Acessibilidade / Reportar erro

A gênese do Ritual do Poder e o Berço Esplêndido nos filmes documentais: Paulo Emílio e o século XIX

The genesis of the Ritual of Power and the Splendid Cradle in documentary films: Paulo Emílio and the 19th century

Resumo:

O presente artigo reconstitui a gênese de dois dos temas mais expressivos na história dos filmes documentais brasileiros a partir dos manuscritos de Paulo Emílio para o curso Os filmes na cidade (1966): “o Ritual do Poder, autoelogio das elites, e o Berço Esplêndido, ufanismo relacionado à grandiosidade natural”. Cotejando os manuscritos às referências e ao conjunto da obra do historiador de cinema, pretendo demonstrar como a expressividade social e cultural desses temas cinematográficos é interpretada à luz das manifestações culturais sagradas e profanas no Brasil do século XIX. No artigo, será possível compreender que os rituais de poder monárquico e eclesiástico, as procissões e o culto ufanista às grandezas naturais foram levantados pelo historiador em literaturas de viagem e em narrativas memorialistas e históricas para delimitar o caráter espetacular dessas manifestações na gênese do Ritual do Poder e do Berço Esplêndido. Em linhas gerais, aproximando os manuscritos do curso ao texto A expressão social dos filmes documentais no cinema brasileiro (1974), sustento no artigo que Paulo Emílio interpreta a história dos filmes documentais na longa duração da história social e cultural do Brasil e reconhece a circularidade e persistência desses temas como elementos constitutivos da fisionomia do público brasileiro.

Palavras-chave:
Paulo Emílio; Ritual do Poder; Berço Esplêndido; história dos filmes documentais

Abstract:

This article reconstructs the genesis of two of the most expressive themes in the history of Brazilian documentary films from Paulo Emilio’s manuscripts for the course The films in the city” (1966): “the Ritual of Power, self-praise of the elites, and the Splendid Cradle, ufanism related to natural greatness. By comparing the manuscripts with the references and the work of the film historian, I intend to demonstrate how the social and cultural expressiveness of these cinematographic themes is interpreted in the light of sacred and profane cultural manifestations in 19th-century Brazil. The monarchical and ecclesiastical power rituals, processions, and the boastful cult of natural greatness raised by the historian in travel literature and in memorialistic and historical narratives to delimit the spectacular character in the genesis of the Ritual of Power and the Splendid Cradle. In general terms, bringing the course manuscripts closer to the text The Social expression of documentary films in brazilian cinema (1974), I maintain in this article that Paulo Emilio interprets the history of documentary films in the long duration of Brazil's social and cultural history and recognizes the circularity and persistence of these themes as constitutive elements of the physiognomy of the Brazilian public.

Keywords:
Paulo Emílio; Ritual of Power; Splendid Cradle; documentary films history

Introdução

Paulo Emílio pode ser considerado um dos personagens mais atuantes na história do cinema brasileiro. Foi agitador cultural e cineclubista, crítico e historiador de cinema, conservador-chefe e fundador da Cinemateca Brasileira, professor em cursos superiores de cinema, ministrou palestras e cursos livres, escreveu roteiros cinematográficos e atuou em muitas das frentes de trabalho ocupadas da formação e desenvolvimento do cinema brasileiro entre o início da década de 1940 e sua morte em 1977.

No campo de pesquisas histórico-cinematográficas contemporâneas, a vida e a obra do historiador foram analisadas de diferentes perspectivas. A biografia Paulo Emílio no paraíso, de José Inácio de Melo Souza (2002SOUZA, José Inácio de Melo. Paulo Emílio no Paraíso. São Paulo: Editora Record, 2002.), é incontornável, pois periodiza toda a vida e a obra do intelectual segmentando-as em eixos temáticos que revelam as múltiplas frentes de trabalho que Paulo Emílio abriu ou se somou voltadas à formação e desenvolvimento do cinema brasileiro, à investigação de seu passado, a interpretação de seu presente e as perspectivas relacionadas ao seu futuro.

