Open-access Desafiando “El Espantajo de la Ciência Oficializada”: estatística social e pesquisa operária de Carolina Muzilli na Argentina do início do século XX

Desafían a “El Aspantajo de la Ciência Oficializada”: estadísticas sociales e investigación obrera de Carolina Muzilli en la Argentina de principios del siglo XX

Challenging “The Scarecrow of Official Science”: Carolina Muzilli’s social statistics and worker research in early 20th century Argentina

Le défi de « El Aspantajo de la Ciência Officializada »: statistiques sociales et recherches sur les travailleurs de Carolina Muzilli en Argentine au Début Du XXe siècle

Resumo

Este artigo debate a trajetória intelectual da ativista pelos direitos da mulher e da criança operárias, Carolina Muzilli que, nascida na Argentina em 1889, em família proletária, não pode seguir estudos universitários após o curso Normal. Dedicou-se então, como autodidata, a pesquisas sobre trabalho infantil e feminino na Argentina, apropriando-se de técnicas da estatística social desenvolvidas pelo italiano Alfredo Nicéforo, trazendo à tona, com rigor científico, a situação de exploração e injustiça social vigentes no período. Muzilli também adentrou o campo de estudos eugênicos, dominado por homens brancos, para defender a ideia neolamarckista de que o melhor fator eugênico para uma população forte seria a elevação das condições de vida e educação das classes populares. Através da pesquisa histórica este estudo destaca suas contribuições e desafios enfrentados durante as primeiras décadas do século XX, ressaltando a intersecção de gênero e classe em sua luta por justiça social

Palavras-chave:
Carolina Muzilli; História da Infância; História da Educação Feminina; História da Educação; mulheres na ciência

Resumen

Este artículo analiza la trayectoria intelectual de la activista por los derechos de las mujeres y los niños, Carolina Muzilli, quien nació en Argentina en 1889, en una familia proletaria, y no pudo realizar estudios universitários. Como estudiante autodidacta, empezou a investigar el trabajo infantil y femenino en Argentina, apropiándose de técnicas de estadística social desarrolladas por Alfredo Nicéforo, sacando a la luz, con rigor científico, la situación de explotación e injusticia social vigente. Muzilli también entró en el campo de los estudios eugenicos, dominado por hombres blancos, para defender la idea neolamarckista de que el mejor factor eugenico para una población fuerte sería mejorar las condiciones de vida y educacion de las clases obreras. A través de una investigación histórica, este estudio destaca sus contribuciones y desafíos durante las primeras décadas del siglo XX, destacando la intersección de género y clase en su lucha por la justicia social.

Palabras clave:
Carolina Muzilli; Historia de la infancia; Historia de la Educación de la Mujer; Historia de la Educación; mujeres en la ciencia

Abstract

This article analyses the intellectual trajectory of Carolina Muzilli, an activist for the rights of working-class women and children. Born in Argentina in 1889 into a working-class family, Muzilli wasn’t able to afford academic studies. She dedicated herself to developing research about the situation of child and female labor in Argentina, adopting techniques from social statistics developed by the Italian Alfredo Nicéforo, with the aim of showing, with scientific rigor, the social injustice that existed at the time. Muzilli also entered the field of eugenics studies, traditionally dominated by white men, to defend the neo-Lamarckian idea that the best eugenic factor for a strong population would be to improve the living conditions and education of the working classes. Through historical research procedures this study highlights her contributions and challenges during the first decades of the 20th century, presenting the intersection of gender and class in her struggle for social justice.

Keywords:
Carolina Muzilli History of Childhood; History of Women's Education; History of Education; women in science

Résumé

Cet article discute la militante pour les droits des femmes et des enfants, Carolina Muzilli. Née en Argentine en 1889, dans une famille prolétarienne, il se consacre ensuite, en autodidacte, à des recherches sur le travail des enfants et des femmes en Argentine, s'appropriant les techniques de statistiques sociales développées par l'Italien Alfredo Nicéforo, mettant en lumière, avec une rigueur scientifique, la situation d'exploitation et d'injustice sociale en vigueur. Muzilli s'est lancé dans les études eugéniques, dominées par hommes blancs, pour défendre l'idée néo-lamarckiste selon laquelle le meilleur facteur eugénique pour une population forte serait d'améliorer les conditions de vie et d'éducation des classes populaires. À travers des recherches historiques, cette étude met en lumière leurs contributions et les défis rencontrés au cours des premières décennies du 20e siècle, mettant en évidence l'intersection du genre et de la classe dans leur lutte pour la justice sociale.

Mots-clés:
Carolina Muzilli; Histoire de l'enfance; Histoire de l'éducation des femmes; Histoire de l'éducation; femmes et la science

Introdução

Um importante marco dos movimentos feministas na América Latina no início do século XX foi o Primer Congreso Feminino Internacional, convocado pela Asociación de Universitarias Argentinas. Realizado entre 18 e 23 de maio de 1910, o congresso foi coordenado pelas médicas Cecilia Grierson, a primeira mulher a se formar em medicina na Argentina, e Julieta Lanteri. O evento contou com a presença de destacadas feministas argentinas, como Alicia Moreau e Elvira Rawson e recebeu apoio de figuras que já eram internacionalmente reconhecidas à época, como Maria Montessori, Marie Curie e Ellen Key.

Além das acadêmicas, o congresso também atraiu mulheres ativas nos movimentos políticos e sindicais, que frequentemente se encontravam excluídas do limitado e seleto círculo de mulheres com acesso ao ensino superior da época. Entre essas participantes, que atuavam fora do movimento universitário, estava a jovem Carolina Muzilli, que, aos 21 anos, mobilizou esforços para conciliar estudos autodidatas, um trabalho como costureira e o ativismo feminista por melhorias sociais, especialmente para mulheres e crianças operárias.

Este artigo busca explorar a trajetória e as contribuições de Carolina Muzilli no contexto da participação feminina na ciência e na política nas primeiras décadas do século XX.

Utilizando como metodologia a pesquisa histórica, fundamentada principalmente em documentos de autoria da própria Muzilli, datados entre 1907 e 1916, o estudo analisa suas publicações, áreas de interesse e métodos empregados. Além disso, o trabalho pretende contextualizar o impacto de suas obras no avanço das mulheres na ciência, correlacionando suas realizações com os desafios enfrentados por mulheres pesquisadoras, muitas delas apartadas da universidade e organizações científicas oficiais pelas intersecções de gênero, classe social e relações de poder em torno do conhecimento.

Como corpus documental, utilizamos a obra original Por la salud de la raza (1919), que reuniu, um ano após seu falecimento, os principais textos de Carolina Muzilli. Dentre esses textos, destaca-se a tese que apresentou no Primer Congreso Feminino Internacional.

