RESUMO:
Nas primeiras décadas do século XX, os militantes anarquistas de Porto Alegre fundaram diversas escolas voltadas para a classe operária, que se destacavam pela sua perspectiva libertária. A primeira experiência foi a Escola Eliseu Reclus de 1906, seguindo-se outras propostas como a Escola da Federação Operária, as Escolas Modernas e a Aula Francisco Ferrer, esta última já na década de 1930. O presente artigo objetiva mapear a criação destas escolas libertárias como um fenômeno significativo da organização da classe trabalhadora da capital gaúcha nas primeiras décadas do século XX, entendendo este processo associado à história do movimento operário e vinculado à constituição de uma territorialidade anarquista em Porto Alegre.
Palavras-Chave:
Porto Alegre; Educação Libertária; Movimento Operário; Territorialidade Anarquista
Resumen
En las primeras décadas del siglo XX, activistas anarquistas en Porto Alegre fundaron varias escuelas dirigidas a la clase trabajadora, que se destacaron por su perspectiva libertaria. La primera experiencia fue la Escuela Eliseu Reclus de 1906, a la que siguieron otras propuestas como la Escuela de la Federación Obrera, las Escuelas Modernas y el Aula Francisco Ferrer, esta última ya en los años 1930. Este artículo pretende mapear la creación de estas escuelas libertarias como un fenómeno significativo en la organización de la clase trabajadora en la capital de Rio Grande do Sul en las primeras décadas del siglo XX, entendiendo este proceso asociado a la historia del movimiento obrero y vinculado a la constitución de una territorialidad anarquista en Porto Alegre.
Palabras clave:
Porto Alegre; Educación Libertaria; Movimiento Obrero; Territorialidad Anarquista
Abstract
In the first decades of the 20th century, anarchist activists in Porto Alegre founded several schools aimed at the working class, which stood out for their libertarian perspective. The first experience was the Eliseu Reclus School of 1906, followed by other proposals such as the Workers' Federation School, the Modern Schools and the Francisco Ferrer Aula, the latter already in the 1930s. This article aims to map the creation of these libertarian schools as a significant phenomenon in the organization of the working class in the capital of Rio Grande do Sul in the first decades of the 20th century, understanding this process associated with the history of the labor movement and linked to the constitution of an anarchist territoriality in Porto Alegre.
Keywords:
Porto Alegre; Libertarian Education; Workers Movement; Anarchist Territoriality
Résumé
Dans les premières décennies du XXe siècle, les militants anarchistes de Porto Alegre fondèrent plusieurs écoles destinées à la classe ouvrière, qui se distinguaient par leur perspective libertaire. La première expérience fut l'École Eliseu Reclus de 1906, suivie par d'autres propositions telles que l'École de la Fédération Ouvrière, les Écoles Modernes et l'Aula Francisco Ferrer, cette dernière déjà dans les années 1930. Cet article vise à cartographier la création de ces écoles libertaires comme phénomène significatif de l'organisation de la classe ouvrière dans la capitale du Rio Grande do Sul dans les premières décennies du XXe siècle, en comprenant ce processus associé à l'histoire du mouvement ouvrier et lié à la constitution d'une territorialité anarchiste à Porto Alegre.
Mots-clés:
Porto Alegre; Éducation libertaire; Mouvement ouvrier; Territorialité anarchiste
Introdução
O objetivo deste artigo é mapear e analisar as iniciativas de educação libertária na cidade de Porto Alegre nas primeiras décadas do século XX. Entre os anos de 1906 e 1936, os militantes anarquistas, que tiveram uma presença importante no movimento operário e sindical da capital gaúcha, também fundaram escolas voltadas para a classe trabalhadora em diferentes regiões da cidade. Para entender melhor as peculiaridades da experiência porto-alegrense, a difusão das escolas será relacionada com a territorialidade do movimento anarquista, entendida como estratégia de inserção e consolidação da sua presença em determinados espaços da cidade. É importante ressaltar que entendo esta territorialidade como fruto de uma ação da militância e das organizações operárias. Não se trata, portanto, de um território pré-determinado e que coincide com as divisões administrativas do município, mas sim uma territorialidade que é fruto de redes de relações de solidariedade e mobilização social (Raffenstein, 1980, p.158-163 e De Paula, 2015, p.34-35).
O anarquismo foi uma corrente de pensamento e um movimento organizado que nasceu na Europa no século XIX e se espalhou por diversos continentes nas primeiras décadas do século XX. Os anarquistas (também conhecidos como libertários) criticavam e lutavam contra a dominação de classe, a influência religiosa, e poder estatal e o militarismo. Além de criticar as hierarquias sociais vigentes, os anarquistas também propunham métodos de ação visando chegar à uma sociedade mais justa e igualitária no futuro (Woodcock, 2007, p.7). O anarquismo (e os anarquistas) foram muito importantes na organização da classe operária, convergindo com o sindicalismo revolucionário na defesa de uma ação independente de governos e partidos políticos.
A criação de escolas foi um dos principais instrumentos de intervenção anarquista entre os trabalhadores, visando a conscientização dos indivíduos e a emancipação de classe. Os debates educacionais promovidos pelos libertários remontam à segunda metade do século XIX. Em 1882 foi criado o Comitê para o Ensino Anarquista, onde figuras relevantes como Piotr Koprotkin, Louise Michel, Élisée Reclus, Jean Grave e Carlos Malatto elaboraram estratégias para uma educação libertária. Seu programa propunha que o ensino fosse integral conjugando o desenvolvimento intelectual, físico, manual e profissional; racional, fundamentado na razão e na ciência; misto, favorecendo o convívio de meninos e meninas e libertário, com o objetivo de formar indivíduos livres e que respeitassem a liberdade alheia (Luizetto, 1986, p.20-28).
Um dos nomes mais importante a influenciar o modelo de educação libertária foi o professor catalão Francesc Ferrer i Guardia (conhecido no Brasil por Francisco Ferrer): suas ideias foram colocadas em prática na Escola Moderna de Barcelona, que funcionou entre 1901 e 1906, ano em que foi fechada pelo governo espanhol. Sua proposta estava baseada no ensino científico e racionalista, combinado com uma forte crítica contra os preconceitos religiosos e as desigualdades sociais. Ferrer enfatizava a necessidade de os trabalhadores terem acesso ao conhecimento para questionar a ordem vigente. No ambiente escolar, deveriam conviver crianças de ambos os sexos e de origens sociais diversas, fazendo com que a força da solidariedade fosse um elemento decisivo na formação pedagógica dos alunos. Seguindo a tradição da educação anarquista, a escola deveria ser integral, racional, mista e libertária. (Moraes, Casalvara e Martins, 2013, p.141-146 e Chahin, 2013, p.75-85).