A partir do caminho aberto por José Inácio (2002SOUZA, José Inácio de Melo. Paulo Emílio no Paraíso. São Paulo: Editora Record, 2002.), Adilson Mendes focalizou em Trajetória de Paulo Emílio (2015MENDES, Adilson Inácio. Trajetória de Paulo Emílio. São Paulo: Ateliê Editorial, 2015.) aspectos centrais do estilo investigativo do historiador analisando seus trabalhos de maior fôlego: os livros Jean Vigo (1957) e Humberto Mauro, Cataguazes, Cinearte (1974). Outros trabalhos, como os de Pedro Plaza Pinto (2008PINTO, Pedro Plaza. Paulo Emílio e a emergência do Cinema Novo: débito, prudência e desajuste no diálogo com Glauber Rocha e David Neves. Tese (Doutorado em Comunicação Social) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, 2008.; 2017PINTO, Pedro Plaza. As tarefas do crítico e os desafios do intelectual, p. 140-167. In: ALMEIDA, Thiago; XAVIER, Nayara (org.) Paulo Emílio: legado crítico. São Paulo: CINUSP/Cinemateca Brasileira , 2017. p. 140-165.), elucidaram as tarefas do crítico e os desafios do intelectual no diálogo que estabeleceu com David Neves e Glauber Rocha à época da formação do Cinema Novo, revelando os débitos, a prudência e os desajustes entre o intelectual e os cinemanovistas. Detendo-se à história da preservação audiovisual no Brasil, tanto a tese de Carlos Roberto de Souza (2009SOUZA, Carlos Roberto de. A Cinemateca Brasileira e a Preservação de Filmes no Brasil. 2009. Tese (Doutorado em Comunicação Social) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, 2009.) como o livro de Fausto Douglas Correia Júnior (2010CORREA JÚNIOR, Fausto Douglas. A cinemateca brasileira: das luzes aos anos de chumbo. São Paulo: Editora UNESP, 2010.) apresentam Paulo Emílio como personagem central da história da Cinemateca Brasileira. Na tese e no livro, os autores acentuam que as relações diplomáticas estabelecidas por Paulo Emílio e pela instituição com outras cinematecas do mundo resultaram em um ganho cultural sem precedentes para o desenvolvimento do cinema e da cultura cinematográfica no Brasil.

Diante do interesse que a obra de Paulo Emílio tem suscitado nas últimas décadas, parte de seu trabalho crítico e histórico foi também republicado em duas coletâneas temáticas: Uma Situação Colonial (2016GOMES, Paulo Emílio Sales. Panorama do Cinema Brasileiro. In: GOMES, Paulo Emílio Sales; CALIL, Carlos Augusto (org.). Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras, 2016a. p. 119-166. ) e O Cinema no Século (2016GOMES, Paulo Emílio Sales; CALIL, Carlos Augusto (org.). O cinema no século. São Paulo: Companhia das Letras , 2016b.), organizadas por Carlos Augusto Calil. Em igual medida, a coletânea de entrevistas e artigos organizada por Adilson Mendes, intitulada Paulo Emílio Sales Gomes (2014MENDES, Adilson Inácio (org.). Paulo Emílio Sales Gomes. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2014. ), não é menos representativa. Com Isabelle Marinone, Mendes também publicou na França uma antologia de trabalhos do autor, acompanhada por artigos de comentadores brasileiros e franceses: Paulo Emílio Sales Gomes ou la critique à contre courante (une anthologie) (2016MARINONE, Isabelle; MENDES, Adilson. Paulo Emílio Sales Gomes ou la critique à contre courant (une anthologie). Paris: Association Française de Recherche sur l´Histoire du Cinéma, 2016.). No Brasil, a coletânea Paulo Emílio: legado crítico (2017ALMEIDA, Thiago; XAVIER, Nayara (org.) Paulo Emílio: legado crítico. São Paulo: CINUSP/Cinemateca Brasileira, 2017.) reuniu artigos da nova geração de comentadores como parte das ações do Festival 100 Paulo Emílio (2016), evento comemorativo do centenário do intelectual para o qual a Cinemateca Brasileira e o CINUSP realizaram mostras, exposições e cursos. Como parte da equipe da Cinemateca, trabalhei na organização da Coleção Paulo Emílio Sales Gomes como pesquisador e arquivista do Centro de Documentação e Pesquisa da instituição1 1 Festival 100 Paulo Emílio: <http://cinemateca.gov.br/100pauloemilio/creditos.html>. , finalizando um trabalho de quase quatro décadas (FUTEMMA, 2006FUTEMMA, Olga. Arquivo Paulo Emilio Salles Gomes: rastros de perícia, método e intuição. 2006. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, 2006.).

