Resumo:
O objetivo é compreender o movimento missionário dos padres operários ocorrido em duas temporalidades e espaços diferentes. Primeiro na França, no início da década de 1940. Depois no Brasil, a partir da primeira metade dos anos 1960. Procura-se traçar conexões, continuidades, semelhanças e diferenças entre as duas missões, realizadas em duas conjunturas distintas durante a Guerra Fria. O estudo mostra como a experiência de proletarização foi significativa para a criação de laços de solidariedade entre a Igreja e os trabalhadores, bem como para a formação das chamadas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) no Brasil, tão importante para os movimentos sociais nos anos 1970.
Palavras-chave:
padres operários; Igreja Católica; mundos do trabalho; Ditadura-Militar; Concílio do Vaticano II
Abstract:
This study aims to understand the missionary movement of the worker-priests that took place in two different times and spaces. First in France, in the early 1940s. Then in Brazil, from the first half of the 1960s. The aim is to draw connections, continuities, similarities and differences between the two missions carried out at two different moments during the Cold War. The article shows how the experience of proletarianization was key for the creation of bonds of solidarity between the Catholic Church and the working-class, as well as for the formation of the so-called Basic Ecclesial Communities (CEBs) in Brazil, which were so important for social movements in the 1970s.
Keywords:
workers-priests; Catholic Church; worlds of labor; Brazilian’ Dictatorship; Second Vatican Council
“Quando padre Jacques Loew começou a trabalhar nas docas de Marselha, em 1941, mal podia imaginar que o seu exemplo seria seguido por centenas de outros padres católicos franceses e levaria a uma reavaliação da vocação sacerdotal”, assim inicia o texto do obituário do padre Jacques Loew, publicado no jornal britânico The Independent. Padre Loew faleceu em 13 de fevereiro de 1999, aos 90 anos, num monastério em Périgord, na França (Corley, 1999). Nascido em 1908, em Auvergne, de formação protestante, Loew se formou em Direito em Paris, tendo começado a sua carreira como advogado em Nice (Loew, 2015). Conta-se que Jacques Loew cresceu em uma família abastada, num clima de indiferença religiosa.1 No entanto, contrariando as expectativas, após ter enfrentado meses de tratamento contra a tuberculose, em um sanatório, ele se converteu ao catolicismo, tornando-se seminarista na ordem dos dominicanos em 1934. Após escapar da convocação para a guerra, Loew passou a participar, em 1941, do Instituto de Economia e Humanismo, ao lado do padre Louis-Joseph Lebret (1897-1966). Esta organização tinha como objetivo conduzir pesquisas sociológicas voltadas para a compreensão do papel da Igreja na sociedade contemporânea daquele período (Quinta, 2023).
Ainda em 1941, padre Loew passou a trabalhar nas docas de Marselha. Segundo o clérigo, tal ação se justificava na medida em que havia ficado evidente o fosso existente entre os operários e a Igreja, patente na diminuição do número de fiéis. O desafio de Loew e de seu grupo era criar outro método de evangelização capaz de convencer a classe trabalhadora de que a religião representava libertação e não o oposto (Loew, 1960). Os padres Lebret e Loew estavam convencidos de que, para agregar novos fiéis à Igreja Católica, era preciso ir até a classe operária para conhecê-la, compreender os seus hábitos, suas condições de vida e formas de organização. Mas Loew acreditava que era necessário ir além: o mais efetivo seria viver como os trabalhadores, viver com e viver para eles.
Em 1947, Loew aceitou o convite do bispo de Marselha para assumir uma paróquia, embora sem abandonar o trabalho na estiva. Ali, Loew fundou uma comunidade de clérigos buscando aliar o trabalho manual com as funções eclesiásticas. O movimento eclesial cresceu e ganhou força no final da década de 1940 e início dos anos 1950, provocando a reação negativa do Vaticano, que decidiu interromper a missão em dois momentos, a primeira em 1954 e, posteriormente, em 1959. Anos depois, em 1962, Loew faz a sua primeira viagem ao Brasil, com destino a São Paulo, com planos de estabelecer uma missão operária na região industrial.
Percebe-se que o percurso clerical de Jacques Loew estava alinhado ao projeto político-religioso da Igreja Católica, em vigor desde o final do século XIX, que buscava reverter a perda de fiéis entre a classe operária. Para isso, a Igreja adotou novos métodos de cristianização e passou a expressar apoio aos interesses dos trabalhadores. Essa estratégia foi marcada por documentos fundamentais, como a encíclica Rerum Novarum (1891), do papa Leão XIII, e a Mater et Magistra (1961), do papa João XXIII, que consolidaram uma política missionária de longa duração em torno da questão social. A Mater et Magistra, em particular, considerada uma “encíclica de transição”, refletiu o pontificado de João XXIII e o espírito do Concílio Vaticano II, comprometendo a Igreja com os valores da justiça social, ao mesmo tempo em que fomentava o anticomunismo católico. Esse movimento foi influenciado ainda pelo contexto de otimismo econômico e expansão industrial da década de 1950, período fortemente marcado pelos conflitos da Guerra Fria e o aumento das desigualdades sociais, principalmente nos países do chamado Terceiro Mundo (Aquino Junior, 2021). Essas encíclicas também expressam um processo ambíguo conduzido pelas altas hierarquias católicas, aprofundando as diferenças entre os grupos conservadores e progressistas católicos.2
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A trajetória de Jacques Loew (1908-1999) nos ajuda a iluminar a compreensão sobre como o projeto missionário voltado para a classe operária foi adquirindo novos contornos entre as décadas de 1940 e 1960. Mais do que isso, o seu percurso de vida é, ao mesmo tempo, um exemplo emblemático e um fio condutor que nos mostra como a missão dos padres operários, originada na França, é retomada em uma conjuntura que parecia ser mais favorável, a partir dos direcionamentos tomados pelo Concílio Vaticano II (1962-1965).
Ao chegar no Brasil, a missão operária tomou rumos inesperados, tendo sido marcada por tragédias pessoais e pelo ambiente brutalmente repressivo e autoritário que se espalhou pelo país a partir do Golpe Civil-Militar de 1964. Todavia, sabemos que a derrubada de João Goulart (1961-64) “não estava escrito nas estrelas”, tampouco a Ditadura que se instaurou de modo subsequente (Gomes; Ferreira, 2014). Vale ressaltar que os personagens aqui em foco não tinham ideia de que aquela situação política iria se desdobrar em 21 anos de regime autoritário. Desse modo, ao esquadrinhar a conjuntura política naqueles turbulentos anos de 1962 à 1964, é possível recuperar um certo clima paradoxal de otimismo, que permaneceu mesmo após a derrubada de João Goulart.
Vale lembrar que o Partido Democrata Cristão (PDC) no Brasil ganhava certa visibilidade e crescimento naquele período (Busseto, 2001). Alguns meses após o golpe de Estado no Brasil, mais precisamente em 4 de setembro de 1964, a Democracia Cristã chilena chegava ao poder pelas mãos de Eduardo Frei Montalva, que venceu Salvador Allende, do Partido Socialista, após uma acirrada disputa eleitoral (Coelho, 2000, p. 67).3 Talvez esta conjuntura política nos ajude a compreender os motivos que levaram os padres operários a escolherem o Brasil como destino da missão em meio ao processo de consolidação da Ditadura.
Quando os primeiros padres operários franceses chegaram na região de São Paulo nos primeiros anos de 1960, entre eles, Bernard Hervy, Joseph Marron, Pierre Jourdanne, Robert Du Lattay, Jacques Loew, Paul Xardel e Pierre Wauthier, eles rapidamente passaram a integrar uma rede de solidariedade católica progressista efervescente na região. Esta rede reunia religiosos locais e estrangeiros, principalmente os franceses. As conexões religiosas entre a França e o Brasil se estreitavam naquele período. O território francês abrigava importantes núcleos de intelectuais cristãos. Havia também experimentos católicos de viés progressista considerados promissores, abarcando clérigos, leigos e a classe trabalhadora urbana. Ademais, a Juventude Operária Católica (JOC) no Brasil, desde 1947, se expandia consideravelmente nesse período, criando um ambiente favorável à chegada dos padres operários franceses (Mainwaring, 1983).
