, tornava-se imperioso, para além da compreensão dos discursos e das prescrições normativas, entender como se reagia aos mesmos. Ou seja, entre imperativo educativo que previa um tipo de sensibilidade normalmente padronizada, como bem mostram Pineau (2014PINEAU, Pablo (Dir.) Escolarizar lo sensible. Buenos Aires: Teseo, 2014.) e Mercado (2014MERCADO, Belén. Escolarizar la mirada: arte, estética y escuela (1880-1910). In: PINEAU, Pablo (Dir.). Escolarizar lo sensible. Buenos Aires: Teseo, 2014.), e a dinâmica da vida que propunha ou supunha sensibilidades concorrentes (MEURER; TABORDA DE OLIVEIRA, 2015OLIVEIRA, Bruna. Gonzaga Duque e Revoluções Brasileiras: um olhar para a História do Brasil. 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.), toda generalização passou a ser questionada a partir da necessidade da mudança na escala da análise, pois se tornou necessário compreender as respostas emocionais de diferentes indivíduos aos imperativos sociais, exatamente como propunha Febvre já na década de 1950.

O terceiro aspecto, profundamente relacionado com os demais, parece dizer respeito a uma nova “inflexão em direção ao indivíduo”, nas palavras do filósofo Theodor Adorno. O que podemos chamar de um giro sensível parece ter se desenvolvido também das preocupações com indivíduos, grupos ou populações singulares em detrimento das tradicionais formas generalizantes de conceber os seus processos de formação. Assim é que Beltrán e Buitrago (2012BELTRÁN, Claudia Ximena Herrera. El pecado de la gula, los vícios, los excesos del sentido del gusto: hacia la historia de las relaciones entre la alimentación de la infância y la escuela colombiana a finales del siglo XIX y comienzos del siglo XX. In: TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus Aurelio (Org.). Sentidos e sensibilidades: sua educação na história. Curitiba: Editora UFPR, 2012.) nos mostram como o desejo de silencio prescrito para as escolas colombianas do começo do século XX tinha que enfrentar-se com a “inquietude e a impaciência” das crianças, que não se submetiam passivamente aos imperativos reguladores, fossem morais ou estéticos. Da mesma forma, como a definição de feminilidade ou masculinidade, de acordo com os estudos de Sharagrodsky (2008SHARAGRODSKY, Pablo (Comp.). Governar es ejercitar. Buenos Aires: Prometeo,2008.) em relação a Argentina, ou às tentativas de “controle emocional juvenil”, como sugere Toro (2015TORO, Pablo Blanco. Algunas ideas exploratorias para una historia del control emocional juvenil en la educación secundaria chilena, c.1880-c.1950. In: SÁ, Elizabeth Figueiredo de; SIMÕES, Regina Helena Silva; NETO, Wenceslau Goncalves (Orgs.). Circuitos e fronteiras da história da educação. Vitoria: Edufes, 2015.) no que se refere ao Chile.

Assim, neste âmbito de estudos foram definidas novas formas de olhar para o interior do que acontecia nas escolas (TABORDA DE OLIVEIRA, 2006TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus Aurelio (Org.). Educação do corpo na escola brasileira. Campinas: Autores Associados, 2006., 2009; TABORDA DE OLIVEIRA; BELTRÁN, 2008; DI PIETRO; PINEAU, 2008PINEAU, Pablo; DI PIETRO, Suzana. Aseo y pesentación: un ensayo sobre la estética escolar. Buenos Aires: el autor, 2008.; BELTRÁN, 2012; MARTINS, 2014MARTINS, Maria do Carmo. Reflexos reformistas: o ensino das humanidades na ditadura militar brasileira e as formas duvidosas de esquecer. Educ. rev., n. 51, p. 37-50, mar. 2014.; TORO, 2015TORO, Pablo Blanco. Algunas ideas exploratorias para una historia del control emocional juvenil en la educación secundaria chilena, c.1880-c.1950. In: SÁ, Elizabeth Figueiredo de; SIMÕES, Regina Helena Silva; NETO, Wenceslau Goncalves (Orgs.). Circuitos e fronteiras da história da educação. Vitoria: Edufes, 2015.; MUNAKATA, 2012MUNAKATA, Kazumi. Que coisa é coisa das lições de coisas? In: TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus Aurelio (Org.). Sentidos e sensibilidades: sua educação na história. Curitiba: Editora UFPR, 2012., 2017; BRAGHINI, 2017BRAGHINI, Katya. As aulas de demonstração científica e o ensino da observação. Rev. bras. hist. educ., Maringá-PR, v. 17, n. 2 (45), p. 208-234, abr./jun. 2017.), mas também surgiram preocupações com a educação em espaços e tempos não escolares, como propõem Taborda de Oliveira (2014), Taborda de Oliveira e Oscar (2014), Arata (2014ARATA, Nicolás. Formar lectores: sensibilizar espíritus. La organización de la Biblioteca Nacional de Maestros (1870-1906). In: PINEAU, Pablo (Dir.). Escolarizar lo sensible. Buenos Aires: Teseo, 2014.) e Costa (2014COSTA, Betina. Resonancias de una pedagogía para la guerra. Jordán Bruno Genta, educador de uma sensibilidade militar. In: PINEAU, Pablo (Dir.). Escolarizar lo sensible. Buenos Aires: Teseo, 2014.). É fundamental, pois, reconhecer o débito dos estudos sobre a história da educação dos sentidos e das sensibilidades com aqueles relacionados à história da educação dos corpos, à história da cultura material, à história das práticas escolares, aos estudos da memória etc. Portanto, se estamos diante de um estimulante veio de estudos na História a Educação, não é demais reconhecer que, menos que um novo âmbito de estudos e pesquisas, a história dos sentidos e das sensibilidades parecia estar dispersa no subterrâneo de domínios considerados mais “nobres”, escondidos entre outras preocupações ou interesses dos historiadores da educação. O fato da rubrica “história dos sentidos e das sensibilidades” ter sido assumida apenas recentemente por muitos pesquisadores, não invalida o reconhecimento de que muito daquilo que foi pesquisado a partir da renovação historiográfica das últimas décadas considerava, direta ou indiretamente, a inflexão em direção a indivíduos singulares, a redução da escala de análise dos processos de constituição das sociedades, bem como o estudo da experiência histórica para além das ideias e dos discursos, sem que isso signifique o seu abandono absoluto.