A partir da organização do arquivo, identifiquei na coleção os manuscritos do curso “Os filmes na cidade (1966)”, momento em que o historiador narra em sala de aula uma história de longa duração (VOVELLE, 1987VOVELLE, Michel. A longa duração. In: Ideologias e mentalidades. São Paulo: Brasiliense,1987, p.259-298.) da cultura e da fisionomia do público brasileiro entre a chegada da família real portuguesa (1808) e as comemorações dos 70 anos do cinema brasileiro (1967). Se a maior parte do curso resultou no ensaio Panorama do Cinema Brasileiro (1966), suas primeiras aulas sobre a economia, a sociedade e a cultura brasileira no século XIX permaneceram desconhecidas, em grande parte devido à própria história de organização do acervo.

Para identificá-las, foi necessário realizar comparações globais entre os manuscritos identificados e os documentos digitalizados no âmbito do festival (2016), observando detalhes como caligrafia, acidificação de papel, marcas de ferrugens, temas e codificações. Nos manuscritos das quatro primeiras aulas, ministradas nos dias 02, 09, 16 e 23 de maio de 1966, Paulo Emílio se dedica ao período ou aos temas que ficaram de fora do recorte temporal e temático do Panorama do Cinema Brasileiro (1966). Em algumas aulas, manuscritos codificados elucidam seu encadeamento indicando folhas de apoio e fichamentos, citando obras e temas acompanhados de paginação; em outras, os esquemas gerais das aulas desapareceram, restando apenas seus fichamentos, muitas vezes sumários, codificados e acompanhados de paginação. Tendo em vista a incompletude das primeiras aulas do curso “Os filmes na cidade (1966)”, realizei cotejo dos manuscritos com as obras neles referenciadas e os interpretei à luz do conjunto da obra de Paulo Emílio. Como resultado, me deparei com uma proposta de escrita da história que concilia a análise da cultura brasileira aos aspectos econômicos, psicológicos e sociais constitutivos da nação, um estudo das raízes brasileiras e de sua capacidade de explicar a fisionomia dos nossos filmes e, por consequência, de nosso público: proposta semelhante a do Panorama do Cinema Brasileiro (1966), como observou Jean-Claude Bernardet em Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro (1995BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro: metodologia e pedagogia. São Paulo: Annablume, 1995.).

Diante da grande dimensão das questões analisadas pelo historiador de cinema, realizei a remontagem e interpretação dessa constelação de fragmentos em quatro artigos: o primeiro, Paulo Emílio e Os filmes na cidade (1966): economia, cultura laboral e mentalidade no século XIX2 2 Publicado na Revista de Teoria da História. Disponível em: <https://doi.org/10.5216/rth.v24i1.65510>. , concentrou-se na elucidação de aspectos da economia, da cultura laboral e da mentalidade presentes no século XIX que persistiram no cinema e foram analisadas por Paulo Emílio em trabalhos como Panorama do Cinema Brasileiro (1966) e Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento (1973) - situação colonial e estado de subdesenvolvimento compartilhado por realizadores, distribuidores, críticos, conservadores e público. Em Paulo Emílio e Os filmes na cidade (1966): a gênese da comédia musical3 3 Publicado na revista Rebeca: Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual. Disponível em: <https://doi.org/10.22475/rebeca.v9n2.661>. , salientei como sua interpretação da comédia musical como fenômeno cultural se ampara no estudo das expressões artísticas, das fisionomias femininas e das revistas de Arthur de Azevedo no século XIX, raízes do gênero cinematográfico de maior expressividade do cinema brasileiro. Finalmente, em Paulo Emílio e a fisionomia histórica do cinema brasileiro: carnaval, futebol e outros rituais populares4 4 Publicado na Fênix: Revista de História e Estudos Culturais. Disponível em: <https://doi.org/10.35355/revistafenix.v17i17.952>. , demonstrei como o historiador busca nessas manifestações populares subsídios para interpretar a expressividade desses temas nos filmes brasileiros e, em consequência, identificar a fisionomia histórica do nosso público.

