Acessibilidade / Reportar erro

Imperialismos, Estados Nacionais e arqueologia clássica: as trajetórias dos estudos arqueológicos na Alemanha e Brasil

Imperialisms, National States and classical archeology: The archaeological studies’ paths of Germany and Brazil

Resumo

Nesse artigo organizamos a vinculação da arqueologia com os movimentos paralelos e interligados da emergência dos Estados nacionais e do imperialismo europeu e sul-americano nos casos alemão e brasileiro, ambos a serviço da ideia de nação e de sua missão colonizadora imperial. A arqueologia clássica e o emaranhado luso-germano-brasileiro culminaram na criação do IHGB (1838) e, posteriormente, na do Museu Nacional (1892). O Museu Paulista (1891), por sua vez, foi idealizado para ser outro museu de Estado, sob os auspícios da modernidade, promovido pela agitação da cena cultural de 1922. O acesso às escolas francesas (EFA e EFR) consolidou uma nova geração de pesquisadores de distintas tradições e epistemologias. Por sua vez, o classicismo alemão desenvolveu-se por meio do Deutsche Archäologische Institut, (DAI), em Roma, que ampliou suas fronteiras e relações com outras territorialidades. Voltada às Artes, a arqueologia clássica alemã foi desenvolvida menos essencialista. Entretanto, assim como no Brasil, as abordagens de longa duração, as relações entre institutos de pesquisa e as territorialidades marcaram sua trajetória. Portanto, compreender as trajetórias e tradições de pesquisa nos permite questionar a condição dos Estados-nação na era da informação e vislumbrar as novas abordagens e capacidades do próprio fazer arqueológico na era da informação.

Palavras-chave:
arqueologia clássica; imperialismos; Estados Nacionais; Brasil; Alemanha

Abstract

In this article, we organize the links between archeology and the interconnected movements of the European and South American imperialism, in the German and Brazilian national states cases, both at the service of the idea of nation and its colonizing mission. The classical archeology and the Luso-German-Brazilian entanglement culminated in the creation of the IHGB (1838), later, the National Museum (1892). The Paulista Museum (1891), by its turn, was designed to be another state museum, under the auspices of modernity, promoted by the agitation of the cultural scene in 1922. Access to the French schools (EFA and EFR), consolidated a new generation of Brazilian researchers and its own academic tradition and epistemologies. The German classicism case developed through the Deutsche Archäologische Institut (DAI) in Rome, which expanded its frontiers and relationship with other territorialities. Arts-oriented German classical archeology was developed much less essentialist. However, as in the Brazilian case, the long-term approaches, relationships between emergent institutes and territorialities, marked German’s classical trajectory. Therefore, understanding both the trajectories and traditions of research allows us to question the condition of nation-states in the information age and glimpse new approaches and the potential of archaeological thought itself in the information age.

Keywords:
classical archeology; imperialisms; National States; Brazil; Germany

Quae sunt Caesaris Caesari

A palavra imperialismo possui longa história e também uma conotação especificamente expansionista que foi associada à Roma antiga. Para os romanos, o Mediterrâneo foi o espaço central da sua existência e os vestígios materiais das culturas greco-romanas podem ser encontrados em todas as costas e ilhas do mar. Esse espaço não foi suficiente para os romanos, que avançaram até o Mar Negro (como anteriormente o fizeram fenícios e gregos), e navegaram também até a costa Atlântica, impregnados pela cultura helênica (TIMPE, 2004TIMPE, D. Der Mythos vom Mittelmeerraum: Über die Grenzen der alten Welt. Chiron, v. 34, p. 3-23, 2004., p. 3-23). Até a emergência do Império Romano, o Mediterrâneo não havia experimentado um suposto tamanho absoluto tampouco uma geopolítica mediterrânea definida, como apontou Dieter Timpe (2004TIMPE, D. Der Mythos vom Mittelmeerraum: Über die Grenzen der alten Welt. Chiron, v. 34, p. 3-23, 2004.). O imperialismo, assim, pode ser distinguido do colonialismo. O primeiro, enquanto ideia, impulsiona o segundo, enquanto prática. O colonialismo, nesse sentido, se efetiva como a implantação de assentamentos em outro território, usualmente, distante.

Esse artigo não pretende ser uma introdução à arqueologia clássica como tal, muito menos um detalhado e completo panorama do desenvolvimento da disciplina e paralelos entre o pensamento arqueológico alemão e o brasileiro. Os leitores que aqui procuram isso sairão frustrados. Propomos, todavia, organizar o encadeamento de relações dos estudos arqueológicos no Brasil e na Alemanha, abordando em paralelo as trajetórias percorridas e sua vinculação com a ideia do imperialismo e os Estados nacionais. Essa abordagem nos permitirá perceber o caráter das associações entre os Estados-nação e o colonialismo no desenvolvimento do pensamento e tradição de estudos. Imperialismo é tanto uma descrição de relações de exploração entre entidades quanto um paradigma específico para o caráter das associações entre os Estados-nação. Além disso, colocar essas trajetórias em perspectiva comparativa enfatiza a própria tradição de estudos brasileiros, caracterizado, assim como as demais tradições, sobre os lastros e pastichos de seus precedentes (p. ex., GRILLO; FUNARI; CARVALHO, 2013GRILLO, J.G.C.; FUNARI, P.P.A.; CARVALHO, A.V.D. Os caminhos da Arqueologia Clássica no Brasil. São Paulo: Annablume , 2013.).

O campo de estudos também se beneficia pela incorporação de uma série de novas metodologias e recentes discussões, das ciências naturais às ciências da computação, por meio da diversidade de inovações tecnológicas e de recursos (LICHTENBERGER; RAJA, 2017LICHTENBERGER, A.; RAJA, R. (org.). The Diversity of Classical Archaeology. Turnhout: Studies in Classical Archaeology, 2017, v. 1.; STOCKAMMER, 2012STOCKHAMMER, P. W. Conceptualizing cultural Hybridization: A Transdisciplinary Approach. Berlin: Springer-Verlag, 2012.). O emaranhado luso-germano-brasileiro, apresentado nesse artigo, questiona se o paradigma do colonialismo é importante puramente por suas consequências econômicas, ou se fatores culturais (e.g. um senso de superioridade racial ou o cristianismo missionário) também desempenam um papel relevante neste processo.

O processo que levou à formação dos Estados nacionais é resultado inequívoco da dinâmica política e econômica que permeia o fim da Idade Média, caracterizada pelo enfraquecimento do poder dos senhores feudais e da Igreja Católica Romana. Logo após Portugal, as monarquias na Inglaterra e França demonstrariam sinais de fortalecimento do poder real, consolidando o processo de centralização política, o que acarretaria a formação do absolutismo, expressado e figurado na França por meio de Luís XIV, o Rei Sol. O território de Castela se uniria com o de Aragão, por sua vez, formando a Espanha moderna somente no século XV, e os territórios da Península Itálica e do Sacro Império Romano Germânico permaneceram fragmentados durante o início da Era Moderna, devido essencialmente às forças regionais politicamente fragmentadas (ALCOCK, 2005ALCOCK, S. E. Alphabet Soup in the Mediterranean Basin: The Emergence of the Mediterranean Serial. In: HARRIS, W.V. (org). Rethinking the Mediterranean. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 314-336.; ALCOCK; OSBORNE, 2012ALCOCK, S. E.; OSBORNE, R. (org.). Classical Archaeology. Oxford: Blackwell, 2012.; ALTEKAMP; HOFTER; KRUMME, 2001ALTEKAMP, S.; HOFTER, M. R.; KRUMME, M. Posthumanistische Klassische Archäologie: Historizität und Wissenschaftlichkeit von Interessen und Methoden. Kolloquium Berlin. München: Hirmer, 2001.). A formação das modernas nações conhecidas, como Alemanha e Itália, ocorreu apenas no século XIX. É durante o século anterior, conhecido como “o século da Filosofia”, que a Filologia e a História, assim como a Arqueologia, surgiram enquanto eminentes “filhas do Illuminismo”.

Como salientam Lucio Ferreira e Pedro Paulo Funari (2009FERREIRA, L. M.; FUNARI, P. P. A. Arqueologia como prática política. Boletim do Museu Paraense Emílio Goelde, Ciência Humanas, v. 4, n. 1, p. 3-6, 2009. , p. 3-6), a ciência arqueológica teve vinculação aos movimentos paralelos e interligados do Estado nacional e do imperialismo. Ela foi alicerçada sob a égide da busca das origens materiais e territoriais das nações (FUNARI, 2012FUNARI, P.P.A. Arqueologia: Uma trajetória muito particular. Revista Tempos Acadêmicos, Dossiê Arqueologia Histórica, n. 10, 2012. ), o que cumpria os propósitos imperialista e nacionalista a um só tempo, “a serviço da nação e da sua missão colonizadora imperial” (FUNARI; TEGA, 2014FUNARI, P.P.A.; TEGA, G. Arqueologia, do Imperialismo à Inclusão Social. Expressa Extensão, v. 19, n. 1, p. 17-27, 2014., p. 17), exatamente, pela capacidade da Arqueologia em examinar distintas escalas e unidades geográficas, se ocupando, desde seu cerne, dos avanços no conhecimento humano (GEHRKE, 2000GEHRKE, H.-J. Historische Landeskunde. In: BORGEIN, A. H.; HÖLSCHER, T.; ZANKER, P. (org.). Klassische Archäologie. Eine Einführung. Berlin: Reimer, 2000. p. 39-51.). Nesse sentido, os estudos sobre Antiguidade Clássica e arqueologia são muitas vezes vistos como conservadores e elitistas.1 1 Veja análises críticas a esse respeito em GARRAFONI; FUNARI; PINTO, 2010; GARRAFONI; FUNARI; 2010; GARRAFONI; FUNARI, 2012. A arqueologia clássica procurou nos últimos anos superar a noção inerente ao termo “clássico” nos estudos arqueológicos (LICHTENBERGER, 2015aLICHTENBERGER, A. Multiple Mediterranean Forces: Guido von Kaschnitz Weinberg's Mediterranean Art. In: LICHTENBERGER, A., VON RÜDEN, C. (org.). Multiple Mediterranean Realities: Current Approaches to Spaces, Resources and Connectivities. Paderborn: Mittelmeerstudien, 2015a, v. 6. p. 93-103., p. 93-103; 2015bLICHTENBERGER, A. Klassische Archäologie. In: MIHRAN, D. et al. (org.). Handbuch der Mediterranistik: Systematische Mittelmeerforschung und disziplin.re Zug.nge. Paderborn: Fink and Schöningh, 2015b. p. 197-213., p. 197-213).2 2 Veja também ALTEKAMP; HOFTER; KRUMME, 2001; ALTEKAMP, 2008, p. 167-209. Atualmente, ressignificado, o campo de estudos apela ao domínio dos instrumentos culturais ocidentais, procurando afastar-se de uma longa tradição acadêmica de recriar o inverosímil e fantasioso (p. ex., o mito de Atlântida ou o Eldorado, as chamadas “cidades perdidas”). Isso significa que a arqueologia do Mundo Antigo se aprimorou e atualizou seus instrumentais científicos. No caso da Inglaterra (Bretanha), procurou afastar-se do conceito de “romanização” e da ideia do império romano como entidade civilizatória, argumentado, criticamente, contra a ideia do estabelecimento de hierarquias e o progresso-linear escalonado, da cultura supostamente “bárbara, primitiva” até a “romana civilizada” (HINGLEY, 2010HINGLEY, R. O Imperialismo romano: novas perspectivas a partir da Bretanha. Tradução de Luciano César Garcia Pinto. São Paulo: Annablume ., 2010. , p. 71-73).

Analisar os próprios “mitos do progresso” em sua formação enquanto ciência, assim como questionar sua ontologia e epistemologia, demonstra que os aspectos basilares do conhecimento humano norteiam a prática humanista e arqueológica contemporânea (ARAÚJO, 2017ARAÚJO, A. G.M. Arqueologia, Ontologia, Epistemologia: Quando a Teoria encontra a Matéria (ou, Por um Arqueologia Cética). 2017. Tese (Livre Docência) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017., p. 23-37; GODFREY-SMITH, 2003GODFREY-SMITH, P. Theory and Reality - An Introduction to the Philosophy of Science. Chicago: The University of Chicago Press, 2003.). Apesar das atuais sociedades democráticas considerarem-se “modernas” e “livres”, a maioria das coisas que dizemos e fazemos têm histórias profundas e relações de dependência que trazem uma bagagem acumulada por milênios. A arqueologia, nesse sentido, reivindica o papel de documentar as maneiras pelas quais nossas vidas hoje são tão materialmente quanto socialmente entrelaçadas (TEIXEIRA-BASTOS; FERREIRA; HODDER, 2020TEIXEIRA-BASTOS, M.; FERREIRA, L.M.; HODDER, I. Isso não é um Artigo: Dialogando com Ian Hodder sobre a Virada Ontológica em Arqueologia. Revista de Arqueologia da Sociedade de Arqueologia Brasileira, v. 33, p. 118-134, 2020. ).

Arremedos e arqueologia clássica

Remesal-Rodríguez, em recente obra (2013) sobre os caminhos da arqueologia clássica no Brasil, argumentou que

a ciência da Antiguidade alemã possui um grande privilégio por terem disponível uma ampla e longa tradição de estudos”; ao mesmo tempo em que “o ponto negativo da ciência da Antiguidade alemã é o peso dessa grande tradição, que muitas vezes, os obriga a caminhar por certos cursos já muito bem conhecidos. (REMESAL-RODRÍGUEZ, 2013REMESAL-RODRÍGUEZ, J. Considerações sobre os Estudos da Antiguidade Clássica no Brasil. In: GRILLO, J.G.C., FUNARI, P.P.A., CARVALHO, A.V.D. Os caminhos da Arqueologia Clássica no Brasil. São Paulo: Annablume, 2013. p. 13-18., p. 14).

Ademais, salienta que, no caso brasileiro, “a carência de uma tradição lhes permite ser ecléticos” (REMESAL-RODRÍGUEZ, 2013REMESAL-RODRÍGUEZ, J. Considerações sobre os Estudos da Antiguidade Clássica no Brasil. In: GRILLO, J.G.C., FUNARI, P.P.A., CARVALHO, A.V.D. Os caminhos da Arqueologia Clássica no Brasil. São Paulo: Annablume, 2013. p. 13-18., p. 15). Talvez, uma pequena incursão sobre os emaranhados da arqueologia clássica no Brasil, sua gênese no Rio de Janeiro e seu desenvolvimento em São Paulo, ampliem a questão, fortalecendo a tradição dos estudos em língua portuguesa, assim como a própria tradição brasileira (p. ex., GRILLO, FUNARI, CARVALHO, 2013GRILLO, J.G.C.; FUNARI, P.P.A.; CARVALHO, A.V.D. Os caminhos da Arqueologia Clássica no Brasil. São Paulo: Annablume , 2013.); forjada, assim como as demais pelo mundo, sobre os lastros e pastichos de estudos precedentes.

As pessoas perpetuam certas relações e práticas a princípio sem compreender o significado final delas e, no contato com os demais do grupo, passam a atribuir particulares significados a essas mesmas práticas (PAUKETAT, 2001PAUKETAT, T. A New Tradition in Archaeology. In: PAUKEAT, T. The Archaeology of Traditions. Florida: University Press of Florida, 2001. p. 1-16., p. 77). É dessa forma que a tradição deve ser entendida, não como a mecânica social que acarreta a ideia de acúmulo de conhecimentos, práticas e símbolos de forma fixa, estabelecida ou monolítica, mas como um processo simbólico em que as pessoas, em interação com fragmentos do passado, interpretam e reinterpretam essas memórias e metáforas (HALLHALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 6. ed. Tradução de Tomás Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. , 2003); de maneira que, em contato constante com demais grupos sociais, desempenham determinados papeis, e por meio dessas associações e vinculação aos processos, surgem as questões ontológicas de “quem somos”, “de onde viemos” ou ainda, a mais importa diante dessa análise, “o que nós podemos ser?”