Além disso, buscamos artigos publicados no jornal socialista La Vanguardia e na Nosotros - Revista mensual de letras, artes, filosofía y ciencias sociales (1916), assim como pesquisas da autora apresentadas no Primer Congreso Americano del Niño (1916). Estes documentos foram encontrados nos acervos da Biblioteca Nacional do Uruguai, Biblioteca Nacional da Argentina e da Biblioteca Luís Morchio, localizada no Instituto Interamericano del Niño, la Niña y Adolescentes do Uruguai. A escolha dessas fontes permite não apenas um olhar aprofundado sobre as ideias e argumentos de Muzilli, mas também compreender o impacto e a recepção de seu trabalho nos contextos acadêmico e político do período.

Como arcabouço teórico para analisar a inserção das mulheres na ciência, utilizamos a abordagem de Natalie Zemon Davis (1999), que propõe uma perspectiva que reconhece as mulheres como agentes ativas de mudança, desempenhando papéis significativos em seus contextos, mesmo quando suas contribuições são obscurecidas ou não registradas de forma convencional na historiografia. A contribuição de Michelle Perrot (1996) também é instrumental, ao fornecer uma análise das transformações dos papéis e da participação das mulheres na esfera pública e no mundo do trabalho ao longo da história.

Complementando essas perspectivas, utilizamos as contribuições de Roger Chartier (1991) e Michel de Certeau (2008) para entender como as práticas culturais e a escrita da história interagem com a experiência feminina. Chartier será operacionalizado a partir de seus conceitos de representação e apropriação, considerando que as obras de Muzilli foram interpretadas de maneiras variadas em diferentes contextos, ou mesmo consideradas objeto de disputa e negociação de significados. Certeau, por sua vez, será empregado para explicar as táticas cotidianas utilizadas para negociar e subverter estruturas de poder, oferecendo uma lente para analisar como mulheres como Carolina Muzilli manipularam as ferramentas disponíveis para desafiar e redefinir as normativas de seu tempo.

A primeira seção deste artigo se debruça sobre o contexto da inserção das mulheres na ciência, discutindo as barreiras impostas às mulheres que buscavam ingressar nos campos científicos dominados por homens. Em seguida, abordamos a trajetória pessoal e profissional de Carolina Muzilli, seus estudos autodidatas, seu ativismo e trabalho como costureira, e como essas experiências moldaram suas contribuições científicas e sociais, além de seu próprio destino. A terceira seção discute como Muzilli utilizou a estatística social para influenciar políticas públicas e destacar injustiças sociais, especialmente em relação às mulheres e crianças operárias. Na última seção, examinamos as visões de Muzilli sobre eugenia e como suas críticas ao darwinismo social a colocava em consonância com o discurso científico neolamarckista em circulação em seu tempo.

Neste artigo, narramos a história de uma mulher notável na ciência1 e buscamos demonstrar como o gênero e a ciência estão interligados, demarcando tanto as oportunidades quanto as barreiras encontradas pelas mulheres em campos acadêmicos e profissionais.

Alinhavando a presença feminina na Ciência

A presença das mulheres na Ciência foi, durante muito tempo, silenciada, o que não significa que elas não existissem ou que não participassem na construção do conhecimento científico. Conforme aponta Maria Margarete Lopes (2003), o reconhecimento das contribuições de mulheres "notáveis", a partir dos estudos de pesquisadoras feministas, principalmente dos anos 1970, foi fundamental para desafiar a crença de que as mulheres não eram capazes de atuar na ciência. Essa ideia era sustentada por teorias biológicas e médicas que alegavam diferenças anatômicas ou fisiológicas em relação aos homens, que supostamente limitavam suas capacidades intelectuais e as destinavam primordialmente à maternidade.

Lopes (2003), no entanto, argumenta que, ao destacar as trajetórias de mulheres como "exceções" que "superaram obstáculos", como fizeram as pesquisas dos anos 1970, tende-se a perpetuar uma abordagem historiográfica que foca em grandes personalidades e eventos, obscurecendo as condições sociais e culturais em que essas cientistas atuaram. Pesquisas mais recentes buscam entender os mecanismos que relegaram as mulheres a um "não-lugar" na ciência, desde barreiras tangíveis à educação feminina, até a invisibilidade daquelas que as superaram.

Estela Aquino (2006) afirma que, à medida que a ciência moderna avançava, houve um aumento em sua formalização, manifestado tanto pela criação de novas instituições quanto pela implementação de normas rígidas. Esses avanços acabaram por excluir as mulheres dos ambientes científicos mais formalizados.

No entanto, as mulheres desempenharam papéis significativos nesta Revolução Científica, engajando-se em atividades como observações astronômicas em observatórios domésticos e estudos de botânica e zoologia com o uso de microscópios, frequentemente em parceria com membros masculinos de suas famílias (Estela2 Aquino, 2006, p. 12). Além disso, mulheres detinham conhecimento em fitoterapia e cuidados de saúde, atuando muitas vezes como principais cuidadoras em partos e no tratamento de enfermidades (Jaqueline Pitanguy, 1989; Anayansi Brenes, 1991; Lucia Tosi, 1998).

Com a consolidação do Capitalismo e a consequente separação entre os âmbitos privado e público, a participação das mulheres foi se restringindo à medida que a organização da ciência se voltou para estruturas mais formais e institucionalizadas, que excluíam as mulheres da educação superior e da vida científica profissional, segundo Londa Schienbinger (2001).

As mulheres, neste período, tiveram sua participação restrita ao ambiente doméstico, focadas no cuidado com a casa e com os filhos: um reflexo das normas sociais de gênero que impregnava também os ambientes acadêmicos e científicos. Esta reestruturação da ciência amparou-se quase que exclusivamente em paradigmas masculinos, resultando em uma participação mais tímida das mulheres na ciência e na produção de um conhecimento fortemente influenciado por perspectivas androcêntricas (Aquino, 2006).

Historicamente, no que tange às áreas que inicialmente se abrem, à força, para a participação feminina, encontra-se a proeminência das carreiras ligadas às Ciências da Saúde, mais especificamente à Medicina, em se tratando dos cursos superiores, como destaca Alicia Palermo (2006). A razão desta especificidade será por nós debatida e confrontada com a aparente idiossincrasia do período, no qual notoriamente existe uma forte consagração da autoridade médica masculina sobre estratégias discursivas e práticas de controle social, especialmente sobre as populações mais pobres, mulheres e crianças. Mas é fato que as primeiras universitárias do mundo ocidental encontrarão nos cursos de medicina possibilidade de diplomação universitária, sobretudo através do viés de entrada na obstetrícia e pediatria, áreas que a herança cultural ocidental associa ao campo dos cuidados femininos e maternais.