A partir do caminho aberto pelos estudos e ações supracitadas, analisarei no presente artigo o último tema evocado pelos manuscritos do curso “Os filmes na cidade (1966)”: a gênese do Ritual do Poder e do Berço Esplêndido, dois temas constantes na história dos filmes documentais que foram identificados por Paulo Emílio em fontes como literaturas de viagem e narrativas memorialistas - registros socioculturais de longa duração da história brasileira. Em A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro 1898-1930 (1974), Paulo Emílio elabora uma definição bastante precisa de ambos os temas: o Ritual do Poder se “cristaliza naturalmente em torno do presidente da República”, quando filmados “presidindo, visitando, recebendo, inaugurando e, eventualmente, sendo enterrados”. Transgredindo o registro de uma personalidade, poderia ainda ser incorporado no tema do Ritual do Poder as filmagens das paradas militares do Sete de Setembro, manobras e aquisições de navios, inaugurações de estátuas e monumentos. Já o tema do Berço Esplêndido é definido como “o culto das belezas naturais do país”, especialmente das paisagens do Rio de Janeiro (GOMES, 2016GOMES, Paulo Emílio Sales. A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro. In: CALIL, Carlos Augusto (org.). Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras , 2016a. p. 167-175., p. 168-170).

A delimitação desses temas na história dos filmes documentais foi amplamente analisada nos trabalhos de José Inácio de Melo Souza (1994SOUZA, José Inácio Melo. Eleições e cinema brasileiro: do fósforo eleitoral aos santinhos eletrônicos.Revista USP, São Paulo, n. 22, p. 155-165, 1994.; 2003aSOUZA, José Inácio de Melo. O Estado contra os meios de comunicação, 1889-1945. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2003a.; 2003bSOUZA, José Inácio Melo. Trabalhando com cinejornais: relato de uma experiência. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 38, p. 43-62, 2003b.), a partir dos quais é possível compreender como eles persistem durante muito tempo na produção audiovisual brasileira, desdobrando-se em subtemas e se rearticulando em distintos cenários culturais e políticos. Uma década depois, o historiador Eduardo Morettin discutiu em livro (2013MORETTIN, Eduardo; XAVIER, Ismail. La critique cinématographique au Brésil et la question du sous-developpement économique : du cinéma muet aux années 1970. 1895 Révue d´Histoire du Cinéma, Paris, n. 77, p. 09-31, 2015.) e em artigo (2012MORETTIN, Eduardo. Dimensões históricas do documentário brasileiro no período silencioso. In: KORNIS, Mônica; MORETTIN, Eduardo; NAPOLITANO, Marcos (org.). História e Documentário. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. p. 11-44.) como o Ritual do Poder e o Berço Esplêndido se manifestam no cinema brasileiro como expressões do contrato social da época, lidos à luz de projetos, expectativas, ideais e do que realmente se efetivou formalmente na tela. Mais recentemente, o historiador Rodrigo Archangelo em livro (2015aARCHANGELO, Rodrigo. Um Bandeirante nas Telas: o discurso adhemarista em cinejornais. São Paulo: Editora Alameda, 2015a.) e tese (2015bARCHANGELO, Rodrigo. Imagens da Nação: política e prosperidade nos cinejornais Notícias da Semana e Atualidades Atlântida. 2015. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015b.) mobilizou os temas cunhados por Paulo Emílio para pensar a cultura política brasileira a partir dos cinejornais, interpretando-os como um autoelogio das belezas naturais brasileiras e das elites políticas e econômicas em seus atos públicos e privados (2016).