Em 1909 Ferrer foi fuzilado, acusado de ser o mentor da “Semana Trágica”, uma série de confrontos entre o exército e a classe trabalhadora ocorridos em Barcelona por conta do envio de operários como soldados para lutar na guerra contra o Marrocos. A condenação desencadeou uma forte campanha internacional em defesa de sua inocência e de sua liberdade, fazendo com que suas ideias ficassem ainda mais conhecidas e o seu modelo educacional se consolidasse como uma referência para o movimento anarquista internacional; neste período foram fundadas as Escolas Modernas de Milão, Lausane, Havana, Cidade do México, Nova Iorque, Londres, Buenos Aires e Montevidéu (Silva, 2015, p.201-221).
No Brasil também existiram diversas experiências de educação libertária nas primeiras décadas do século XX. Em São Paulo as Escolas Modernas n.1 e n.2 foram fundadas em 1912 nos bairros operários do Belenzinho e do Brás, que foram muito importantes para o movimento operário e anarquista da capital paulista (Luizetto, 1986, p.28-47 e Moraes, Casalvara e Martins, 2013, p.141-158); também surgiram outras propostas que dialogavam com as ideias de Ferrer, em localidades do interior de São Paulo, no Ceará e na cidade do Rio de Janeiro (SISSINO, 2016, p.67-69). No Rio Grande do Sul, as primeiras escolas libertárias foram criadas nos anos 1900 e as Escolas Modernas foram criadas a partir dos anos 1910 (Corrêa, 1987, p.129-191)
Nas últimas décadas, alguns estudos na área da história da educação trataram sobre as experiências das escolas libertárias. Desde os anos 1980, especialmente em São Paulo, foram realizadas investigações pioneiras, como as de Flávio Luizetto (Luizetto, 1982, 1983, 1986), que foram aprofundadas ao longo do tempo, chegando até pesquisas coletivas em arquivos específicos, como é o caso do livro “Educação Libertária no Brasil”, coordenado pela Professora Carmen Moraes a partir do Acervo João Penteado (Moraes, 2013). No Rio Grande do Sul, permanece como referência a pesquisa de Norma Elisabeth Corrêa, “Os Libertários e a Educação no Rio Grande do Sul (1895-1926)”, de 1987 (Corrêa, 2013); na década passada foram realizadas novas pesquisas sobre o tema a partir do projeto “Memória, teorias e práticas de Educação Libertária no Rio Grande do Sul”, do Grupo de Pesquisa Educação Libertária e Anarquista (GEPEL&A), coordenado pelo Professor Paulo Marques (Marques, 2017).
Em relação aos estudos anteriores, este artigo procura avançar em questões específicas de Porto Alegre, relacionando as escolas libertárias com a dinâmica do movimento anarquista local e sua relação com os diferentes territórios habitados pela classe trabalhadora. O artigo está divido em seções, que acompanham a formação das escolas, relacionadas aos diferentes territórios onde estavam inseridas. Para facilitar o acompanhamento dos processos em tela, dentro de cada seção deste artigo haverá um mapa com a distribuição espacial das escolas abordadas.
A Escola Eliseu Reclus, a Escola da FORGS e a presença anarquista na região central da cidade (1906-1916)
Nesta seção vou abordar as primeiras escolas libertárias de Porto Alegre: a Eliseu Reclus e a Escola da FORGS. Estas duas propostas se encontram juntas aqui por uma questão territorial, pois elas tinham suas sedes na região central ou próximas da região central da cidade; também desejo as diferenciar das Escolas Modernas posteriores, que representavam uma perspectiva mais abrangente e uma proposta mais complexa de inserção territorial, como será visto mais adiante.
O movimento anarquista passou a atuar de forma mais articulada na cidade de Porto Alegre a partir de 1906, quando ocorreu a primeira Greve Geral na cidade. Para tornar essa ação mais efetiva, os libertários entraram na União Operária Internacional, que passou a ser hegemonizada por eles; fundaram o jornal A Luta, para difundir informações e textos doutrinários e também criaram a Escola Eliseu Reclus, em setembro de 1906, como espaço de formação intelectual e política (Petersen, 2001, p.188-193). A Eliseu Reclus iniciou uma longa tradição de projetos de ensino liderados por militantes anarquistas em Porto Alegre. No Rio Grande do Sul, a fundação de escolas era facilitada pela legislação estadual, a partir de uma perspectiva positivista do livre exercício das profissões, permitindo que o ensino privado fosse difundido sem restrições. Essa franquia permitida pelo governo do Partido Republicano foi um elemento que facilitou muito a difusão de escolas libertárias nas décadas seguintes (Corrêa, 1987, p.106)1.
A Escola tomou seu nome do geógrafo francês Jean Jacques Élisée Reclus, intelectual anarquista que foi membro da Comuna de Paris e que havia participado da Primeira Internacional. Ela se organizava como um grupo livre de estudos, sem regulamentos rígidos, com quarenta sócios que contribuíam espontaneamente e ensinavam através de aulas e palestras. Os encontros ocorriam na terça-feira e sexta-feira à noite, com Adão Pesce ministrando lições de Aritmética, Álgebra, Economia Política e Mecânica; Reynaldo Frederico Geyer, de Esperanto e Ortografia; Gomez Ferro com Português, Geografia e História Social; A. Tito Soares, com História Universal e do Brasil; Cristiano Fettermann com Português, Alemão e Francês; Nestor Guimarães com Física, Química, História Natural e Caligrafia; Frederico Kuplich com Ginástica Sueca e Artur Candal Filho e Adolfo de Araújo Correia com Anatomia Descritiva e Física Recreativa. A Escola se localizava na Rua dos Andradas, n.64 (atual n.768)2, no mesmo endereço do jornal A Luta, contando com um salão de leitura anexo, que oferecia jornais e livros onde se destacavam publicações anarquistas, sindicalistas e anticlericais (A Luta. Porto Alegre, 13/9/1906, p.1 e A Luta. Porto Alegre, 13/9/1906, p.2).
A Escola mudou seu endereço para a Rua General Câmara, n.24 (atual n.264), na esquina da Rua dos Andradas (A Luta. Porto Alegre, 2/1/1907, p.4), mas em 1º de junho de 1907 ela voltou para o endereço anterior, o que podia significar uma dificuldade em manter o projeto (A Luta. Porto Alegre, 2/1/1907, p.2). Depois de um período de descontinuidade, a Escola foi reestruturada em junho de 1909, por iniciativa do Grupo Libertário Solidariedade, tendo como endereço a Rua da Conceição, n.22 (atual n.406).
As duas primeiras sedes da Escola Eliseu Reclus compartilhavam um espaço comum com a sede do jornal A Luta, que era o principal periódico anarquista de Porto Alegre, na área central da cidade. É possível que essa territorialidade inicial correspondesse às necessidades de um movimento que estava recém se estruturando, com os militantes anarquistas procurando locais com maior visibilidade e centralidade para suas ações educativas. A retomada da Eliseu Reclus, em 1909, na Rua da Conceição, aponta para uma nova perspectiva territorial. O endereço ainda estava na área central da cidade, mas também estava muito próximo da Estação Ferroviária e se localizava “às portas” do Arrabalde da Floresta e da Rua Voluntários da Pátria, onde havia uma intensa atividade industrial, com grande quantidade de famílias operárias. Pode-se pensar em um deslocamento estratégico em direção à periferia, em uma região com intensa circulação de trabalhadores e trabalhadoras, que era o público que os libertários buscavam alcançar.