Junto a este filtro estreito em relação às áreas que anuíram à entrada das mulheres, encontraremos na classe social mais um afunilamento, pois via de regra as universitárias latino americanas do final do século XIX e das décadas iniciais do século XX provinham de famílias de imigrantes europeus, que no novo continente mantinham, na educação dos filhos e filhas, valores um pouco mais liberais em relação ao estudo e formação, eram mais prósperas financeiramente, e muitas dessas mulheres possuíam vínculo familiar com a área médica, tendo pai, irmãos ou outros parentes próximos já exercendo a profissão (Palermo, 2006).

Não obstante, ao considerarmos o impacto histórico das primeiras universitárias argentinas no desenvolvimento do movimento feminista na América do Sul (Lucia ROSSI E Fedra BECCHERO, 2019), destacamos que às mulheres das classes baixas impunha-se mais de uma barreira em relação a seu ingresso e permanência nas universidades, sendo este o caso de Carolina Muzilli. Egressa de família operária, conseguiu concluir formação como normalista (Cosentino, 1984), o que por si só já seria uma significativa quebra da regra geral que limitava as meninas pobres a apenas uma formação primária, quando muito (Etelvina Trindade, 1996). No entanto, mediante as urgências da sobrevivência, ela não ingressará na universidade e, ao invés disso, assumirá um trabalho de costureira, com o qual custeará seu sustento, seu jornal e suas pesquisas.

Por meio dos escritos de Muzilli, miramos temas emergentes no debate científico dos primeiros anos do século XX, tais como a preponderância de uma ciência excludente, os discursos sobre eugenia, a possibilidade de impactos políticos e sociais através da aplicação de estudos estatisticamente embasados para uma maior regulamentação das condições de trabalho, moradia, saúde e educação para os trabalhadores pauperizados em seu país e em toda a Latinoamérica.

Desafiando a exclusão da ciência oficializada, Carolina Muzilli construirá um forte escopo de pensamento social e pesquisa, sendo uma voz provocativa na Argentina do período, com ecos da circulação de seu trabalho atingindo também outros países, especialmente por meio do legado da construção dos Congressos Americanos da Criança (1916 aos dias atuais), junto à Julieta Lanteri (Andréa Cordeiro, 2015).

Entre a agulha e a pena: a trajetória de Carolina Muzilli, costureira, escritora e ativista

A trajetória de Carolina Muzilli na educação formal foi marcada por sua competência intelectual mesclada à ousadia crítica, que, quando combinadas, geraram, desde sua passagem pelo primário, situações de reconhecimento e de reprimendas, castigos e ameaças de exclusão da escola (Cosentino, 1984, p. 12). Apesar das tensões com colegas e professoras Carolina possuía uma conduta de estudante irrepreensível, o que a levou a frequentar a Escuela Normal del Profesorado en Lenguas Vivas, instituição de ensino estatal, porém predominantemente frequentada pela elite de Buenos Aires.

Nesta instituição, Carolina ampliou sua percepção acerca das desigualdades no acesso à educação: chocava-lhe o fato de tantas pessoas ricas poderem frequentar a escola sem que tivessem nenhum desejo pelo conhecimento, ao passo que outras tantas, por sua condição de classe, não podiam estudar, apesar de possuírem uma verdadeira vontade.

Nesta fase ampliou seu círculo de relações: conheceu a Professora Mary Jav e participou de agremiações de mulheres socialistas, iniciando seu direcionamento aos temas que desenvolveu posteriormente durante toda sua curta vida: a crítica à caridade, os direitos das mulheres, a proteção e direitos da infância operária (Consentino, 1984).

Após sua passagem pela Escola Normal, onde se destacou especialmente por seus textos críticos e consistentes e por sua fluência no idioma italiano3, Carolina Muzilli, ingressa na vida adulta, abandonando os estudos formais em razão de precisar imediatamente de trabalho. Como um exemplar da vida de tantas de mulheres pobres ela precisava de um ofício que lhe garantisse o sustento.

Muzilli buscava também flexibilidade para frequentar reuniões, palestras, conferências4 e bibliotecas, lugares de educação não-formal onde afiou seus instrumentos de escrita e de pesquisa. Torna-se então costureira, um ofício, que, segundo Michelle Perrot, foi um lugar clássico para mulheres operárias, exploradas e objetificadas na figura da “costureirinha galante”: corpo pobre e disponível (Perrot, 1996, p. 87). Ferreras (1999) destaca sobre este aspecto que Muzilli tentava se proteger com uma extrema rigidez em suas posturas em público, preocupada que sua imagem não fosse associada à de permissividade ou frivolidade.

Muzilli atesta em sua obra que as costureiras ocupavam um lugar de desqualificação, com má remuneração e péssimas condições de trabalho. A grande maioria destas trabalhadoras, assim como ela mesma, realizavam trabalho em domicílio, no chamado “sweating sistem”5 (sic) sistema de “hacer sudar”, (Muzilli, 1919, p. 61) que ela denunciará, por ser caracterizado por jornadas excruciantes de trabalho que rendiam poucos centavos por peça confeccionada:

É triste saber das condições em que se desenvolve o trabalho em domicílio. Somemos a isso o desemprego com sua consequente redução de salário, e imaginem, aqueles que a conhecem, qual deve ser a situação de tantas famílias pobres... Em minha inspeção por essas oficinas pobres localizadas na única sala que serve de dormitório, sala de jantar, e tudo, vi misérias horríveis. (...) o pai buscando trabalho que não encontra. A mãe chorando porque no registro não havia costura para ela... E me disseram as boas mulheres, com um gesto de angústia indizível, que vão vivendo das folhas que são jogadas nos mercados e de outros restos. (Muzilli, 1919, p. 63, tradução nossa).6

Ao pesquisar as condições de trabalho e vida das mulheres e crianças operárias ela mergulha em seu próprio meio, vivendo de maneira radical sua pesquisa e enfrentando as condições depauperadas do trabalho domiciliar que acabaram por levá-la ao adoecimento e morte precoce por tuberculose em 1917.