As sensibilidades seriam, pois, as formas pelas quais indivíduos e grupos se dão a perceber, comparecendo como um reduto de representação da realidade através das emoções e dos sentidos. Nesta medida, as sensibilidades não só comparecem no cerne do processo de representação do mundo, como correspondem, para o historiador da cultura, àquele objeto a ser capturado no passado, ou seja, a própria energia da vida, a enargheia, de que nos fala Carlo Ginzburg. Historiadores se puseram este problema, que passava pelo resgate dos sentimentos, das formas de agir e pensar de outros homens em um outro tempo, sentimentos estes que deviam se colocar como uma alteridade ao historiador. (PESAVENTO, 2005PESAVENTO, Sandra. Sensibilidades no tempo, tempo das sensibilidades. Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En ligne], Colloques, mis en ligne le 04 février 2005. Available in: <http://nuevomundo.revues.org/229>. Access in: 29 may 2017.
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, s. p.).

2. A história dos sentidos e das sensibilidades em diferentes espaços educativos: para além de uma história da escola.

Se a história da escola ocupou lugar privilegiado na agenda de pesquisa dos historiadores até tempos muito recentes, hoje é imperioso reconhecer a multiplicidade de enfoques, problemas e perguntas que a história da educação dos sentidos e das sensibilidades pode suscitar para além da esfera da escolarização. Muitos são os esforços feitos em diferentes países, com menor ou maior grau de organicidade, para a compreensão histórica da definição e da transformação das sensibilidades no plano da educação escolar, mas também em relação a outros tempos e espaços de educação social.3 3 Sobre a noção de educação social e sua multivocalidade conferir: Tiana e Ferrer (2012) e Taborda de Oliveira e Oscar (2014). No âmbito das pesquisas desenvolvidas pelo Núcleo de Pesquisas sobre a Educação dos Sentidos e das Sensibilidades - Nupes, o qual integra o Centro de Pesquisas em História da Educação - GEPHE, da Universidade de Minas Gerais, Brasil, está estabelecida uma pauta que vem permitindo explorar uma parte dessa rica possibilidade de estudos históricos, a qual têm permitido a produção de monografias de mestrado e doutorado, de estimulantes pesquisas de pós-doutorado, além da formação de jovem pesquisadores através das práticas da iniciação científica.

Esse grupo é devedor de um conjunto muito amplo de relações interinstitucionais. A sua formalização no ano de 2010, na UFMG, em Belo Horizonte, se deu como desdobramento dos resultados de outro projeto desenvolvido desde 2003 na Universidade Federal do Paraná, o qual tinha o seu foco nas relações entre o currículo e a educação do corpo.4 4 Trata-se do projeto Transformações nos padrões de manifestação e controle corporais na escola elementar paranaense na passagem do modelo doméstico para o modelo graduado (1982-1920), financiado pelo CNPq e pela Fundação Araucária. Cabe destacar a longeva parceria de Diogo Rodrigues Puchta, Sidmar dos Santos Meurer e Sérgio Roberto Chaves Jr. Pesquisadores de relevada atuação no Nupes/UFMG, são todos interlocutores com os quais tenho o privilégio de dialogar e aprender há mais ou menos 15 anos. A partir dos resultados daquele projeto, em 2008, durante o compartilhamento de um estágio de pesquisa realizado no Centro Internacional de la Cultura Escolar - Ceince, em Berlanga de Duero, Espanha, a convite do professor Agustin Escolano Benito, foi delineado um programa de investigação que continua a render frutos (BRAGHINI; MUNAKATA; TABORDA DE OLIVEIRA, 2017TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus Aurelio; BIANCHINI, Paolo. Educação política no Brasil e na Itália: duas histórias, muitos problemas comuns. Hist. Educ., Porto Alegre, v. 21, n. 52, p. 274-294, maio/ago. 2017.), no qual a história da educação dos sentidos se tornou o eixo central. Dali nasceu uma fecunda parceria com os professores Kazumi Munakata e Kathya Braghini, a qual pode ser dimensionada pela realização de 4 seminários, em São Paulo e Belo Horizonte, de várias mesas de trabalho em eventos nacionais e internacionais, e pela publicação de três livros dedicados ao tema.5 5 Os seminários trataram de diferentes aspectos concernentes à educação dos sentidos e das sensibilidades, tais como a cultura material escolar, práticas educativas não escolares ou de educação social, a história do ensino de ciências etc. Em 2011 foi realizado o primeiro deles nas dependências do Colégio Arquidiocesano, em São Paulo. Os demais foram realizados em 2014, 2015 e 2017, respectivamente na UFMG, na PUC-SP e novamente na UFMG. Os livros já publicados foram organizados por Taborda de Oliveira (2012) e Braghini, Munakata e Taborda de Oliveira (2017), estando o terceiro em processo de editoração. Essa parceria pressupõe uma articulação que envolve pesquisadores do Brasil e de outros países, os quais se mobilizam pelas diferentes possibilidades de abordar historicamente a educação dos sentidos e das sensibilidades.6 6 Entre os pesquisadores que vêm compartilhando suas experiências nesse âmbito de investigação através de toda sorte de intercâmbios na América Latina, podem ser lembrados os nomes de Maria do Carmo Martins (Unicamp), Suzete de Paula Bornatto e Cristiane dos Santos Souza (UFPR), Mirian Jorge Warde (Unifesp), Alexandre Fernandez Vaz (Ufsc), Marcus Vinicius Carvalho Corrêa (UFF), Matheus Cruz e Zica (UFPB), Pablo Pineau, Belém Mercado, Eduardo Galak, Pablo Scharagrodsky e Angela Aisenstein (Argentina), Cláudia Ximena Herrera Beltrán (Colômbia), Edgar Spejel e Lucia Moctezuma (México), Raumar Rodrigues (Uruguai). É auspicioso observar que esse círculo de relações de intercâmbio movido pelo interesse comum só faz aumentar nos últimos 10 anos.