Padre Lebret teve um papel importante para a construção dessa rede. Como mostrou Hugo Quinta, “nos anos 1950, Frei Benevenuto, padre Lebret e outros religiosos brasileiros e estrangeiros encorajavam a formação de associações católicas”, visando disseminar a doutrina social da Igreja na sociedade. Tal esforço, que fazia parte das ações para consolidar o catolicismo militante, já vinha ocorrendo desde a década de 1940, sob a liderança de D. Leme e de outros intelectuais católicos, como Alceu de Amoroso Lima e Jackson Figueiredo, influenciados pelas ideias de Jacques Maritain e de teólogos dominicanos (Quinta, 2023). Além disso, padre Lebret e Frei Benevenuto nutriam relações próximas com Eduardo Frei. A sua vitória presidencial foi celebrada pelos religiosos, acreditando que “este triunfo abriria novas perspectivas para o movimento” Economia e Humanismo, conforme mostrou Quinta (2021, p. 131; 2023, p. 23).
Segundo Bosi, que além de analista também foi um observador e simpatizante do movimento quando jovem, o Economia e Humanismo foi considerado um “dos projetos mais vivos e promissores” daquela época. O movimento também teria marcado a passagem do que ele considerou “um tímido catolicismo de centro (o da democracia cristã ocidental) para o vigoroso cristianismo de esquerda no Brasil”, entre os anos 1950 e 1960 (Bosi, 2012, p. 255). Outros dois projetos, dirigidos pelo frei João Batista Pereira dos Santos, foram fundamentais para que os clérigos progressistas se aproximassem dos operários na capital paulista: a fundação da Capela Cristo-Operário, na rua Vergueiro, bairro Ipiranga; e a criação da Unilabor, uma fábrica de móveis, autogerida pelos operários e pelo frei João Baptista, que funcionou entre os anos de 1954 e 1967. A Unilabor foi um projeto inspirado no movimento Economia e Humanismo na Europa e também na experiência do próprio frei João Baptista quando passou um período na França (Claro, 2004; Baptista, 1962).
A atuação dos padres operários franceses nos mundos do trabalho se beneficiou de um processo de transformações que se encontrava em curso na Igreja Católica no Brasil. A partir de 1958, a JOC começa a se consolidar no meio católico progressista. Esse grupo de jovens católicos engajados em fortalecer as relações com a classe trabalhadora urbana desenvolveram práticas pedagógicas consideradas inovadoras para aquele período, baseadas no método “ver, julgar e agir” e também inspirados pelo método de Paulo Freire e o Movimento de Educação pela Base (MEB), (ver exemplo em Menezes, 2014).4 Tendo sida violentamente reprimida pelo aparato repressivo da Ditadura Militar, a JOC foi dada como extinta no início dos anos 1970. No entanto, conforme observou Scott Mainwaring, antes das CEBs, da pastoral da terra e da pastoral operária marcarem a história da Igreja Católica progressista, a JOC havia imprimido suas marcas nos movimentos populares na década de 1960, proporcionando “um campo fértil para outras inovações em práticas pedagógicas junto às classes populares” (Mainwaring, 1983, p. 33).
Ao traçar conexões, linhas de continuidade, semelhanças e diferenças entre as duas missões operárias, este estudo procura estabelecer um diálogo entre a história social do trabalho, a história da Igreja Católica e a história política da Ditadura Militar brasileira.5 Uma das inquietações que move essa investigação é a reflexão sobre o papel da religião na formação da classe trabalhadora, mais especificamente, interessa compreender de que forma a evangelização progressista e o catolicismo dos trabalhadores brasileiros influenciaram mutuamente os mundos do trabalho, observando-se como a experiência fabril (no seu sentido mais amplo) também transformou esses clérigos.
Como sabemos, foi a fusão das ações entre padres progressistas e classes populares que resultou no conhecido movimento da Teologia da Libertação, no desenvolvimento das Pastorais e na construção das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), tão efervescentes no final da década de 1970 (Hewitt, 1987; Frei Betto, 1981; Boff, 1980, 1977). Embora esses movimentos estejam no horizonte desta pesquisa, a intenção não é conduzir um estudo sobre essas temáticas. Procura-se, de modo geral, compreender um processo histórico específico envolvendo a Igreja Católica e os trabalhadores. Tal processo se constitui na esteira dos conflitos da Segunda Guerra Mundial e do início da Guerra Fria, sendo transformado pelas experiências clericais nos mundos do trabalho, por meio da circulação de pessoas e ideias entre a Europa e a América Latina, num fluxo que se estabelece numa via de mão dupla.
Nesse sentido, argumenta-se que o fenômeno das CEBs possui raízes mais extensas e profundamente centradas nas experiências do trabalho e de formação da classe trabalhadora do que a bibliografia clássica produzida entre o final da década de 1970 e início dos anos 1990 sugeriu. Ralph Della Cava, brasilianista que se dedicou aos estudos da Igreja Católica e suas relações com a sociedade no Brasil, a partir da segunda metade do século XX, traçou um perfil histórico da chamada “Igreja do Povo” e buscou compreender o fenômeno do crescimento das CEBs no período de “abertura” do regime. Segundo o autor, a partir de 1968, a experiência de militância católica envolvendo os grupos de jovens, como as juventudes agrária, estudantil, operária e universitária católicas (JAC, JEC, JOC, JUC), se apresentava como a mais inovadora no setor progressista da Igreja Católica, desde o momento em que a missão dos padres operários franceses fora interrompida, ou seja, a coexistência da segunda geração de padres operários no Brasil com outros grupos progressistas na década de 1960 é praticamente ignorada pelo autor (Cava, 1988, p. 5).
Antes da chamada “opção pelos pobres”, categoria consolidada pela Teologia da Libertação, pode-se afirmar que o setor progressista da Igreja Católica havia feito uma “opção pelos trabalhadores”, assentada na Doutrina Social Cristã, um projeto centrado na dignidade e na igualdade de direitos para a classe trabalhadora no Brasil e no mundo. Embora esses clérigos se autodenominassem “padres operários”, fica evidente que a definição de trabalho e trabalhadores articulada por eles era muito mais ampla, abarcando operários fabris, trabalhadores rurais, donas de casa e empregadas domésticas, jovens e aposentados, prostitutas e homens e mulheres desempregados, conforme a análise sobre a missão operária no Brasil irá mostrar.
A historiadora francesa Nathalie Viet-De Paule, ao fazer um breve balanço historiográfico sobre o movimento dos padres operários, chama a atenção para a existência de duas gerações, a primeira, anterior a 1954, e a segunda formulada na esteira das atividades do Concilio do Vaticano II, entre os anos de 1962 e 1965. Segundo a autora, observa-se uma extensa bibliografia produzida sobre a primeira geração na França. De acordo com ela, a “história da segunda geração continua por ser escrita” (Greiner, 2015). Tangi Cavalin, um estudioso da ordem dos dominicanos, nesta mesma entrevista, considera que a segunda geração não teria tido a mesma repercussão do que a primeira. A ascensão da Teologia da Libertação na América Latina também produziu novos olhares sobre a missão operária francesa, buscando estabelecer conexões entre os dois movimentos. Boa parte dos estudos sobre os padres operários da chamada primeira geração toma o fenômeno da Teologia da Libertação como um ponto de chegada ou uma linha continua que conecta diretamente o movimento gestado na França com a Teologia da Libertação, como afirmou Oscar Arnal “os padres operários foram um exemplo vivo da Teologia da Libertação antes do termo ter sido cunhado” (Arnal, 1986, p. 5).6 Gert-Hainer Horn chamou a atenção para o fato de que a Teologia da Libertação latino-americana tinha raízes nos movimentos anteriores ocorridos na Europa, mas não aprofundou a análise (Langer, 2013).
A partir dessas considerações, é possível questionar de que modo a experiência anterior moldou o projeto missionário no Brasil, bem como entender os motivos que levaram os clérigos a escolherem o Brasil como lugar de missão naquela conjuntura dos anos 1960. E o que teriam encontrado de diferente do seu país de origem? Ademais, de que maneira as experimentações e concepções sobre “comunidade” elaboradas pelos padres operários franceses podem ter influenciado a formulação das CEBs? Buscando responder a essas questões, esta investigação explorou um conjunto diversificado de fontes documentais.