A forma de ensino também sofreu alterações, passando de lições ministradas livremente para aulas mais sistemáticas, contando com Primeiras Letras, de segundas às sextas-feiras, das 19 às 21 horas; Português e Aritmética, segundas, quartas e sábados, das 20 às 21 horas; Desenho, segundas, quartas e sextas, das 20 às 22 horas; Geografia e História, segundas e quintas, das 20 às 21 horas; Física e Química, sextas, das 20 às 21 horas e um horário para Palestras, nos domingos pela manhã (A Luta. Porto Alegre, 1/6/1907, p.2 e 4). Essa mudança poderia atender a uma necessidade dos alunos e alunas por um ensino mais organizado, com horários melhor definidos e uma divisão mais clara entre os conhecimentos ensinados. O endereço da Rua da Conceição foi o local onde a Escola Eliseu Reclus permaneceu ativa por mais tempo, de 1909 até 1911. Durante esse último ano, ela transferiu suas atividades para a Rua da Aurora, n.60 (atual Rua Dr. Barros Cassal, n.250), compartilhando o endereço com a União Operária Internacional. Em março de 1912, a União transferiu sua sede para a Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS), fazendo com que a Eliseu Reclus suspendesse suas atividades, pois em 1912 a Federação já estava sob influência dos anarquistas, que criaram uma nova escola anexa à entidade (Correio do Povo. Porto Alegre, 26/11/1911, p.2 e Correio do Povo. Porto Alegre, 3/3/1912, p10).
Alguns anos mais tarde, em 1915, a Escola Eliseu Reclus voltou a funcionar na sede da Federação Operária sob os cuidados do Professor Adão Pesce, que foi um dos iniciadores deste projeto no ano de 1906. As aulas eram realizadas à noite, entre as 20 e 23 horas e aos domingos, entre 9 e 12 horas, com lições de Português, Francês, Inglês, Alemão, Italiano, Espanhol, Matemática e Ciências. É muito provável que nesta fase, a Escola Eliseu Reclus tenha voltado às suas origens mais remotas, apresentando um caráter mais livre, o que pode ser explicado por já existirem outras escolas libertárias que proporcionavam um ensino mais formal.
A Escola da Federação Operária foi criada em 1912, na sede da entidade, que ficava na Rua Santo Antônio, n.157 (atual n.804), no Arrabalde do Bonfim3. Criar uma Escola Operária junto à Federação permitia uma interação mais complexa com o operariado, que tinha ali o ponto de referência para a organização das suas lutas. Também inseria o projeto educacional dos anarquistas no Bonfim, que se consolidava como uma região de referência para os militantes e dirigentes sindicais4.
Para viabilizar sua criação, foi contratado o Professor Oscar Carmona nos primeiros meses de 1912, que apresentou à Comissão Central da Federação um programa de ensino com previsão de três etapas, com aulas de Português e Aritmética no primeiro ano; Português, Aritmética e Geometria no segundo e Geometria, Geografia e Cosmografia no ano final. Estas matérias seriam oferecidas às segundas, quartas e sextas; sendo que nas terças e quintas seriam oferecidas aulas de Desenho e nas segundas e quartas, aulas de Música; o turno letivo seria das 19 às 22 horas. Para acompanhar o funcionamento da Escola, foi nomeada uma Comissão de militantes sindicais, composta por Alberto Kruse, Anastácio Gago Filho e Jerônimo Baptista. Na sede da FORGS também existia uma Biblioteca Operária, que dava suporte aos alunos e funcionava todos os dias, das 18 às 22 horas, sendo que nos domingos ela abria na parte da manhã das 8 às 12 horas (Correio do Povo. Porto Alegre, 5/5/1912, p.7).
A partir de fevereiro de 1915, as aulas noturnas foram reformuladas, com o oferecimento de um Curso Primário, com lições de Leitura e Escrita, dirigido por Djalma Fettermann, às segundas-feiras; noções de Ciência Positiva e questões da vida prática, com Antônio Cariboni, às quartas-feiras; Aritmética e Geografia com Celestino Silva, às sextas-feiras (este último foi substituído em maio por Zenon de Almeida). Em outubro, o conteúdo das aulas apareceu melhor formulado nas páginas do Correio do Povo, com três classes funcionando das 19 às 21 horas, sob a direção do Professor Alfredo Moraes. Na 1ª Classe era ensinado Leitura, Cópia, Ditado, Caligrafia e Aritmética; na 2ª Classe, Gramática, Aritmética, Caligrafia, História e Geografia e na 3ª Classe, Gramática, Redação, Geometria e Aritmética Teórica. Durante aquele ano, a Escola Operária da FORGS teve uma frequência de 30 alunos, dos quais 14 compareceram aos exames finais em dezembro (Corrêa, 1987, 147-152).
Em julho de 1916, a Escola da Federação Operária inaugurou um turno diurno, como forma de complementar as atividades educativas realizadas à noite. As aulas foram organizadas por Zenon de Almeida, sendo que a 1ª Classe contemplava lições de Leitura e Cópia, Ditado, Caligrafia e Aritmética; a 2ª Classe, Gramática, Aritmética, Caligrafia, História e Geografia e a 3ª Classe, Gramática, Redação, Geometria e Aritmética Teórica, incluindo uma introdução aos conhecimentos de Astronomia, Zoologia, Química, Botânica e Física. As lições de Leitura e Escrita poderiam ser ensinadas em português, italiano, espanhol e alemão (Corrêa, 1987, p.152-153).
A criação da Escola da FORGS e a descontinuidade da Eliseu Reclus estão diretamente ligadas a uma mudança de conjuntura no movimento operário. Após a Greve Geral de 1906, os anarquistas ganharam cada vez mais força entre os trabalhadores, conquistando direções sindicais e mobilizando diferentes categorias de trabalhadores. Os socialistas, que tinham o controle da FORGS, foram perdendo terreno, até que em 1911 foi eleita uma nova diretoria da Federação Operária que abriu espaço para os anarquistas (Figura 1). Em pouco tempo, os libertários reestruturaram a Federação, dando uma nova dinâmica ao movimento sindical (Bilhão, 1999, p.77-98 e Petersen, 2001, p.239-252).
Localização das Eliseu Reclus e da Escola da Federação Operária entre 1906 e 1916. (Mapa produzido via Google My Maps)
A Escola Eliseu Reclus havia sido um instrumento inicial de penetração na classe trabalhadora (o que pode explicar a preferência por debates livres de caráter formativo, voltados principalmente para jovens e adultos). Depois que os anarquistas se tornaram hegemônicos no movimento operário, era necessário alçar voos mais altos, ou seja, oferecer um projeto substituto das escolas regulares, o que se traduziria na fundação da Escola da FORGS e posteriormente nas Escolas Modernas.