A América do Sul foi amplamente disputada territorialmente pelos portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses e franceses. A dominação imperialista assegurou a região do atual Brasil aos portugueses; os atuais territórios do Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela permaneceram sob domínio dos espanhóis; a Guiana Britânica (1831) anexada aos ingleses até 1966; o Suriname (1667), por sua vez, aos holandeses até 1954. As disputas territoriais entre holandeses e portugueses na América do Sul são bem conhecidas e ilustradas durante o período da Nova Holanda no Brasil (1630-1654), que estendeu o domínio dos holandeses pelo Nordeste do atual território nacional; por fim, a Guiana Francesa, permanece como território francês desde os tempos coloniais, e a partir de 1946 passou ao status de Departamento da França. Foi ocupada, em 1809, por tropas luso-britânicas em retaliação à invasão napoleônica de Portugal. Essa conjuntura de disputas territoriais entre os países europeus alçou o Brasil, explorado e pouco povoado, de colônia à reino (em 1815), pondo fim, dessa forma, ao pacto colonial (CARDOSO, 2000CARDOSO, J. L. Como nasceu a Arqueologia em Portugal. Revista O Estudo da História, n. 4, p. 9-30, 2000.).

Diferentemente das produções e pesquisas da Espanha, em Portugal, entre os séculos XVI e XVII, as pesquisas arqueológicas tiveram um caráter organizado, programado e continuado, realizadas oficialmente pelo Estado português. O humanista André de Resende em seus ensaios História da Antiguidade da cidade de Évora (1575) e De antiquititatibus lusitaniae (1593) marca os estudos arqueológicos verdadeiramente pioneiros em língua portuguesa. A arqueologia clássica em Portugal esteve diretamente relacionada às questões da origem e antiguidade da Humanidade, assim como procurou entender a presença dos romanos e povos antigos em seu território. É notável, entretanto, a publicação de Jerónimo Contador de Argote (1732-1747), primeiro estudo sobre arte rupestre pré-histórica europeia, que contava com gravuras das pinturas rupestres do rochedo de Cachão da Rapasobre, sobre o Douro, em Linhares (CARDOSO, 2000CARDOSO, J. L. Como nasceu a Arqueologia em Portugal. Revista O Estudo da História, n. 4, p. 9-30, 2000., p. 9-18).

Três abordagens arqueológicas: as origens da arqueologia em língua portuguesa

Durante o século XIX, três formas de abordar a arqueologia se evidenciaram em Portugal. Aquela representada pelo Manual de arqueologia medieval, associada aos aspectos estritamente arquitetônicos e a exploração das ruínas romanas de Tróia, na margem do Sado, pelo arquiteto da Casa Real Joaquim Possidónio Narciso da Silva, amparado pela Real associação dos architectos civis e archeologos portugues (1849). Essa época foi considerada a “Idade de Ouro” da arqueologia da língua portuguesa no período, representada pela 2a Comissão de Geologia (1857-1882), que, inclusive, procurou enfrentar o fundamentalismo religioso no que diz respeito à aplicação da cronologia bíblica para datar a antiguidade da Humanidade (RIBEIRO 1873RIBEIRO, C. Relatório ácerca da Sexta reunião do Congresso de Anthropologia e de Archeologia Prehistorica verificada na cidade de Bruxelas no mez de Agosto de 1872. Lisboa: Imprensa Nacional, 1873. , p. 3, apudCARDOSO, 2000CARDOSO, J. L. Como nasceu a Arqueologia em Portugal. Revista O Estudo da História, n. 4, p. 9-30, 2000., p. 13).

Figura 1.
Caricatura da dicotomia entre arqueólogos em Portugal.

Carlos Ribeiro, Pereira da Costa e Nery Delgado são representantes dessa geração. A obra de Carlos Ribeiro (1863), Da existencia do homem em epochas remotas no valle do Tejo, noticia sobre os esqueletos humanos descobertos no cabeço da arruda, mereceu destaque em contexto europeu, pois se relaciona às descobertas do vale do Somme, perto de Abbeville, realizadas por Casimir Picard e Boucher de Perthes, os primeiros a estabelecer a existência do homem no Pleistoceno ou no início do período Quaternário. Carlos Ribeiro chegou a questionar, após participar da VI Sessão do Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-Históricas (1872), em Bruxellas, o motivo da Academia Real das Sciencias de Paris ter se abstido de publicar os escritos de E. Lartet sobre a antiguidade geológica da espécie humana, principalmente, diante do fato de ter publicado a comunicação de Albert Gaudry alguns anos antes (1859), na qual se admitia tal antiguidade pela comprovação da coexistência das evidencias materiais de atividades humanas e os restos de espécies extintas de animais (RIBEIRO, 1873RIBEIRO, C. Relatório ácerca da Sexta reunião do Congresso de Anthropologia e de Archeologia Prehistorica verificada na cidade de Bruxelas no mez de Agosto de 1872. Lisboa: Imprensa Nacional, 1873. ).

Na monografia apresentada à Academia Real das Sciencias de Lisboa em 1871, conclama à autenticidade das indústrias líticas do “Homem Terciário” nas bacias do Tejo. Essas duas formas de fazer arqueologia em Portugal foram retratadas pela caricatura (1880) de Rafael Bordallo Pinheiro (Figura 1). Possidónio da Silva é retratado como um colecionador de objetivos antigos sobre os quais se indaga a proveniência, “prendas velhas no museu archeologico”; ao passo que Carlos Ribeiro é tratado com admiração, “um dos mais importantes factos da sciencia europeia n’este século” (CARDOSO, 2000CARDOSO, J. L. Como nasceu a Arqueologia em Portugal. Revista O Estudo da História, n. 4, p. 9-30, 2000., p. 12).

A terceira via de prática arqueológica em Portugal emergiu por meio da figura de Francisco Martins Sarmento (1833-1899). Sua publicação (1880), Os argonautas, subsídio para a antiga história do Ocidente, explorou monumentos megalíticos minhotos e as escavações realizadas nos castros (povoados fortificados) da região vimaranense, de Sabroso e Briteiros. A associação do estudo às fontes escritas clássicas e as pesquisas arqueológicas aproximam-no do contemporâneo alemão H. Schliemann, que pouco tempo antes (1871) localizou e escavou o sítio arqueológico sob o monte Hisarlik, na região de Trôade, hoje sudoeste da Turquia, associado a cidade de Tróia na Antiguidade. As viagens de D. Pedro II e Teresa Cristina aos territórios além-trópicos ocorreram, justamente, durante esse decênio de 1870, abrindo espaço para as Regências da Princesa Isabel (CARDOSO, 2000CARDOSO, J. L. Como nasceu a Arqueologia em Portugal. Revista O Estudo da História, n. 4, p. 9-30, 2000.).

Na viagem de 1871, a comitiva do imperador brasileiro esteve em alguns países europeus, entre eles o Egito (1876); outra visita ao Egito, com uma viagem à Palestina do império Otomano, ocorreu nesse período, evidenciando o esforço do recém-criado Estado brasileiro em pesquisas sobre Antiguidade (FAINGOLD, 1999FAINGOLD, R. D. Pedro II na Terra Santa - Diario de Viagem - 1876. São Paulo: Sefer, 1999.; 2018FAINGOLD, R. Judaísmo na Corte de D. Pedro II. Morashá, 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.morasha.com.br/brasil/judaismo-na-corte-de-d-pedro-ii.html . Acesso em: 9 mar. 2021.
http://www.morasha.com.br/brasil/judaism...
). Enquanto esteve em Tróia visitando Schliemann, D. Pedro II analisou o sítio e o material escavado apresentado pelo arqueólogo, que retribuiu a vista do monarca com uma dedicatória em seu livro, publicado entre os anos de 1878-1880, Mykenae. Bericht über meine Forschungen und Entdeckungen in Mykenae und Tiryns. A versão francesa é de 1879 (Figura 2).

Figura 2.
D. Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina no platô de Gizé; B: a dedicatória do livro de Micenas ao imperador brasileiro

A arqueologia clássica no Brasil, assim, se inscreveu entre as práticas nobiliárquicas. Seu desenvolvimento, paralelo ao conhecimento em história, geografia, sociologia, etnologia, antropologia e artes, seguiu como desenvolvimento do aparato criado pela monarquia portuguesa no país; notadamente, aos moldes da Academia das Ciências de Lisboa (1779), que foi criada sob égide iluminista e patronagem de D. Maria I e D. Pedro III de Portugal (LANGER, 2005LANGER, J. A arqueologia e as origens imaginárias da nação brasileira (1839-1889). Labirinto, ano V, n. 7, 2005.). Ainda hoje é dever da Academia portuguesa coordenar (Cf. Artigo 6º de seu estatuto) ações com a Academia Brasileira de Letras (1897); assim como promover ações entre outras academias pelo mundo. A ação conjunta de criação do Arquivo Público do Império, Academia Imperial de Belas Artes e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB),3 3 https://ihgb.org.br em 1838, fez parte dos esforços de construção de um Estado imperial forte e centralizado. O IHGB foi criado sob os auspícios das agremiações iluministas, muito embora, sua agenda orbitasse em torno do soberano, como no caso da sessão magna de 1865, em que o instituto comemorou o retorno do imperador ao Rio de Janeiro, envolvido na Guerra do Paraguai. O IHGB foi criado sob duas diretrizes centrais: a co leta e publicação de documentos rele vantes para a história do Brasil e o incentivo ao ensino público. Foi na chamada pública do IHGB para investigar a caverna denominada Lapa da Pintura, em Minas Gerais, que, pela primeira vez, a terminologia “objectos archeologicos” e a expressão “dados archeologicos” surgiram para se referir às supostas inscrições fenícias encontradas na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro (LANGERLANGER, J. A arqueologia e as origens imaginárias da nação brasileira (1839-1889). Labirinto, ano V, n. 7, 2005., 2005).

O IHGB e o emaranhado luso-germano

O IHGB, logo no início de sua criação, promoveu outra chamada pública indagando qual sistema deveria ser utilizado para escrever a História do Brasil. O alemão Carl von Martius, ligado à Academia de Ciências da Baviera e membro da comitiva real da princesa Leopoldina da Áustria, sobrepôs a proposta de escrita política, por meio do sistema de décadas político-administrativas, à maneira de Tito Lívio, de Julio de Wallestein. Em 1844, von Martius publicou Como se deve escrever a história do Brasil, argumentando que a característica principal dessa história seria a “mescla das raças”, a branca, a negra e a indígena, aliada aos fatores naturais no Brasil. Sob a influência do alemão Leopold von Ranke, a história científica do período foi escrita por Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878) anos depois, em História geral do Brasil (1854), em que procurou escrever uma história factual, empírica, individualista, psicológica e harmoniosa, conforme a história das elites, do qual o autor era um espelho, haja vista os preconceitos facilmente rastreados por João Capistrano de Abreu em seus escritos (CANABRAVA, 1971CANABRAVA, A. P. Apontamentos sobre Varnhagen e Capistrano de Abreu. Revista de História, v. 43, n. 88, p. 418-424, 1971. , p. 419).

Inspirados na escola histórica alemã, Varnhagen e Capistrano empenharam-se na autenticidade das fontes históricas e pela busca da verdade quanto aos fatos, quanto à objetividade da análise (CANABRAVA, 1971CANABRAVA, A. P. Apontamentos sobre Varnhagen e Capistrano de Abreu. Revista de História, v. 43, n. 88, p. 418-424, 1971. , p. 420). Entretanto, João Capistrano de Abreu (1853-1927) representa outro tipo de abordagem sobre o Brasil daquela proposta por Varnhagen. As leituras de Auguste Comte, Hippolyte Taine, Henry Buckle, Herbert Spencer, Gustav von Schmoller e Werner Sombart, da escola historicista alemã, assim como os geógrafos Friedrich Ratzel e Oscar Peschel, este último também antropólogo, foram influencias dos escritos de Capistrano, indo, assim, muito além da influência de Leopold von Ranke. João Capistrano de Abreu colocou-se entre a História como narrativa do empírico, dentro do juízo moral proposto por Varnhagen, mas vai além, no quadro das Ciências Sociais, propondo nova dimensão, segundo o caminho apontado, em 1900, pelo francês Henri Berr. Assim como Silvio Romero, Tobias Barreto e Euclides da Cunha, entre outros grandes intelectuais de seu tempo, contribuiu vigorosamente aos estudos sobre Humanidade e Antiguidade no Brasil, procurando agregar os campos da etnografia e da linguística (FERREIRA, 2010FERREIRA, L.M. Território primitivo: a institucionalização da arqueologia no Brasil (1870-1917). Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.).

O emaranhado luso-germano ganhou nova inflexão depois da união de D. Pedro I do Brasil (Pedro IV de Portugal) e Maria Leopoldina da Áustria, em 1816, haja vista que Catarina da Áustria (1557) foi Regente de Portugal em nome de seu neto, Sebastião I (1554). Além da própria dinastia dos Habsburgo (1581-1640), D. Pedro II de Portugal (1648-1706) foi consorte de D. Maria Sofia Isabel de Neuburgo, irmã da imperatriz Leonor Madalena de Neuburgo e consorte de Leopoldo I, imperador do Sacro Império Romano-Germânico (1640-1705). D. João V (1708-1750) foi outro que se uniu a uma austríaca, Maria Ana da Áustria. Convém também lembrar, portanto, que Fernando II da Áustria foi rei de Portugal entre 1853-1855, após a morte de sua consorte Maria II, filha de D. Pedro I (Pedro IV).

O consórcio entre Pedro I e Maria Leopoldina incentivou três tentativas frustradas de colonização alemã na Bahia (1819, 1821, 1822) e uma em Nova Friburgo (1819), no Rio de Janeiro. Além da imigração suíça, o Rio de Janeiro recebeu 350 alemães em 1824 para manter o povoamento de Nova Friburgo (FERREIRA, 2010FERREIRA, L.M. Território primitivo: a institucionalização da arqueologia no Brasil (1870-1917). Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.). Contudo, consagrado na historiografia é o povoamento do mesmo ano no Rio Grande do Sul, a cidade de São Leopoldo, no Vale do Rio dos Sinos. Na década de 1870, praticamente todas as terras baixas do interior do Rio Grande do Sul estavam sendo ocupadas pelos imigrantes alemães, porém, as terras altas não atraíam os colonos, permanecendo sem massiva imigração europeia até a chegada dos italianos, em 1875. Isso não significa que eram terras despovoadas. Apesar do mito do monolinguismo no Brasil, atualmente cerca de 170 línguas indígenas são faladas no país e 30 línguas de imigrantes; portanto, cerca de 200 línguas são faladas no território nacional (MÜLLER DE OLIVEIRA, 2000 MÜLLER DE OLIVEIRA, G. Brasileiro fala português: monolingüismo e preconceito linguístico. In: DA SILVA, F. L.; MOURA, H.M.M. (org.). O direito à fala: a questão do preconceito linguístico. Florianópolis: Insular, 2000. p. 83-92. , p. 83-84). Os dialetos germânicos falados no Brasil estão incluídos nessa amostragem, e variam de região para região. O mais difundido deles é o hunsriqueano rio-grandense (riograndenser hunsrückisch). A influência da imigração alemã teve consequências diretas na arqueologia praticada no Brasil. Além de Hermann von Ihering, Arno Alvarez Kern, Kalus Peter Hilbert, e o padre jesuíta Pedro Ignácio Schmitz4 4 É interessante a leitura de Melvina Araújo (2013, p. 30-49) que aborda e enfatiza as relações entre a etnologia confessional do padre Schidt e a antropologia acadêmica. são expoentes da Arqueologia Pré-Colonial e representantes dessa imigração no país, diretamente vinculados à Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e o Instituto Ancietano de Pesquisas, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

A família imperial brasileira, portanto, foi patrona dos estudos das civilizações antigas no país, por meio das iniciativas de D. Pedro II e sua esposa Teresa Cristina di Borbone, irmã do rei de Nápoles, Ferdinando II. O monarca ampliou a coleção de antiguidades egípcias adquirida por seu pai D. Pedro I, em 1827, para o Museu Real (1818). Por ocasião de sua união com Teresa Cristina di Borbone, o monarca recebeu artefatos arqueológicos como parte do dote da princesa em 1843 (BRANCAGLION JR, 2004BRANCAGLION JR., A. Coleções egípcias no país. In: BAKOS, M. Egiptomania: O Egito no Brasil. Rio de Janeiro: Paris Editorial , 2004. p. 29-42.). O Museo Borbonico, em Nápoles, ajudou a formar o acervo de 759 obras de arte antigas e artefatos (a maior coleção de arqueologia clássica da América Latina) que vieram do sul da Itália e das escavações da cidade etrusca de Veio. Artefatos de bronze, cerâmicas e pinturas vieram de escavações em Pompéia e Herculano, peças que foram escolhidas entre as coleções do Museu Real de Nápoles. Essas antiguidades (pinturas antigas, bronzes, vasos figurados, vasos de vidro romano e cerâmicas terracota) tornaram-se, com o passar dos anos, o núcleo principal da coleção brasileira de antiguidades, armazenada no palácio da Quinta Boa Vista (Saint-Christophe), no Rio de Janeiro, que de palácio da família real se tornou o próprio Museu Nacional do Brasil (FERREIRA, 2010FERREIRA, L.M. Território primitivo: a institucionalização da arqueologia no Brasil (1870-1917). Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.). Alguns documentos de arquivo ainda disponíveis em Nápoles mantêm rastreável os traços dessa doação.