Assim, este grupo é devedor de um pressuposto básico: seja na dimensão científica, estética, ética ou política, toda forma de trabalho intelectual é necessariamente uma aposta na sensibilidade, uma vez que se trata de “intercambiar experiências”, de compartilhar, de andar junto e andar com, fazer junto e fazer com.

No que se refere à educação social, a título de exemplo, nos esforços de pesquisa que vimos desenvolvendo podem ser destacados estudos sobre a educação rural e as tentativas de modernizar o campo pela educação da sua juventude (GOMES, 2014GOMES, Leonardo Ribeiro. “Progredir sempre”: os jovens rurais mineiros nos Clubes 4-S: Saber, Sentir, Saúde, Servir (1952-1974). 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2014.); sobre a eugenia e as suas prescrições para a educação dos corpos (GALAK, 2014GALAK, Eduardo. “Cuerpo”, “sujeto” y “política” en la educación de los cuerpos argentina y brasilera: eugenesia y Educación Física entre las décadas de 1920 y 1930. Relatório de estágio pós-doutoral. Programa de Pós-Graduação em Educação e Inclusão Social, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014.); as campanhas para o desenvolvimento de uma sensibilidade popular capaz de fruir o teatro (REZENDE, 2013REZENDE, Nadia Bueno. A campanha de popularização do teatro e dança em Belo Horizonte e o lazer: o diálogo com a cidade (1998-2012). 2013. Dissertação (Mestrado em Estudos do Lazer) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.) ou como pauta de resistência cultural contra a ditadura brasileira (TABORDA DE OLIVEIRA, 2014TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus Aurelio. "Eu desisto?" Paredes vivas na cidade: conflitos sociais em cartazes produzidos ao longo da década de 1980, no Brasil. Educ. rev., n. 51, p. 175-190, mar. 2014.); o uso da fotografia e da rede mundial de computadores na definição da subjetividade contemporânea (BARROS, 2013BARROS, Gelka. Retratos imaginários: fotografia, tempo livre e indústria cultural. 2013. Dissertação (Mestrado em Estudos do Lazer) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.); a fabricação e circulação de materiais de caráter pedagógico destinados tanto a escolas quanto a museus (BRAGHINI, 2017BRAGHINI, Katya. As aulas de demonstração científica e o ensino da observação. Rev. bras. hist. educ., Maringá-PR, v. 17, n. 2 (45), p. 208-234, abr./jun. 2017.; BRAGHINI; MUNAKATA, 2017); o desenvolvimento de um ethos do trabalho pela via da imprensa operária (DRUMMOND; TABORDA DE OLIVEIRA, 2015DRUMMOND, Caroline; TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus Aurelio. A formação do trabalhador no jornal O Operário, de Montes Claros (1932-1945): a produção de novas sensibilidades “sem classes”. In: MESQUITA, Ilka Miglio et al. (Orgs.). Moderno, modernidade e modernização: a educação nos projetos de Brasil - séc. XIX e XX. Belo Horizonte: Mazza, 2015.); o uso da poesia na formação de leitores (BORNATTO, 2017BORNATTO, Suzete. A aposta na poesia - antologias para crianças e jovens na década de 1960. IV Seminário Interinstitucional (UFMG/PUC-SP/UFPR) - Diálogos sobre a história da educação dos sentidos e das sensibilidades. 2017.) ou sobre a exploração da cidade como vetor da educação dos sentidos corporais. (TABORDA DE OLIVEIRA; OSCAR, 2014).

Em chave escolar ganham relevo estudos que enfocam, por exemplo, a relação entre educação física, natureza e educação dos sentidos (TABORDA DE OLIVEIRA, 2009_____. Atividade e natureza: a educação física para o ensino primário. In: BASTOS, Maria Helena Camara; CAVALCANTE, Maria Juraci (Orgs.). O curso de Lourenço Filho na Escola Normal do Ceará. Campinas: Alínea, 2009., 2012), a constituição histórica dos recreios escolares (MEURER; TABORDA DE OLIVEIRA, 2016MEURER, Sidmar; TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus Aurelio. A invenção dos recreios nas escolas primárias paranaenses: o lugar da educação do corpo, dos sentidos e das sensibilidades na escola. Rev. Bras. Educ., v. 21, n. 64, p. 225-247, mar. 2016.), o uso dos livros didáticos para a prática de ginástica na escola primária (PUCHTA; TABORDA DE OLIVEIRA, 2015PUCHTA, Diogo; TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus Aurelio. O livro como ferramenta pedagógica para a inserção da educação física e da ginástica no ensino público primário paranaense (fim do século XIX e início do século XX). Rev. Bras. Ciênc. Esporte, 37 (3), p. 272-279, 2015.), ou da História na escola secundária (OLIVEIRA, 2015), até os limites da educação política. (TABORDA DE OLIVEIRA; BIANCHINI, 2017).7 7 Outras expressões da educação das sensibilidades surgiram na historiografia da educação a partir da década de 1990. A título de exemplo podemos considerar os trabalhos de Lopes (1990) Lopes e Gouvea (1999), Lopes e Galvão (2010), Stephanou (1999), Mignot et al (2000), Bastos et al. (2002) ainda que a expressão sensibilidades não necessariamente tenha sido mobilizada naqueles trabalhos. Mas essa produção versando sobre memórias, leituras, escritas do eu, literatura, entre tantos outros temas, são expressões da educação das sensibilidades para além da chave escolar.