Para a análise do movimento da primeira geração de padres operários na França, recorreu-se à bibliografia sobre o tema, em sua maioria produzida por pesquisadores europeus e norte-americanos, que acessaram uma série de fontes primárias, como entrevistas com padres operários, escritos deixados por eles, periódicos eclesiásticos, relatórios, entre outros documentos eclesiais. Já para a análise da missão operária no Brasil, foram utilizadas fontes do Serviço Nacional de Informação (SNI), órgão centralizador de informações trocadas pelos aparatos repressivos da Ditadura Militar; artigos da grande imprensa, entrevistas secundárias com os padres operários; além de relatos dos próprios clérigos sobre as suas experiências no movimento.
A missão dos padres operários na França (1943-1959)
A primeira onda de padres operários, conhecidos como “padres vermelhos”, constituída por não mais de 100 sacerdotes, surgiu na França durante a Segunda Guerra Mundial, na esteira da Nouvelle Théologie (Mettepenningen, 2010). Tratava-se da ação de um conjunto de clérigos preocupados em angariar fiéis nas zonas periféricas dos centros urbanos do país (Horn, 2015, p. 61). O movimento é compreendido como a expressão de uma corrente progressista católica que se espalhou pela França e por outros países da Europa e das Américas no pós-guerra (sobre a Grã-Bretanha, ver: Rowe, 1965; no Canadá, Arnal, 1995, na Espanha, Corrales, 2008).
Na França, os padres proletarizados se organizaram entorno de duas experiências que se realizaram concomitantemente: a Mission de Paris, liderada pelo Cardeal Suhard, e outra em Marselha, como vimos, em que se destacou a atuação do padre dominicano Jacques Loew (Marzio, 2002). O trabalho missionário de Charles de Foucauld (1885-1916) é apontado como outro fator de influência no movimento dos padres operários franceses. Conhecido por sua trajetória como soldado, monge e ermitão, Foucauld se espelhava em um Jesus “pobre e trabalhador”, filho de um carpinteiro. Após ter vivido isolado por mais de 15 anos no deserto do Saara, ele teria sido assassinado por um grupo de tuaregues (Azevedo, 2021). A Ordem do Prado e da Petits Fréres de Jesus, ambas inspiradas em Charles de Foucauld, também se dedicara a evangelizar o proletariado francês (Arnal, 1986, p. 32). A Filhos de Caridade (Fils de la Charité) também desempenhou papel importante na conformação da missão operária, tendo sido influente nas duas fases do movimento de padres operários na França e posteriormente no Brasil (Os Filhos da Caridade, 2025). A irmandade influenciou diretamente o ativismo político-teológico presente no livro La France, pays de Mission?, publicado em 1943, e na chamada Missão de Paris.
O livro escrito pelos padres jocistas, Yvan Daniel e Henri Godin, este último pertencente à irmandade Filhos de Caridade, é tido como uma referência fundamental para o movimento missionário dos padres operários. A obra trazia uma reflexão sobre a Igreja Católica francesa e a relação com a classe operária, a partir de um esforço intelectual que buscava analisar a realidade social e a presença, em ritmo decrescente, da Igreja por meio de métodos quantitativos, baseado na metodologia das Ciências Sociais. Partindo do pressuposto de que a França havia se tornado ela própria “um país de missão”, Godin e Daniel argumentavam que era preciso converter o meio e não apenas o indivíduo, sendo também necessário romper com a antiga estrutura paroquial a qual, segundo eles, estaria impregnada de valores e práticas burguesas, sem sentido entre os trabalhadores (Godin; Daniel, 1950).
O livro teve grande repercussão no meio católico, tendo fomentado o debate católico sobre as relações entre política e religião naquele período (Cuchet, 2005, p. 178). A obra dos padres Godin e Daniel é tida como uma referência da chamada “sociologia pastoral” (pastoral sociology), também denominada como “sociologia encarnada” (incarnational sociology), conduzida pelos missionários franceses. Os resultados dessas pesquisas constituíam uma ligação direta entre aqueles que intencionavam combinar pesquisa sociológica com a ação católica voltada para melhorar a vida dos trabalhadores (Arnal, 1986, p. 20).
Entre os meses de dezembro de 1943 e janeiro do ano seguinte, o Cardinal Suhard se encarregou de colocar em prática as sugestões expostas por Godin e Daniel, criando a Missão de Paris. Ele reuniu os principais padres progressistas da Igreja francesa para criar uma missão junto da classe operária parisiense (Arnal, 1986, p. 57). Três dias após a fundação da Missão de Paris, padre Godin foi encontrado morto, asfixiado por uma manta de aquecimento que havia incendiado enquanto ele dormia. Para o padre Loew, em seu depoimento concedido à Dominique Xardel, em 1986, Godin era tido como “o mais preparado entre os padres, o mais experiente, o mais dotado e o mais santo apóstolo (...)” (Loew, 1988, p. 57). Outras perdas dramáticas viriam a marcar a missão operária entre a França e o Brasil, produzindo relatos biográficos de viés hagiográfico como esse.
O envolvimento de um grupo de clérigos com o Partido Comunista Francês (PCF) e a Confederação Geral do Trabalho (CGT) provocou uma reação fortemente negativa do Vaticano. Há registros de que muitos sacerdotes haviam preferido aderir à CGT do que aderir à própria Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristãos (CFTC), (Arnal, 1986, p. 87). A relação estreita com os comunistas foi a justificativa para a decisão do Papa Pio XII, tomada em 1954, de proibir os padres de se envolverem com qualquer organização comunista (Tranvouez, 2001, p. 93). De fato, muitos padres operários estavam profundamente ligados aos comunistas no movimento sindical francês. Alguns padres chegaram a se tornar líderes sindicais, entre eles Henri Barreau e Jo Gouttebarge, e participaram ativamente de greves, como foi o caso de Jacques Loew, entre outros. Embora não houvesse dúvidas de que os missionários tivessem sido profundamente influenciados pelos marxistas e apesar dos pontos de contato ideológico entre os padres operários e os comunistas, essa aliança implicava em limites e diferenças (Arnal, 1986, p. 92).
Mais uma vez, a trajetória de Loew nos ajuda a iluminar essas tensões entre católicos progressistas e comunistas. Trabalhando nas docas de Marselha, Loew se mostrava cauteloso em relação ao PCF. Havia uma perspectiva filosófica que o levava a se opor ao marxismo. A chave da diferença estava no chamado humanismo místico tão expressado por Gustave Thibon7, Simone Weil8 e Madeleine Delbrêl9. Esses três foram referenciados como as pessoas mais influentes para a militância política e o pensamento teológico de Loew.
Parte das noções que se construíram em torno do conceito de comunidade para os padres operários teria vindo de um artigo de Thibon intitulado A comunidade de destino: fundamento de sociedades harmoniosas e sustentáveis.10 No trecho do artigo destacado por Loew, Thibon afirmava que a chamada “comunidade de destino” poderia ser compreendida como uma espécie de lei imutável da vida em sociedade, uma vez que, sem ela, indivíduos e seus grupos sucumbiriam. O destino de um indivíduo era entendido como um conjunto de acontecimentos que afetam a sua existência.11 A “comunidade de destino” seria formada por um grupo de pessoas que “partilham da mesma existência espiritual ou material, quando estão sujeitas aos mesmos riscos ou buscam os mesmos objetivos”. Para Thibon, existiam dois tipos de comunidades. A “comunidade de semelhança”, que poderia unir um operário metalúrgico das fábricas da Fiat e da Renault, por exemplo, pois se pressupunha que eles compartilhassem o mesmo trabalho, pertencessem a mesma classe social e levassem o mesmo tipo de vida. E havia a “comunidade de interdependência ou de solidariedade recíproca”, essas relações se dariam não por semelhança, mas por interdependência, como a vivência que se dá entre operários e patrões (Loew, 1988, p. 99).
Mesmo tendo uma curta trajetória, Simone Weil, não à toa redescoberta pelos leitores brasileiros no período de ascensão do chamado “novo sindicalismo” e do movimento feminista,12 exerceu influência direta no grupo de padres operários franceses. A experiência de proletarização e todas as suas abnegações ditas burguesas, além da visão mística e do ativismo político presentes em seus escritos, a maior parte publicados após a sua morte, representava um forte laço de identificação com os padres operários.