O Palácio da Quinta da Boa Vista passou, em 1889, a ser a cede da Assembleia Constituinte e, a partir de 1892, tornou-se o Museu Nacional do Brasil. O primeiro pesquisador a tentar fazer um levantamento e catálogo das peças armazenadas no Museu Nacional foi seu curador russo entre os anos de 1912-1938, Alberto Childe (BAKOS, 2004BAKOS, M. Como o Egito chegou ao Brasil. In: BAKOS, M. Egiptomania: O Egito no Brasil. Rio de Janeiro: Paris Editorial, 2004. p. 15-28.). Em 1960, H. R. W. Smith investigou e publicou a coleção de antiguidades clássicas do Rio de Janeiro, atribuindo a maioria dos artefatos às escavações feitas em Veio, Itália, pela imperatriz e sua equipe (BRANCAGLION JR., 2004BRANCAGLION JR., A. Coleções egípcias no país. In: BAKOS, M. Egiptomania: O Egito no Brasil. Rio de Janeiro: Paris Editorial , 2004. p. 29-42.). Somente em 1977, Haiganuch Sarian teve a oportunidade de estudar a coleção de antiguidades do Museu Nacional. O relatório Uma coleção de peças arqueológicas clássicas do Museu Nacional do Rio de Janeiro foi endereçado ao Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo - MAE-USP.

Ladislau Netto, diretor-subtituto do Museu Nacional (1870), argumentou, em certa ocasião, equivocadamente, que os símbolos fálicos e as tangas de Marajó presentes da coleção do Museu Nacional remetiam, possivelmente, a cultos egípcios (e.g. Lahilhe em 1898 apudFERREIRA, 2010FERREIRA, L.M. Território primitivo: a institucionalização da arqueologia no Brasil (1870-1917). Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010., p. 149). Apesar do lapso, em 1876, ele fundou a Revista do Museu Nacional e contratou cientistas estrangeiros, incluindo Fritz Müller, Emílio Augusto Goeldi, Domingos Soares Ferreira Penna, Wilhelm Schwacke, Orville Derby, Gustave Rumbelsperger e Hermann von Ihering (FERREIRA, 2010FERREIRA, L.M. Território primitivo: a institucionalização da arqueologia no Brasil (1870-1917). Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.). Porém, é Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879), aluno de Jean Baptiste Debret e membro da Academia Imperial de Belas Artes e do IHGB, quem melhor definiu o fazer arqueológico no período (1841), afirmando, que a Arqueologia tem:

trilhado uma vereda tão segura, que, em despeito a tradições erroneas, póde pelos vestigios de um templo, pelos restos de seus muros, pela sua ordenação, pelos fragmentos de sua architectura, pela execução de suas partes, pela expressão symbolica de suas esculpturas, por uma medalha, por um sarcophago, por uma encaustica e por um fresco de muro, ou de soffito, fazer uma combinação engenhosa, uma comparação com os factos precedentes, que apresenta em resultado a verificação de uma épocha, e uma correcção na historia. (PORTO ALEGRE, 1841, p. 548-549 apudLANGER, 2005LANGER, J. A arqueologia e as origens imaginárias da nação brasileira (1839-1889). Labirinto, ano V, n. 7, 2005.).

Nesse sentido, aporta as bases da arqueologia na história, mas também, para além dos papiros, manuscritos antigos e da história factual.

Além de incorporar a charge e a caricatura aos seus estudos, inspirado no francês Honoré Daumier, em 1851, Araújo Porto-AlegrePORTO-ALEGRE, M.D.A. Memoria sobre a antiga escola de Pintura Fluminense. Revista do IHGB, tomo III, n. 12, p. 547-557, 1841. publicou uma comédia arqueológica, A estátua amazônica, sátira paródica da expedição do naturalista inglês a serviço da França, conde Francis de Castelnau (1843-1847) nos trópicos. Por meio de um jogo de espelhos, retrata a sociedade erudita do país, em que políticos, escritores, pintores, geógrafos, historiadores e arqueólogos construíam a imagem do império brasileiro, assim como salienta a crítica ao olhar estrangeiro sobre o país e suas riquezas naturais (PONCIONI, 2015PONCIONI, C. A Estátua Amazônica: “Uma Comédia Arqueológica”, De Araújo Porto-Alegre. Brasil/Brazil, A Journal of Brazilian Literatura, v. 28, 51, p. 66-84, 2015., p. 66-84). A crítica de Araújo Porto-Alegre está nas relações assimétricas de poder e as chamadas zonas de contato. Aborda os entendimentos sobre as práticas interligadas e a simultaneidade das diferenças humanas no espaço (PRATT, 1991PRATT, M. L. Arts of the Contact Zone. Profession, p. 33-40, 1991. , p. 33-40; EDELSTEIN, 2005EDELSTEN, M. Multiculturalism Past, Present, and Future. College English, v. 68, n. 1, p. 14-41, 2005., p. 14-41). Com o fim da Monarquia, o IHGB não aceitou o novo governo de imediato, então, Deodoro da Fonseca foi aclamado presidente honorário do Instituto pelo irmão, o 1° secretário João Severiano da Fonseca.

Dessa forma, são necessárias mais algumas palavras sobre o emaranhado franco-brasileiro, ou seja, as relações de dependência entre franceses e brasileiros. Por indicação do alemão Alexander von Humboldt à Pedro José Joaquim Vito de Meneses Coutinho, Joachim Lebreton foi contratado para assumir a direção da Missão Francesa de 1816 no Brasil. Entre eles estavam um arquiteto naval, um engenheiro mecânico, um mestre ferreiro, carpinteiros e outros artesãos, bem com alguns artistas. Os mais conhecidos destes artistas foram o pintor Jean-Baptiste Debret, antigo aluno do celebrado Jacques-Louis David, o arquiteto Grandjean de Montigny e o pintor Nicolas-Antoine Taunay, ambos vencedores do Prêmio de Roma. As relações luso-francesas na América do Sul contavam com os episódios relativos às invasões francesas ao Brasil, registrando-se desde a contestação de Francisco I da França ao Tratado de Tordesilhas, até às tentativas de colonização no litoral do Rio de Janeiro (1555), a França Antártica, e na costa do Maranhão (1594), a França Equinocial. Darcy Ribeiro (1995) nos lembra que Capistrano de Abreu observa que por muito tempo não se soube se o Brasil seria português ou francês, tal a força da presença francesa em busca do escambo de pau-brasil para a indústria têxtil europeia e o poder da influência francesa junto aos índios, que cunhou o “cunhadismo”, ou seja, comportamente de unir-se as nativas para formar laços familiares e de amizade sólidos (FERREIRA, 2010FERREIRA, L.M. Território primitivo: a institucionalização da arqueologia no Brasil (1870-1917). Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.). Após a queda de Napoleão Bonaparte (1815), as zonas de contato e relações diplomáticas, comerciais e culturais entre o Brasil e a França transformaram-se, oportunizando a Missão Artística Francesa (1816) e a criação da Academia Imperial de Belas Artes, assim como os posteriores entrelaçamentos ocorridos por meio de outra Missão Francesa, a de 1934, aliada à criação da Universidade de São Paulo (USP).

A arqueologia alemã e o classicismo

Em suas abordagens iniciais, a arqueologia clássica de língua alemã teve como patrono, ou referência inicial, o historiador da arte e helenista Johann Joachim Winckelmann (1717-1768), que procurou estabelecer as primeiras distinções entre arte grega, greco-romana e romana, o que seria decisivo para o surgimento e ascensão do neoclassicismo durante o século XVIII (LICHTENBERGER, 2015aLICHTENBERGER, A. Multiple Mediterranean Forces: Guido von Kaschnitz Weinberg's Mediterranean Art. In: LICHTENBERGER, A., VON RÜDEN, C. (org.). Multiple Mediterranean Realities: Current Approaches to Spaces, Resources and Connectivities. Paderborn: Mittelmeerstudien, 2015a, v. 6. p. 93-103.). Seu principal interesse foi a escultura grega e seus estudos foram viabilizados porque boa parte das obras de arte do período clássico presentes na Itália não eram originais gregos, mas, sim, cópias romanas. O classicismo de Winckelmann foi, dessa forma, greco-centrado, tendo a Itália como uma espécie de estrutura auxiliar, servindo somente para identificar cópias e reconstruir originais obras gregas. É visto como um dos fundadores da chamada arqueologia científica moderna e foi o primeiro a empregar a categoria de estilo, de forma sistemática, aos estudos de história da arte. É reconhecido, portanto, também como “o pai da História da Arte” na Alemanha (LICHTENBERGER, 2015bLICHTENBERGER, A. Klassische Archäologie. In: MIHRAN, D. et al. (org.). Handbuch der Mediterranistik: Systematische Mittelmeerforschung und disziplin.re Zug.nge. Paderborn: Fink and Schöningh, 2015b. p. 197-213.). Semelhante a figura de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), Winckelmann nunca viajou para Grécia, mas encontrou nas obras gregas presentes na Itália, em Roma, e, também, em Nápoles, especialmente, seu material de estudo. Dessa forma, lidou, ao cabo de seus estudos, com produções locais, em sua maioria. A arqueologia clássica de língua alemã, nomeadamente, se estabeleceu, portanto, em Roma, mas seu olhar estava diretamente voltado para a Grécia em seus primórdios.

Por meio de uma pequena digressão do histórico de pesquisa do Instituto Arqueológico Alemão (Deutsche Archäologische Institut, DAI, 1871), torna-se claro como os interesses da arqueologia de língua alemã foram estrategicamente desenvolvidos e geograficamente ampliados. O Instituto Arqueológico Alemão (DAI) é a instituição não-universitária mais importante de arqueologia no país. Atualmente, está subordinado ao Ministério das Relações Exteriores, tem sede em Berlim e mantém muitos departamentos estrangeiros (LICHTENBERGER, 2017LICHTENBERGER, A.; RAJA, R. (org.). The Diversity of Classical Archaeology. Turnhout: Studies in Classical Archaeology, 2017, v. 1.). A subordinação direta do DAI como uma Instituição Federal na área de negócios do Ministério Federal das Relações Exteriores Alemão, enfatiza a estreita conexão estreita que a arqueologia clássica tem com as relações exteriores. A arqueologia, nessa prática, é entendida, também, como uma forma de fazer política externa da República Federal da Alemanha (Bundesrepublik Deutschland). Este entendimento e cenário deve ser rastreado a partir de Roma, local em que o DAI assumiu uma posição estratégica e proeminente nos estudos do Mediterrâneo. A célula germinativa do DAI foi o Istituto di corrispondenza archeologica, que remonta à 1829, fundado na cidade de Roma, e recebeu um grupo internacional de artistas, cientistas e diplomatas de várias partes do mundo para atuar conjuntamente no mesmo ambiente (LICHTENBERGER, 2015b; 2017).

O alemão Eduard Gerhard (1795-1867), nesse sentido, foi uma força motriz por trás desse esforço de internacionalização e interdisciplinaridade, porém, outros representantes de nações estiveram envolvidos. Com a nomeação de Gerhard como diretor dos museus reais em Berlim, o Istituto di corrispondenza archeologica ganhou um alinhamento nacional mais enfático. Em 1836, um novo prédio foi construído para o Istituto di corrispondenza archeologica no Capitólio, em Roma. Assim, no ano de 1848, a diretoria central do instituto estava apenas composta por alemães. Sob o domínio prussiano, a partir de 1859, o instituto recebeu seu orçamento diretamente do Ministério da Cultura da Prússia. Em 1871, tornou-se uma instituição estatal prussiana, e três anos depois (em 1874), foi renomeado como Instituto Arqueológico Imperial Alemão (Kaiserlich-Deutsche Archäologische Institut-Rom). Dessa forma, um novo prédio, maior e mais imponente, foi edificado novamente Capitólio italiano (LICHTENBERGER, 2017).

O Instituto Alemão de Roma (Römische Institut) sempre foi uma iniciativa internacional de forte apelo nacionalista, sendo inclusive dominado pela Prússia com esse objetivo. No entanto, como Helmut Kyrieleis (1999KYRIELEIS, H. Art. Deutsches Archäologisches Institut. In: Der Neue Pauly. Leiden: Brill, 1999. p. 749-760., p. 751) enfatiza, devido essa afiliação e caráter histórico, a criação de um instituto pan-europeu ficou condenada ao fracasso. Em vez disso, muitos institutos nacionais foram fundados. Em 1874, ano em que foi renomeado como Instituto de Arqueologia Imperial Alemã, outro instituto foi inaugurado na Grécia, notadamente, em Atenas, o Kaiserlich-Deutsche Archäologische Institut-Athen, formando os chamados Institutos Arqueológicos Imperiais Alemães (Kaiserlich-Deutsches Archäologisches Institut). A primeira expansão incluiu Roma e a segunda criou a divisão estrangeira de Atenas, como se pode observar. Isso foi, claramente, estratégico, pois, dessa maneira, a presença alemã de pesquisa cobriu os dois principais centros urbanos da antiguidade clássica (ALTEKAMP; HOFTER; KRUMME, 2001ALTEKAMP, S.; HOFTER, M. R.; KRUMME, M. Posthumanistische Klassische Archäologie: Historizität und Wissenschaftlichkeit von Interessen und Methoden. Kolloquium Berlin. München: Hirmer, 2001.). Ao contrário do Instituto Alemão de Roma, o Instituto Alemão de Atenas imediatamente realizou escavações próprias na Grécia. Em Roma, isso foi somente possível após a 2ª Guerra Mundial. É importante ressaltar que após os dois núcleos iniciais, as atividades arqueológicas e estratégicas se ampliaram para o Oriente Médio, especialmente, para a Turquia, por meio das atividades de escavação do final do século XIX, iniciadas e conduzidas pelos museus de Berlim (PANTELEON, 2011PANTELEON, I. A. Eine Archäologie der Direktoren. Die Erforschung Milets im Namen der Berliner Museen in den Jahren 1899-1914 und ihr historischer Kontext. Bochum: Institut für Archäologische Wissenschaften, 2011.).