Em relação às propostas educacionais, a Eliseu Reclus incluiu novas áreas do conhecimento, principalmente na fase em que era um grupo de debates, algumas dessas ligadas à política e à filosofia (como Economia Política e História Social) e outras que trabalhavam o cuidado com o corpo (como Ginástica Sueca, Anatomia Descritiva e Física Recreativa)5. Estas disciplinas ou temas de discussão dialogavam com as ideias de educação integral, incorporando temas “morais” e “físicos” à formação intelectual, rompendo com um ensino voltado apenas para o trabalho. Mesmo assim, muitas disciplinas tradicionais permaneciam presentes; além disso, como nas propostas anteriores, a escola parece estar destinada especialmente para o público adulto, tendo em vista o horário noturno, pensado para coincidir com o fim da jornada de trabalho.
As primeiras escolas libertárias se localizavam na área central da capital gaúcha ou então estavam próximos desta região. Essa territorialidade coincide com o raio de ação inicial do movimento anarquista: a presença na região central da cidade dava maior visibilidade aos seus militantes, enquanto os endereços da Rua da Conceição e da Rua da Aurora ficavam estrategicamente próximos da Estação Ferroviária e a meio caminho do Arrabalde da Floresta, onde havia uma importante concentração industrial. A criação de uma Escola Operária na FORGS, no Arrabalde do Bonfim, prenunciou um avanço mais significativo em direção às periferias, acompanhando o crescimento da cidade e a criação de novos espaços para as lutas operárias.
As Escolas Modernas nos arrabaldes operários dos Navegantes e da Colônia Africana (1914-1927)
A Escola da FORGS, com seus horários e suas disciplinas, estava voltada essencialmente para o ensino de trabalhadores jovens e adultos. Talvez por conta disso, a União Operária Internacional (organização anarquista que estava ligada à antiga Escola Eliseu Reclus) resolveu criar uma escola para crianças operárias no Arrabalde de Navegantes. Em outubro de 1913, a União Operária Internacional travou contatos com o Professor Jean Heffner6, que era um antigo militante anarquista emigrado da Alemanha, para que ele lecionasse alemão na nova escola, pois havia um grande número de operários de origem germânica que viviam na região Correio do Povo. Porto Alegre, 16/10/1913, p.2 e Correio do Povo. Porto Alegre, 7/3/1914, p.5).
O Arrabalde dos Navegantes surgiu em torno da igreja do mesmo nome na década de 1870. A partir da década de 1890, a região começou a crescer, fruto da proximidade com a estrada de ferro e das vias navegáveis, o que incentivou as trocas comerciais com as zonas coloniais do interior e o surgimento das primeiras indústrias. Nas primeiras décadas do século XX, ocorreu uma grande expansão industrial e a chegada de imigrantes (alemães, poloneses, italianos etc), que desenvolveram uma vida associativa e laços culturais intensos (Fortes, 2004, p.39-45). A criação de uma Escola Moderna nos Navegantes era de uma importância estratégica para os militantes anarquistas, pois aquela região estava se transformando no principal núcleo industrial da cidade, com uma grande concentração de famílias operárias7.
A Escola Moderna foi instalada na Rua Voluntários da Pátria, n.711 (atual n.3641), em fevereiro de 1914, sob a direção de Jean Heffner e em abril daquele ano ela já contava com 116 alunos que estudavam no turno da manhã, da tarde e da noite. A Professora Catharina Heffner era responsável pela 1ª e 2ª Classe e também ensinava Trabalhos Manuais, enquanto a 3ª, 4ª e 5ª Classe estavam sob a responsabilidade do Professor Rudolf Staffen. Havia aulas de Escrita, Leitura, Aritmética, História e História Natural, ministradas em português e em alemão, além de Ginástica e jogos recreativos.
As atividades escolares ocorriam nos dias de semana, das 7:30 às 10:30 horas e das 14:00 às 16:00 horas. Nas quartas-feiras o Professor Frederico Lanus ministrava Aulas de Desenho e às segundas e quintas-feiras o Professor Jacob Gawronski Wiener lecionava Esperanto. O corpo de alunos das turmas diurnas era composto de meninos e meninas, enquanto à noite ocorriam aulas para operários jovens e adultos, entre 20:00 e 22:00 horas8. Além das atividades regulares, as crianças também realizavam “ausflug”, ou seja, passeios ao ar livre (Correio do Povo. Porto Alegre, 8/3/1914, p.18 e Deutsche Zeitung. Porto Alegre, 1/4/1914, p.3).
A permanência em sala de aula pela manhã e pela tarde, em um horário estendido, estava em sintonia com uma vinculação mais estreita entre a escola e a vida cotidiana dos estudantes, o que era propugnado pela educação libertária; a convivências entre os diferentes sexos, assim como o cultivo da saúde física e mental, também estavam em sintonia com os preceitos de Ferrer. Além disso, os passeios ao ar livre, realizados em uma zona essencialmente industrial, faziam com que as crianças conhecessem melhor o meio em que estavam inseridas. Em seu boletim informativo publicado no jornal Deutsche Zeitung, afirmava-se como um dos objetivos da Escola Moderna “alcançar o bem comum através da humanidade e da solidariedade” (Deutsche Zeitung. Porto Alegre, 1/4/1914, p.3).
No mês de dezembro de 1914 foram realizados os exames finais da Escola Moderna dos Navegantes, onde compareceram e foram aprovados 30 alunos e alunas. As turmas apareciam agora divididas em três segmentos: a 1º Classe onde se aprendia Português, Alemão, Aritmética, Geografia e História do Brasil; a 2ª Classe, com Português, Alemão e Aritmética e a 3ª Classe, com Leitura Portuguesa e Alemã, Escrita e Contas. Entre os aprovados, chama a atenção um número muito maior de meninos em relação às meninas (24) e um grande número de pessoas com sobrenomes alemães, o que reforça a questão da presença imigrante região da cidade (26) (Corrêa, 1987, p.164).
A Escola Moderna do Navegantes teve uma existência breve, que chegou ao fim ainda no ano de 1914. Mesmo com sua brevidade, ela foi importante porque se desdobrou em dois projetos posteriores: a Escola Moderna da Rua Ramiro Barcellos, na Colônia Africana, que foi a experiência educacional mais famosa do movimento anarquista em Porto Alegre e a Escola Moderna (ou Ferreschule) da Avenida Sertório, no Arrabalde de Navegantes, que se desenvolveu de forma concomitante àquela.
Em abril de 1916, foi fundada a Sociedade pró-Ensino Racionalista, que tinha por objetivo criar Escolas Modernas que deveriam, entre outras coisas, difundir os princípios científicos, desenvolver o sentimento de solidariedade entre o povo e combater os preconceitos religiosos, filosóficos, políticos e sociais. A Sociedade (que deveria atuar como mantenedora da Escola) teria um quadro de associados, com um Conselho Deliberativo e com Diretores, para administrar a instituição. É muito provável que a criação de uma instituição mantenedora tivesse por finalidade dar maior estabilidade e independência às escolas, não ficando dependente apenas do movimento sindical e dos grupos anarquistas (Petersen e Lucas, 1992, p.189-191).