Madeleine Dêbrêl também é apresentada como uma mulher influente para o movimento dos padres operários. Ela não apenas testemunhou, mas participou ativamente dos debates e encaminhamentos da missão de padres operários na França. Madeleine se converteu ao catolicismo 10 anos antes de Loew. Ambos, assim como Weil e Thibon, cresceram em ambientes laicos, compartilharam a chamada experiência mística já na vida adulta e uniram catolicismo e militância progressista voltada para a compreensão do mundo operário, tendo sido críticos e ao mesmo tempo aliados dos comunistas. Segundo o depoimento de Loew, desde o primeiro encontro em 1942 até a morte de Madeleine em 1964, os dois trocaram regularmente impressões escritas e verbais sobre as suas experiências com a classe trabalhadora em Marselha e Ivry. Às suas ideias, Loew afirma que não foi lhe dada a devida atenção por parte de um círculo mais amplo (Loew, 1988, p. 69).
A influência exercida por Weil e Delbrêl desvela um movimento mais amplo de proletarização religiosa, no qual os protagonistas não são apenas homens de batina e macacão, embora o projeto missionário tenha sido formulado a partir de uma perspectiva masculinizada de proletarização. Entre freiras, madres, leigas ou as chamadas “místicas”, essas mulheres estavam presentes e ativas nesse movimento, dominavam a escrita, ainda que nas margens, como as três mulheres analisadas por Natalie Z. Davis (1997). Aliás, como não pensar em Marie De L’Incarnation, também tida como mística e que teve sua vida movida pelo espírito missionário no século XVII? Assim como Marie e tantas outras mulheres brancas e negras, Weil e Delbrêl usaram a escrita para compreender as suas próprias histórias de vida, sendo que, para essas duas últimas, mulheres da primeira metade do século XX, a escrita foi também um instrumento político poderoso. Muitas vezes, elas tiveram que atuar dentro dos limites das clivagens e dos papeis de gênero “destinados” a elas. Em outros momentos, elas ousaram transpor barreiras, ocupando espaços marcadamente masculinizados ao mesmo tempo em que se dedicavam a criar laços com mulheres diferentes de sua classe, acreditaram que era possível unir mundos diferentes, conciliar o manual ao intelectual, entrelaçar a escrita, o “místico” e a filosofia.
A missão dos padres operários franceses sofreu mais uma tentativa de interrupção em 1959, durante o novo papado de João XXIII, que decretou o encerramento total da missão. Entre os anos de 1954 e 1965, muitos padres trabalhadores se recusaram obedecer às ordens da alta hierarquia católica. A maioria continuou realizando trabalhos parciais. Apesar da tentativa de controle do Vaticano, o movimento cresceu. Estima-se que eles eram em torno de 600, muitos eram vigários de paróquias da classe trabalhadora na França, que combinavam o emprego remunerado com o serviço paroquial, ou eram capelãos de organizações católicas. Eles ficaram conhecidos como padres no trabalho (PAT), padres próximos ao mundo do trabalho (PPMO) ou párocos que trabalhavam manualmente (PPTM). A Igreja oficial não se referia mais a eles como padres-operários, embora fossem amplamente conhecidos como tal (Suaud; Viet-Depaule, 2004).
1959 não foi apenas um ano difícil para os padres operários franceses. Para Michael Löwy, esse ano representa simbolicamente o nascimento do chamado “cristianismo de libertação” na América Latina. Conforme as suas palavras, “poderíamos dizer que a corrente cristã radical nasceu em janeiro de 1959, no momento em que Fidel Castro, Che Guevara e seus camaradas entraram marchando em Havana, enquanto em Roma, João XXIII publicava a primeira convocação para a reunião do Concílio [Vaticano II] (Löwy, 2016, p. 14).
Experiências de proletarização na França
Não há dúvidas de que a proletarização foi impactante e fundamental para os padres operários. Considerando que essa experiência ia muito além do ato de trabalhar numa fábrica como um operário, parte do processo de proletarização estava, fundamentalmente, em vivenciar e se integrar nas comunidades de trabalhadores de variadas maneiras. Por isso, consideramos que um padre operário não se restringe somente aqueles que foram trabalhar nas fábricas, mas envolve os clérigos que se lançaram no movimento e se dedicaram a missão de evangelizar a classe trabalhadora.
Os depoimentos e relatos coletados sobre o movimento possuem uma tônica comum: o trabalho fabril era considerado desumanizante e brutal por aqueles que o executavam. Aos olhos de Weil, “o trabalho é demasiado mecânico para oferecer qualquer material para pensar”, o ritmo cadenciado, acelerado e ao mesmo tempo monótono mostrava-se ausente de sentido, o trabalho parecia ser “uma degradação perpétua e humilhante” (Weil, 1951, p. 23). Como poderia o ser humano ser reduzido a uma mera engrenagem na máquina de produção, ela questionava. O ritmo do relógio determinava todas as ações do indivíduo, subtraindo dele qualquer possibilidade de autonomia. Seria essa a visão exclusiva daqueles que se proletarizaram ou os trabalhadores também compartilhavam das mesmas ideias e sentimentos? Difícil seria identificar aquilo que se projetava na classe trabalhadora daquilo que era compartilhado por ela.
A proletarização dos padres, embora centrada no trabalho braçal, resultou em experiências diversas, uma vez que eles se empregaram em diferentes ofícios e localidades. A maioria deles foi para a indústria pesada, principalmente a metalurgia, mais especificamente os trabalhos nas fábricas de automóveis da Renault, tendo os padres atuado também nas siderurgias. Outros circularam nos ramos da aeronáutica, da construção civil e elétrica, nas docas, minas de carvão, dentre outras atividades fabris.
No entanto, mesmo com a autorização do Vaticano, encontrar um trabalho com a identidade de padre revelada poderia não ser uma tarefa fácil. Muitos sacerdotes encontraram dificuldades para achar um emprego, tendo enfrentado a rejeição dos empregadores, vinda, inclusive, de proprietários e diretores católicos praticantes. Por conta disso, muitos deles preferiram ocultar as suas verdadeiras profissões de padres. Para driblar as dificuldades trazida pela batina, os padres criaram diferentes estratégias. O padre André Deléage, por exemplo, escreveu em seu relatório que “o silêncio parecia a melhor abordagem até que a honestidade o obrigasse a revelar a sua identidade” (Arnal, 1986, p. 77). O padre Henri Perrin também encontrou no silêncio a melhor estratégia, conforme registrou em suas anotações: “Só algumas pessoas do exterior sabiam que eu era padre. Ignoravam-no na fábrica, e eu não dizia nada a ninguém. Por várias razões, tinha decidido viver esta experiência em silêncio” (Perrin, 1958, apudArnal, 1986, p. 79).
De toda forma, a proletarização dos padres foi considerada uma experiência forte e positiva. Apesar dos casos de desconfianças e de alguns conflitos, o autor afirma que eles se sentiram acolhidos por seus colegas de trabalho (Arnal, 1986, p. 80). Havia também a reclamação comum sobre os turnos noturnos, além da exaustão do trabalho físico, descrito por alguns padres. O clérigo Michel Bordet registrou o calor terrível dos fornos de produção de aço, enquanto o padre André Piet, torneiro mecânico, relatou as dificuldades físicas de se manter “imóvel junto de uma máquina, fazendo a mesma coisa hora após hora, dia após dia” (Arnal, 1986, p. 82).
A experiência de proletarização dos padres também era composta por alguns medos. Havia o temor dos acidentes, uma vez que as condições inseguras de trabalho se impunham como uma angústia permanente, assim como o receio de perder o emprego. O padre Francis Vico narrou o trauma sofrido após ter visto o seu colega marroquino perder a mão esmagada por uma máquina. As fatalidades ocorridas no chão de fábrica também atingiram os padres operários, como a história do sacerdote Michel Favreau, esmagado por um tronco de madeira nas docas de Bordeaux em 1951. Apesar de todas as dificuldades ou possivelmente por conta disso, muitos padres operários relataram ter encontrado a presença de Deus no ambiente fabril (Arnal, 1986, p. 82-84).