Estudiosos alemães, ainda na primeira metade do século XX, tentaram usar a pesquisa estrutural para explorar a natureza interior das culturas antigas e entender o que as torna essencialistas ou deterministas, as abordagens culturais vieram posteriormente. Um dos representantes mais importantes desse período na escola alemã foi Guido von Kaschnitz-Weinberg (1890-1958), um arqueólogo austríaco-alemão e historiador da arte, cujas obras são consideradas os alicerces dos estudos sobre arte pré-cristã e arte antiga (LICHTENBERGER, 2015aLICHTENBERGER, A. Multiple Mediterranean Forces: Guido von Kaschnitz Weinberg's Mediterranean Art. In: LICHTENBERGER, A., VON RÜDEN, C. (org.). Multiple Mediterranean Realities: Current Approaches to Spaces, Resources and Connectivities. Paderborn: Mittelmeerstudien, 2015a, v. 6. p. 93-103.; 2015bLICHTENBERGER, A. Klassische Archäologie. In: MIHRAN, D. et al. (org.). Handbuch der Mediterranistik: Systematische Mittelmeerforschung und disziplin.re Zug.nge. Paderborn: Fink and Schöningh, 2015b. p. 197-213.). Seu trabalho frequentemente representa a história da arte, priorizando as condições formativas para a chamada “natureza grega”, especialmente, nos campos de atividade religiosa e artística. Como bem observou Lichtenberger (2017), a formação do “gênio grego” negligenciou os aspectos nórdicos ou mesmo os puramente orientais, sem mencionar os africanos (e.g. Alexandria, Cirene, Lepcis Magna, Iol Caesarea, Tingi). Kaschnitz-Weinberg, por exemplo, promoveu a visão de um período megalítico partilhado em muitas partes do Mediterrâneo. Para ele, os remanescentes líticos erigidos testemunhariam o caráter “masculino”; por outro lado, o culto ctônico da Mãe Terra, testemunharia sobre o “feminino” na Antiguidade, igualmente generalizados e difundidos no Mediterrâneo antigo (VON KASCHNITZ-WEINBERG, 1944aVON KASCHNITZ-WEINBERG, G. Die mittelmeerischen Grundlagen der antiken Kunst. Frankfurt: Klostermann, 1944a., p. 10). Portanto, além de abordar princípios de ação na constituição da cultura material do Mediterrâneo, especialmente, alertando para a existência de estruturas e formas de arte antigas encontradas no período, Kaschnitz-Weinberg, no quadro da arqueologia clássica, antes mesmo de Braudel, chamou a atenção para os fenômenos de longa duração (longue durée), e os relacionou à manipulação da cultura material na Antiguidade (p. ex., VON VON KASCHNITZ-WEINBERG, G. Über den Begriff des Mittelmeerischen in der vorchristlichen Kunst. Marburger: Jahrbuch für Kunstgeschichte, v. 13, p. 23-68, 1944b.KASCHNITZ-WEINBERG, 1944b, p. 11).

Nesse sentido, a perspectiva do Mediterrâneo para Kaschnitz-Weinberg se encaixa nas pesquisas arqueológicas clássicas em língua alemã do período do nacional-socialismo, mais explicitamente orquestradas por modelos culturais étnico-determinísticos, priorizando a área de pré-história e protohistoria mediterrânea (LICHTENBERGER, 2017). Apesar do ensejo alemão, é a escola anglo-saxônica,5 5 Cf. MORRIS, 2005, p. 34-35, ALCOCK, 2005; ALCOCK, OSBORNE, 2012. por sua vez, que consolida essa abordagem essencialista, constantemente levando em conta a longa duração em seus estudos sobre o Mediterraneo. A arqueologia clássica de língua alemã, no entanto, foi desenvolvida significativamente menos essencialista, porém, também priorizou os aspectos da longue durée (HÖLSCHER, 1984HÖLSCHER, T. Staatsdenkmal und Publikum: Vom Untergang der Republik bis zur Festigung des Kaisertums in Rom. Konstanz: Universitätsverlag Konstanz, 1984.; 2002HÖLSCHER, T. Klassische Archäologie: Grundwissen. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 2002.). É justamente a abordagem de longa duração, assim como as relações entre institutos e as territorialidades, que aproximam o desenvolvimento da arqueologia clássica de língua alemã da arqueologia clássica de língua portuguesa brasileira.

É notável a expansão das instituições estrangeiras alemãs no Mediterrâneo. A fundação dos institutos do Cairo, em 1929 (com gênese ainda em 1907), Bagdá em 1955, Teerã em 1961, Sanaa em 1978, e Damasco em 1980, contaram com representações estrangeiras e pesquisadores oriundos da escola alemã atuando sistematicamente na Arqueologia do Oriente Médio, tanto em egiptologia quanto em outros tipos de prática arqueológica (LICHTENBERGER, 2015aLICHTENBERGER, A. Multiple Mediterranean Forces: Guido von Kaschnitz Weinberg's Mediterranean Art. In: LICHTENBERGER, A., VON RÜDEN, C. (org.). Multiple Mediterranean Realities: Current Approaches to Spaces, Resources and Connectivities. Paderborn: Mittelmeerstudien, 2015a, v. 6. p. 93-103.; 2015bLICHTENBERGER, A. Klassische Archäologie. In: MIHRAN, D. et al. (org.). Handbuch der Mediterranistik: Systematische Mittelmeerforschung und disziplin.re Zug.nge. Paderborn: Fink and Schöningh, 2015b. p. 197-213.). Com esse mesmo argumento, os escritórios de Ulaanbaatar e Pequim surgiram, ampliando ainda mais as relações de intercâmbio e pesquisas. Dessa maneira, o Deutsche Archäologische Institut passou a desempenhar um papel global na atualidade. Apesar da percepção do século XIX conceber o espaço como um tamanho absoluto, nesse diminuto histórico da instituição alemã, fica evidente que o DAI buscou por meio das ciências arqueológicas expandir a área de estudos do Mediterrâneo greco-centrado, concebendo-o como não absoluto, dessa forma ampliando suas fronteiras e relações espaciais com outras territorialidades.

Os franceses, outras epistemologias e abordagens modernas: Museu Paulista e MAE-USP

Em São Paulo, ainda em 1891, o Museu Paulista, conhecido como Museu do Ipiranga, foi idealizado para ser outro museu do Estado brasileiro, sob os auspícios da modernidade, promovidos pela agitação da cena cultural de 1922 e atendendo a gestão interina do sueco Albert Löfgren na Comissão Geográfica e Geológica, presidida pelo estadunidense Orville Derby. Após o ingresso (1893) e a direção (1895) do alemão Hermann von Ihering no Museu Paulista, a instituição passou a priorizar à História Natural; seu sucessor, Affonso d'Escragnolle Taunay (1917-1945), incorporou ao museu o perfil de museu de história (FERREIRA, 2010FERREIRA, L.M. Território primitivo: a institucionalização da arqueologia no Brasil (1870-1917). Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.). Affonso Taunay estudou no Colégio Pedro II, onde conheceu João Capistrano de Abreu, seu professor. Hermann von Ihering até assumir a direção do Museu Paulista estabeleceu-se (1880) no Rio Grande do Sul. Publicando trabalhos em alemão, sob o patrocínio do governo imperial e associado ao Museu Nacional, identificava-se como naturalista do museu brasileiro, es brasilianischen Reichsmuseums. Viveu às margens da Lagoa dos Patos, em Rio Grande, na desembocadura do Atlântico Sul; em Guaíba, São Loureço do Sul e em Taquara, até o ano de 1883. A Fábrica Rheingantz, de origem alemã em Rio Grande, entre os anos de 1873 e 1895, alavancou a indústria têxtil de algodão na metade sul do Rio Grande do Sul, atraindo muitos imigrantes alemães. Conforme observa Lucio Ferreira (2010, p. 129-145), von Ihering criticou os trabalhos de Barbosa Rodrigues e Ladislau Netto, assim como as ideias sobre a origem chinesa ou egípcia dos nativos sul-americanos. Nas páginas do IHGB, contudo, a busca pela “cidade antiga perdida” prefigurou desde o Cônego Benigno José de Carvalho e Cunha (1789-1849) até Tristão de Alencar Araripe (1887), que aventou outras regiões, além da Bahia, para sua localização (FERREIRA, 2003aFERREIRA, L. M. Vestígios da raça americana: Arqueologia, Etnografia e Romantismo no Brasil Imperial (1838-1867). Revista Habitus, v. 1, n. 1, p. 103-128, 2003a.; 2003bFERREIRA, L M. História petrificada: a Arqueologia Nobiliárquica e o Império Brasileiro. Cadernos do CEOM, v. 17, n. 18, p. 11-40, 2003b.).

Entre os séculos XVI e XVIII, portugueses, franceses, holandeses e britânicos, estabeleceram uma rede de comércio marítimo na qual os tecidos de algodão eram comprados na Índia e trazidos à Europa, contando, também, com o trabalho escravo das plantações de algodão das Américas, formando, assim, um modelo de sistema multicontinental. Dessa forma, a evolução das coisas, tal como das máquinas de fiar de algodão, esteve ligada a esses emaranhados externos e suas contradições. A produção de algodão foi durante muito tempo mais difícil de processar do que a lã ou linho, mantendo-se em um nível tecnológico baixo. Foi exatamente a conjunção particular de escravidão, máquinas, comércio internacional e colonialismo no final do século XVIII que permitiu que os humanos percebessem o potencial do algodão (HODDER, 2018HODDER, I. Where Are We Heading? The Evolution of Humans and Things. New Have/ London: Yale University Press, 2018. ).

Nesse sentido, Ian Hodder (2018HODDER, I. Where Are We Heading? The Evolution of Humans and Things. New Have/ London: Yale University Press, 2018. , p. 61-66) argumenta que as contradições nos emaranhados têm a capacidade de produzir mudanças evolutivas, e argumenta que foi a particular conjunção de salários relativamente altos pagos aos trabalhadores britânicos em contradição com a produção de algodão de baixo custo na Índia e seus baixos salários que motivaram à invenção da máquina de fiar hidráulica, exatamente objetivando mecanizar e aumentar a produção. No exemplo da indústria na Grã-Bretanha, o campesinato não podia competir com o material produzido pelas máquinas nas cidades e o conflito levou à migração para os centros urbanos, fomentando a classe trabalhadora urbana, assim como, estimulando a expansão da produção e a invenção de máquinas mais eficientes e ainda maiores. Nesse sentido, Hodder afirma:

in the case of cotton spinning, this outer cone involved people, material things, institutions, and ideas, including sugar, tabacco, trains, clocks, the telegraph, wool, flax, guns, spices, iron, pollutants, ships, tribute, clothing, unions, slaves, children, Native Americans, trading companies, entrepreneurs, retailers, debt, machines, wage labor, the movement into towns and the emergence of an industrial proletariat, industrial capitalism, enclosure, the nation-state, governments, colonialism, and much more. (HODDER, 2018HODDER, I. Where Are We Heading? The Evolution of Humans and Things. New Have/ London: Yale University Press, 2018. , p. 65).6 6 O conceito de “emaranhado” (e hibridismo) pode ser encontrado também no alemão Philipp Stockammer (2012, p. 17; 2013, p. 16). Hodder (2012; 2016; 2018) amplia a discussão e o conceito para além dos processos criativos e os encontros interculturais.

O intelectual, humanista e jornalista Paulo Junqueira Duarte (1899-1984), marca, diante dessa conjuntura, um novo desenvolvimento nos emaranhados da arqueologia acadêmica no Brasil. A bem da verdade, o jornal O Estado de São Paulo e seus proprietários, Armando de Sales Oliveira e Júlio de Mesquita Filho, estiveram ligados a criação da Fundação Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP, 1933) e da própria Universidade de São Paulo (USP, 1934). A FESPSP tinha por objetivo melhorar os padrões de administração pública e formar uma elite intelectual capaz de liderar o processo de industrialização do Brasil. Foi incorporada à USP em 1938 e sofreu grande influência do sociólogo norte-americano Donald Pierson durante os anos de 1939-1952, assim como, do Smithsonian Institution dos Estados Unidos (FERREIRA, 2003b). É interessante observar que o mesmo Smithsonian Institution estará envolvido na formação dos arqueológos no Brasil na década de 1970, por meio do PRONAPA (Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas).

O professor Georges Dumas foi encarregado de contratar o quadro formativo de professores da Universidade de São Paulo (em 1934), que contou com professores franceses, italianos e alemães. A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) foi marcada em seus anos iniciais pela multidisciplinaridade, alta excelência do corpo docente e por ser a unidade centralizadora projetada para as atividades da recém-criada USP (p. ex., GRILLO; FUNARI; CARVALHO, 2013). Era preciso forjar uma vanguarda para a cultura paulista e Brasil moderno. Seria essa a consciência predominante entre os primeiros estudantes, que ainda tributavam inspiração à Semana de Arte Moderna de 1922, e recebiam aulas em Francês na Universidade de São Paulo:

nossos alunos tinham um conhecimento suficiente do francês. O mesmo não ocorria com os professores italianos ou alemães que chegaram conosco. Os italianos, por exemplo, acreditavam que a forte imigração favorecia uma maior afluência em cursos naquele idioma. Não foi o que ocorreu. Os imigrantes não sabiam sequer que havia uma Faculdade de Filosofia. Nada de depreciativo nessa observação minha. Quanto aos alemães, apesar da imigração, a comunidade linguística também não chegou a se formar. Lembro-me que, logo depois de minha chegada, conheci Mario de Andrade e ele me disse que a hegemonia do francês estava chegando ao fim. Não levei esse prognóstico a sério. Ele acabou, porém, se confirmando. Quando voltei ao Brasil em 1954, já era inconcebível dar uma aula que não fosse em português. (relembra Roger Bastide7 7 http://almanaque.folha.uol.com.br/entrevista_folhetim_26fev1978.htm Último Acesso: 09/03/2021. , um dos primeiros professores da USP). (NATALI, 1978NATALI, J.B. O Brasil, os índios e finalmente a USP. (A missão francesa de 1934). Entrevista com Paul Bastide. Bancos de Dados Folha, 1978. Disponível em: Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/entrevista_folhetim_26fev1978.htm . Acesso em: 9 mar. 2021.
http://almanaque.folha.uol.com.br/entrev...
, n.p.)

Ainda entre os primeiros professores da universidade, destacam-se: o criador da antropologia estruturalista, Claude Lévi-Strauss8 8 Para uma breve síntese que aborda Lévi-Strauss e a tríade da estrutura, a linguagem, o simbólico e o inconsciente, consulte MENDES, 2014. ; o historiador e líder da Escola dos Annales, Fernand Braudel; o helenista e mitólogo François Jouan; o geógrafo Pierre Monbeig; o antropólogo e historiador Jean-Pierre Vernant; o sociólogo Roger Bastide e o arqueólogo e linguista Robert H. Aubreton, entre outros. Paulo Duarte, além de professor da FFLCH, participou da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual IPHAN (FUNARI; TEGA, 2014FUNARI, P.P.A.; TEGA, G. Arqueologia, do Imperialismo à Inclusão Social. Expressa Extensão, v. 19, n. 1, p. 17-27, 2014.). Enquanto exilado na França, esteve ligado ao Musée de l’Homme e a Paul Rivet, dedicou-se, posteriormente, ao fomento do Institut Français des Hautes Etudes Brésiliennes, visando promover a cooperação entre os países, preservar e pesquisar vestígios indígenas, assim como o estudo do Homem Americano (FERREIRA, 2003aFERREIRA, L. M. Vestígios da raça americana: Arqueologia, Etnografia e Romantismo no Brasil Imperial (1838-1867). Revista Habitus, v. 1, n. 1, p. 103-128, 2003a., 2010FENTRESS, E. W. B. Frontier culture and politics at Timgad. Bulletin archéologique du C.T.H.S ., n. 17, p. 399-408, 1984.). Tanto a Comissão de Pré-história, em 1952, como o Instituto de Pré-história e Etnologia, em 1959, foram incorporados pela USP, passando a chamar-se Instituto de Pré-história da Universidade de São Paulo, em 1962 (FUNARI, 2012FUNARI, P.P.A. Arqueologia: Uma trajetória muito particular. Revista Tempos Acadêmicos, Dossiê Arqueologia Histórica, n. 10, 2012. ). Inspirado pelo humanismo francês e norte-americano, o instituto brasileiro buscou métodos científicos para o estudo arqueológico e, por sua ingerência, os arqueólogos franceses Joseph e Annette Emperaire, do Centre National de la Recherche Scientique (CNRS), relacionados à grande figura de André Leroi-Gourhan, passaram a liderar (a partir de 1970) a exploração e pesquisa da região de Lagoa Santa, em Minas Gerais, outrora descoberta por Peter Lund.9 9 Atualmente o arqueólogo André Strauss do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE-USP) é o responsável pelo sítio arqueológico, que foi amplamente explorado sob os termos evolutivos e biológicas por Walter Alves Neves da Universidade de São Paulo. Entre os membros da missão arqueológica franco-brasileira estava o arqueólogo francês André ProusPROUS, A. Arqueologia brasileira. Brasilia: UNB, 1992. , que viria a publicar, posteriormente, o compêndio Arqueologia brasileira (1992), obra basilar do conhecimento arqueológico brasileiro, porém, que não contempla as arqueologias histórica e clássica do país na esfera da prática arqueológica nacional.