Sua metodologia de pesquisa foi constituída pelo estudo aprofundado da teoria, das leis, dos artigos na imprensa e dos relatórios oficiais e sindicais sobre as diferentes ocupações que empregavam mulheres, associados com trabalho de campo: visitas de inspeção, entrevistas com mulheres operárias, revisão de cadernos de registro nos locais de trabalho e imersão nos empregos como empregada. No Boletín del Museo Social Argentino, Carolina publica em 1913 sua pesquisa Aspectos del trabajo femenino onde detalha sua metodologia:

Acho oportuno informar aos leitores como obtive os dados para este trabalho. (…) Obtive das fábricas e oficinas dados pertinentes sobre as mulheres que nelas trabalham. Comparei salários e horas de trabalho fornecidas pela gestão com os dados obtidos, questionando os trabalhadores. E para tornar o trabalho mais detalhado, vi os salários nos livros de pagamento e os extraí deles. Para o trabalho domiciliar, a fim de obter dados, fui aos registros e lojas de roupas, e comparei-os com os dados coletados em minha passagem pelas oficinas localizadas nos cortiços da cidade. (…) Mas o que foi mais difícil para mim foi obter dados relativos às vendedoras. Fui em várias lojas, questionei, tudo foi inútil. Como fazer? Foi preciso trabalhar como vendedora, me confundir com elas, e fiquei assim por cerca de um mês, durante o qual aprendi lições profundas.” (Muzilli, 1913, apudQueirolo, 2009, tradução nossa). 7

Aspectos del trabajo femenino foi produzido para participar na seção de Economia Social da Exposición de Gante, na Bélgica em 1913, e sob os auspícios do Museo Social Argentino, foi premiado neste evento com o diploma de honra e medalha de prata, em razão de sua contribuição sobre o trabalho feminino em Buenos Aires (Queirolo, 2009, p.12). Este trabalho também está na obra de 1919, onde outros tantos artigos apresentam resultados produzidos no cruzamento do estudo teórico, análise de dados oficiais e informações colhidas in loco, através de diligente pesquisa de campo em locais de trabalho nos quais estava massivamente sendo utilizada a mão de obra de crianças e mulheres.

Pesquisa e ativismo estavam entrelaçados no modo de existir de Carolina Muzilli, cuja militância foi marcada pela busca do lastro científico. Seus escritos apresentam um número significativo de autores e autoras, como Ensch, Carlyle, Elvira Rawson Dellapiane, Gina Lombroso, Galton, Darwin, Ellen Key, Graciela L. de Conti, Nietzsche, Domingos Sarmiento, Berta Sutner, Alberdi, Masiello, Francine, Alejandrina Ravizza, Alfredo Nicéfero, entre outros nomes que fizeram parte dos círculos intelectuais do período. Em suas palavras, ela desafiará as limitações ao acesso à Ciência, alertando que o conhecimento deve ser para a coletividade:

Esta mania de querer limitar a discussão de temas que, mais do que a ninguém, interessam ao próprio povo, lembra-nos o procedimento dos antigos sacerdotes, guardiões da sabedoria, que, hermeticamente fechados em baús, a entregavam à adoração de um povo ingênuo, em datas fixas, sem nunca explicar o seu conteúdo. Hoje, felizmente, desde que as bibliotecas abriram as portas os livros esperam nas prateleiras por uma mão generosa que os escolha e uma mente ávida por saber que se impregne com eles, desde que o livro se popularizou por seu baixo preço, o espantalho da ciência oficial não tem mais razão de existir. Por isso vemos que nos congressos e nos jornais populares essas questões começam a ser abordadas, ainda que a autoestima dos universitários sofra com a discussão que pode surgir entre os não universitários. (Muzilli, 1919, p. 186, tradução nossa)8.

Por uma ciência popular e participativa ela buscará a estatística como aliada para superação da erudição vazia e do ativismo sem fundamentação.

Pontos precisos: a estatística social como táctica de la historia

O trabalho dos escritores que se dedicam às questões sociais deve, então, ser preciso para ser sério e propício. Bem sabemos que contra isto conspira o caráter tradicionalista de muitos pensadores que, embora possam ser úteis aos seus semelhantes, dedicam-se a especulações puramente superficiais e muitas vezes sacrificam ideias às flores de trapo da retórica (Muzilli, 1919, tradução nossa).

Contra a ideia de que a pobreza, a fome, a doença e as desigualdades fossem obra da fatalidade, algo dado e imutável, Carolina irá aprofundar os estudos sobre estatística social, confiante de que a partir de diagnósticos precisos sobre as questões sociais seria possível preparar intervenções preventivas, sintéticas e eficazes, a partir da constituição de políticas públicas voltadas ao melhoramento das condições de vida de toda a população.

Neste sentido, Carolina Muzilli encontrará na estatística, com base especialmente em estudos do estatístico social italiano Alfredo Nicéforo, uma “táctica de la historia” (Muzilli, 2019, p. 14) para a reversão da situação em que se encontrava a sociedade naquele momento, a partir de um registro realista das condições em que vivia o povo. O uso que Carolina faz do termo “tática” está circunscrito pelo léxico de seu tempo e lugar, mas não podemos deixar de pensar na ideia de tática como é apresentada por Michel de Certeau, quando destaca essa “arte do fraco” em “captar no voo as possibilidades oferecidas por um instante” para então utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder (Certeau, 2008, p. 101). Muzilli aplicará discursos científicos e a estatística em favor da comunicação e da possibilidade de mudança na vida dos trabalhadores:

Se os homens criaram uma tática de guerra, ou seja, para a morte, por que não deveriam criar também para a vida? Se o mundo se maravilha com o talento de grandes estrategistas que, consultando mapas, espiando o adversário, sondando as coisas e os eventos, conseguem em poucas horas acabar com milhares de vidas humanas que poderiam ser úteis nos campos e nos escritórios, por que não se deveria admirar também os homens que são estrategistas no campo de ação da vida, para combater a miséria, o analfabetismo, o alcoolismo, a tuberculose, a longa e horrível sequência de males que minam o organismo social? É indubitável que falta a esses homens o atributo clássico do heroísmo tradicional para serem admirados. Mas acredito que com o tempo deve ser criado, por uma educação moral mais inteligente, um novo conceito de heroísmo. Será o heroísmo dos que trabalham no campo, no laboratório e no escritório, pela felicidade de seus semelhantes9 (Muzilli, 1919, p. 16, tradução nossa).

A partir desta perspectiva, ela levantará uma série de perguntas de pesquisa, as quais julga serem essenciais para a compreensão do presente e alteração do futuro de seu país. As questões apontam para a necessidade de mapeamento de dados como estatísticas de mortalidade infantil; número de mães trabalhadoras em domicílio; enfermidades profissionais produzidas pelas indústrias do país, como evitá-las e tratá-las; porcentagem de tuberculosos na população total e entre os operários e operárias; porcentagem de pessoas analfabetas no país; e por fim dados sobre o número de escolas e de bares nos bairros populares (Muzilli, 1919, p. 17).