O padre Jacques Loew deixou uma série de relatos sobre a sua experiência de proletarização. Em uma longa entrevista concedida a Dominique Xardel, ele narrou quando começou a trabalhar no porto de Marselha em 1941, momento em que ainda não se reconhecia como um padre operário. Contou ele que o seu primeiro trabalho era carregar 100 quilos de sacos de sêmola. Assim ele narrou: “Senti-me como um acordeão e o saco passou-me rapidamente por cima da cabeça. Foi então que me apercebi da solidariedade daqueles homens que não me conheciam e que me diziam: ‘O que é que se passa contigo? ‘Não estás no negócio?’”. Na segunda tentativa, Loew disse ter derrubado o saco novamente. Ao que o capataz teria lhe dito: “Se não serves para nada, vai trabalhar no carvão”. Segundo o clérigo, o que poderia ter sido apenas um insulto, acabou soando um conselho ou uma ideia. Não tardou para que ele fosse contratado como mineiro de carvão (Loew, 1988, p. 49).
A missão operária no Brasil
Embora a conjuntura política da Igreja Católica estivesse mais favorável ao trabalho missionário dos padres operários, com a aprovação do Concílio Vaticano II, a partir de 1965, os conflitos políticos no Brasil se agudizavam com a instauração da Ditadura, fazendo emergir uma aliança política de caráter fortemente anticomunista entre civis, militares e religiosos (Serbin, 2001), que teve impacto direto na missão dos padres operários.13
Ao longo das décadas de 1950 e 1960 foi ganhando força entre os membros da Igreja a ideia de que era preciso colocar em prática uma nova concepção de missão, de agiornamento, mais conectada ao mundo secular. A América Latina se tornou alvo de trabalhos missionários, na medida em que o número de católicos na região crescia exponencialmente, tornando-se a região com o maior contingente de católicos no mundo na década de 1970, um lugar profícuo para a realização de experimentações e inovações no campo pastoral, envolvendo missionários europeus, clérigos e leigos locais (Beozzo, 2003).
Como sabemos, a Igreja Católica estava (e ainda está) longe de representar uma instituição homogênea em qualquer parte do globo. No Brasil dos anos 1960, a Igreja Católica dividia-se politicamente entre os setores progressistas e conservadores, estes últimos herdeiros dos movimentos nacionalistas de inspiração fascista que haviam atingido grande popularidade nas décadas de 1930 e 1940. Esses grupos, compostos por clérigos e leigos, com grande participação de mulheres católicas, desempenharam papel fundamental na orquestração do golpe de Estado que derrubou João Goulart da presidência da República em 1964.
No campo sindical, os padres operários, ao lado da JOC e da Ação Católica Operária (ACO), disputavam o apoio da classe trabalhadora e do movimento sindical com os grupos conservadores católicos, conduzidos pela sua política religiosa de combate ao comunismo. A atuação dos Círculos Operários Católicos (COC), em atividade desde os anos 1930, também se expandia nos primeiros anos da década de 1960, impulsionados e financiados pelos setores civis e militares opositores de João Goulart (Dreyfuss, 1981). Os COCs tiveram papel importante no desmantelamento do movimento sindical constituído no pré-1964 (ver: Diehl, 1990; Farias, 1998; Souza, 2002; Amaral; Corrêa, 2022). Ambas as correntes projetavam uma “terceira via” aos conflitos travados pela Guerra Fria, disputando os significados da doutrina social cristã.
Os padres europeus, assim como os clérigos locais, tiveram que enfrentar uma política autoritária e repressiva. O trabalho missionário acabou ganhando contornos de resistência e forte oposição ao regime, além de conflitos internos velados entre os membros da Igreja, e muitas negociações clandestinas com os setores conservadores da hierarquia católica e autoridades representes do Estado autoritário (Serbin, 2001). Além disso, os padres operários foram vítimas de diversas formas de violações de direitos humanos. Muitos deles tiveram experiências traumáticas dentro e fora das fábricas, como ameaças de expulsão, torturas, sequestros, banimentos, entre outras práticas repressivas cometidas pelo terrorismo de Estado. Uma grande quantidade de padres, bispos, freiras e militantes leigos sofreu maus-tratos por parte das forças de segurança (Serbin, 2001, p. 48). A crítica pública da Igreja contra o Governo Militar e sua defesa dos direitos humanos e da justiça social alcançaram destaque internacional e os padres operários estrangeiros contribuíram para espalhar essas denúncias na Europa (Corrêa, 2024).
Para abordar a chegada dos padres operários europeus no Brasil retomamos a trajetória de Jacques Loew. A partir desse momento ele passaria a ser chamado de padre Tiago Loew. Todavia, antes de sua primeira viagem ao Brasil, no ano de 1962, Alceu Amoroso Lima narrou um encontro entre os dois na cidade francesa de Toulouse.14 Na paróquia de Loew, o intelectual católico brasileiro conheceu também o padre francês Paul Xardel, irmão de Domenique Xardel, que iria entrevistar Loew décadas depois. Na ocasião daquele encontro, Paul Xardel encontrava-se aprendendo o português, como parte dos seus preparativos para a futura missão dos padres operários no Brasil. Além de Paul Xardel, havia mais dois ou três jovens padres em fase de preparação para a missão, sendo um deles uruguaio (provavelmente se tratava de Carlos Tosar). Loew recebeu do amigo Alceu Amoroso Lima o apelido de “o missionário do asfalto”.15
Em 1962, também chegou no Brasil o padre Romain Zufferey, vinculado à JOC/ACO, rapidamente apelidado de padre Romano, tendo se fixado na cidade de Recife, na região Nordeste. O mapeamento dos missionários proletários ainda está em andamento, não sendo possível estimar a presença deles numericamente por todo o território brasileiro. Todavia, sabemos que, além dos dois padres operários já citados, outros clérigos haviam se fixado no país, entre os anos de 1961 e 1966, entre eles, Joseph Marron, Conrad Detrez, Bernardo Hervy, Jan Talpe, Pierre Wauthier, Carlos Tosar Errecart, Henri Beguin, Antonio Soligo, Pedro Jourdanne, Bourchard, Thiago Vigneron, Afonso Greaud, Michel Cüenot, Gaspar Neerinck, Dominique Barbé, Paul Xardel, Emmanuel Retumba e Roberto Du Lattay.
Em grupo ou individualmente, eles escolheram diferentes regiões para desenvolver o trabalho missionário, muitos foram para as zonas industriais de São Paulo, outros para a Baixada e região sul fluminense no Rio de Janeiro, outros ainda para Recife e arredores, entre outras localidades. Alguns deles pertenciam a ordem “Filhos da Caridade”, como o padre José Mahon, que criou fortes laços de solidariedade trabalhando numa fábrica metalúrgica em São Bernardo do Campo, depois atuou ativamente na formação das CEBs e retornou à França já com idade avançada (Folha de São Paulo, 2018). Além dos sacerdotes estrangeiros, padres brasileiros também se juntaram ao movimento, como Dom Picão, na Baixada Santista, e Emmanuel Retumba, originalmente do Ceará (Salas Neto, 2022). Outros voltaram por decisão própria ou porque foram expulsos, como o padre Wauthier, após ter participado da greve de Osasco de 1968, e Jan Talpe, também operário na região do ABC paulista.
A Missão Operária São Pedro e São Paulo
Em 1964, dois meses após a deflagração do golpe de Estado, Loew e um grupo de padres operários se estabeleceram no bairro Vila Yolanda, na periferia da cidade industrial de Osasco. Era o início da chamada Missão Operária de São Pedro e São Paulo (MOSP), representando a retomada do projeto de evangelização voltado para a classe operária. Embora a missão tenha sido aprovada pelo Vaticano em 28 de maio de 1965,16 a sua idealização vinha desde a década anterior, quando a missão havia sido interrompida pelo Vaticano (Xardel, 1969). Inicialmente, o grupo era composto apenas por Tiago Loew, Paul Xardel e Pierre Wauthier. Posteriormente, a equipe recebeu reforços, entre eles, os padres Michel Cüenot, Gaspar Neerinck, Emmanuel Retumba, Carlos Tosar e Domingos Barbé.
A missão foi marcada logo por uma tragédia. Em 17 de agosto de 1964, o padre Paul Xardel foi atropelado por um caminhão quando voltava do trabalho para a sua casa. Com 34 anos, recém-contratado, ele trabalhava como torneiro mecânico numa fábrica daquela região. Sua morte ocorreu 50 dias após a sua chegada no bairro. Não tardou para que Xardel se tornasse um símbolo de luta e esperança para os clérigos, leigos e toda a comunidade de Vila Yolanda. Para Tiago Loew, a morte de Xardel representava “o germe de onde nascerão esses grupos, essas comunidades evangélicas e fraternas” (prefácio de Loew para o livro de Barbé; Retumba, 1971, p. 8).