As preocupações com este amplo programa de pesquisas estão enfeixadas na articulação de um conjunto de palavras-chave que mobiliza os pesquisadores ali reunidos e os seus parceiros em outras instituições nacionais ou estrangeiras: trabalho/labor, tempo livre, educação social, formação e sentidos/sensibilidades, acrescidas do multifacetado conceito de modernidade. Essas palavras-chave são, elas mesmas, objeto de escrutínio constante do grupo, na medida em que a sua ocorrência nas diferentes séries documentais que são mobilizadas deve ser o grande balizador da possibilidade dos seus usos. Daí a sua história também estar no horizonte das nossas preocupações, seja naquela perspectiva proposta por Koselleck (2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado. Rio de Janeiro: Contraponto: PUC/Rio, 2006.) ou nos termos sugeridos por Williams (2000WILLIAMS, Raymond. Palabras-clave: um vocabulário de la cultura y la sociedade. Buenos Aires: Nueva Visión, 2000.). Entre esses descritores

[...] a noção de sentidos e sensibilidades vem direcionando nossos estudos. Sentidos temos entendido como parte do aparato biológico, responsável pela percepção primária do que nos circunda. Sua educação foi um dos grandes desideratos do movimento de renovação pedagógica disseminado no mundo a partir da década de 1880 [...] e pode ser inscrita no que consideramos possibilidades de educação do corpo. No séc. XIX denotavam [segundo os dicionários da língua portuguesa], entre outros possíveis entendimentos, “a faculdade que têm os homens e os animais de receberem as impressões externas por meio de certos órgãos”. (TABORDA DE OLIVEIRA; OSCAR, 2014TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus Aurelio. "Eu desisto?" Paredes vivas na cidade: conflitos sociais em cartazes produzidos ao longo da década de 1980, no Brasil. Educ. rev., n. 51, p. 175-190, mar. 2014., p. 176).

Sendo a estimulação dos sentidos, na sua acepção de janelas para o mundo, fundamental na constituição da multivocalidade da experiência histórica, as considerações sobre essa noção em nossos estudos encaminham para o entendimento das suas relações e interações com as sensibilidades. Estas, caracterizadas pelos dicionários de língua portuguesa do século XIX como

“[...] faculdades de sentir ou experimentar impressões físicas inerentes ao sistema nervoso, pela qual o homem e os animais percebem as sensações causadas pelos objetos exteriores ou nascidas no interior”, podem ser consideradas domínio educativo na medida em que se pode ensinar e aprender os usos do corpo. Mas se considerarmos uma das suas outras acepções, aquela que define uma “faculdade para experimentar impressões morais; disposição para experimentar impressões dessa espécie”, então é preciso reconhecer que as sensibilidades são um resultado das respostas que os indivíduos produzem a partir do momento que interagem com o mundo físico ou social. (TABORDA DE OLIVEIRA; OSCAR, 2014TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus Aurelio. "Eu desisto?" Paredes vivas na cidade: conflitos sociais em cartazes produzidos ao longo da década de 1980, no Brasil. Educ. rev., n. 51, p. 175-190, mar. 2014., p. 176).

Essas respostas, na esteira deste âmbito de estudos, nos permitem indagar todas aquelas perspectivas de grande apelo na tradição ocidental, para as quais apenas a racionalidade pautaria as ações de homens e mulheres na história, conforme sugerem Coccia (2010COCCIA, Emanuele. A vida sensível. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2010.) e Esposito (2016ESPOSITO, Roberto. As pessoas e as coisas. São Paulo: Rafael Copetti Editor, 2016.). Estudar a história da educação dos sentidos e das sensibilidades implica considerar que nem todas as respostas dadas pelos indivíduos aos estímulos advindos do meio físico ou social são presididas pelo império da razão. Como bem enuncia Pineau (2014PINEAU, Pablo (Dir.) Escolarizar lo sensible. Buenos Aires: Teseo, 2014.) ao referir-se à dimensão estética, trata-se da conversão “[...] do mundo sensorial dos sujeitos em determinadas sensibilidades [...]”. (PINEAU, 2014PINEAU, Pablo (Dir.) Escolarizar lo sensible. Buenos Aires: Teseo, 2014., p. 25). Interessa-nos, ainda em diálogo com o mesmo autor, entender como os sujeitos se apropriam do mundo, de modo que aquilo que subjaz ao epíteto de sensível ou estético se desloca para a ética e a política.