Paulo Duarte, também, foi o formulador dos termos do que viria a ser a Lei nº 3.924, que legisla sobre a definição, preservação e exploração dos monumentos arqueológicos no Brasil. Tanto Paulo Duarte quanto Júlio de Mesquita Filho almejaram organizar a nação pela cultura, enfatizando a preservação patrimonial. O SPHAN, nesse sentido, em seu período inicial concentrou 529 dos 687 tombamentos em monumentos entre os séculos XVI e XIX, com predominância ao século XVIII, principalmente, da região de Minas Gerias (SANABRIA, 2011SANABRIA, I. S. B. Paulo Duarte e a Construção do Patrimônio Plural - a Inclusão de Outras Memórias no Conceito de Patrimônio Brasileiro. In: XXVI Simpósio Nacional de História, 2011, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: ANPUH, 2011. p. 1-16. ). O nacionalismo e o Estado Novo (1937-1945) contribuíram ao desprestígio dos indígenas e do estudo da arqueologia Pré-Colonial. Além dos estudos relacionados a Folklore Society (1878), da Inglaterra, a American Folklore Society, dos Estados Unidos, reforçou no Brasil, a ideia de uma identidade genuinamente nacional, que seria baseada nas tradições das “raças”. Nessa equação, as tradições e folclore foram sub-valorizados e diversas etnias indígenas e africanas no Brasil ficaram em segundo plano. As características europeias (portuguesas, alemãs, italianas, francesas, inglesas) formariam a chamada “alta cultura” da sociedade, denominada erudita, face às “exóticas e primitivas” (SANABRIA, 2011SANABRIA, I. S. B. Paulo Duarte e a Construção do Patrimônio Plural - a Inclusão de Outras Memórias no Conceito de Patrimônio Brasileiro. In: XXVI Simpósio Nacional de História, 2011, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: ANPUH, 2011. p. 1-16. , p. 4-8).

Aqui é necessário enfatizar uma dissociação entre as tradições de estudo e abordagens metodológicas. Se por um lado, a antropologia cultural se desenvolveu nos Estados Unidos sob os auspícios do alemão Franz Boas (1887), do Smithsonian Institution; por outro lado, a antropologia estrutural derivou de C. Lévi-Strauss, que foi professor da USP no Brasil e do Collège de France, em Paris. A distinção entre o relativismo de Lévi-Strauss e o de Boas está na definição dos sistemas culturais, que na antropologia estrutural são abordados como transformações organizadas por princípios mentais universais (DE ALMEIDA, 1999DE ALMEIRA, M. W. B. Guerras Culturais e Relativismo Cultural. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 41, p. 5-14, 1999.). A consonância de entendimento entre essas correntes de pensamento diz respeito às culturas terem uma evolução multilinear, diferentes histórias, tendo o signo, na acepção de Saussure, e o ícone, na de Peirce, como as bases para a formação da linguagem humana e as representações iconográficas (MENDES, 2014MENDES, T. N. E. Lévi-Strauss e a tríade da estrutura: a linguagem, o simbólico e o inconsciente. 2014. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Programa de Pós Graduação em Filosofia, Universidade Federal de São Carlos, 2014. ). Se por um lado a antropologia cultural apresenta um conceito mais abrangente; a antropologia estrutural, por sua vez, aportou outra dimensão aos estudos, enraizando, assim, a formação antropológica nos arqueólogos brasileiros, tanto os clássicos, históricos e/ou pré-coloniais.

Nesse sentido, outras menções precisam ser feitas ao corpo docente da Universidade de São Paulo, em seus primórdios. Fernand Braudel, aportou a ideia de que a história deveria ir além da crônica dos acontecimentos (histoire événementielle), e priorizar a história dos acontecimentos pelos processos de longa duração (longue durée), cunhando o conceito, tornando-o aplicável ao entendimento das mentalidades e das civilizações (FERREIRA, 2003aFERREIRA, L. M. Vestígios da raça americana: Arqueologia, Etnografia e Romantismo no Brasil Imperial (1838-1867). Revista Habitus, v. 1, n. 1, p. 103-128, 2003a.; 2003bFERREIRA, L M. História petrificada: a Arqueologia Nobiliárquica e o Império Brasileiro. Cadernos do CEOM, v. 17, n. 18, p. 11-40, 2003b.). Os três volumes “La Méditerranée et le Monde Méditerranéen a l'époque de Philippe II” (1527-1598), publicados em 1949, são referências básicas aos estudos clássicos em arqueologia. É justo reconhecer que sob o Imperium Romanum as formas arquitetônicas greco-romanas tornaram-se comuns em todo o Mediterrâneo. É por isso que encontramos um templo externamente semelhante em suas formas de construção na Espanha, sul da França, norte da África, Itália, Balcãs, Grécia, Ásia Menor e Oriente Médio. Por causa de tais semelhanças, o Império Romano foi postulado como uma cultura unificada (HÖLSCHER, 1984HÖLSCHER, T. Staatsdenkmal und Publikum: Vom Untergang der Republik bis zur Festigung des Kaisertums in Rom. Konstanz: Universitätsverlag Konstanz, 1984., p. 36-37; 2002). No entanto, a abordagem e a verificação consistente dos modelos “microrregionais” sustenta realidades muito diferentes entre si, formadas, primordialmente, pelas características locais e regionais. Nesse contexto, é preciso enfatizar que as abordagens das “microrregiões” substituem as interpretações unificadoras, centristas e totalitaristas, especialmente aquelas formadas pelos conceitos de “pátria grega” e de “controle urbano romano” de outrora (p. ex., HORDEN; PURCELL, 2000HORDEN, P.; PURCELL, N. The Corrupting Sea: A Study of Mediterranean History. Oxford: Blackwell Publisng, 2000.; LEIDWANGER; KNAPPETT, 2018LEIDWANGER, J.; KNAPPETT, C. (ed.). Maritime Netwroks in Ancient Mediterranean World. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. ).

Em relação aos aspectos geográficos, a contribuição do geógrafo Pierre Monbeig, também professor da USP, deve ser considerada. Ocupando a cadeira que fora de Pierre Deffontaines, desenvolveu as premissas do conceito “modo de pensar”, que estariam atreladas às ações dos habitantes de determinada região, seu gênero de vida, e a “região cultural”, o que incluiria elementos como cultura, religião, mas, também, odor e mesmo som (AB’SÁBER, 1994AB’ SÁBER, A. (ed.). Pierre Monbeig: a herança intelectual de um geógrafo. Revista de Estudos Avançados, v. 8, n. 22, p. 221-232, 1994., p. 221-232; CASSAB, 2011CASSAB, C. (ed). A Geografia de Pierre Monbeig. Revista de Geografia, v. 1, n. 1, p. 1-26, 2011.). Assim como seu professor, Paul Vidal de La Blache (mestre de Lucien Lebvre), partilhava da opinião contrária as ideias da geografia alemã de Friedrich Ratzel (em que caberia ao Estado a missão de impor seu poder sobre o território). A premissa partilhada é de que longe do determinismo ambiental, a natureza não determina as condições sociais, econômicas e tecnológicas de um povo, elas não podem ser determinadas de forma causal, mas, somente, angariando um acervo de hábitos, técnicas e instituições que permitam a um grupo social utilizar os recursos naturais disponíveis. La Blache foi indicado em 1866 para École francaise d’Athènes (EFA), onde por três anos estudou arqueologia grega. A EFA será a instituição francesa per excellence da formação em arqueologia clássica da Universidade de São Paulo.

Merecem menção, ainda, os estudos do antropólogo e historiador Jean-Pierre Vernant,10 10 http://filosofia.fflch.usp.br/departamento/memoria Último Acesso: 09/03/2021. que juntamente com François Châtelet, foi professor da FFLCH em virtude da ditadura militar no Brasil (FUNARI, 2012FUNARI, P.P.A. Arqueologia: Uma trajetória muito particular. Revista Tempos Acadêmicos, Dossiê Arqueologia Histórica, n. 10, 2012. ). Vernant procurou chamar à atenção internacional para a situação de exceção no país em 1971, período em que professores foram exilados. Sob a influência de Louis Gernet, Jean-Pierre Vernant promoveu estudos antropológicos sobre a Grécia antiga, enfatizando as diferenças e semelhanças entre a prática da democracia grega e a prática da sociedade moderna ocidental. O helenista e mitólogo François Jouan também aportou à USP questões relacionadas à Eurípedes, da Guerra de Troia à Ilíada, enfatizando em seus estudos o teatro grego e a mitologia. Desta feita, associando o Centre de Recherches Mythologiques de l'Université de Paris-Nanterre (1977) aos estudos clássicos da USP (DE CASTILHO, 1963DE CASTILHO, A. T. Homenagem Robert Henri Aubreton. Alfa, Revista de Linguística, v. 4, p. 133-137, 1963. ).

Contudo, é nos arqueólogos Robert H. Aubreton e Pierre Demargne que devemos reconhecer a influência direta no caráter formativo dos arqueólogos clássicos da Universidade de São Paulo. Pierre Demargne, filho do helenista e arqueólogo Joseph Demargne, iniciou campanhas de escavação arqueológicas, financiadas pelo Ministério das Relações Exteriores da França, em Xanto, na Turquia (antiga Lícia). Contribui ao conhecimento dessa civilização, assim como gregos, romanos e bizantinos na região (AUBRETON, 1956AUBRETON, R. H. Le suicide à Rome aux I e llème siècles après J. C. Introdução a Homero. São Paulo: FFCL, 1956. Boletim n.° 214.). Como membro da EFA desde 1926, foi orientador (1961-1964) do arqueólogo clássico brasileiro Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses (USP), na Université de Paris. Pierre Demargne esteve na transição de uma arqueologia “tradicional”, inspirada nos gabinetes de curiosidades com abordagens muito literárias e artísticas, textos antigos e grandes descobertas, para uma arqueologia dita “moderna”, pautada no ceticismo e secularismo, ciências naturais e físicas, além de sistemas e métodos mais rigorosos de coleta e registo dos trabalhos no campo, sem falar na incorporação das ciências da computação (FUNARI; TEGA, 2014FUNARI, P.P.A.; TEGA, G. Arqueologia, do Imperialismo à Inclusão Social. Expressa Extensão, v. 19, n. 1, p. 17-27, 2014.). Para além das questões de teoria e método, a drástica diminuição de recursos nacionais para a ciência foi outra adaptação do período.

O arqueólogo Robert H. Aubreton (1909-1980) pode ser reconhecido como o personagem central do desenvolvimento da arqueologia clássica no Brasil. Professor da USP durante onze anos (1952-1963), ocupando a cadeira de Língua e Literatura Grega da FFLCH, constituiu uma biblioteca especializada e obteve da Fundação Rockfeller recursos para a gráfica da faculdade (DE CASTILHO, 1963). Implementou um comprometido trabalho de formação de uma equipe de estudiosos, obtendo do Governo Francês e da CAPES no Brasil recursos para suas formações. Conectou muitos estudiosos às universidades francesas, entre elas Rennes, Montpellier, Aix-en-Provence, Bordeaux, Lyon, Strasbourg e Poitiers. Também auxiliou a criação de Leitorados de Literatura e Civilização Brasileira (AUBRETON, 1956AUBRETON, R. H. Le suicide à Rome aux I e llème siècles après J. C. Introdução a Homero. São Paulo: FFCL, 1956. Boletim n.° 214.). O professor Aubreton criou a Associação de Estudos Clássicos do Brasil (1954), filiada à “Fedération Internationelle des Études Classiques”, e publicou “Le suicide à Rome aux I e llème siècles après J. C.”, as primeiras abordagens sobre Homero em língua portuguesa. Formou uma equipe de helenistas agremiados como assistentes à sua Cadeira. Dentre os quais destacam-se Ataliba de Castilho, José Cavalcante de Souza, Gilda Maria Reale Starzynski, Hilda Penteado de Barros, Daisy Malhadas, Mauro Wanderley e Haiganuch Sarian (DE CASTILHO, 1963, p. 133-137). O professor Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses e a professa Haiganuch Sarian, consagrados expoentes da arqueologia clássica no país, foram herdeiros diretos dessa formação franco-brasileira.

Sob a tutela de Haiganuch Sarian outra geração de arqueólogos clássicos de excelência, solidificou e expandiu a disciplina pelo país. Entre seus orientados estão Maria Beatriz Florenzano (1986), Elaine Hirata (1987), Maria Isabel Fleming (1987), Pedro Paulo Funari (1990), Norberto Luiz Guarinelo (1993), Alvaro Allegrette (1997), Fábio Cerqueira (2001), Carolina Dias (2009), Camila de Souza, (2010), Gilberto Francisco (2012), entre outros. A professora Sarian completou seus estudos na Université de Caen, sob os auspícios de Pierre Devambez (Musée du Louvre e École Pratiques des Hautes Études), François Jouan (Université de Caen) e o próprio Robert Aubreton (Université de Rouen), em 1966 (SARIAN, 2013SARIAN, H. Os Caminhos de uma Arqueologia Clássica no Brasil. In: GRILLO, J.G.C.; FUNARI, P.P.A.; CARVALHO, A.V.D. Os caminhos da Arqueologia Clássica no Brasil. São Paulo: Annablume , 2013, p. 19-30., p. 23-24). Como Membre Étranger da EFA, Haiganuch Sarian desenvolveu pesquisas arqueológicas em Argos (1968) e em Delos, onde coordenou as escavações no santuário da deusa Hera até a recente mudança de coordenação por sua aposentadoria. Gilberto Francisco é, atualmente, membro da EFA e responsável pelas escavações do projeto “Heraion de Delos”, na Grécia.11 11 Aqui salientamos outra etapa da formação e desenvolvimento da arqueologia clássica no Brasil. Além dos trabalhos arqueológicos na ilha de Delos, uma equipe brasileira escavou pela primeira vez um sítio romano no Oriente Médio, em Apollonia, na costa de Israel (veja MARSHALL, 2003). As fronteiras e influências da arqueologia clássica praticada no Brasil foram, então, ampliadas e outras escolas de prática arqueológica passaram a fazer parte do ambiente acadêmico brasileiro. As escavações das temporadas de 1998, 1999 e 2000 concentradas na área E do sítio (villa romana) foram organizadas como uma cooperação entre o Instituto de Arqueologia da Tel Aviv University e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, contando com o apoio financeiro do Município de Herzliya, do Israel Nature and National Parks Protection Authority e de órgãos de fomento brasileiros como a FAPERGS e FAPESP, por meio da associação da Universidade de São Paulo. Em 2001, o sítio de Apollonia-Arsuf se tornou um parque nacional. Em 2004, o local foi formalmente reconhecido como um dos 100 monumentos mundiais mais ameaçados pelo World Monuments Fund. Em 2006, foi incluído na lista de castelos cruzados como patrimônio mundial pela UNESCO. Em 2007, tornou-se o estudo de caso de uma concessão da National Science Foundation, intitulada “CXT-Core Large: Computer Vision Research: Promoting Paradigm Shifts in Archaeology” (Grant #0808718). Além de Israel, a arqueologia clássica brasileira alcançou o Egito. Entre 2013-2017 o Programa Brasileiro de Arqueologia no Egito (BAPE) foi coordenado por José R. Pellini que escavou tumbas na área de Qurna, West Bank do Nilo, em Luxor. Dessa forma, o BAPE é outra bem-sucedida expansão da arqueologia clássica desenvolvida no país atualmente no contexto do Mediterrâneo Oriental. https://en-humanities.tau.ac.il/archaeology/excavations_and_Projects/current_excavations/Apollonia-Arsuf ; https://ufmg.br/comunicacao/publicacoes/boletim/edicao/2038/em-campo-no-egito Último Acesso: 09/03/2021. Outro orientando, Alvaro Alllegrette, desde 1994, é membro da EFA e desenvolveu pesquisas em Mália, Creta.