Na entrevista de Loew, concedida a Dominique Xardel, o padre francês relatou:
Paul [o seu irmão] era um dos mais preparados de todos nós: os seus estudos sacerdotais em Paris, a sua aprendizagem em Roubaix como torneiro mecânico, que mais tarde praticou nas fábricas da Opel na Alemanha, o seu talento missionário, se assim posso dizer, que combinava bem com o seu nariz grande, o seu amor a Cristo e à Igreja. (Loew, 1988, p. 103).
Segundo os seus cadernos de anotações, posteriormente publicados aos cuidados de Loew, Paul Xardel havia decidido integrar a MOSP em 1960, período em que passou a se profissionalizar como metalúrgico, mesmo quando a missão estava proibida pelo Vaticano. Nesses anos que precederam a missão no Brasil, Paul trabalhou duro como operário, deixando vários relatos sobre a dor física que enfrentava, tendo sido diagnosticado com problemas cardíacos ainda na infância (Xardel, 1969, p. 135).17
Percebe-se que a missão foi planejada com pelo menos uma década de antecedência, embora o destino do trabalho missionário ainda fosse incerto até o início dos anos 1960. Segundo ele, antes da criação do MOSP, havia uma dúvida se o local do novo projeto missionário deveria ser em Lorraine, na França, ou no Brasil, ao que o seu superior teria prontamente respondido: “Na altura do Concílio, vão para o Brasil” (Loew, 1988, p. 102). Na mesma entrevista, Loew pontuou uma diferença que ele julgava enorme entre o ambiente católico do Brasil e da França, assim afirmou:
No Brasil, descobrimos a importância das seitas. As pessoas trocavam primeiro a Palavra de Deus, mesmo que não soubessem ler. Recebiam Bíblias onde as passagens importantes estavam sublinhadas a vermelho, ou emolduradas; sabiam que era nessas passagens que podiam partilhar e apoiar-se mutuamente. (Loew, 1988, p. 103).
Loew se deparou com um ambiente fortemente católico, mas não considerado moderno, muito diferente do seu ambiente de origem e com um catolicismo de raízes profundas originadas no mundo ibérico, nas tradições religiosas do catolicismo popular dos diversos migrantes nordestinos e nas culturas religiosas de matrizes africanas. Possivelmente, o uso da palavra “seitas” católicas procurasse expressar o choque cultural, religioso e racial. As chamadas seitas protestantes e afro-brasileiras desafiavam o monopólio religioso católico (Mainwaring, 1983, p. 36).18
Membro da equipe missionária do MOSP, padre Pedro (Pierre Vaultier/Walthier) trabalhou como operário entre os anos de 1964 e 1968 numa fábrica como retificador. Ele havia se tornado sacerdote no ano de 1966, momento testemunhado e prestigiado pela comunidade e os operários colegas de Vaultier. O envolvimento dele na famosa greve dos metalúrgicos de Osasco em 1968, o levou à prisão e à subsequente expulsão do país, apesar do movimento de solidariedade e protestos dos moradores e trabalhadores de Osasco em favor do padre.19
Outra liderança católica marcante na Vila Yolanda foi o padre Manu (Emmanuel Retumba). Tido como um brasileiro nato, nascido no Ceará, ele era dominicano. O padre havia ido à França para estudar e trabalhar. Lá, ele se tornou amigo de Loew e Paul Xardel. Nos verões, ele trabalhava numa oficina de consertos navais e também era aprendiz de soldador, em Marselha. A relação de amizade e as notícias que Retumba enviava aos padres franceses sobre o Brasil no início dos anos 1960 pesaram na decisão de instaurar a missão nos arredores de São Paulo. Das palavras de Retumba, Paul assim registrou: “da fronteira com os Estados Unidos até o sul da Argentina, São Paulo é a cidade industrial que domina todo o continente”.20 Segundo Loew, quando Paulo Xardel faleceu, Manu teria sentido um chamado para substitui-lo. No início dos anos 1970, Manu trabalhava como servente numa fábrica de metalurgia (Barbé; Retumba, 1971, p. 14).
Domingos (Dominique) Barbé foi o último padre a compor o grupo de clérigos da Vila Yolanda, e foi ele quem tomou a atitude de escrever sobre a história da formação da comunidade de base do bairro, publicado em 1971. Loew destacou a ligação que julgavam existir entre a comunidade de Osasco e Auberville, na França, onde Domingos foi vigário durante sete anos antes de se mudar para a Vila Yolanda. Em 1983, Barbé publicou outro livro, intitulado A graça e o poder, em que ele conta sobre as dificuldades enfrentadas na CEB de Osasco, um relato duro sobre a miséria e a violência na região. Na publicação, a apresentação de Barbé é enxuta, conta que ele nasceu em Paris, tendo chegado ao Brasil em 1968 e desde então vivia na periferia de São Paulo, tendo trabalhado por um curto período como operador de máquina (Barbé, 1983).21
Padre Loew deixou o Brasil em 1969 com destino à França, contrariando os seus planos de se fixar definitivamente no país. Provavelmente, o clima repressivo e a perseguição aos setores progressistas da Igreja Católica tenham pesado na sua decisão. Neste período, Loew já não pertencia mais aos dominicanos, por motivos de desentendimento entre ele, a ordem e o Vaticano. A MOSP foi ampliada abarcando novos países: primeiramente no Canadá e depois no Japão. Do outro lado do planeta, os missionários operários acreditavam ter encontrado condições similares ao Brasil no tocante ao processo de crescimento industrial (Loew, 1988, p. 133-135).
Na Vila Yolanda, a equipe de padres operários seguia o seu trabalho missionário. Em 1971, em meio ao forte ambiente repressivo ditatorial, os padres Retumba e Barbé publicam o livro Retrato de uma comunidade de base, pela editora Vozes. O livro tinha como objetivo condensar as experiências do trabalho missionário desenvolvido naquele bairro de Osasco. Para tanto, os padres Barbé e Retumba, na condição de sujeitos desse processo e autores do livro, se inspiraram no conceito sociológico de “comunidades de vizinhança”, o que nos parece um desdobramento da ideia de “comunidade de destino”, exposta por Gustavo Thibon décadas atrás.
Como registraram os padres, o estreitamento das relações com os moradores da Vila Yolanda se deu pela trágica morte do padre Xardel. Foi um tempo de amizade silenciosa, assim definiram. Portanto, nos primeiros anos na Vila Yolanda, os padres operários se concentraram em fixar laços de ajuda mútua. Em 1965, os padres deram início a um processo de evangelização. Os primeiros grupos eram compostos por católicos praticantes, que se reuniam na capela. Posteriormente, ao passo em que a comunidade ia se expandindo, aulas de evangelização foram iniciadas. No final de 1967, os padres começaram a formar novos grupos conduzidos pelos militantes leigos. Outra atividade considerada fundamental para estreitar os laços e organizar a comunidade de famílias da classe trabalhadora eram os cursinhos de alfabetização oferecidos por estudantes integrantes da JUC e por missionárias. Os trabalhos de alfabetização eram conduzidos por religiosas brasileiras, que se instalaram no bairro e viviam modestamente na comunidade. Além do trabalho educativo, as religiosas contribuíam para formar os “clubes de mães”. A presença delas foi bastante valorizada pelos padres (Barbé; Retumba, 1971, p. 35).
Do grupo de padres operários da Vila Yolanda, três deles trabalhavam como operários em fábricas da região, enquanto um padre era encarregado de fazer o trabalho clerical no bairro. Os salários recebidos pelo grupo eram insuficientes para manter a casa onde viviam. No entanto, eles se consideravam privilegiados economicamente, pois a maioria das famílias viviam com apenas um salário do pai tido como provedor. A experiência como trabalhador, bem como o convívio com a comunidade de trabalhadores, permitia aos padres traçarem algumas estratégias de evangelização. Segundo eles, a vida das pessoas sobrecarregadas de trabalho era entremeada por vários momentos de silêncio. Ao descascar as batatas, escolher o feijão e o arroz, viajar de ônibus durante o trajeto da casa para o trabalho e até mesmo ao operar uma máquina na fábrica eram considerados momentos oportunos de silêncio em que se poderia falar com Deus (Barbé; Retumba, 1971, p. 63).