Essa observação é importante na medida em que negamos qualquer tipo de subjetivismo no estudo dos sentidos e das sensibilidades, como por vezes observamos em alguns trabalhos no campo. Se os sentidos são a janela da alma de indivíduos singulares, permitindo a decodificação do mundo físico e cultural, tanto aqueles quanto estes são eminentemente históricos. Logo, são sociais, são compartilhados. Não parece fazer sentido separar cultura e natureza ou indivíduo e sociedade uma vez que as suas relações são inextricáveis. Apenas uma pretensão esquemática e “positivista” de ciência pode conceber indivíduos desencarnados de relações sociais e de herança cultural, assim como a cultura como um outro da natureza ou a sua superação inconteste. Por isso definimos que

É justamente na educação dos sentidos como uma produtora de novas sensibilidades que localizamos o processo que buscamos interpretar. É em como se dá esse processo, naquilo que os vestígios do passado nos permitem, que concentramos nossos esforços. Nessa busca entendemos, ainda, que sentidos e sensibilidades não são domínios exclusivos da esfera da cultura ou da “natureza”, ainda que a própria história dessa noção deva ser objeto de cautela [...]. Mas pensamos a constituição dos sentidos e das sensibilidades como um problema histórico em uma perspectiva multifacetada, tal como propôs Lucien Febvre quem, certamente não por acaso, aludia ao nosso “complexo afetivo-motor”. São concebidos imbricados com a política, a economia, a cultura, naquilo que as nossas culturas e sociedades mantêm de resquício do que é da natureza ou do mundo físico. Uma história dos odores, a ideia de regressão da audição ou as formas que aprendermos do andar, não são marcas tangíveis da interação entre mundo natural e mundo social que sobrevive e muda em nós? Quando os regimes autoritários ou totalitários desenvolvem uma tecnologia do terror baseada na dor e na crueldade, não é porque capturaram justamente aquele ponto onde cultura e natureza se confundem? (TABORDA DE OLIVEIRA; OSCAR, 2014TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus Aurelio. "Eu desisto?" Paredes vivas na cidade: conflitos sociais em cartazes produzidos ao longo da década de 1980, no Brasil. Educ. rev., n. 51, p. 175-190, mar. 2014., p. 176-177).

Partindo, então, do entendimento que a sensibilidade marca profundamente a nossa experiência, e aquilo que ouvimos, vemos, tocamos, cheiramos ou saboreamos é tanto aprendido historicamente, quanto define pela via do nosso aparato sensitivo o que seremos, seguimos por registros - escritos, imagéticos, sonoros - que nos permitam compreender os limites e os alcances possíveis do que vimos chamando de história da educação dos sentidos e das sensibilidades, na particularidade que cada ambiência histórica permite captar. Segundo compreendemos, a sensibilidade não é uma reação passiva dos sujeitos - individuais ou coletivos - aos influxos do meio externo. Antes, é resultado da ação ou da reação dos sujeitos a todo tipo de afetação dos sentidos, sendo, pois, uma faculdade ativa. Não por outro motivo buscamos na pluralidade de experiências históricas aspectos que possam elucidar os seus fluxos de permanência, mas também os seus momentos de transformação, quando um tipo particular de experiência dá lugar a outras formas de ver, conhecer e sentir o mundo, e sobre ele atuar. Quanto indivíduos e grupos são afetados de maneira que sua experiência seja modificada a ponto de transformar não apenas a eles mesmos mas, quiçá, as formas como a sociedade e a cultura se organizam.

3. Qual o futuro das pesquisas sobre a história da educação dos sentidos e das sensibilidades?

Se este é um domínio recente entre os interesses dos historiadores da educação, da mesma maneira que parece configurar-se como uma nova moda acadêmica, é preciso refletir não apenas sobre a sua potencialidade e o seu poder heurístico para a compreensão da cultura e da sociedade em diferentes fluxos de tempo e demarcações geográficas. É preciso indagar o que de “novo” a história da educação dos sentidos e das sensibilidades pode significar para a História da Educação.

Levando em conta os três aspectos antes mencionados, incrementar os estudos na perspectiva da história da educação dos sentidos e das sensibilidades pode significar o refinamento do olhar para a lenta constituição de formas de agir e sentir - e, também, pensar - gestadas no cruzamento das determinações estruturais e da volição individual. Posicionando-se contra as formas arbitrárias de conceber a experiência de diferentes indivíduos ou grupos sociais - “alienados”, “passivos”, “reféns da falsa consciência”, “indiferentes” ou “vítimas” - o estudo histórico das sensibilidades nos mostra que as ações e reações humanas guardam tal complexidade que não podem ser reduzidas a qualquer esquema racionalista simplista. Isso é verdadeiro para as formas de resistências de alunos e professores diante dos imperativos da forma escolar, assim como para as negociações e transgressões operadas pelos trabalhadores no enfrentamento de todo tipo de arbitrariedade e violência do mundo do trabalho, por exemplo. Talvez as suas repostas não sejam aquelas desejadas pelo racionalismo imperante no mundo acadêmico, ou nas formulações dos grandes idealizadores das ideias sobre educação, civilização e cultura. Mas elas são respostas situadas em contextos que nós não vivemos ou mesmo conhecemos, de acordo com os instrumentos disponíveis por homens e mulheres que agem no mundo de formas às vezes radicalmente diferente daquela como nós agiríamos ou gostaríamos de agir. Assim, podemos aprender um pouco com a voz da canção popular:

Ao longe a voz das lavadeiras Ensina cedo a força do viver Quem viu correr O Jequetinhonha para o mar Quem lava com o suor a nossa roupa Tece o destino, quebra canoa A vida tece um sonho só. (ORNELAS; MOURA; ANTUNES, 1994ORNELAS, Nivaldo; MOURA, Tavinho; ANTUNES, Murilo. Os aventureiros do São Francisco. CD. Warner do Brasil, 1994.).