Pedro Paulo Funari (Illinois State University, 1991-1992; Université de Paris X, Naterre, Paris X, 2008; Stanford University 2009), além de ser uma referência internacional para os estudos de ânforas romanas, estabeleceu as bases teóricas para o pós-processualismo, crítica colonialista, arqueologia publica e histórica no país (GRILLO; FUNARI; CARVALHO, 2013GRILLO, J.G.C.; FUNARI, P.P.A.; CARVALHO, A.V.D. Os caminhos da Arqueologia Clássica no Brasil. São Paulo: Annablume , 2013.); e assim como Norberto Guarinelo (Université Paris Est Maeme La Valée; École dês hastes études en sciences sociales, EHESS, 2009) produziu estudos brasileiros substanciais sobre imperialismo romano (p. ex., FUNARI, 2006FUNARI, P.P.A. The World Archaeological Congress from a critical and personal perspective. Archaeologies, v. 2, n. 1, p. 73-79, 2006.; FUNARI; TEGA, 2014).12 12 Para os estudos sobre fronteiras culturais destacam-se. Guarinello diferencia três fronteiras: a natureza, comunidade humana, trabalho morto, formando a fronteira do poder (GUARINELLO, 2010, p. 121-125); Veja Fentress (1984, p. 399) para as relações sobre fonteiras, a romanidade e a necessidade de autoafirmar as identidades nas províncias. Por outro lado, Maria Isabel Fleming abriu novas fronteiras, e foi a primeira brasileira vinculada a École Française de Rome (EFR, 1983-1985) sob os auspícios de Michel Gras, diretor da EFR entre os anos de 1973-1985 e 2003-2011. Gilvan V. da Silva (1997-2000) e Regina Maria da Cunha Bustamante (1997) estiveram na École Française de Rome (EFR) sob orientação de Catherine Virlouvet. Bustamente também esteve na EFA em 1999, sendo a única brasileira que esteve nas duas escolas francesas. Outros pesquisadores brasileiros estiveram vinculados a instituições francesas, tais como Ciro Flamarion Cardoso, orientado por Frédéric Mauro (1971), na Université de Paris X, Nanterre, Paris X; Neyde Theml vinculada à École Francaise d’Athene (1994), e Margarida Maria de Carvalho (École dês hastes études en sciences sociales, EHESS, 2011-2016). Diante desses acontecimentos e argumentos, podemos considerar que a arqueologia clássica no Brasil aconteceu como uma espécie de “cunhadismo” intelectual francês (WHITLING, 2019). A EFA foi a primeira das escolas arqueológicas em Atenas.13 13 Escola francesa de Atenas (EFA, 1846); Escola Britânica de Atenas (BSA, 1886); Instituto Arqueológico Alemão em Atenas (DAI, 1874); Instituto Arqueológico Austríaco em Atenas (OAI, 1898); Escola Americana de Estudos Clássico em Atenas (ASCSA, 1892); Escola Arqueológica Italiana de Atenas (SAIA, 1909); Instituto Sueco em Atenas (SAI, 1948); Escola Suíça de Arqueologia na Grécia (ESAG, 1964); Instituto Arqueológico Canadense (CIG-ICG, 1976); Instituo Arqueológico Australiano em Atenas (AAIA, 1980); Instituto Holandês em Atenas (NIA, 1984); Instituto Finlandês em Atenas (FIA, 1984); Escola Belga em Atenas (EBSA, 1985); Instituto Norueguês em Atenas (NIA, 1989); Instituto Arqueológico Romeno em Atenas (RAIA, 1989); Instituto Dinamarquês em Atenas (DIA, 1992); Instituto Irlandês de Estudos Helênicos em Atenas (IIHSA, 1995); Instituto da Geórgia em Atenas (GAI, 1998). Para um panorama das escolas francesas no Mediterrâneo ver WHITLING, 2019.

Criada por Narcisse-Achille de Salvandy, no final do século XIX, A EFA destacou-se pelos programas de escavações de grandes sítios arqueológicos, incluindo os de Delos e Delfos. Desde o Decreto nº 85-1068 de 1985, ela possui o status de estabelecimento público científico, cultural e profissional, sendo a principal instituição ao lado do serviço arqueológico grego. Ainda hoje, é responsável pelo estudo e manutenção dos sítios arqueológicos de Delos, Delfos, Thásos, Malia, Argos, Philippi, Dikili Tash, na Grécia, e Amathonte em Chipre (WHITLING, 2019WHITLING, F. Western Ways: Foreign Schools in Rome and Athens. Berlin-Boston: Walter de Gruyter, 2019. ). Já a EFR é também herdeira do Instituto de Correspondência Arqueológica (Istituto di corrispondenza archeologica, de 1829), em Roma, criado para acolher acadêmicos e pesquisadores estrangeiros na cidade. Reuniu, inicialmente, franceses e alemães, mas o instituto nesses moldes desapareceu com a Guerra Franco-Prussiana de 1870 (HÖLSCHER, 2002HÖLSCHER, T. Klassische Archäologie: Grundwissen. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 2002.).

Se olhamos para o caso alemão, o Instituto Arqueológico Alemão (DAI) foi criado (1871) sob os lastros e os pastichos dessa instituição; assim como, igualmente, foi criada a seção romana da École Francaise d’Athènes (em 1873). Em 1875, tornou-se oficialmente a École Française de Rome (EFR). Lotada no Palácio Farnese, em Roma, e agregada a Embaixada da França na Itália, a EFR organiza escavações arqueológicas em Bolsena, Civita di Tricarico, Pompéia, Óstia, Musarna, Palatino, Megara Hyblaea, Abruzzo, Piazza Navona, Vigna Barberini entre outros.

Após o estabelecimento do protetorado sobre a Tunísia, os membros da Escola Francesa de Roma começaram a direcionar suas atividades arqueológicas para o norte da África. Por meio de Pierre La Blanchère, o serviço de antiguidades na Tunísia foi criado, assim como o surgimento do Museu Bardo, em 1888. A Escola Francesa de Roma tem sido um participante importante na pesquisa arqueológica no Mediterrâneo ocidental, investigando também os sítios de Jebel Oust, Cartago, Kouass no norte da África, alcançando os Balcãs (Loron) e Albânia (Apollonia, em Illyria). Extrapolando, portanto, definitivamente, as fronteiras geográficas do Mediterrâneo.

Entre Brasil e Alemanha

Alemanha e Brasil partilharam de um longo histórico de relações comuns nos primórdios desenvolvimentos de suas arqueologias. Ambas arqueologias tiveram momentos que contribuíram às aspirações imperialistas de seus países, portanto, às formações das identidades nacionais de seus territórios. Da mesma forma que ambas foram elitistas e centradas na busca do homem europeu e na ideia de civilização ocidental. Entretanto, se transformaram na contemporaneidade e atualmente fogem de uma grande teoria universal, assim como de muitos de seus “fantasmas do passado” A arqueologia, de forma geral, também se tornou prática periférica. Não apenas das antigas elites das metrópoles e colônias, mas espraiando-se para os povos indígenas, imigrantes e minorias (e.g. GRILLO; FUNARI; CARVALHO, 2013GRILLO, J.G.C.; FUNARI, P.P.A.; CARVALHO, A.V.D. Os caminhos da Arqueologia Clássica no Brasil. São Paulo: Annablume , 2013.). A arqueologia clássica também passou a ser arqueologia pública (FUNARI; ROBRAHN-GONZÁLEZ, 2006FUNARI, P. P. A; ROBRAHN-GONZÁLEZ, E. M. Editorial. Revista Arqueologia Pública, São Paulo, n. 1, p. 3, 2006.; 2008FUNARI, P. A.; ROBRAHN-GONZÁLEZ, E. M. Ética, capitalismo e arqueologia pública no Brasil. História (São Paulo), v. 27, n. 2, 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/his/a/YC4nR3Hw8WvzgTsS8CN967L/?lang=pt . Acesso em: 21 maio 2021.
https://www.scielo.br/j/his/a/YC4nR3Hw8W...
; FUNARI; OLIVEIRA; TAMANINI, 2008FUNARI, P. A.; OLIVEIRA, N. V.; TAMANINI, E. Arqueologia Pública no Brasil e as Novas Fronteiras. Archaeologica, n. 3, p. 131-138, 2008). Um passo decisivo para essa nova configuração foi dado pela constituição do Congresso Mundial de Arqueologia, em 1986, com seu enfático combate às hierarquias entre ricos e pobres (FUNARI, 2006FUNARI, P.P.A. The World Archaeological Congress from a critical and personal perspective. Archaeologies, v. 2, n. 1, p. 73-79, 2006., p. 73-79). A arqueologia, de estudo elitista do antigo, passou, como propugnavam, em 1987, Michael Shanks e Christopher Tilley, abrigar o estudo das relações de poder e do homem. O francês Michel FoucaultFOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. São Paulo: Forense Universitária, 2012 [1969]., a partir de sua publicação de 1969 “Arqueologia do Saber (2012)”, tornou-se parte da reflexão da disciplina; assim como, seu caráter político e social passou a ocupar cada vez mais lugar de destaque (SOUSA, 2018SOUSA, L.C. Arqueologia Pública e suas práxis social: uma contribuição necessária para a preservação de recuros arqueológicos e interação social. Cadernos do LEPAARQ, v. XV, n. 30, p. 80-97, 2018. ).

Apesar de partilhar de propostas teóricas e metodológicas da ciência arqueológica contemporânea, no plano institucional, como podemos perceber pela expansão dos institutos alemães, o caso brasileiro contrasta, diametralmente, com o alemão, se levamos em conta o descaso público brasileiro com o Palácio Saint-Christophe, e a tradição de estudos do Museu Nacional, severamente danificado em 2018 por um incêndio de grandes proporções. Nada semelhante ao Lustgarten Parque, a Ilha dos Museus, em Berlim (Figura 3), visitado e prestigiado por milhares de pessoas ao ano, uma reocupação patrimonial do Palácio de Berlim (Berliner Stadtschloss).

Figura 3.
Atles Museum, Museu de Antiguidades da Alemanha

Em setembro de 2018, o Museu Nacional, já vinculado a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi severamente danificado (Fig. 4). Boa parte de seu acervo foi perdido completamente ou prejudicado, reforçando o total descaso presente das autoridades públicas brasileiras com o patrimônio cultural e material do país. Contudo, valiosas iniciativas de preservação e recuperação desse símbolo do Brasil estão sendo tomadas por pesquisadores brasileiros responsáveis e engajados. O que reforça o apelo do epitáfio da lápide de entrada do prédio, que diz: “todos que por aqui passem projetam esta laje, pois ela guarda um documento que revela a cultura de uma geração e um marco na História de um povo que soube construir seu próprio futuro”.

Se recordarmos o literato alemão Walter Benjamin (1987BENJAMIN, W. Experiência e Pobreza. In: Mágia e Técnica, Arte e Política. Traduzido por Paulo Sérgio Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 114-119., p. 226), especificamente, a representação cultural por ele criada para o quadro “Angelus Novus” de Paul Klee (1920), percebemos o incentivo à manter os olhos voltados para o futuro, inevitavelmente. Nesse sentido, assim como o anjo da História de Walter Benjamin, os arqueólogos mantém seus rostos dirigidos para o passado, testemunhando as cadeias de acontecimentos que acumulando-se em ruínas e coisas (os emaranhados passados), e mantém as asas abertas aos novos ventos, sendo impelidos ao avanço do conhecimento humano, o futuro a se construir.

Figura 4.
Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, Brasil

Arqueologia clássica agora

Quando lidamos com identidades nacionais e o desenvolvimento de tradições culturais, é importante salientar que mesmo de forma não intencional, contradições entre circunstâncias históricas e relações de tradição, acabam implicando em crises de identidade (SAHLINS, 1981SAHLINS, M. Historical Metaphors and Mythical Realities. Ann Arbor (MI): University of Michigan Press, 1981. ). A partir da década de 1990, a Arqueologia no Brasil esteve mais voltada às influências inglesas e norte-americanas (e mesmo israelenses),14 14 Malkin (2002, p. 152) atualmente trabalha o conceito de “meio termo” (middle ground), para abarcar o mundo além da zona de contato, compreendo não apenas o simbólico, mas também o mundo físico. Nessa perspectiva, o conceito de mímesis (JIMÉNEZ, 2010, p. 49) aborda a “imitação social”, a reprodução, inclusive involuntária das relações humanas. Outro instrumental é a abordagem considerando a ideia de creolização, como a fusão de duas línguas (WEBSTER, 2001, p. 209). mas sem esquecer seus laços e as contribuições com as tradições francesas e alemãs de estudo. Com os anos 2000 a arqueologia clássica no país recebeu uma gama diversificada de influências (LEVINE 1999LEVINE, H. Reconstructing ethnicity. Journal of Royal Anthropological Institute, v. 5, p. 165-80, 1999., p. 165-180).

A arqueologia está, portanto, assentada às humanidades e às ciências naturais, sociais e materiais. É desse lugar, particular, que cumpre o papel de documentar as maneiras pelas quais nossas vidas hoje são tão materialmente quanto socialmente entrelaçadas; as maneiras pelas quais coisas, materiais, corpos, desejos e sociedades dependem um do outro, os chamados emaranhados bio-sociomateriais no tempo e no espaço (HODDER, 2012HODDER, I. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc, 2012.; 2016HODDER, I. Studies in Human-Thing Entanglement. 2016. Disponível em: Disponível em: http://www.ian-hodder.com/books/studies-human-thing-entanglement . Acesso em: 9 mar. 2021.
http://www.ian-hodder.com/books/studies-...
; 2018HODDER, I. Where Are We Heading? The Evolution of Humans and Things. New Have/ London: Yale University Press, 2018. ; TEIXEIRA-BASTOS, FERREIRA, HODDER, 2020TEIXEIRA-BASTOS, M.; FERREIRA, L.M.; HODDER, I. Isso não é um Artigo: Dialogando com Ian Hodder sobre a Virada Ontológica em Arqueologia. Revista de Arqueologia da Sociedade de Arqueologia Brasileira, v. 33, p. 118-134, 2020. ). Muitas vezes de maneira antropoêmica e outras antropofágica, a arqueologia clássica no Brasil está empenhada em pesquisar o surgimento de alguns desses caminhos que têm raízes profundas e que ainda hoje nos afetam. Em um recente volume editado, sobre o Estado da arte da arqueologia clássica na Alemanha e Dinamarca, Achim Lichtenberger e Rubina Raja, enfatizaram a importância de uma diversidade de métodos, uma diversidade que também se relaciona as concepções de tempo e espaço (LICHTENBERGER; RAJA, 2017LICHTENBERGER, A.; RAJA, R. (org.). The Diversity of Classical Archaeology. Turnhout: Studies in Classical Archaeology, 2017, v. 1.; STOCKHAMMERSTOCKHAMMER, P. W. Conceptualizing cultural Hybridization: A Transdisciplinary Approach. Berlin: Springer-Verlag, 2012., 2013STOCKHAMMER, P. W. From Hybridity to Entanglement, From Essentialism to Practice. Archaeological Review from Cambridge, v. 28.1, 2013). O apelo é romper fronteiras nacionais e disciplinares para integrar-se nas perguntas e discussões de outros campos de estudos, acompanhado o debate atual a respeito das circunstâncias sob as quais os objetos que discutimos como arqueólogos foram criados e emergiram nas sociedades.