Nesse processo de formação comunitária, os padres operários Barbé e Retumba destacaram o papel das mulheres, leigas e religiosas, tanto como membros ativos da comunidade tanto como alvo do trabalho de evangelização, abrangendo de operárias às prostitutas. Ao relatar em seu livro de memórias os acontecimentos da semana na comunidade de trabalhadores da Vila Yolanda, os padres operários registraram a preocupação de fazer as pessoas tímidas falarem nas reuniões comunitárias. Assim afirmaram: “aliás, no começo, muitos, sobretudo, as mulheres, não ousavam falar”. Elas costumavam argumentar, segundo eles, que “as suas vidas não tinham nada de interessante”, e assim registraram: “sempre a mesma coisa, lavar roupa, a louça, fazer as compras, arrumar a cozinha”. Na visão desses padres, as donas de casa estavam “sempre nervosas, em casa, com as crianças”.
Mostrando-se incomodados com as falas recorrentes dessas mulheres em que elas repetidamente afirmavam não “fazer nada de interessante”, os padres tiveram o cuidado de registrar a situação de várias mulheres. Maria, por exemplo, compartilhou com os presentes, em uma das reuniões, as dificuldades que estava enfrentando na sua vida particular. Contou que a sua cunhada estava no hospital e que ela havia acabado de voltar de lá. O hospital ficava do outro lado da cidade, levando horas de deslocamento entre os dois lugares. Ela estava cuidando dos filhos de sua cunhada, ao que os padres assim registraram “ela já tem seis filhos e trouxe mais seis para a sua casa”. Sem dúvidas, atrair a participação das mulheres era um desafio para os clérigos, ao mesmo tempo em que elas eram consideradas fundamentais para consolidar os laços entre os missionários e a comunidade de trabalhadores. Algumas mulheres reclamavam de não conseguir frequentar as reuniões por não ter onde deixar os filhos, tendo recebido ajuda de outras famílias para com o cuidado com as crianças, enquanto as reuniões ocorriam nos fundos da capela da Vila Yolanda (Barbé; Retumba, 1971, p. 27).
Embora este seja um estudo voltado para a compreensão do papel político dos padres operários, pensar a atuação dos clérigos por meio de uma perspectiva relacional de gênero parece fundamental para compreender a atuação desses sujeitos em relação ao contato com os trabalhadores e trabalhadoras, bem como observar as relações de sociabilidade marcadas pelos espaços da Igreja, a comunidade e a fábrica. Ademais, o olhar dos próprios padres em relação às mulheres nos instiga a repensar as noções de agenciamento e o ativismo das mulheres trabalhadoras em uma perspectiva inclusiva que buscava pensar em conjunto as ações dos trabalhadores em um contexto de dominação de homens e mulheres, mas sem buscar romper as estruturas de dominação patriarcais (Betti et al., 2022).
Ao longo da década de 1970, o trabalho de organização e expansão das comunidades eclesiais de base (CEBs) continuou criando raízes nas comunidades industriais. Essas davam sustentação a outras organizações sindicais e trabalhistas vinculadas a Igreja Católica, tais como a Frente Nacional do Trabalho, a Ação Católica Operária, Centro da Pastoral Vergueiro e a Pastoral Operária. Além disso, tiveram influência direta em diversas direções de sindicatos e nas chamadas oposições sindicais, com destaque para a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo. As CEBs são consideradas um movimento fundamental para a eclosão das greves que marcaram o chamado “novo sindicalismo” no final da década de 1970.
Considerações finais
Este artigo buscou compreender o movimento missionário dos padres operários em dois períodos e localidades diferentes, procurando conectar e comparar essas duas experiências de proletarização, a primeira na França dos anos 1940 e 1950 e a segunda no Brasil 10 anos depois. A análise da chamada primeira geração de padres operários permitiu elaborar novos olhares para a experiência clerical no Brasil. Por que o Brasil? O que encontraram de diferente? De que modo a experiência anterior moldou o projeto missionário no Brasil? São questões que ganharam relevância neste estudo. De modo geral, entender o projeto missionário voltado para a evangelização da classe operária francesa nos possibilitou compreender não apenas aspectos das relações entre trabalhadores e a Igreja Católica, mas também as disputas, alianças e tensões com os comunistas.
Observar as tentativas de desmantelamento da missão operária na França nos anos 1954 e 1959 e como elas se expandem para além de suas fronteiras a partir do Concílio Vaticano II no início dos anos 1960 mostrou como o Brasil ganhava relevância no cenário geopolítico da Guerra Fria, após a Revolução Cubana, de 1959, e com os movimentos sociais efervescentes no país. Não apenas os Estados Unidos passaram a investir na região, a Igreja Católica, tanto os setores anticomunistas e progressistas, também entendeu que ali, naquele país de clima tropical, extremamente católico e de fortes anseios modernizantes, poderia ser um laboratório fértil para desenvolver o projeto missionário para os trabalhadores, além de um meio eficaz de conter o avanço comunista e implementar a tão sonhada “terceira via” católica na região. Curioso observar como esses sacerdotes almejavam encontrar no Brasil um “novo mundo” e ao mesmo tempo algo semelhante ao que viveram nos subúrbios industriais de Paris. Não à toa a MOSP rumou para o Japão, atraída pelo “milagre econômico” e a possibilidade de explorar um outro “novo mundo”, só que pouco aderente à Igreja Católica.
Embora a missão tenha sido interrompida pelo Vaticano, a análise mostrou que os padres aceitaram formalmente a decisão, mas na prática não deixaram de conviver no meio operário e seguiram trabalhando nas fábricas, negociando sem alarde com seus superiores caso a caso. Ao comparar as duas missões, percebe-se que a identificação e separação entre duas gerações não parece fazer muito sentido, pelo menos para pensar o caso brasileiro, uma vez que boa parte do grupo já havia integrado a primeira e se proletarizado anteriormente na França.
Dois pontos marcaram a produção deste artigo: os relatos de proletarização e a relevância do papel das mulheres na influência e concepção do movimento, representado nas figuras de Simone Weil e Madeleine Debrêl. Parte da dificuldade da pesquisa sobre a atuação dos padres operários no Brasil está em encontrar fontes que possibilitem compreender o processo de proletarização desses padres, capaz de iluminar com maior profundidade as relações entre catolicismo e trabalho. Esta dificuldade é também um desafio comum para os historiadores, uma vez que é parte do nosso ofício lidar não com a fonte que almejamos encontrar, mas com aquilo que os nossos protagonistas intencionaram revelar. No caso desta pesquisa, mesmo nos relatos produzidos pelos próprios padres da chamada segunda geração, como o livro de Barbé e Retumba, analisado neste estudo, o tema da proletarização aparece nas entrelinhas, nos indícios lidos a contrapelo. Não é surpreendente que os padres operários tenham se dedicado mais em registrar as características e a formação da comunidade no Brasil, os métodos de trabalho, as práticas de evangelização, do que o cotidiano fabril tão evidentemente compartilhado pela comunidade de trabalhadores. Todavia, a bibliografia analisada sobre o movimento na França mostrou que, naquele momento, os padres envolvidos na missão tinham a necessidade de registrar explicitamente os choques culturais, as impressões e as estratégias de proletarização, visto que saltam aos olhos a quantidade de registros deixados pelos próprios clérigos.
As conexões dos padres operários com Weil e Delbrêl nos revelou um movimento mais amplo, composto de homens e mulheres, ainda que permeado por relações assimétricas. De toda forma, ao se propor investigar os chamados padres operários, este estudo se mostrou atento a análise das relações de gênero e do papel das mulheres no movimento. Embora os padres, mesmo intencionando incluir as mulheres no projeto missionário e reconhecê-las como personagens importantes para a história do movimento, não visavam romper com as estruturas de dominação de gênero. Afinal, como assinalou Ana Maria Bidegain, ao analisar a exclusão das mulheres na história das religiões: “Maria, a virgem, mãe modelar, era apresentada como intermediária entre Deus e seus filhos. A imagem da família divina era a da família nuclear, e, ao mesmo tempo a da própria Igreja, também identificada com Maria” (Bidegain, 1996, p. 23).