A nova Escola Moderna abriu suas portas em um casarão da Rua Ramiro Barcellos, n.197 (atual n.1548), em maio de 1916; ela estava localizada entre o Arrabalde do Bonfim e a Colônia Africana (A Luta. Pelotas, 14/5/1916, p.4 e A Federação. Porto Alegre, 17/5/1917, p.1). O Bonfim era a região onde se localizava a sede da Federação Operária e diversos sindicatos; quanto à Colônia Africana, a criação da Escola Moderna deu início à um forte enraizamento libertário nessa região, que se tornou um dos principais espaços dos anarquistas em Porto Alegre.
A Colônia Africana (atual bairro Rio Branco) surgiu com o deslocamento de trabalhadores negros que se estabeleceram à leste da região do Bonfim a partir de 1880, à procura de terrenos mais acessíveis. A região se tornou um dos principais territórios da comunidade negra da capital, com uma rica vida associativa e cultural. Além de um operariado que trabalhava no comércio e setor de serviços, também existiam as pedreiras do entorno da Colônia Africana, que ocupavam um número cada vez maior de trabalhadores (inclusive imigrantes europeus) durante a década de 1910 (Vieira, 2017, p.128-143 e ROSA, 2019, p. 143-206). O estabelecimento da Escola Moderna situava os anarquistas em um novo território, com uma classe trabalhadora tão significativa quanto a dos Navegantes.
Ao longo dos anos o local contou com um corpo de professores e professoras entre os quais havia uma forte presença de anarquistas vinculados às lutas operárias, como Francisco Marques Guimarães, Armando Martins, Djalma Fettermann, Waldomiro Fettermann, Zenon de Almeida, Júlio Ávila, Dorvalina Ribas, Polydoro Santos, Eulina Martins e Lyra Pinto Bandeira. O médico Júlio Ávila fazia visitas mensais à Escola, dando conselhos de higiene e saúde aos estudantes. Depois de mais de um ano de funcionamento, em outubro de 1917, a Escola registrou a matrícula de 144 alunos e alunas divididos em quatro séries, onde conviviam meninos e meninas; entre esses estavam futuros militantes libertários, como Arthur Fabião e Espertirina Martins, que tinha especial destaque pela excelência nos estudos, recebendo méritos e premiações (Corrêa, 1987, p.170-173 e Petersen, 2001, p.295-296).
Havia duas ocasiões especiais na vida escolar, a Festa de Aniversário da Escola no mês de maio e a Festa da Primavera no mês de setembro, quando eram realizadas uma série de atividades culturais, a exemplo de saraus de poesia, recitais de música e peças de teatro. Além de um programa artístico, também haviam palestras que reforçavam o caráter de formação política da educação libertária: durante seu primeiro aniversário, Zenon de Almeida proferiu um discurso sobre o ensino racionalista e a aluna Estephania Delvaux leu o texto “A Igreja e a Escola” de C. Fonseca. Outro momento importante foi o sétimo aniversário da morte de Ferrer, em outubro de 1916, quando a Escola realizou uma sessão solene (A Federação. Porto Alegre, 23/9/1916, p.3; A Federação. Porto Alegre, 13/10/1916, p.1 e A Federação. Porto Alegre, 17/5/1917, p.1). É provável que estas festividades tivessem o intuito de substituir as comemorações religiosas e patrióticas que eram promovidas por outras instituições, valorizando os ciclos da própria vida escolar e da natureza.
Mesmo que as propostas libertárias se apresentassem como inovadoras, algumas práticas tradicionais de ensino permaneceram. No quadro de resultados finais dos exames de 1917, publicados no jornal A Federação, além dos aprovados nas quatro séries em que os estudantes estavam divididos, também temos informações sobre prêmios em Desenho e Bordado (A Federação. Porto Alegre, 27/12/1917, p.3). Enquanto no primeiro caso surgem nomes de ambos os sexos (Arno Wollmann, Espertirina Martins e Arthur Mailander), no segundo apenas meninas são mencionadas (Amália Bandeira, Espertirina Martins e Rosária Merino). Isso indica que, mesmo com a convivência entre os sexos, ainda existiam Seções Femininas onde eram ensinadas atividades consideradas próprias de mulheres, vinculadas à trabalhos manuais e domésticos, o que se afastava de uma concepção verdadeiramente igualitária da educação. Outro elemento de proximidade com as escolas tradicionais e que se afastava da tradição libertária era a distribuição de prêmios e distinções, o que era criticado nas propostas originais de Ferrer.
Enquanto a Escola Moderna da Rua Ramiro Barcelos atendia as famílias operárias do Bonfim e da Colônia Africana, uma nova escola surgia na zona norte da cidade, como desdobramento da primeira Escola Moderna de 1914; em fevereiro de 1915, foi aberta uma nova Escola Moderna dos Navegantes ou Ferreschule (Escola Ferrer), que estava localizada na Rua Sertório n.111 (atual n.794)9. As aulas eram ministradas pela Professora Catharina Heffner, de segunda à sexta-feira, pela manhã e pela tarde, com classes de Alemão, Português, Ginástica e Trabalhos Manuais, entre os quais se contavam bordado, tricô e crochê (Deutsche Zeitung. Porto Alegre, 29/1/1915, p.3). Alguns anos mais tarde, em 1920, esta escola aparece com o nome de Freie Schule (Escola Livre), no mesmo endereço, mas com horário noturno para Lições Elementares e Aulas de Alemão e Português (Der Freie Arbeiter. Porto Alegre, 28/9/1920, p.3). O que pode ter ocorrido foi uma mudança de orientação ao longo do tempo, de um público infantil para a formação de operários jovens e adultos, que teriam apenas o horário noturno para estudar.
No começo da década de 1920, Jean Heffner deixou de ser um militante anarquista e se tornou comunista. Em 1922, o Partido Comunista Alemão (KPD) enviou o dirigente sindical chamado Fritz Haberland para Porto Alegre, com a finalidade de criar uma Célula Teuto-Comunista na capital gaúcha (Kniestedt, 1989, p. 131-140). Ao chegar na cidade, Haberland e Heffner se encontraram, nascendo daí a ideia da criação de uma nova escola operária, o que poderia facilitar a penetração dos comunistas entre os imigrantes. A (terceira) Escola Moderna dos Navegantes abriu suas portas em março de 1923, na Avenida Italiana, n.83 (atual Avenida Arabutã, n.796), com Aulas de Português, Alemão, Trabalhos Manuais e Ginástica, ministradas pela Professora Käthe Kontor. Frederico Heffner, filho de Jean e Catharina, aparece assinando o anúncio das aulas no jornal Deutsche Zeitung, o que talvez indique algum papel como dirigente da entidade (Neue Deutsche Zeitung. Porto Alegre, 26/2/1923, p.3).