Sabendo que o esforço para tantas frentes de pesquisa seria hercúleo, a proposta de Muzilli era a preparação de grupos de pesquisadores e pesquisadoras voluntários, organizados entre o povo, nos sindicatos, nas escolas, especialmente entre os jovens. Por sua parte, ela levantou dados sobre o trabalho de mulheres, que envolveu a pesquisa sobre trabalhadoras em domicílio, trabalhadoras de escritórios, vendedoras, telefonistas e mães trabalhadoras.

Nas conclusões do trabalho reivindica a regulamentação da jornada de trabalho de oito horas, a licença maternidade de trinta dias antes e quarenta dias depois do parto, melhoria das condições higiênicas no trabalho, criação de creches ou berçários nas fábricas, fomento às escolas profissionais e à educação da mulher, além da ampliação do acesso ao lazer gratuito para todas e todos.

Outra frente especialmente importante para ela estava ligada às crianças trabalhadoras. Utilizando a estatística e intenso trabalho de campo, ela levou à público dados sobre o suicídio de crianças trabalhadoras na Argentina, a participação das crianças em greves em Buenos Aires, as principais atividades laborais executadas por crianças em seu país e as consequências destas para a saúde e bem-estar da infância e da adolescência.

Além disso, apresentou dados de outros países, como Inglaterra e Itália, para denunciar a urgência dos governos em promoverem pesquisas onde os dados sobre saúde e crescimento das crianças da classe trabalhadora latino-americanas fossem comparados com os daquelas de classes mais abastadas, para uma melhor compreensão das teorias do higienismo positivo. Nas palavras de Muzilli, “as estatísticas realizadas (...) demonstram que o trabalho infantil, excessivo e em más condições, constitui um fator especial de degeneração da raça10.” (Muzilli, 1913).

A pesquisa El menor obrero, com detalhamento chocante sobre as rotinas de trabalho das crianças urbanas e rurais, foi apresentada no Primer Congreso Nacional del Niño, realizado em Tucumã-Argentina em 12 de outubro de 1913, e posteriormente apresentado, junto a pesquisas ampliadas, no Primer Congreso Americano del Niño, realizado em 1916 na Argentina.

Muzilli e Lanteri foram as idealizadoras e organizadoras destes primeiros encontros que, segundo Andréa Cordeiro (2015), impulsionaram o movimento dos encontros científicos sobre a criança e deram origem a uma longa tradição dos Congressos Pan Americanos da Criança, que se realizam até os dias de hoje, e à fundação do Instituto Interamericano del Niño, la Niña y Adolescentes (IIN), organismo especializado da OEA (Organização dos Estados Americanos) em matéria de infância e adolescência, localizado em Montevidéu, a partir de iniciativas debatidas no Segundo Congresso Americano da Criança, realizado em 1919.

Apesar do pioneirismo de Muzilli e Lanteri ter lançado as bases desses congressos e do movimento organizado transnacionalmente para debate científico sobre a infância, os nomes destas mulheres foram compulsoriamente abafados nos eventos subsequentes (Cordeiro, 2018), numa estratégia de apagamento que muito se aplica às mulheres na ciência, e reitera as análises de Natalie Zemon Davis sobre o trabalho, por vezes marginal ou marginalizado, e sobre a ação de mulheres na história.

Será com a resignação de quem se percebe marginalizada, mas que persiste no trabalho por acreditar em sua importância que, pouco antes de sua morte, Carolina Muzilli publicará na revista Nosotros suas impressões sobre o Primer Congreso Americano del Niño:

Dos festejos realizados para comemorar o centenário da declaração de nossa independência nenhum maior, mais simbólico, e mais digno da Pátria que este Congreso Americano del Niño, que acabamos de realizar. Obra popular, pois é um expoente de um grupo de pessoas que se ocupam com a elevação do nível de vida das mulheres, das crianças e das classes humildes, desligada da tutela do governo, conseguimos estender sua ação e obter a representação de quinze repúblicas americanas. (...) Se este congresso não tivesse outra função que não fosse a de colocar em contato as pessoas que têm afinidades em ideais e se ele não servisse para nada mais do que para nos fazer conhecer pessoas cujas ideias devendo ser conhecidas, permanecem, não sabemos por que razões, ignoradas, confessemos que já haveria desta forma cumprido sua missão perfeitamente (Muzilli, 1916, p. 64, tradução nossa).11

Sigamos então o fio das ideias de Carolina Muzilli, nos aprofundando em sua visão sobre os estudos eugênicos, na perspectiva de uma pensadora proletária.

Linhas e entrelinhas de Carolina Muzilli: a eugenia “positiva”, o combate à degeneração da raça e a defesa pela emancipação do operariado através da educação e da saúde

Ao escrever El mejor factor eugénetico, texto publicado em Por la Salud de la raza, Carolina Muzilli insere-se num amplo debate da construção da ciência eugênica e do aprimoramento da espécie humana que assumia desdobramentos específicos no início do século XX. Cabe ressaltar que, dentre a diversidade de interpretações e desde as discussões mais incipientes, ao longo do século XIX, a defesa da teoria lamarckista12, que afirmava o papel das influências ambientais na transmissão de caracteres hereditários, contra a visão de uma hereditariedade regulada por leis fixas e imutáveis, tal como defendido por Francis Galton, foi um dilema presente nos debates médicos e científicos de cunho eugênico (Prior, 2013, p. 88-89).

Mesmo em meio à diversidade de partícipes e desdobramentos das discussões, duas teorias prevaleceram como centrais: a “eugenia neolamarckista ou positiva”, pautada na educação higiênica e em ações ambientais; e a “eugenia mendelista ou negativa”, que tinha em seu horizonte de expectativas a restrição (regulação de casamento, segregação, esterilização e supressão) dos considerados degenerados (Mota, 2003).

Ao defender que o melhor fator eugênico para uma população forte seria a elevação das condições de vida e educação das classes populares, Muzilli dialogava com o neolamarckismo - o lamarckismo do século XX, após a redescoberta das leis de Gregor Mendel em 1900 - tal como afirmou Nancy Stepan (2004; 2005).

Contrapondo-se à perspectiva da “eugenia negativa”, Muzilli afirmava que Galton e apoiadores desta visão defendiam o fim da procriação e o total aniquilamento das relações sexuais entre indivíduos que consideravam inferiores (Muzilli, 1919, p. 187-188).