Por fim, a história dos padres operários na Europa e no Brasil nos permite recuperar projetos, utopias e práticas humanistas de um mundo que ora nos parece tão distante. Um projeto missionário que, pensado sob o prisma religioso, buscava abarcar e dar sentido a uma série de pensamentos teológicos e filosóficos, costurados por estudos sociológicos, disciplina ainda incipiente naquele período, e relatos de experiencias místicas (o chamado de Deus). Em ambas as fases da missão, tanto na França quanto no Brasil, o tema da formação de comunidades se revelou central para os missionários, uma estratégia ou um meio pensado para conectar o local e o global. Nesse sentido, o experimento da MOSP na Vila Yolanda é compreendido como uma experiência importante para o que viria a ser chamado Comunidades Eclesiais de Base. Fabricava-se ali naquele bairro operário de Osasco, em meio a um processo histórico que buscava conjugar as experiências elaboradas no pós-guerra com as transformações políticas e culturais dos anos 1960, um projeto humanista de cunho antiliberal em que se reconhecia a luta de classe, mas não aceitava o ateísmo dos comunistas. Como afirmou Massimo Faggioli, “o comunismo e o catolicismo forneceram identidade sociais e políticas diferentes, mas sobrepostas, ao longo da história política do século XX na Europa e na América Latina” (Faggioli, 2015). Assim, a Bíblia se tornou um artefato e, ao mesmo tempo, um instrumento político progressista estratégico de comunhão com a classe trabalhadora brasileira.
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Notas
-
1
Entrevista realizada com o clérigo em 1995, publicada no jornal Settimana News, de 4 de outubro de 2023, posteriormente publicada no site da Unisinos. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/633047-jacques-loew-primeiro-ateu-depois-padre-operario-depois-artigo-de-francesco-strazzari. Acesso em: 16 de setembro de 2024.
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2
Michael Löwy afirma que “sem uma crítica permanente que seja capaz de evidenciar as suas ambiguidades e ambivalências, a religião pode ser tornar alienante e, assim, abafar a sua própria potência libertária (Löwy, 2016, p. 10).
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3
De acordo com Sandro Coelho, entre 1954 e 1962, os democratas cristãos haviam galgado de 2 a 20 cadeiras no Congresso Nacional, praticamente alcançando o Partido Social Progressista (PSP), de Adhemar de Barros. André Franco Montoro (1916-1999) era um dos políticos cristãos em ascensão, tendo ocupado o cargo de ministro no Ministério do Trabalho e da Previdência Social, durante o regime parlamentarista instaurado em 1961.
-
4
Nos anos 1970, a JOC foi praticamente considerada uma organização extinta, pois havia se tornado um dos principais alvos da repressão aos católicos pela Ditadura ao ter se engajado fortemente na resistência e oposição ao regime e ter embarcado em um projeto socialista (Mainwaring, 1983, p. 30).
-
5
Para uma crítica sobre a pouca atenção da historiografia da história do trabalho no Brasil para as questões da religião e a influência do catolicismo nos mundos do trabalho, ver Amaral e Corrêa (2022).
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6
Arnal utilizou depoimentos feitos com padres operários coletados por ele e também por outros pesquisadores. Além disso, analisou documentos privados, incluindo, cartas e registros escritos pelos próprios sacerdotes. O seu livro é, portanto, uma referência largamente utilizada neste artigo.
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7
Gustave Thibon (1903-2001) nasceu no interior da França e era conhecido como o “filósofo camponês”. Já adulto, Thibon se converteu ao catolicismo que havia deixado na infância, influenciado pela amizade que nutria com Jacques Maritain (1882-1973) e pelos escritos de León Bloy (1846-1917). O encontro com Weil marcou ambas as trajetórias, ele a escondeu numa fazenda da família durante a perseguição nazista.
-
8
Simone Weil (1909-1943) era de família judia, tendo se sentido fortemente influenciada pela figura de Cristo e pela fé católica nos últimos anos de sua curta trajetória. A sua opção pela proletarização foi vista como uma espécie de “devoção revolucionária às causas dos pobres e do proletariado”. Weil abandonou a sua carreira profissional como professora e intelectual para trabalhar numa fábrica como operária e se dedicar ao movimento operário. Daí surgiu o livro “A condição operária”, publicado posteriormente em 1951. Weil estabeleceu um forte vínculo afetivo com Gustave Thibon, teólogo, a quem ela confiou os seus papeis quando teve que fugir da guerra. Em sua biografia, relata-se que ela teria tido a sua “primeira experiência mística” em 1937, marcando uma mudança nos seus escritos.
-
9
Madeleine Delbrêl era uma assistente social, solteira, que prestava assistência aos seus vizinhos num bairro industrial de forte presença comunista de Ivry, na parte sudoeste de Paris. Ela trabalhou nele por mais de três décadas, até à sua morte em 1964. Dêbrêl ficou conhecida como poeta, católica e mística. Dentre os seus livros, destaca-se The Ordinary People of the Streets (1966), publicado dois anos após a sua morte.
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10
Título no original: “La communauté de destin: fondement de l’harmonie et de la durée des sociétés”.
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11
Sobre “destino” como categoria de análise, ver Lobo (1989). A autora, ao analisar a construção das experiências das operárias de uma indústria de autopeças de São Paulo na década de 1970, estabelece uma relação entre essas experiências e a ideia de destino. O modo como essas mulheres “consideram e explicam as circunstâncias de suas vidas”, o seu destino pré-determinado, mostra-se ligada a divisão sexual do trabalho e as práticas de dominação e hierarquias de gênero.
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12
O livro “A condição operária e outros estudos sobre a opressão” foi publicado em português no Brasil em 1979, pela editora Paz e Terra, marcando uma geração. Éclea Bosi escreveu um artigo sobre Weil. No texto, o lado cristão é interpretado como um ato de ingenuidade por parte de uma jovem intelectual, os seus contemporâneos relataram que Simone comia pouco, “não usa aquecimento no quarto onde trabalhava enregelada. Descobrirá um dia com espanto que nos rudes invernos da região os mineiros aqueciam suas casas” (Bosi, 1980, p. 697).
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13
Sobre o anticomunismo católico no Brasil durante a Guerra Fria, ver: Rodeghero (2007) e Motta (2002).
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14
Alceu Amoroso Lima em seus artigos publicados na grande imprensa mostrava nutrir, na segunda metade dos anos 1960, uma admiração e respeito por Loew. Ao que parece esta admiração era mútua, já que o intelectual católico brasileiro prefaciou o livro autobiográfico de Jacques Loew. O evangelho e o povo, de 1967.
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15
Jornal do Brasil, 9 de novembro de 1967, 1º capa.
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16
Jornal do Brasil, 9 de novembro de 1967.
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17
Sobre as dificuldades enfrentadas por Paul no ambiente fabril, ele fala dos efeitos danosos na pele e no sistema respiratório devido o contato com a lã de vidro, o calor insuportável, os acidentes de trabalho, a fadiga dos músculos, entre outros relatos dramáticos sobre os efeitos do trabalho industrial na vida dos operários.
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18
Sobre a atuação dos grupos protestantes no pós-1964, ver exemplo em: Dias (2014).
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19
Informe Padres operários de Vila Yolanda, Osasco SP. Domingos Barbé, Emmanuel Retumba e Padre Gaspar. BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_81009131_d0001de0001, SIAN, Arquivo Nacional.
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20
Paul Xardel (1969), La flamme, 167.
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21
Em 1972, Barbé, então com 35 anos, era observado pela polícia política. De acordo com o relatório policial, o padre vivia numa casa modesta na Vila Yolanda, havia trabalhado numa fábrica de lonas (tecidos) na Vila Leopoldina, região industrial de São Paulo, até ter sofrido um acidente de trabalho que lhe custou um grave acidente em uma das mãos. Informe do Ministério do Exército, II Exército, encaminhado ao SNI, Agência Central, de 29 de fevereiro de 1972, sobre padres operários da Vila Iolanda. SIAN, Arquivo Nacional.
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Financiamento
A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento da FAPERJ (Proc. SEI-260003/003344/2022) e da bolsa de produtividade do CNPq.
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Declaração de disponibilidade de dados:
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Disponibilidade de dados
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Dez 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
12 Nov 2024 -
Aceito
18 Ago 2025