Parece que reconhecer a pluralidade e a multivocalidade que nos chegam do passado já é, per si, um desiderato político em um ambiente que se acostumou a dar voz prioritariamente àqueles que orbitam em torno ou dentro dos centros de poder. Daí que é preciso cautela com um risco que a história das sensibilidades nos oferece quando se converte em mais uma moda, em uma rica mercadoria no mercado acadêmico. Trata-se justamente do risco do esvaziamento da política. Movidos por algum tipo de curiosidade ou por um irrefreável apreço pelo ameno e o irrelevante, logo, pelo efêmero, muitos pesquisadores propalam uma hiper subjetivação que inviabiliza qualquer tipo de análise ou projeto onde a política e a cultura comum ainda façam sentido, como se os indivíduos agissem no mundo em completa autonomia ou independência em relação à sociedade ou à cultura. Ora, a resposta sensível de indivíduos e grupos aos influxos que recebem do mundo exterior pelos sentidos são, como vimos, respostas justamente àquilo que tanto o mundo físico quanto o social propõem, impõem, cobram, exigem desses indivíduos ou grupos. Logo, são sempre sensibilidades forjadas em uma ambiência, sem com isso deixarem de ser respostas singulares. Mas são produzidas sempre em relação a alguém ou alguma coisa, sempre para alguém ou alguma coisa. Logo, trata-se não de aniquilar a dimensão ética ou política fazendo loas de indivíduos autocentrados mas, bem ao contrário, de mostrar que a ética e a política se constroem em plena vida ativa, em plena interação de indivíduos entre si, em um esforço de compreensão recíproca, tensa e muitas vezes conflituosa, sobre o que é ou poderia ser o mundo, a vida, a sociedade.8 8 Se na relação cultura – individuo, há tempos que a ideia de coletividade se fixa, no sentido de cultura comum (WILLIAMS, 2003), vemos que não é exatamente este o caso que vivemos atualmente. Parece haver uma ultra exacerbação da ideia de que um indivíduo se faz, se completa, se produz, é “empresa de si”, o que marca essa grande concentração imaginária de que “cada um é cada um”, independentemente de qualquer tipo de troca social ou ambiência sociocultural. Se a contemporaneidade nos apresenta essa possibilidade de organização das sociedades, então a história da educação dos sentidos e das sensibilidades ganha relevância política na tentativa de compreendermos onde, como, quando e porque as práticas da cultura comum foram solapadas pelo individualismo exacerbado. Por isso critico enfaticamente toda a produção que toma o indivíduo como mônada, sem janelas que o conectem com o mundo. A isso estou chamando de perspectiva subjetivista e a ela me contraponho, justamente porque sentidos e sensibilidades são sempre relacionais e contingentes, ainda que aflorem e se manifestem também na singularidade. Devo à professora Katya Braghini a ênfase sobre esse aspecto.

Nesse ponto entra em cena a subjetividade do historiador, sua capacidade de alteridade. Como de resto em outros domínios da história, ele só pode compreender o passado na medida em que se esforça para compreender os termos nos quais determinadas respostas - sensibilidades - foram dadas a um determinado tipo de problema oferecido pelo aparato perceptivo humano - via sentidos - a partir de uma atitude dialógica com as experiências de outros tempos, e não como mero observador desinteressado, distante ou objetivo. Por isso é que “Trabalhar com as expressões - ou mesmo, as impressões ou marcas deixadas pela vida, com o psicologismo de uma época, com as sensibilidades - múltiplas, cambiantes, instáveis, variadas - dos homens de um outro tempo poderia vir a se constituir em um obstáculo, mas também em uma grande atração“. (PESAVENTO, 2005PESAVENTO, Sandra. Sensibilidades no tempo, tempo das sensibilidades. Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En ligne], Colloques, mis en ligne le 04 février 2005. Available in: <http://nuevomundo.revues.org/229>. Access in: 29 may 2017.
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, s. p.).

É justamente o estranhamento em relação às formas como os indivíduos de outrora reagiam, criavam, viviam, sentiam, que leva os historiadores a buscar aqueles sentidos ocultos - e pouco valorizados - no tempo, expressos nas diversas formas de sensibilidade - estética, política, ética, moral - e na transformação da sua vida individual e coletiva. Para isso não basta "conhecer ou descrever o contexto", ou dispor de fontes. Antes é preciso reconstruir toda as formas de conceber a vida em uma determinada ambiência, não apenas aquela prevalentes, mas também as ordinárias e subterrâneas, de modo a buscar capturar porque as pessoas reagiam de uma determinada maneira a determinadas estimulos, às vezes de maneira muito similar em relação a outras pessoas, às vezes em franca oposição ao seu coetâneos. O fascínio de compreender esse dinâmico jogo entre o singular e o social só pode nos levar a compreender o passado em termos de verossimilhança, como sugere Ginzburg (1989b_____. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.). Mais, observando as evidências deixadas em uma documentação na qual os sentidos e as sensibilidades estão impressos como resíduo, e não como fato objetivo e evidente, e dependem da capacidade de extrapolar a obviedade dos registros tradicionais. Citando Droysen, Pesavento nos lembra que

[...] é só o olhar do historiador que pode reconhecer nos traços deixados pelo passado, elementos para a sua pesquisa, a ver nos restos « a pegada do espírito e a mão do homem » de um outro tempo e que, quanto mais preparado é o espírito que pergunta, tanto mais rico é o conteúdo da pergunta. Ou seja, [o autor] enfatiza o saber prévio e acumulado, a erudição de cada historiador, que iluminava seu olhar e potencializava a descoberta dos sentidos do passado. [...] O que me toca, o que me fere e me desperta na contemplação do mundo do passado, o que realiza em mim, espectador e leitor, um despertar e uma espécie de revelação benjaminiana, é o encontro de uma bagagem de studium com a carga emotiva/evocativa/relacional do punctum. (PESAVENTO, 2005PESAVENTO, Sandra. Sensibilidades no tempo, tempo das sensibilidades. Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En ligne], Colloques, mis en ligne le 04 février 2005. Available in: <http://nuevomundo.revues.org/229>. Access in: 29 may 2017.
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, s. p.)9 9 Sobre as noções de studium e punctum, ver os estudos de Barthes (1984) sobre a fotografia. As alusões da autora às reflexões de Barthes são muito apropriadas. Justamente porque o autor define o studium como aquele amplo âmbito da cultura e do saber, que é sempre compartilhado. É o domínio por excelência do entendimento, do (re)conhecimento, do arcabouço prévio com o qual nos lançamos ao mundo. Já o punctum é o seu contrário. É aquilo que emana das coisas e nos afeta, nos marca, nos fere de maneira singular. Do encontro desses dois tipos de estímulo são produzidas as sensibilidades, inclusive aquela que torna o historiador capaz de compreender o que não é da esfera absoluta do racionalizável. Em uma chave muito próxima Berger (2000) nos lembra que “la vista llega antes que las palavras”.