A maioria dos eugenistas enfatiza o isolamento de criminosos, degenerados etc., para evitar sua reprodução. Esses grupos sociais, felizmente, não são os mais numerosos e, como ao falar de criminosos e degenerados referem-se a indivíduos que a sociedade segregou em estabelecimentos onde não é possível a procriação, vemos que eles se eliminam por si mesmos (...) Por outro lado, acreditamos que é o meio, o ambiente, que pode modificar e até eliminar taras hereditárias nocivas. (Muzilli, 1919, p. 188-189, tradução nossa).13

A partir de uma perspectiva neolamarckista, Muzilli defendia a eugenia como ciência e a necessidade do aperfeiçoamento da raça, enfatizando o ambiente um como elemento educativo essencial e transformador no que diz respeito às gerações futuras. O argumento da autora, nesse sentido, é que as estatísticas demonstraram que o trabalho infantil excessivo e em más condições se apresentou como um dos fatores principais da degeneração racial, e completa: “Todas as causas de degeneração da raça respondem a uma anacrônica ordem social, quer dizer, que são causas sociais as que as determinam”. (Muzilli, 1919, p. 188)14

Ao afirmar que à degeneração da espécie seriam determinantes as causas sociais, Muzilli se posiciona em meio aos debates que ocorriam entre os eugenistas do período. Na sua visão, discussões sobre esterilização da população e outras questões pertinentes às defesas realizadas por partidários da “eugenia negativa” não contribuíam para o que realmente deveria ser feito com vistas ao combate à degeneração da raça. Ao contrário, práticas negativas de isolamento e esterilização iriam comprometer as forças produtivas, ou seja, a grande massa da população, ao invés de encaminhar as classes populares à regeneração (Muzilli, 1919, p. 190).

Isso equivaleria a isolar de suas funções procriadoras a grande massa da população, uma vez que a maioria dos indivíduos das classes populares, seja por excesso de trabalho, por influências de moradia inadequada, de alimentação escassa e detestável, ou por intoxicação alcoólica ou sifilítica, estimuladas pela ignorância, está marcada por estigmas que tornam impossível a descendência em boas condições. Muzilli, 1919, p. 200-201, tradução nossa).15

O objetivo, ao contrário, seria a melhoria das condições de vida dessa grande massa, o que exigiria mudanças nas condições materiais e do ambiente, acompanhadas pela educação como forma de transformação social, ambas imprescindíveis para evitar, tratar e, por conseguinte, combater as doenças, especialmente a tuberculose e o alcoolismo, principais degeneradores da humanidade (Muzilli, 1919, p. 190).

Ainda seguindo essa perspectiva, Muzilli defendia que essa massa populacional não seria degenerada a priori, mas teria sido colocada em condições de degeneração. As condições desesperadoras da vida dos trabalhadores, a falta de alimentação e moradia adequadas, bem como as duras e longas jornadas de trabalho, seriam as principais responsáveis pelo aumento do alcoolismo. Do mesmo modo, “A absoluta falta de higiene, a má educação, a ignorância, são causas que, juntamente com as anteriores, aceleraram a propagação do flagelo alcoólico numa proporção tão alarmante 16( Muzilli, 1919, p. 200).

(...) a taberna, a loja de bebidas do armazém, onde, com o pretexto de estimular a tua energia, a cada copo que beberes, deixarás restos da tua saúde e da tua dignidade, o que é pior, junto, vai se comprometendo a saúde e a dignidade da espécie (...) E é claro que o trabalhador busca esquecer suas próprias condições desesperadoras no álcool; na Austrália, diz Loria, os vendedores de bebidas espirituosas lutam com muito ardor contra a redução da jornada de trabalho para oito horas (Muzilli, 1919, p. 200-201, tradução nossa).17

Havia interesse em “degenerar” essa população ao invés de contribuir para sua regeneração - esta era a visão de Carolina Muzilli, que afirmou: “Mais uma vez chegamos à conclusão de que a causa dos mais diversos fenômenos da vida social é de origem econômica” (Muzilli, 1919, p. 205)18”.

O interesse em colocar o operariado nessas condições de inferioridade física e manter suas vidas de maneira tão lastimável estava relacionada à exploração da sua mão de obra. Na Argentina, isso seria perceptível por meio de medidas reacionárias como o apoio de patrões aos vendedores de álcool, em detrimento do operariado (Muzilli, 1919, p. 201).

Defendendo a saúde e a educação como fundamentais à transformação social, Muzilli destinou novamente suas críticas aos partidários da “eugenia negativa”, que apontavam as restrições reprodutivas e o isolamento populacional como forma de melhoria da sociedade, afirmando que restringir essa população de suas funções vitais seria aproveitar-se dela duplamente.

Sustentamos, como demonstramos nos capítulos anteriores, que a maioria dos indivíduos do grupo social mais numeroso está colocada em tal situação de inferioridade física. Que medidas adotariam os eugenistas para com eles? As que expusemos mais acima? Neste caso, a sociedade se aproveitaria duplamente do indivíduo ao fazê-lo trabalhar longas jornadas, concedendo-lhe uma péssima remuneração que o obriga a viver em uma má moradia e a ingerir uma alimentação ainda pior, fatores que o levam fatalmente a pagar tributo às doenças profissionais, à tuberculose, etc., até inibir suas funções vitais! Ou seja, o indivíduo é 'degenerado', sem piedade, para depois lançarem um grito de terror diante de sua descendência, realizada em péssimas condições. (Muzilli, 1919, p. 209-210, tradução nossa).19

Mais uma vez, Carolina Muzilli reforça que haveria o interesse em “degenerar”, sem piedade a grande massa operária. Defendendo, além disso, que isso já seria uma estratégia para condenar, de antemão, sua descendência: as futuras gerações de trabalhadores. Quanto a essa questão, a da descendência e especialmente dos infantes provenientes da classe operária, também cabe demarcar sua posição no texto “Por que o trabalho infantil não beneficia a sociedade econômica ou moralmente”20: contrária ao trabalho infantil, defensora do ensino primário e do aumento do número de escolas, argumentando pelo custeio da educação por parte do governo com o objetivo de construir e regenerar as gerações futuras, a “esperança do país” (Muzilli, 1919, p. 163).

Por meio da educação e da saúde, especialmente voltada às futuras gerações, Muzilli defende a possibilidade de romper com um sistema explorador que levaria o trabalhador à degeneração: “(...) as melhores medidas eugênicas que podem ser adotadas neste caso são aquelas que colocam o indivíduo em condições de melhorar física e moralmente.”21 (Muzilli, 1919, p. 210).

Buscando convencer seus pares acerca de sua posição, Carolina Muzilli, reforça quais seriam as “reais medidas eugênicas”:

O sociólogo, o higienista, o educador, o estudioso e o sindicato devem conquistar melhorias que permitam ao proletário viver em habitações saudáveis e limpas, onde o ar, o sol e a luz entrem livremente, que lhe permitam alimentar-se e reparar suas forças desgastadas, que diminuam as horas de trabalho e elevem o salário. Aqueles que resolverem o terrível problema alcoólico aniquilando seu poderio; aqueles que conseguirem a instrução para o povo e elevarem o método de vida do grupo social ao qual fizemos referência, serão os que mais eficazmente trabalharão em prol de reais medidas eugenéticas22. (Muzilli, 1919, p. 211, tradução nossa).