A Escola Moderna da Avenida Italiana foi uma experiência curta, por conta das divergências entre comunistas e anarquistas, que atrapalharam o andamento do projeto. Apesar da rivalidade com os libertários, é muito provável que o método de ensino e as ideias pedagógicas dessa escola tenham sido influenciadas diretamente pelos preceitos de Francisco Ferrer. Mesmo com a adesão ao comunismo, a maneira como as aulas estavam organizadas e eram divulgadas (como ensino racional), lembravam os projetos anteriores da família Heffner. Dessa forma, a primeira escola organizada por militantes comunistas na capital gaúcha (e talvez do Brasil) ainda era uma Escola Moderna formatada nos padrões libertários10.
Nos primeiros anos da década de 1920, o movimento operário em Porto Alegre sofreu uma série de reveses, por conta da repressão policial que marcou o final da década anterior, da divisão entre apoiadores do anarquismo e do movimento comunista e também por causa da crise econômica que se abateu ao final da Grande Guerra (PETERSEN, 2001, p.356-387)11. Nesse cenário de desorganização, os militantes anarquistas resolveram criar a Revista Liberal em 1921, para que ela fosse um veículo de educação política e cultural. Ao longo dos números publicados, era corriqueira a defesa de uma educação racionalista, seguindo os preceitos de Ferrer, sendo essa uma das principais bandeiras do seu grupo editor.
Em outubro de 1921, Polydoro Santos, que era um dos principais mentores intelectuais dos libertários, afirmava em um texto que para se conseguir esse objetivo “Basta apenas um entendimento, uma conjugação de esforços e dentro em pouco o formoso edifício de uma escola moderna e racionalista se ostentará”. A ideia seria oferecer educação não apenas para os filhos e filhas de anarquistas, mas receber “em seu seio amigo os filhos dos livres-pensadores, liberais, operários sindicalistas, socialistas e libertários - para instruí-los e encaminha-los na trilha de uma moral sadia e vitalizadora, calcada nos princípios das imperecíveis leis da solidariedade humana” (Revista Liberal. Porto Alegre, 10/1921, p.8).
Para fazer frente a esses desafios foi criada, em julho de 1923, uma nova Sociedade pró-Ensino Racionalista, tendo como Presidente Polydoro Santos; Secretário, Benedito Freitas e Tesoureiro, Antonio Campagna. A Sociedade tinha 94 sócios fundadores, apresentando como objetivo imediato promover debates públicos sobre a importância do ensino racionalista e arrecadar dinheiro para viabilizar a criação de uma escola (A Federação. Porto Alegre, 4/6/1923, p.5).
Polydoro Santos faleceu em junho de 1924; a primeira Escola da Sociedade pró-Ensino Racionalista, no entanto, seria inaugurada apenas um ano depois, em 15 de junho de 1925, localizada na Rua São Manoel n.349 (atual n.109), na Colônia Africana, contando com 15 alunos que deveriam frequentar o curso noturno (Der Freie Arbeiter. Porto Alegre, 20/6/1925. p.4.). Em 3 de novembro de 1925, a Sociedade pró-Ensino Racionalista inaugurou uma Escola Moderna na Rua Esperança, n.74 (atual Miguel Tostes, n.596), com um curso diurno para crianças e noturno para jovens e adultos (com preços entre 3$000 e 5$000 Réis), incluindo também um curso de Datilografia e de Desenho (ambos com preço de 10$000 Réis) (O Syndicalista. Porto Alegre, 15/11/1925, p.3).
Não foi possível saber qual era o quadro de professores e professoras, nem as disciplinas ministradas, mas percebe-se que a preocupação com o ensino racional se associava agora com a necessidade de formação profissional, com cursos de Datilografia e Desenho.
A Escola Moderna da Rua Esperança teve sua existência abreviada pela repressão. Conforme depoimento posteriordo filho de Cantalice Silva Grecco e Francisco Grecco, ambas lideranças anarquistas lecionavam e residiam na casaem que funcionava a escola entre 1926 e 1927, quando o local foi atacado por soldados da Brigada Militar, quefizeram uma fogueira com os livros, jornais e a impressora (Rodrigues, 1994, p.140-141). Assim acabava a últimaEscola Moderna (Figura 2) organizada pelos anarquistas na Primeira República.
Localização das Escolas Modernas entre 1914 e 1927 (no lugar de 1925). (Mapa produzido via Google My Maps)
As propostas educacionais criadas entre 1914 e 1925 trouxeram mais elementos que dialogavam com a educação libertária em comparação com a Escola Eliseu Reclus e com a Escola da Federação Operária. Em primeiro lugar, as Escolas Modernas se voltavam principalmente para a educação de crianças e adolescentes que permaneciam em aula tanto pela parte da manhã como à tarde, o que ampliava o contato com o ambiente escolar. As atividades recreativas, os passeios e a existência de classes de Ginástica, apontava para a preocupação do cuidado com o corpo. No caso da Escola Moderna da Rua Ramiro Barcelos, a promoção de grandes festivais culturais, com teatro, música e poesia, também tinha uma função política, pois era entremeada por discursos e palestras. De qualquer forma, a existência de disciplinas como o Bordado e Trabalhos Manuais, que era voltada para as meninas, mostravam a permanência de uma perspectiva que reservava às mulheres afazeres diferentes dos masculinos.
A criação de escolas libertárias em regiões econômica e culturalmente diversas (como Bonfim, Colônia Africana e Navegantes), mas que tinham em comum a grande presença de trabalhadores em suas populações, sugere um movimento abrangente e intencional, mostrando que eram parte de um projeto de construção de uma territorialidade anarquista que se dirigia para as periferias, procurando os espaços onde o proletariado vivia. Esta territorialidade fica mais evidente quando analisamos determinadas conjunturas específicas, como a Greve Geral de 1917, por exemplo. Durante o movimento, as principais reuniões operárias eram realizadas no Bonfim, na sede da Federação Operária; na Colônia Africana, na sede da Sociedade União e Progresso, que ficava na Rua Casemiro de Abreu e nos Navegantes, no Salão 1º de Maio, que ficava na Avenida Missões12. A mobilização operária florescia nas regiões em que havia um trabalho militante dos anarquistas, no qual a existência das escolas desempenhava um papel importante.
Diferente dos anos 1910, a década de 1920 apresentou uma série de dificuldades para o movimento operário em geral e para os anarquistas em particular. Nessa conjuntura mais difícil, a Escola Moderna foi recriada em uma região em que os militantes anarquistas continuavam atuando, que era a Colônia Africana: entre 1924 e 1927, a Federação Operária se reuniu na Rua Mariante, na Rua Esperança e na Rua Castro Alves e o Salão Modelo, na Rua Casemiro de Abreu, abriu suas portas para diversas associações de trabalhadores13. O que desejo reforçar com estes exemplos é que a criação de escolas era acompanhada por outras manifestações e pela ação de outras entidades de classe, na perspectiva da construção de uma territorialidade do movimento libertário.