Guiados pela subjetividade pós-moderna do conceito “percepção”, os autores salientam o consumo da cultura material e, especificamente, a maneira como foi percebida e recebida, a materialidade nas sociedades antigas. Enfatizam a diversidade de opções metodológicas e a incorporação de uma série de novas metodologias, das ciências naturais às ciências da computação, por meio da disposição de suas inovações tecnológicas e recursos (LICHTENBERGER; RAJA, 2017LICHTENBERGER, A.; RAJA, R. (org.). The Diversity of Classical Archaeology. Turnhout: Studies in Classical Archaeology, 2017, v. 1.; STOCKAMMER, 2012STOCKHAMMER, P. W. Conceptualizing cultural Hybridization: A Transdisciplinary Approach. Berlin: Springer-Verlag, 2012.). Em certo sentido, esse tipo de seleção subjetiva de assuntos do compêndio alemão-dinamarquês de arqueologia clássica destaca a diversidade e a dinâmica do campo desses estudos. As abordagens analisam aspectos físicos, práticos, sociais, políticos, culturais, assim como outras condições contextuais relacionadas a produção de artefatos e suas ligações com os humanos, alinhados, portanto, aos pressupostos da virada material e virada ontológica do fazer arqueológico nesse prelúdio de século XXI15 15 A virada da materialidade (materiality turn) nos estudos organizacionais é o movimento teórico que enfatiza objetos, instrumentos e formas de realização envolvidos nas organizações e instituições (debate teórico) e as ontologias que sustentam as teorias sobre organizações e instituições, o que 'importa' profundamente no estudo das organizações (por exemplo, estruturas, agência, intencionalidade, processo, movimentos, relações, redes, entidades, substância, tecnologias, semiose, etc.) (debate ontológico) (ver, por exemplo, LATOUR, 2007; DE VAUJANY; MITEV, 2013; 2016). No contexto dos estudos organizacionais (ver, TSOUKAS; KNUDSEN, 2005 ou CREGG et al., 2006). Uma “virada” é uma direção coletiva de pesquisa, focada em alguns conjuntos coerentes de conceitos, teorias e ideias, que representam um ponto de bifurcação para o próprio campo. A maioria das viradas nos estudos de organização se relaciona com as mais amplas nas ciências sociais e humanas. A virada da materialidade é um desses exemplos principais, uma virada ontológica. Surgiu nos anos 90, justamente porque a materialidade e os modos de existência das coisas foram questionados pela digitalização das sociedades e organizações (VAN DIJK, 2012), pelo desencadeamento da agência (HAYLES, 2008) e pelas modalidades de atividade coletiva cada vez mais distribuídas (por exemplo, com tecnologias móveis, nomadismo digital, sistematização do empreendedorismo, espaços de coworking (ver, por exemplo, ENGESTRÖM; MIETTINEN; PUNAMÄKI, 1999 ou TURNER et al., 2006). A virada material pode ser definida como um projeto intelectual, um fórum que engloba uma diversidade de ontologias e que possui uma história específica. .

Essa mudança pode indicar mais sobre a condição dos Estados-nação na era da informação do que sobre o imperialismo, propriamente dito. A incapacidade dos governos nacionais de controlar os mercados e forças globais desencadeadas, em parte, pela efetivação da World Wide Web e Internet. Existem problemas em prever o surgimento de nova forma de imperialismo, no entanto, podemos estar testemunhando o fim da era dos “imperialismos”. A natureza descentralizada da Internet permite a emergência de novas elites e formas de expansão cultural e territorial.