Para “regenerar” e não “degenerar”, a educação e a saúde das classes trabalhadoras deveriam ser colocadas acima dos interesses do capital. A “eugenia negativa”, conforme destacou Muzilli, não objetivaria a regeneração, mas a um duplo aproveitamento: o da exploração da mão de obra e da inibição de funções vitais dos trabalhadores. Logo, a luta por “reais medidas eugênicas” deveria ser de todos(as), e estas, para Carolina Muzilli, deveriam ser as de melhoria das condições de vida da grande massa de trabalhadores.

Conclusão

Ao analisar sua trajetória conseguimos perceber que Carolina Muzilli costurou, a partir de suas investigações e escritos, um novo entendimento sobre as injustiças sociais enfrentadas pelas classes trabalhadoras.

Suas análises estatísticas e relatos, embora originados fora dos circuitos formais de educação e poder científico, formaram um "tecido" que desafiava as visões estabelecidas e expunha a exploração de mulheres e crianças. Este tecer e alinhavar de ideias não apenas enriqueceu o diálogo sobre direitos sociais e trabalho na Argentina, mas também inseriu Muzilli na longa tradição de mulheres que usam a narrativa como uma ferramenta de expressão e resistência. (Irene Vallejo, 2022).

Com sua agulha e sua pena, pespontou uma crítica afiada em relação às estruturas sociais de seu tempo e mobilizou seus recursos intelectuais para a pesquisa sobre infância e mulheres, mesmo sem ter acesso ao espaço universitário. Sua trajetória singular permite-nos entrever que mulheres, frequentemente marginalizadas nas narrativas científicas e acadêmicas, têm habilmente entrelaçado suas vozes em campos dominados por homens.