As propostas libertárias para educação nos anos 1930 e os problemas apresentados por uma nova conjuntura
A década de 1930 foi um momento muito difícil para os militantes sindicais de orientação anarquista, já que depois da Revolução de 1930 se consagrou a presença cada vez mais ativa do Estado na organização dos sindicatos (Oliveira, 2009, 153-209). Depois da reorganização da FORGS, sob bases diferentes daquelas defendidas pelos libertários, os anarquistas criaram a Liga dos Operários Apolíticos, reforçando o seu afastamento de entidades influenciadas por partidos como o Partido Comunista ou o Partido Republicano Liberal.
No campo da educação e da cultura, uma das áreas de atuação preferidas pelos anarquistas, a situação também era difícil, especialmente depois da promulgação do Código Eleitoral de 1932, que instituiu sanções para os que não votavam, consagrando a obrigatoriedade do voto para os homens adultos alfabetizados (Nicolau, 2012, p.76-78). Várias iniciativas foram criadas para a alfabetização de trabalhadores, algumas tendo claros objetivos eleitorais. Nesse caso, a presença libertária sofreu um duplo estreitamento, tanto na área sindical, quanto no campo educacional.
Em 1936 era registrada a existência de uma Aula Francisco Ferrer, junto ao Sindicato Padeiral, que ficava na Rua São Manoel, na Colônia Africana; se tratava de uma presença justificada pela permanência da tradição libertária na região, mas sem a pujança que se via na década anterior (tanto que a notícia do jornal A Federação se referia apenas a uma aula, não a uma Escola Moderna). Infelizmente, não temos o nome dos professores e professoras, tampouco as disciplinas desenvolvidas naquele local, mas pode-se depreender que seria uma iniciativa modesta, talvez apenas uma aula de primeiras letras (A Federação. Porto Alegre, 15/2/1936, p.2). Além deste caso específico, durante os anos 1930, outra iniciativa pode ser relacionada com a tradição libertária na educação: o Instituto de Assistência e Proteção à Infância (IAPI).
O Instituto de Assistência e Proteção à Infância foi fundado no ano de 1932, como uma iniciativa da Associação Cristã Independente, voltada ao abrigo de crianças carentes, tendo sua sede na Rua dos Andradas. Em 1936, o anarquista de origem galega Jesus Ribas Soeiro interviu na instituição, devido à situação precária e a exploração do trabalho das crianças. Conforme a memória de antigos militantes, Jesus Ribas teria resgatado as crianças de arma em punho, levando os menores para a pedreira em que vivia e trabalhava no Arrabalde do Partenon, junto com uma pequena comunidade de espanhóis e brasileiros anarquistas (Marçal, 1995, p.143-150). Em abril de 1937, o IAPI foi definitivamente instalado em um amplo casarão na Rua Humberto de Campos, próximo da Pedreira dos Ribas, onde colaboravam os médicos Arquimedes Moreira de Azambuja, a professora de primeiras letras Maria Idola dos Santos e o arquiteto Manoel Linhares Ribeiro. Além destes, estavam envolvidos o próprio Jesus Ribas, a professora Dorvalina Ribas Martins e o médico Carlos Guichard (A Federação. Porto Alegre, 8/4/1937, p.2).
O IAPI se destacou desde então como uma instituição beneficente voltada para a infância desprotegida, inclusive está entre seus objetivos “promover a assistência, proteção e desenvolvimento integral das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, em ambiente de cooperação e paz” (Silva, 2008, p.20). Dificilmente poderia ser visto algum caráter estritamente anarquista neste projeto, mas acredito que exista uma forte influência libertária em seu impulso inicial.
Quando Jesus Ribas trouxe as crianças para sua pedreira no Partenon, ele as resgatou de uma instituição cristã (cuja influência era objeto de crítica do ensino racionalista), tendo como objetivo dar acolhimento e educação digna para os meninos e meninas. Além disso, em sua gênese, participou também a professora Dorvalina Ribas, que tinha uma experiência prévia na condução da Escola Moderna. Desta forma, podem ser percebidos “ecos” dos preceitos de Ferrer na busca pela dignidade e no fomento à solidariedade.
O IAPI sobreviveu aos seus fundadores e permanece até hoje como uma instituição de referência no Partenon e no bairro Santo Antônio. Em 1956, as crianças mudaram para um novo prédio, construído em um terreno próximo da antiga Pedreira dos Ribas. Em 1985 o internato foi desativado, mas o Instituto continua cumprindo um papel social importante na região. Se pensarmos em uma influência tardia de Ferrer, o IAPI (Figura 3) pode se constituir na mais longeva experiência sob influência da educação libertária na cidade de Porto Alegre.
localização da Aula Francisco Ferrer e do IAPI nos anos 1930. (Mapa produzido via Google My Maps)
Este desdobramento não seria algo inédito: a Escola Moderna n.1 de São Paulo, sob a direção de João Penteado, sobreviveu depois da repressão ao movimento anarquista como Escola Nova, depois Academia de Comércio e Colégio Saldanha Marinho, vindo a encerrar suas atividades apenas em 1965. Mesmo que não fosse mais uma escola libertária, muitos dos pressupostos relativos à autonomia, à educação integral e ao pensamento crítico se mantiveram vivos, como brotes tardios das ideias de Ferrer (Moraes, Casalvara e Martins, 2013, p.158-180).
Os anos 1930 foram difíceis para os militantes anarquistas e isto se traduziu na redução de suas propostas educacionais e na sua abrangência territorial de sua militância. A Aula Francisco Ferrer estava localizada na região da Colônia Africana, território onde o movimento libertário já tinha um enraizamento. O IAPI foi instalado no Morro de Santo Antônio. A escolha do Partenon para abrigar esse novo projeto, além de ser o local de moradia da família Ribas, talvez sinalizasse o desejo de encontrar uma nova territorialidade na zona leste de Porto Alegre, um espaço para desenvolver novos vínculos sociais em um momento em que o resto da cidade se tornava cada vez mais hostil aos libertários.
Considerações finais
A criação de escolas libertárias foi um fenômeno que marcou a organização dos trabalhadores em Porto Alegre na primeira metade do século XX. A primeira escola foi a Eliseu Reclus, em 1906, seguida da Escola da FORGS e das Escolas Modernas, até as últimas experiências nos anos 1930, com a Aula Francisco Ferrer e o IAPI. Estas escolas seguiam os princípios da educação libertária, que defendia o desenvolvimento integral do ser humano, englobando aspectos intelectuais, morais e físicos. Além de sua função educativa, a criação de escolas libertárias foi um instrumento de diálogo com a classe trabalhadora, fazendo com que a militância anarquista se inserisse nos territórios habitados pelo operariado, como o Bonfim, a Colônia Africana e os Navegantes. Ao criar escolas nestas regiões, os libertários reforçaram a presença do movimento operário e constituíram uma territorialidade própria do movimento anarquista, que era complementada pela fundação de outras entidades, assim como por outras mobilizações dos trabalhadores.