Claro, se o conhecimento do passado é sempre indireto, se dá pelo tatear em terreno escorregadiço, na busca de preencher lacunas que permitam nossa interação com a experiência de outros tempos, com a vida de homens e mulheres que pensavam e viviam diferentes de nós, então isso só é possível pela aproximação permitida pelos registros das sensibilidades passadas deixados em toda sorte de material empírico. A melhor tradução deste imperativo se encontra na materialidade dos materiais que nos serviram como fontes potenciais para a compreensão da educação dos sentidos e das sensibilidades. Novamente é Pesavento que observa um dos desafios básicos do historiador das sensibilidades:

Para que ele construa sua versão sobre o passado, é preciso encontrar a tradução externa das tais sensibilidades geradas a partir da interioridade dos indivíduos. Ou seja, mesmo as sensibilidades mais finas, as emoções e os sentimentos, devem ser expressos e materializados em alguma forma de registro passível de ser resgatado pelo historiador. Coloca-se, pois, aquele requisito básico para a tarefa do fazer história: é necessário que a narrativa se fundamente no que chamam de marcas de historicidade, ou as fontes ou registros de algo que aconteceu um dia e que, organizados e interpretados, darão prova e legitimidade ao discurso historiográfico. (PESAVENTO, 2005PESAVENTO, Sandra. Sensibilidades no tempo, tempo das sensibilidades. Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En ligne], Colloques, mis en ligne le 04 février 2005. Available in: <http://nuevomundo.revues.org/229>. Access in: 29 may 2017.
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, s. p.).

Portanto, pesquisar a história da educação dos sentidos e das sensibilidades requer o mesmo escrutínio metodológico que reclama qualquer outro domínio da história. Mas é imperioso reconhecer que não é suficiente ir às fontes esperando nelas observar sensibilidades forjadas, transformadas, em disputa. Pelos seus próprios traços fugidios e não tangíveis, compreender as sensibilidades de outrora nos exige compreender um mundo em constante transformação, onde a experiência é observada não em fluxos lineares de tempo, mas em estilhaços que embaralham os olhares ; onde indivíduos afirmam suas maneiras de viver contra todo o tipo de constrangimento, ainda que aquelas maneiras não sejam do agrado dos pesquisadores incapazes de um mínimo de alteridade em relação às experiências de homens e mulheres de outros tempos e lugares; onde a complexidade da vida e do mundo social se mostravam na sua inteireza para além dos jogos prescritos por governos ou grupos sociais dominantes.

Enfim, a história da educação dos sentidos e das sensibilidades não é apenas uma forma nova de lançar luz para problemas velhos, mesmo porque, a despeito do seu caráter de “moda acadêmica”, ela não é tão nova assim. Mas ela permite formular não apenas perguntas diferentes para antigos problemas, mas também novos problemas em relação aquilo que chamamos educação, seja nas suas formas institucionalizadas ou não. Novos problemas que saltam das lacunas de uma historiografia que concebeu a educação apenas como transmissão de ideias cuja nascedouro, normalmente, se localiza em alguns poucos países tidos como “civilizados”; o alfabetismo e o letramento como traços distintivos inquestionáveis na hierarquia social; os rituais escolares como “normalidade” e não como expressão de uma possível perversidade sócio-educativa; a instituição escolar como expressão acabada da educação, e não como uma entre tantas outras possibilidades de compreender as práticas educativas em uma sociedade, seja ela letrada ou não; a educação em um sentido sempre positivado, como se processos de “civilização” dos costumes, ou de disciplinarização não fossem marcas tangíveis de violência contra as quais indivíduos ou grupos constantemente reagiram, até para afirmar a sua forma de estar, viver e sentir o mundo contra as formas consideradas mais civilizadas, adequadas ou necessárias por aqueles grupos acostumados a conceber o outro como resto, o que sobra, o que fica fora, o que não conta, como é patente na América Latina.

Ora, sensibilidades se exprimem em atos, em ritos, em palavras e imagens, em objetos da vida material, em materialidades do espaço construído. Falam, por sua vez, do real e do não-real, do sabido e do desconhecido, do intuído, do pressentido ou do inventado. Sensibilidades remetem ao mundo do imaginário, da cultura e seu conjunto de significações construído sobre o mundo. Mesmo que tais representações sensíveis se refiram a algo que não tenha existência real ou comprovada, o que se coloca na pauta de análise é a realidade do sentimento, a experiência sensível de viver e enfrentar aquela representação. Sonhos e medos, por exemplo, são realidades enquanto sentimento, mesmo que suas razões ou motivações, no caso, não tenham consistência real. (PESAVENTO, 2005PESAVENTO, Sandra. Sensibilidades no tempo, tempo das sensibilidades. Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En ligne], Colloques, mis en ligne le 04 février 2005. Available in: <http://nuevomundo.revues.org/229>. Access in: 29 may 2017.
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, s. p.).