Referências

  • AB’ SÁBER, A. (ed.). Pierre Monbeig: a herança intelectual de um geógrafo. Revista de Estudos Avançados, v. 8, n. 22, p. 221-232, 1994.
  • ALCOCK, S. E. Alphabet Soup in the Mediterranean Basin: The Emergence of the Mediterranean Serial. In: HARRIS, W.V. (org). Rethinking the Mediterranean Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 314-336.
  • ALCOCK, S. E.; OSBORNE, R. (org.). Classical Archaeology Oxford: Blackwell, 2012.
  • ALTEKAMP, S.; HOFTER, M. R.; KRUMME, M. Posthumanistische Klassische Archäologie: Historizität und Wissenschaftlichkeit von Interessen und Methoden. Kolloquium Berlin. München: Hirmer, 2001.
  • ALTEKAMP, S. Klassische Archäologie. In: ELVER, J.; NIELSEN-SIKONA, J. Kulturwissenschaften und Nationalsozialismus Stuttgart: Steiner, 2008. p. 167-209.
  • ARAÚJO, A. G.M. Arqueologia, Ontologia, Epistemologia: Quando a Teoria encontra a Matéria (ou, Por um Arqueologia Cética). 2017. Tese (Livre Docência) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.
  • AUBRETON, R. H. Le suicide à Rome aux I e llème siècles après J. C. Introdução a Homero São Paulo: FFCL, 1956. Boletim n.° 214.
  • BAKOS, M. Como o Egito chegou ao Brasil. In: BAKOS, M. Egiptomania: O Egito no Brasil. Rio de Janeiro: Paris Editorial, 2004. p. 15-28.
  • BENJAMIN, W. Experiência e Pobreza. In: Mágia e Técnica, Arte e Política Traduzido por Paulo Sérgio Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 114-119.
  • BRANCAGLION JR., A. Coleções egípcias no país. In: BAKOS, M. Egiptomania: O Egito no Brasil. Rio de Janeiro: Paris Editorial , 2004. p. 29-42.
  • CANABRAVA, A. P. Apontamentos sobre Varnhagen e Capistrano de Abreu. Revista de História, v. 43, n. 88, p. 418-424, 1971.
  • CARDOSO, J. L. Como nasceu a Arqueologia em Portugal. Revista O Estudo da História, n. 4, p. 9-30, 2000.
  • CASSAB, C. (ed). A Geografia de Pierre Monbeig. Revista de Geografia, v. 1, n. 1, p. 1-26, 2011.
  • CREGG, S. R.; HARDY, C.; LAWRENCE, T.; NORD, W. R. (org.). The Sage handbook of organization studies California: Sage Publications, 2006
  • DE ALMEIRA, M. W. B. Guerras Culturais e Relativismo Cultural. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 41, p. 5-14, 1999.
  • DE ARAÚJO, M. A. M. Antropologia na Missão: Relações entre a Etnologia Confessional de padre Schmidt e a Antropologia Acadêmica. Religião e Sociedade, v. 33, n. 1, p. 30-49, 2013.
  • DE CASTILHO, A. T. Homenagem Robert Henri Aubreton. Alfa, Revista de Linguística, v. 4, p. 133-137, 1963.
  • DE VAUJANY, F. X.; MITEV, N. Materiality and space: organizations, artefacts and practices. London: Palgrave Macmillan, 2013.
  • DE VAUJANY, F. X.; MITEV, N. Introduction au Tournant Matériel. In: DE VAUJANY, F.X.; HUSSENOT, A.; CHANLAT, J.F. (org.) Les Théories des Organisations Paris: Economica, 2016. p. 1-20.
  • EDELSTEN, M. Multiculturalism Past, Present, and Future. College English, v. 68, n. 1, p. 14-41, 2005.
  • ENGESTRÖM, Y.; MIETTINEN, R.; PUNAMÄKI, R. L. Perspectives on activity theory Cambridge University Press, 1999.
  • FAINGOLD, R. D. Pedro II na Terra Santa - Diario de Viagem - 1876 São Paulo: Sefer, 1999.
  • FAINGOLD, R. Judaísmo na Corte de D. Pedro II. Morashá, 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.morasha.com.br/brasil/judaismo-na-corte-de-d-pedro-ii.html Acesso em: 9 mar. 2021.
    » http://www.morasha.com.br/brasil/judaismo-na-corte-de-d-pedro-ii.html
  • FENTRESS, E. W. B. Frontier culture and politics at Timgad. Bulletin archéologique du C.T.H.S ., n. 17, p. 399-408, 1984.
  • FERREIRA, L. M. Vestígios da raça americana: Arqueologia, Etnografia e Romantismo no Brasil Imperial (1838-1867). Revista Habitus, v. 1, n. 1, p. 103-128, 2003a.
  • FERREIRA, L M. História petrificada: a Arqueologia Nobiliárquica e o Império Brasileiro. Cadernos do CEOM, v. 17, n. 18, p. 11-40, 2003b.
  • FERREIRA, L. M.; FUNARI, P. P. A. Arqueologia como prática política. Boletim do Museu Paraense Emílio Goelde, Ciência Humanas, v. 4, n. 1, p. 3-6, 2009.
  • FERREIRA, L.M. Território primitivo: a institucionalização da arqueologia no Brasil (1870-1917). Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.
  • FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber São Paulo: Forense Universitária, 2012 [1969].
  • FUNARI, P.P.A. The World Archaeological Congress from a critical and personal perspective. Archaeologies, v. 2, n. 1, p. 73-79, 2006.
  • FUNARI, P.P.A. Arqueologia: Uma trajetória muito particular. Revista Tempos Acadêmicos, Dossiê Arqueologia Histórica, n. 10, 2012.
  • FUNARI, P. P. A; ROBRAHN-GONZÁLEZ, E. M. Editorial. Revista Arqueologia Pública, São Paulo, n. 1, p. 3, 2006.
  • FUNARI, P. A.; ROBRAHN-GONZÁLEZ, E. M. Ética, capitalismo e arqueologia pública no Brasil. História (São Paulo), v. 27, n. 2, 2008. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/his/a/YC4nR3Hw8WvzgTsS8CN967L/?lang=pt Acesso em: 21 maio 2021.
    » https://www.scielo.br/j/his/a/YC4nR3Hw8WvzgTsS8CN967L/?lang=pt
  • FUNARI, P. A.; OLIVEIRA, N. V.; TAMANINI, E. Arqueologia Pública no Brasil e as Novas Fronteiras. Archaeologica, n. 3, p. 131-138, 2008
  • FUNARI, P.P.A.; TEGA, G. Arqueologia, do Imperialismo à Inclusão Social. Expressa Extensão, v. 19, n. 1, p. 17-27, 2014.
  • GARRAFONI, R.S.; FUNARI, P.P.A. Considerações sobre o estudo da Antiguidade Clássica no Brasil. Acta Scientiarum, v. 32, p. 1-6, 2010.
  • GARRAFONI, R.S.; FUNARI, P.P.A. The Uses of Roman Heritage in Brazil. Traditional Reception and New Critical Approaches. Heritage and Society, v.5, n.1, p. 53-76, 2012.
  • GARRAFONI, R.S.; FUNARI, P.P.A.; PINTO, R. O Estudo da antiguidade no Brasil: as contribuições teóricas recentes. In: FUNARI, P.P.A.; HINGLEY, R.; GARRAFONI, R.S.; PINTO, R. (org.). O imperialismo romano São Paulo: Annablume, 2010, v.1. p. 9-25.
  • GEHRKE, H.-J. Historische Landeskunde. In: BORGEIN, A. H.; HÖLSCHER, T.; ZANKER, P. (org.). Klassische Archäologie. Eine Einführung Berlin: Reimer, 2000. p. 39-51.
  • GODFREY-SMITH, P. Theory and Reality - An Introduction to the Philosophy of Science Chicago: The University of Chicago Press, 2003.
  • GRILLO, J.G.C.; FUNARI, P.P.A.; CARVALHO, A.V.D. Os caminhos da Arqueologia Clássica no Brasil São Paulo: Annablume , 2013.
  • GUARINELLO, N.L. Ordem, integração e fronteiras no império romano: Um ensaio. Mare Nostrum, v. 1, n. 1, p. 1-16, 2010.
  • HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade 6. ed. Tradução de Tomás Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
  • HAYLES, N. K. How we became posthuman: Virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics. University of Chicago Press, 2008.
  • HINGLEY, R. O Imperialismo romano: novas perspectivas a partir da Bretanha. Tradução de Luciano César Garcia Pinto. São Paulo: Annablume ., 2010.
  • HODDER, I. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc, 2012.
  • HODDER, I. Studies in Human-Thing Entanglement 2016. Disponível em: Disponível em: http://www.ian-hodder.com/books/studies-human-thing-entanglement Acesso em: 9 mar. 2021.
    » http://www.ian-hodder.com/books/studies-human-thing-entanglement
  • HODDER, I. Where Are We Heading? The Evolution of Humans and Things New Have/ London: Yale University Press, 2018.
  • HÖLSCHER, T. Staatsdenkmal und Publikum: Vom Untergang der Republik bis zur Festigung des Kaisertums in Rom. Konstanz: Universitätsverlag Konstanz, 1984.
  • HÖLSCHER, T. Klassische Archäologie: Grundwissen. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 2002.
  • HORDEN, P.; PURCELL, N. The Corrupting Sea: A Study of Mediterranean History. Oxford: Blackwell Publisng, 2000.
  • JIMÉNEZ, A. Reproducing Difference: Mimesis and colonialism in Roman Hispania. In: KNAPP, A.; VAN DOMMELEN, P. Material Connections: Mobility, Materiality and Mediterranean Identities. London: Routledge, 2010. p. 38-63.
  • KYRIELEIS, H. Art. Deutsches Archäologisches Institut. In: Der Neue Pauly Leiden: Brill, 1999. p. 749-760.
  • LANGER, J. A arqueologia e as origens imaginárias da nação brasileira (1839-1889). Labirinto, ano V, n. 7, 2005.
  • LATOUR, B. Can we Get our Materialism Back, Please? Isis, v. 98, n. 1, p. 138-142, 2007.
  • LEIDWANGER, J.; KNAPPETT, C. (ed.). Maritime Netwroks in Ancient Mediterranean World Cambridge: Cambridge University Press, 2018.
  • LEVINE, H. Reconstructing ethnicity. Journal of Royal Anthropological Institute, v. 5, p. 165-80, 1999.
  • LICHTENBERGER, A. Multiple Mediterranean Forces: Guido von Kaschnitz Weinberg's Mediterranean Art. In: LICHTENBERGER, A., VON RÜDEN, C. (org.). Multiple Mediterranean Realities: Current Approaches to Spaces, Resources and Connectivities. Paderborn: Mittelmeerstudien, 2015a, v. 6. p. 93-103.
  • LICHTENBERGER, A. Klassische Archäologie. In: MIHRAN, D. et al (org.). Handbuch der Mediterranistik: Systematische Mittelmeerforschung und disziplin.re Zug.nge. Paderborn: Fink and Schöningh, 2015b. p. 197-213.
  • LICHTENBERGER, A.; RAJA, R. (org.). The Diversity of Classical Archaeology Turnhout: Studies in Classical Archaeology, 2017, v. 1.
  • MALKIN, I. A colonial Middle Ground: Greek, Etruscan, and local elites in the Bay of Naples. In: LYONS, C.L.; PAPADOPOULOS, J.K. (ed.). The archaeology of colonialism Los Angeles: Getty Research Institute, 2002. p. 151-181.
  • MARSHALL, F. (org.). História Antiga e Arqueologia. Dossiê Projeto Apollonia. Revista Anos 90, v. 10, n. 17, 2003.
  • MENDES, T. N. E. Lévi-Strauss e a tríade da estrutura: a linguagem, o simbólico e o inconsciente. 2014. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Programa de Pós Graduação em Filosofia, Universidade Federal de São Carlos, 2014.
  • MORRIS, I. Mediterraneanization. In: MALKIN, I. (org.). Mediterranean Paradigms and Classical Antiquity London: Routledge , 2005. p. 30-55.
  • MÜLLER DE OLIVEIRA, G. Brasileiro fala português: monolingüismo e preconceito linguístico. In: DA SILVA, F. L.; MOURA, H.M.M. (org.). O direito à fala: a questão do preconceito linguístico. Florianópolis: Insular, 2000. p. 83-92.
  • NATALI, J.B. O Brasil, os índios e finalmente a USP. (A missão francesa de 1934). Entrevista com Paul Bastide. Bancos de Dados Folha, 1978. Disponível em: Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/entrevista_folhetim_26fev1978.htm Acesso em: 9 mar. 2021.
    » http://almanaque.folha.uol.com.br/entrevista_folhetim_26fev1978.htm
  • PANTELEON, I. A. Eine Archäologie der Direktoren. Die Erforschung Milets im Namen der Berliner Museen in den Jahren 1899-1914 und ihr historischer Kontext Bochum: Institut für Archäologische Wissenschaften, 2011.
  • PAUKETAT, T. A New Tradition in Archaeology. In: PAUKEAT, T. The Archaeology of Traditions Florida: University Press of Florida, 2001. p. 1-16.
  • PONCIONI, C. A Estátua Amazônica: “Uma Comédia Arqueológica”, De Araújo Porto-Alegre. Brasil/Brazil, A Journal of Brazilian Literatura, v. 28, 51, p. 66-84, 2015.
  • PORTO-ALEGRE, M.D.A. Memoria sobre a antiga escola de Pintura Fluminense. Revista do IHGB, tomo III, n. 12, p. 547-557, 1841.
  • PRATT, M. L. Arts of the Contact Zone. Profession, p. 33-40, 1991.
  • PROUS, A. Arqueologia brasileira Brasilia: UNB, 1992.
  • REMESAL-RODRÍGUEZ, J. Considerações sobre os Estudos da Antiguidade Clássica no Brasil. In: GRILLO, J.G.C., FUNARI, P.P.A., CARVALHO, A.V.D. Os caminhos da Arqueologia Clássica no Brasil São Paulo: Annablume, 2013. p. 13-18.
  • RIBEIRO, C. Relatório ácerca da Sexta reunião do Congresso de Anthropologia e de Archeologia Prehistorica verificada na cidade de Bruxelas no mez de Agosto de 1872 Lisboa: Imprensa Nacional, 1873.
  • SAHLINS, M. Historical Metaphors and Mythical Realities Ann Arbor (MI): University of Michigan Press, 1981.
  • SANABRIA, I. S. B. Paulo Duarte e a Construção do Patrimônio Plural - a Inclusão de Outras Memórias no Conceito de Patrimônio Brasileiro. In: XXVI Simpósio Nacional de História, 2011, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: ANPUH, 2011. p. 1-16.
  • SARIAN, H. Os Caminhos de uma Arqueologia Clássica no Brasil. In: GRILLO, J.G.C.; FUNARI, P.P.A.; CARVALHO, A.V.D. Os caminhos da Arqueologia Clássica no Brasil São Paulo: Annablume , 2013, p. 19-30.
  • SOUSA, L.C. Arqueologia Pública e suas práxis social: uma contribuição necessária para a preservação de recuros arqueológicos e interação social. Cadernos do LEPAARQ, v. XV, n. 30, p. 80-97, 2018.
  • STOCKHAMMER, P. W. Conceptualizing cultural Hybridization: A Transdisciplinary Approach. Berlin: Springer-Verlag, 2012.
  • STOCKHAMMER, P. W. From Hybridity to Entanglement, From Essentialism to Practice. Archaeological Review from Cambridge, v. 28.1, 2013
  • TEIXEIRA-BASTOS, M.; FERREIRA, L.M.; HODDER, I. Isso não é um Artigo: Dialogando com Ian Hodder sobre a Virada Ontológica em Arqueologia. Revista de Arqueologia da Sociedade de Arqueologia Brasileira, v. 33, p. 118-134, 2020.
  • TIMPE, D. Der Mythos vom Mittelmeerraum: Über die Grenzen der alten Welt. Chiron, v. 34, p. 3-23, 2004.
  • TSOUKAS, H.; KNUDSEN, C. The Oxford handbook of organization theory Oxford Handbooks Online, 2005.
  • TURNER, W.; BOWKER, G.; GASSER, L.; ZACKLAD, M. Information infrastructures for distributed collective practices. Computer Supported Cooperative Work (CSCW), v. 15, n. 2, p. 93-110, 2006.
  • VAN DIJK, J. The network society Thousand Oaks: Sage Publications, 2012.
  • VON KASCHNITZ-WEINBERG, G. Die mittelmeerischen Grundlagen der antiken Kunst Frankfurt: Klostermann, 1944a.
  • VON KASCHNITZ-WEINBERG, G. Über den Begriff des Mittelmeerischen in der vorchristlichen Kunst. Marburger: Jahrbuch für Kunstgeschichte, v. 13, p. 23-68, 1944b.
  • WEBSTER, J. Creolizing the Roman Provinces. American Journal of Archaeology, v. 105, n. 2, p. 209-225, 2001.
  • WHITLING, F. Western Ways: Foreign Schools in Rome and Athens. Berlin-Boston: Walter de Gruyter, 2019.
  • 1
    Veja análises críticas a esse respeito em GARRAFONI; FUNARI; PINTO, 2010GARRAFONI, R.S.; FUNARI, P.P.A.; PINTO, R. O Estudo da antiguidade no Brasil: as contribuições teóricas recentes. In: FUNARI, P.P.A.; HINGLEY, R.; GARRAFONI, R.S.; PINTO, R. (org.). O imperialismo romano. São Paulo: Annablume, 2010, v.1. p. 9-25. ; GARRAFONI; FUNARI; 2010GARRAFONI, R.S.; FUNARI, P.P.A. Considerações sobre o estudo da Antiguidade Clássica no Brasil. Acta Scientiarum, v. 32, p. 1-6, 2010. ; GARRAFONI; FUNARI, 2012GARRAFONI, R.S.; FUNARI, P.P.A. The Uses of Roman Heritage in Brazil. Traditional Reception and New Critical Approaches. Heritage and Society, v.5, n.1, p. 53-76, 2012..
  • 2
    Veja também ALTEKAMP; HOFTER; KRUMME, 200ALTEKAMP, S. Klassische Archäologie. In: ELVER, J.; NIELSEN-SIKONA, J. Kulturwissenschaften und Nationalsozialismus. Stuttgart: Steiner, 2008. p. 167-209.1; ALTEKAMP, 2008, p. 167-209.
  • 3
    https://ihgb.org.br
  • 4
    É interessante a leitura de Melvina Araújo (2013 DE ARAÚJO, M. A. M. Antropologia na Missão: Relações entre a Etnologia Confessional de padre Schmidt e a Antropologia Acadêmica. Religião e Sociedade, v. 33, n. 1, p. 30-49, 2013. , p. 30-49) que aborda e enfatiza as relações entre a etnologia confessional do padre Schidt e a antropologia acadêmica.
  • 5
    Cf. MORRIS, 2005MORRIS, I. Mediterraneanization. In: MALKIN, I. (org.). Mediterranean Paradigms and Classical Antiquity. London: Routledge , 2005. p. 30-55., p. 34-35, ALCOCK, 2005; ALCOCK, OSBORNE, 2012.
  • 6
    O conceito de “emaranhado” (e hibridismo) pode ser encontrado também no alemão Philipp Stockammer (2012, p. 17; 2013, p. 16). Hodder (2012; 2016; 2018) amplia a discussão e o conceito para além dos processos criativos e os encontros interculturais.
  • 7
    http://almanaque.folha.uol.com.br/entrevista_folhetim_26fev1978.htm Último Acesso: 09/03/2021.
  • 8
    Para uma breve síntese que aborda Lévi-Strauss e a tríade da estrutura, a linguagem, o simbólico e o inconsciente, consulte MENDES, 2014.
  • 9
    Atualmente o arqueólogo André Strauss do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE-USP) é o responsável pelo sítio arqueológico, que foi amplamente explorado sob os termos evolutivos e biológicas por Walter Alves Neves da Universidade de São Paulo.
  • 10
    http://filosofia.fflch.usp.br/departamento/memoria Último Acesso: 09/03/2021.
  • 11
    Aqui salientamos outra etapa da formação e desenvolvimento da arqueologia clássica no Brasil. Além dos trabalhos arqueológicos na ilha de Delos, uma equipe brasileira escavou pela primeira vez um sítio romano no Oriente Médio, em Apollonia, na costa de Israel (veja MARSHALL, 2003MARSHALL, F. (org.). História Antiga e Arqueologia. Dossiê Projeto Apollonia. Revista Anos 90, v. 10, n. 17, 2003.). As fronteiras e influências da arqueologia clássica praticada no Brasil foram, então, ampliadas e outras escolas de prática arqueológica passaram a fazer parte do ambiente acadêmico brasileiro. As escavações das temporadas de 1998, 1999 e 2000 concentradas na área E do sítio (villa romana) foram organizadas como uma cooperação entre o Instituto de Arqueologia da Tel Aviv University e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, contando com o apoio financeiro do Município de Herzliya, do Israel Nature and National Parks Protection Authority e de órgãos de fomento brasileiros como a FAPERGS e FAPESP, por meio da associação da Universidade de São Paulo. Em 2001, o sítio de Apollonia-Arsuf se tornou um parque nacional. Em 2004, o local foi formalmente reconhecido como um dos 100 monumentos mundiais mais ameaçados pelo World Monuments Fund. Em 2006, foi incluído na lista de castelos cruzados como patrimônio mundial pela UNESCO. Em 2007, tornou-se o estudo de caso de uma concessão da National Science Foundation, intitulada “CXT-Core Large: Computer Vision Research: Promoting Paradigm Shifts in Archaeology” (Grant #0808718). Além de Israel, a arqueologia clássica brasileira alcançou o Egito. Entre 2013-2017 o Programa Brasileiro de Arqueologia no Egito (BAPE) foi coordenado por José R. Pellini que escavou tumbas na área de Qurna, West Bank do Nilo, em Luxor. Dessa forma, o BAPE é outra bem-sucedida expansão da arqueologia clássica desenvolvida no país atualmente no contexto do Mediterrâneo Oriental. https://en-humanities.tau.ac.il/archaeology/excavations_and_Projects/current_excavations/Apollonia-Arsuf ; https://ufmg.br/comunicacao/publicacoes/boletim/edicao/2038/em-campo-no-egito Último Acesso: 09/03/2021.
  • 12
    Para os estudos sobre fronteiras culturais destacam-se. Guarinello diferencia três fronteiras: a natureza, comunidade humana, trabalho morto, formando a fronteira do poder (GUARINELLO, 2010GUARINELLO, N.L. Ordem, integração e fronteiras no império romano: Um ensaio. Mare Nostrum, v. 1, n. 1, p. 1-16, 2010., p. 121-125); Veja Fentress (1984FENTRESS, E. W. B. Frontier culture and politics at Timgad. Bulletin archéologique du C.T.H.S ., n. 17, p. 399-408, 1984., p. 399) para as relações sobre fonteiras, a romanidade e a necessidade de autoafirmar as identidades nas províncias.
  • 13
    Escola francesa de Atenas (EFA, 1846); Escola Britânica de Atenas (BSA, 1886); Instituto Arqueológico Alemão em Atenas (DAI, 1874); Instituto Arqueológico Austríaco em Atenas (OAI, 1898); Escola Americana de Estudos Clássico em Atenas (ASCSA, 1892); Escola Arqueológica Italiana de Atenas (SAIA, 1909); Instituto Sueco em Atenas (SAI, 1948); Escola Suíça de Arqueologia na Grécia (ESAG, 1964); Instituto Arqueológico Canadense (CIG-ICG, 1976); Instituo Arqueológico Australiano em Atenas (AAIA, 1980); Instituto Holandês em Atenas (NIA, 1984); Instituto Finlandês em Atenas (FIA, 1984); Escola Belga em Atenas (EBSA, 1985); Instituto Norueguês em Atenas (NIA, 1989); Instituto Arqueológico Romeno em Atenas (RAIA, 1989); Instituto Dinamarquês em Atenas (DIA, 1992); Instituto Irlandês de Estudos Helênicos em Atenas (IIHSA, 1995); Instituto da Geórgia em Atenas (GAI, 1998). Para um panorama das escolas francesas no Mediterrâneo ver WHITLING, 2019.
  • 14
    Malkin (2002, pMALKIN, I. A colonial Middle Ground: Greek, Etruscan, and local elites in the Bay of Naples. In: LYONS, C.L.; PAPADOPOULOS, J.K. (ed.). The archaeology of colonialism. Los Angeles: Getty Research Institute, 2002. p. 151-181.. 152) atualmente trabalha o conceito de “meio termo” (middle ground), para abarcar o mundo além da zona de contato, compreendo não apenas o simbólico, mas também o mundo físico. Nessa perspectiva, o conceito de mímesis (JIMÉNEZ, 2010JIMÉNEZ, A. Reproducing Difference: Mimesis and colonialism in Roman Hispania. In: KNAPP, A.; VAN DOMMELEN, P. Material Connections: Mobility, Materiality and Mediterranean Identities. London: Routledge, 2010. p. 38-63., p. 49) aborda a “imitação social”, a reprodução, inclusive involuntária das relações humanas. Outro instrumental é a abordagem considerando a ideia de creolização, como a fusão de duas línguas (WEBSTER, 2001, WEBSTER, J. Creolizing the Roman Provinces. American Journal of Archaeology, v. 105, n. 2, p. 209-225, 2001.p. 209).
  • 15
    A virada da materialidade (materiality turn) nos estudos organizacionais é o movimento teórico que enfatiza objetos, instrumentos e formas de realização envolvidos nas organizações e instituições (debate teórico) e as ontologias que sustentam as teorias sobre organizações e instituições, o que 'importa' profundamente no estudo das organizações (por exemplo, estruturas, agência, intencionalidade, processo, movimentos, relações, redes, entidades, substância, tecnologias, semiose, etc.) (debate ontológico) (ver, por exemplo, LATOUR, 2007LATOUR, B. Can we Get our Materialism Back, Please? Isis, v. 98, n. 1, p. 138-142, 2007.; DE VAUJANY; MITEV, 2013DE VAUJANY, F. X.; MITEV, N. Materiality and space: organizations, artefacts and practices. London: Palgrave Macmillan, 2013.; 2016DE VAUJANY, F. X.; MITEV, N. Introduction au Tournant Matériel. In: DE VAUJANY, F.X.; HUSSENOT, A.; CHANLAT, J.F. (org.) Les Théories des Organisations. Paris: Economica, 2016. p. 1-20.). No contexto dos estudos organizacionais (ver, TSOUKAS; KNUDSEN, 2005TSOUKAS, H.; KNUDSEN, C. The Oxford handbook of organization theory. Oxford Handbooks Online, 2005. ou CREGG et al., 2006CREGG, S. R.; HARDY, C.; LAWRENCE, T.; NORD, W. R. (org.). The Sage handbook of organization studies. California: Sage Publications, 2006). Uma “virada” é uma direção coletiva de pesquisa, focada em alguns conjuntos coerentes de conceitos, teorias e ideias, que representam um ponto de bifurcação para o próprio campo. A maioria das viradas nos estudos de organização se relaciona com as mais amplas nas ciências sociais e humanas. A virada da materialidade é um desses exemplos principais, uma virada ontológica. Surgiu nos anos 90, justamente porque a materialidade e os modos de existência das coisas foram questionados pela digitalização das sociedades e organizações (VAN DIJK, 2012), VAN DIJK, J. The network society. Thousand Oaks: Sage Publications, 2012.pelo desencadeamento da agência (HAYLES, 2008HAYLES, N. K. How we became posthuman: Virtual bodies in cybernetics, literature, and informatics. University of Chicago Press, 2008.) e pelas modalidades de atividade coletiva cada vez mais distribuídas (por exemplo, com tecnologias móveis, nomadismo digital, sistematização do empreendedorismo, espaços de coworking (ver, por exemplo, ENGESTRÖM; MIETTINEN; PUNAMÄKI, 1999ENGESTRÖM, Y.; MIETTINEN, R.; PUNAMÄKI, R. L. Perspectives on activity theory. Cambridge University Press, 1999. ou TURNER et al., 2006TURNER, W.; BOWKER, G.; GASSER, L.; ZACKLAD, M. Information infrastructures for distributed collective practices. Computer Supported Cooperative Work (CSCW), v. 15, n. 2, p. 93-110, 2006.). A virada material pode ser definida como um projeto intelectual, um fórum que engloba uma diversidade de ontologias e que possui uma história específica.

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2021
  • Aceito
    01 Ago 2021
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Campus de Assis, 19 806-900 - Assis - São Paulo - Brasil, Tel: (55 18) 3302-5861, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, Campus de Franca, 14409-160 - Franca - São Paulo - Brasil, Tel: (55 16) 3706-8700 - Assis/Franca - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@unesp.br