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  • 1
    Aqui tomamos de empréstimo o termo “mulher notável da ciência” de Londa Schiebinger que o emprega para descrever mulheres que, apesar das barreiras sistêmicas impostas pelo gênero, conseguiram fazer contribuições significativas e frequentemente pioneiras nos campos científicos e acadêmicos. A expressão é usada para enfatizar tanto a excepcionalidade das realizações dessas mulheres, quanto o desafio que estas representam às noções tradicionais de competência e participação femininas na ciência (SCHIEBINGER, 2001).
  • 2
    Optamos por grafar o prenome das autoras nas indicações de referências na primeira vez em que são citadas no texto. Esta é uma escolha epistemológica e política e tem o objetivo de visibilizar as mulheres e suas produções, historicamente apagadas dos espaços de construção e circulação do conhecimento.
  • 3
    O biógrafo de Carolina Muzilli, José Armagno Cosentino, relata que na Escola Normal ela foi selecionada para escrever e pronunciar um discurso de recepção a um célebre professor, Guillermo Ferrero, que em visita à Argentina foi a uma solenidade organizada por autoridades ministeriais na Escola Normal. Segundo o biógrafo, Carolina impressionou o professor e foi convidada por ele e sua esposa para participar de uma recepção no Royal Hotel na mesma data, mas não pode comparecer por não ter trajes adequados (Cosentino, 1984, p. 16).
  • 4
    Carolina Muzilli era assídua em diversos eventos de estudo, tendo especial consideração por Gabriela Laperriere de Conti, cujas palestras assistia com muita frequência, munida de seu caderno de notas (Cosentino, 1984, p. 16).
  • 5
    O termo sweating system voltou a ser empregado na atualidade para caracterizar o sistema de trabalho análogo à escravidão empregado na indústria da fast fashion, “no qual os locais de trabalho confundem-se com as residências, nos quais os obreiros trabalham sob condições extremas de opressão, por salários miseráveis, jornadas demasiadamente extensas e exaustivas, e precárias ou inexistentes condições de segurança e saúde” (Bignami, 2012).
  • 6
    Entristece saber las condiciones en que se desarolla el trabajo a domicilio. Agreguemos la desocupación con su conseguiente merma de salario, e imaginense los que la conozcan, cual ha de ser la situación de tantas pobres familias …En mi gira de inspección a estos pobres talleres ubicados en la única habitación que sirve de dormitorio, comedor, y todo, he visto miserias espantosas. (...) el padre buscando trabajo que o encontra. La madre llorando porque en el registro no habia costura para ella…Y me dijeron las buenas mujeres, con un gesto de indicible angustia, que van viviendo de las hojas que se tiran en los mercados y de otras sobras (Muzilli, 1919, p. 63).
  • 7
    Creo oportuno informar a los lectores acerca de cómo obtuve los datos para el presente trabajo. (…) Obtuve en las fábricas y talleres los datos pertinentes a las mujeres que trabajan en ellos. Confronté salarios, horas de labor dadas por la gerencia con los datos obtenidos, interrogando a las trabajadoras. Y para hacer más minuciosa la labor he visto salarios en las libretas de pago y de ellas los he extractado. Para el trabajo a domicilio acudí, a fin de obtener datos, a los registros y roperías, y los he confrontado con los datos recogidos en mi gira por los talleres ubicados en los conventillos de la ciudad. (…) Pero lo que más difícil me resultaba era obtener datos relativos a las vendedoras. Me apersoné a varias tiendas, interrogué, todo fue inútil. ¿Cómo hacer? Fue menester emplearme como vendedora, confundirme con ellas, y así estuve cerca de un mes, durante el cual he sacado profundas enseñanzas (Muzzili, 1913, apudQueirolo, 2009).
  • 8
    Esa manía de querer limitar la discusión de temas que, más que a nadie, interesan al pueblo mismo, nos recuerda el procedimiento de los antiguos sacerdotes guardianes de la sabiduría, que herméticamente cerrada en cofres la entregaban a la adoración del ingenuo pueblo, en fechas fijas, sin jamás explicarle su contenido.Hoy, por fortuna, desde que las bibliotecas han abierto sus puertas y los libros esperan en los estantes que una mano generosa los aparte y una mente ansiosa de saber se impregne de ellos, desde que el libro se ha popularizado por su baratura, el espantajo de la ciencia oficializada ya no tiene razón de ser. Por eso vemos que en los congresos y en los diarios populares se comienza a abordar estos temas, por más que el amor propio de los universitarios se resienta de la discusión que pueda suscitarse entre los no universitarios (Muzilli, 1919, p. 186).
  • 9
    Si los hombres han creado una táctica de la guerra, es decir, para la muerte, ¿por qué no han de crearla también para la vida? Si el mundo se asombra ante el talento de grandes estrategas que consultando mapas, espiando al adversario, auscultando las cosas y los acontecimientos, dan por tierra en unas horas con millares de vidas humanas que podrían ser úti- les en los campos y en las oficinas, ¿por qué no se ha de admirar también a los hombres que sean estrategas en el campo de acción de la vida, para combatir la miseria, el analfabetis- mo, el alcoholismo, la tuberculosis, la larga y horrible secuela de males que mina el orga- nismo social? Es indudable que falta a estos hombres el atributo clásico del heroísmo tradicional para ser admirados. Pero creo que con el tiempo ha de crearse, por una educación moral más inteligente, un nuevo concepto del heroísmo. Será el heroísmo de los que trabajan en el campo, en el laboratorio y en la oficina, por la felicidad de sus semejantes (Muzilli, 1919, p. 16)
  • 10
    las estadísticas llevadas a cabo (...) demuestran que el trabajo de los menores, excesivo y en malas condiciones, constituye un factor especial de degeneración de la raza (Muzilli, 1913).
  • 11
    De los festejos realizados para conmemorar la primer centuria de la jura de nuestra independencia, ninguno más grande, más simbólico y más digo de la Patria que este Congreso Americano del Niño, que acabamos de realizar. Obra popular, por cuanto es el exponente de un grupo de personas que se ocupan en la elevación del nivel de vida de las mujeres, los niños, de las clases humildes, desligada de tutela gubernativa, ha podido extender su acción hasta obtener la representación de quince repúblicas americanas. (...) Si estos congreso no tuvieran otra eficacia que la de poner en contacto a personas que tienen afinidad en ideales y si ellos no sirvieran más que para hacernos conocer a determinadas personas cuyas ideas debiendo ser conocidas, permanecen, no sabemos por cuales designios, ignoradas, confesemos que de habrían llenado en esta forma perfectamente su misión” (Muzilli, 1916, p. 64).
  • 12
    Preconizada por Ernest Lamarck, a vertente lamarckista caracterizava-se pela aceitação da teoria da hereditariedade dos caracteres adquiridos, isto é, as mudanças induzidas de fora de um organismo vivo poderiam ser transmitidas às futuras gerações, provocando assim mutações. Tais convicções apontavam para uma hereditariedade marcada pela transmissão de caracteres adquiridos durante a vida do indivíduo, sendo assim condicionado pelo meio (Stepan, 2004, p. 76-80; 348).
  • 13
    La mayoria de los eugenistas hace hincapié en el aislamiento de crimilares, degenerados, etcétera, para evitar su reproducción. Esos grupos sociales, por fortuna, no son los más numerosos y como al hablar de criminales y degenerados se refieren a individuos que la sociedad ha segregado en establecimientos donde no les es posible la procreación, vemos que ellos se van eliminando de por sí [...] Por los demás, creemos que es el medio, el ambiente, el que puede modificar y hasta eliminar taras hereditarias perniciosas ( Muzilli, 1919 , p. 188-189).
  • 14
    Todas las causas de degeneración de la raza responden a un anacrónico orden social, vale decir, que son causas sociales las que las determinan (Muzilli, 1919, p. 188)
  • 15
    Esto equivaldría a aislar de sus funciones procreadoras a la gran masa de población, por cuanto la mayoria de los individuos de las clases populares, ya sea por exceso de trabajo, por influencias de la mala habitación, de la exigua y detestable alimentación, o por intoxicación alcohólica o sifilíticas, estimuladas por la ignorancia, está marcados por estigmas que rinden imposible la descendencia en buenas condiciones (Muzilli, 1919, p. 190).
  • 16
    La falta absoluta de higiene, la educación deficiente, la ignorancia, son causas que, unidas a las anteriores, han acelerado la extensión del flagelo alcohólico en proporción tan alarmante (Muzilli, 1919, p. 200).
  • 17
    (...) la taberna, la licorería del almacén, desde donde, con el pretexto de estimular tu energía, con cada taza que bebas, irás dejando jirones de tu salud y de tu dignidad, que es peor, junto con ello, va comprometiendo la salud y la dignidad de la especie (...) Y es claro que el trabajador busca olvidar sus propias condiciones desesperadas en el alcohol, que en Australia, dice Loria, los vendedores de bebidas espirituosas todavía luchan con mucho ardor contra la reducción horas de trabajo a ocho horas. (Muzilli, 1919, p. 200-201)
  • 18
    Una vez más se llega a la conclusión de que la causa de los más distintos fenómenos de la vida social es de origen económico (Muzilli, 1919, p. 200).
  • 19
    Sostenemos, como lo hemos demostrado en capítulos anteriores, que la mayoria de los individuos del grupo social más numeroso se halla colocada en tal situación de inferioridad física ¿ Qué medidas adoptarían los eugenistas para con ellos ? ¿ Las que hemos expuesto más arriba ? ¡ En este caso la sociedad se aprovecharía doblemente del individuo al hacerle trabajar largas jornadas, otorgándole una pésima remuneración que lo obliga a vivir en una mala vivienda y a ingerir una peor alimentación, factores que lo llevan fatalmente a pagar tributo a las enfermedades profesionales, a la tuberculosis, etc., para llegar hasta inibirlos en sus funciones vitales ! ¡ Vale decir, que se “degenera”, sin piedad, al individuo, para lanzar luego el grito de terror ante su descendencia, efectuada en pésimas condiciones! (Muzilli, 1919, p. 209-210)
  • 20
    Por qué el trabajo de los niños no beneficia a la sociedad ni econonómica ni moralmente.
  • 21
    Las mejores medidas eugenéticas que puedan adoptar en este caso son las que coloquen al individuo en condiciones de mejorar fisica y moralmente (MUZILLI, 1919, p. 210).
  • 22
    El sociólogo, el higienista, el educador, el estudioso y el sindicato deben conquistar mejoras que permitan al proletario vivir en sanas y limpias habitaciones donde el aire, el sol y la luz entren libremente, que le permitan alimentarse y reparar sus fuerzas desgastadas, que diminuyan las horas de labor y eleven el salario. Los que resuelvan el pavoroso problema alcohólico aniquilando su poderío: los que consigan la instrucción para el pueblo y eleven el método de vida del grupo social a que hemos hecho referencia, serán los que más eficazmente trabajen en pro de reales medidas eugenéticas (Muzilli, 1919, p. 211).

Editado por

  • Editor responsável:
    Eduardo Cristiano Hass da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2024
  • Aceito
    20 Mar 2025
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