O descortinamento deste constante embate entre sensibilidades distintas e, frequentemente concorrentes, já seria estímulo suficiente para tentarmos superar o “mais do mesmo” em relaçào à história da educação, valorizando a polifonia das experiências do passado em uma chave que vá além dos modismos acadêmicos, além da perspectiva eurocêntrica, e que permita avançar em relação ao sentido da história da educação em um continente constantemente açoitado por todo tipo de violência endêmica, historicamente produzida, não raramente atenuada pelas narrativas que tratam a educação como um farol para um mundo melhor. A quem serve este farol e qual o preço a pagar por ele? Talvez o entendimento em chave histórica das sensibilidades em disputa no nosso continente possam ajudar a entender o múltiplos significados da educação aqui mobilizados, inclusive aqueles que foram silenciados.

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  • 1
    Uma versão reduzida deste trabalho foi produzida para fins de publicação no formato de capitulo de livro, em língua espanhola, a convite dos colegas Pablo Pineau e Nicolas Arata, da Universidade de Buenos Aires. Agradeço aos colegas pela gentil autorização para a publicação no Brasil, em versão ampliada e como artigo.
  • 2
    A tradução deste verbete para a língua portuguesa foi de Natália de Lacerda Gil, a quem agradeço.
  • 3
    Sobre a noção de educação social e sua multivocalidade conferir: Tiana e Ferrer (2012) e Taborda de Oliveira e Oscar (2014).
  • 4
    Trata-se do projeto Transformações nos padrões de manifestação e controle corporais na escola elementar paranaense na passagem do modelo doméstico para o modelo graduado (1982-1920), financiado pelo CNPq e pela Fundação Araucária. Cabe destacar a longeva parceria de Diogo Rodrigues Puchta, Sidmar dos Santos Meurer e Sérgio Roberto Chaves Jr. Pesquisadores de relevada atuação no Nupes/UFMG, são todos interlocutores com os quais tenho o privilégio de dialogar e aprender há mais ou menos 15 anos.
  • 5
    Os seminários trataram de diferentes aspectos concernentes à educação dos sentidos e das sensibilidades, tais como a cultura material escolar, práticas educativas não escolares ou de educação social, a história do ensino de ciências etc. Em 2011 foi realizado o primeiro deles nas dependências do Colégio Arquidiocesano, em São Paulo. Os demais foram realizados em 2014, 2015 e 2017, respectivamente na UFMG, na PUC-SP e novamente na UFMG. Os livros já publicados foram organizados por Taborda de Oliveira (2012) e Braghini, Munakata e Taborda de Oliveira (2017), estando o terceiro em processo de editoração.
  • 6
    Entre os pesquisadores que vêm compartilhando suas experiências nesse âmbito de investigação através de toda sorte de intercâmbios na América Latina, podem ser lembrados os nomes de Maria do Carmo Martins (Unicamp), Suzete de Paula Bornatto e Cristiane dos Santos Souza (UFPR), Mirian Jorge Warde (Unifesp), Alexandre Fernandez Vaz (Ufsc), Marcus Vinicius Carvalho Corrêa (UFF), Matheus Cruz e Zica (UFPB), Pablo Pineau, Belém Mercado, Eduardo Galak, Pablo Scharagrodsky e Angela Aisenstein (Argentina), Cláudia Ximena Herrera Beltrán (Colômbia), Edgar Spejel e Lucia Moctezuma (México), Raumar Rodrigues (Uruguai). É auspicioso observar que esse círculo de relações de intercâmbio movido pelo interesse comum só faz aumentar nos últimos 10 anos.
  • 7
    Outras expressões da educação das sensibilidades surgiram na historiografia da educação a partir da década de 1990. A título de exemplo podemos considerar os trabalhos de Lopes (1990) Lopes e Gouvea (1999), Lopes e Galvão (2010), Stephanou (1999), Mignot et al (2000), Bastos et al. (2002) ainda que a expressão sensibilidades não necessariamente tenha sido mobilizada naqueles trabalhos. Mas essa produção versando sobre memórias, leituras, escritas do eu, literatura, entre tantos outros temas, são expressões da educação das sensibilidades para além da chave escolar.
  • 8
    Se na relação cultura – individuo, há tempos que a ideia de coletividade se fixa, no sentido de cultura comum (WILLIAMS, 2003), vemos que não é exatamente este o caso que vivemos atualmente. Parece haver uma ultra exacerbação da ideia de que um indivíduo se faz, se completa, se produz, é “empresa de si”, o que marca essa grande concentração imaginária de que “cada um é cada um”, independentemente de qualquer tipo de troca social ou ambiência sociocultural. Se a contemporaneidade nos apresenta essa possibilidade de organização das sociedades, então a história da educação dos sentidos e das sensibilidades ganha relevância política na tentativa de compreendermos onde, como, quando e porque as práticas da cultura comum foram solapadas pelo individualismo exacerbado. Por isso critico enfaticamente toda a produção que toma o indivíduo como mônada, sem janelas que o conectem com o mundo. A isso estou chamando de perspectiva subjetivista e a ela me contraponho, justamente porque sentidos e sensibilidades são sempre relacionais e contingentes, ainda que aflorem e se manifestem também na singularidade. Devo à professora Katya Braghini a ênfase sobre esse aspecto.
  • 9
    Sobre as noções de studium e punctum, ver os estudos de Barthes (1984) sobre a fotografia. As alusões da autora às reflexões de Barthes são muito apropriadas. Justamente porque o autor define o studium como aquele amplo âmbito da cultura e do saber, que é sempre compartilhado. É o domínio por excelência do entendimento, do (re)conhecimento, do arcabouço prévio com o qual nos lançamos ao mundo. Já o punctum é o seu contrário. É aquilo que emana das coisas e nos afeta, nos marca, nos fere de maneira singular. Do encontro desses dois tipos de estímulo são produzidas as sensibilidades, inclusive aquela que torna o historiador capaz de compreender o que não é da esfera absoluta do racionalizável. Em uma chave muito próxima Berger (2000) nos lembra que “la vista llega antes que las palavras”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2017
  • Aceito
    16 Maio 2018
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