Referências:
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1
Como mostra Natalia Gil, apesar desta franquia, o governo republicano também se preocupou em criar escolas primárias nos arrabaldes (como o Colégio Souza Lobo e o Grupo Escolar Tristeza) e escolas noturnas (como a Hilário Ribeiro) voltada para trabalhadores. Estas iniciativas, no entanto, tinham o objetivo de “moralizar” a sociedade em uma perspectiva burguesa e qualificar a mão-de-obra operária, tendo um sentido político diferente do proposto pelos anarquistas (Gil, 2020, p.130-152)
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2
Em 1925 a Intendência Municipal instituiu o serviço de renumeração de prédios, com a finalidade de adotar um modelo mais racional e padronizado de identificação de endereços; as modificações, que deram origem ao nosso sistema atual, foram publicadas no jornal A Federação a partir de junho de 1927. No presente artigo, os números entre parênteses indicam a localização atual das numerações antigas.
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3
A Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS) foi fundada pelos socialistas em 1906, para reunir as entidades sindicais da capital e do estado, servindo de espaço de encontro para dirigentes de diferentes categorias, promovendo diálogos e traçando estratégias comuns. No ano de 1911, a Federação Operária passou a ser hegemonizada pelos anarquistas, que deram novos rumos para a entidade, tornando mais orgânica a relação entre as diversas associações ali reunidas (Petersen, 2001, p.203-210 e 239-252).
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Além da sede da Rua Santo Antônio, no Bonfim havia a Sociedade Elena di Montenegro, na Rua Gen. João Telles, que abria espaço para atividades do movimento operário e anarquista. Durante os anos 1910, também estava em construção o Atheneu Operário, no Campo da Redenção, que deveria reunir diversas atividades políticas, sindicais e culturais do movimento operário em um mesmo espaço físico; por conta de uma série de problemas e divergências, este projeto acabou não se concretizando.
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As prerrogativas de cuidado com o corpo não estavam presentes apenas nas propostas de ensino libertário. No final da Primeira República, por exemplo, o Governo Estadual lançou um edital para a construção de escolas rurais e urbanas que incluíam em suas estruturas um pavilhão de ginastica (Ermel, 2011, p.94-95), o que pode ser entendido em uma perspectiva de formação dos cidadãos e da construção da nação. A diferença das escolas libertárias é que nestas as propostas de cuidado com o corpo estavam inseridas em uma outra lógica, que era a formação de um trabalhador consciente de si e de sua condição de classe.
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6
Jean Heffner foi um dos principais militantes anarquistas da Alemanha no final do século XIX, onde se destacou por suas críticas às estruturas políticas e econômicas do Império Alemão. No começo do século XX, a família Heffner migrou e se estabeleceu em Porto Alegre, onde Jean e sua companheira Catharina vão desempenhar um papel muito importante na difusão do ensino libertário. O epitáfio de Jean Heffner foi escrito por Rudolf Roecker e publicado no número 47 do jornal Der Syndicalist de Berlin. O texto foi reproduzido na página do Allgemeines Syndikat Düsseldorf. https://duesseldorf.fau.org/jean-heffner-gestorben-+-1927/ (agradeço a gentileza do Professor René Ernani Gertz pela sua tradução).
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Conforme Renan Gonçalves Bressan, referindo-se a São Paulo, a expansão urbana-industrial e o surgimento de novas escolas são processos que estão ligados, pois as diferentes comunidades imigrantes instaladas nos bairros fabris buscavam suprir a demanda por ensino criando escolas naqueles novos espaços urbanos; a partir dos anos 1910, haveria um esforço maior do Estado em controlar esse processo, no sentido de preservar os interesses nacionais (Bressan, 2013, p.45-48).
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O jornal Correio do Povo noticiou o funcionamento da Escola Moderna em março de 1914 indicando existir uma Seção Feminina, a cargo da Sra. Heffner, com as mesmas matérias da primeira classe e a inclusão do ensino de Costura. O Deutsche Zeitung, em abril, publicou um Boletim da própria Escola Moderna, em que se afirmava que meninos e meninas eram ensinados juntos (Knaben und Mädchen werden gemeinsam unterrichtet). Destas informações se depreende que a Seção Feminina talvez fosse apenas uma aula específica de Costura para meninas, que no Boletim está indicado com o nome genérico de Trabalho Manual (Handarbeit). Dois anos mais tarde, em 1916, quando a Escola Moderna da Rua Ramiro Barcelos foi organizada, o jornal A Luta de Pelotas também informava a existência de uma Seção Feminina, o que deve tratar-se de caso semelhante, como se verá mais adiante neste mesmo artigo.
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9
O nome Ferrerschule aparece no Koseritz Deutscher Volkskalendar indicando o endereço da instituição e nome de Catharina Heffner como sua responsável. Deutscher Volkskalendar für Brasilien. Porto Alegre, 1916. p.166.
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10
O Partido Comunista do Brasil foi fundado em 1922, a partir do impacto que a Revolução Russa de 1917 teve no movimento operário brasileiro e da adesão de muitos militantes (inclusive anarquistas) aos princípios comunistas. No começo dos anos 1920, começou a se desenhar uma forte rivalidade entre comunistas e anarquistas, em um contexto de disputa por espaços que coincidiu com um momento de retração da mobilização operária. (BARTZ, 2017, p.177-278)
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11
Norma Elisabeth Correia, analisando a queda do número de alunos formados na Escola Moderna da Rua Ramiro Barcelos a partir de 1918, localiza seu possível encerramento em 1920, o que coincidiria com o enfraquecimento da influência anarquista e do movimento sindical (CORRÊA, 1987, p.178-188).
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12
A Greve Geral de 1917 foi o movimento grevista mais significativo de toda a Primeira República. Ocorrida entre 29 de julho e 4 de agosto daquele ano, foi o momento em que os trabalhadores pararam a cidade, sob a coordenação da Liga de Defesa Popular, que era formada principalmente por militantes anarquistas. O movimento paredista acabou com ganhos para os trabalhadores (Silva Jr., 1994, p.216-343). Os endereços das reuniões e outras mobilizações importantes do movimento grevista foram divulgados pelos grandes jornais da época, como o Correio do Povo e A Federação.
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13
A FORGS ocupou endereços na Rua Mariante, n.86 (atual n.1092); na Rua Esperança, n.102 (atual Miguel Tostes, n.700) e Castro Alves, n.645 (numeração atualizada). O Salão Modelo ficava na Rua Casemiro de Abreu, n.49 (atual, n.246). As informações foram encontradas nos jornais O Syndicalista e Der Freie Arbeiter.
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Declaração de Disponibilidade de Dados:
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Disponibilidade de dados
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Out 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
25 Mar 2024 -
Aceito
10 Fev 2025