Diante da relevância desses temas para o estudo dos filmes documentais e dos cinejornais no Brasil, pretendo me somar ao debate desses conceitos analisando e reconstituindo a gênese desses temas à luz dos manuscritos do curso “Os filmes na cidade (1966)”, nos quais se destaca a presença e a dinâmica espetacular desses temas na cultura brasileira à época do I e II Reinados (1822-1889). Nos manuscritos de Paulo Emílio, a seleção de citações das obras de referência salienta a preocupação do historiador em identificar a gênese do Ritual do Poder, não aquele encarnado pela personalidade do Presidente da República ou das elites dirigentes, mas dos festejos cívicos e religiosos, nos quais o poder monárquico e eclesiástico é reafirmado perante os súditos e fiéis. No do Berço Esplêndido, os panoramas de Victor Meirelles e a descrição na literatura de viagem das belas paisagens naturais do Rio de Janeiro serão tomadas como exemplos anteriores à crença e ao elogio à grandeza natural do país como dispositivo compensatório do atraso civilizatório brasileiro que estará presente em um sem número de documentários e cinejornais ao longo de nossa história.

Em sua operação histórica, Paulo Emílio investiga a gênese do Ritual do Poder e do Berço Esplêndido nas seguintes obras: os relatos de viajem O Rio de Janeiro como é (1824-1826) (2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000.), de Carl Schlichthorst, e O Rio de Janeiro visto por dois prussianos em 1819 (1966LEITHOLD, Theodor von; RANGO, Ludwig von. O Rio de Janeiro visto por dois prussianos em 1819. São Paulo: Editora Companhia Nacional, 1966. (Brasiliana, v. 328).), de Theodor von Leithold e Ludwig von Rango; os trabalhos memorialistas e históricos Aparência do Rio de Janeiro (1949CRULS, Gastão. Aparência do Rio de Janeiro. Notícia histórica e descritiva da cidade. Rio de Janeiro: José Olympiao Editora, 1949. 2 v.), de Gastão Cruls, Festas e Tradições Populares do Brasil (2002MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002 [1888].), de Mello Moraes Filho, História e Tradições de Cidade de São Paulo (1954BRUNO, Ernani da Silva. História e Tradições de Cidade de São Paulo. São Paulo: José Olympio Editora, 1954. 3 v.), de Ernani da Silva Bruno e o manuscrito do livro A bela época do cinema brasileiro (1976ARAÚJO, Vicente de Paulo. A bela época do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976.), de Vicente de Paulo Araújo, publicado dez anos após a realização do curso. Partindo das obras supracitadas, Paulo Emílio sugere no encadeamento de suas anotações o estudo de aspectos da cultura brasileira do século XIX que persistiram - e que persistem - como temas recorrentes em documentários e cinejornais. Como acentuou Arlindo Machado: “Os cinejornais passam pela nossa vida um pouco como passavam os monarcas antigos por burgos e aldeias, com todo o seu séquito e guarda pessoal, apenas para lembrar aos súditos que eles estavam sendo governados” (MACHADO, 1979MACHADO, Arlindo. Acompanha: complemento nacional. Polímica - Revista de Crítica e Criação, São Paulo, p. 33-38, 1979., 35).

Ritual do Poder Monárquico e Eclesiástico

A expressividade social dos rituais monárquico e eclesiástico no Brasil Império (1822-1889) é identificada por Paulo Emílio no relato de viagem do oficial alemão Carl Schlichthorst, O Rio de Janeiro como é (1824-26)SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000.. No fichamento do livro, realizado em tópicos e com sinalização de páginas, fica claro como o Ritual do Poder Monárquico será apreendido pelo historiador5 5 5 Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0492. Doravante, as remissões aos manuscritos serão dadas pela entrada no Arquivos da Cinemateca Brasileira, coleção Paulo Emílio Sales Gomes. como um espetáculo complexo, repleto de recursos cênicos voltados à atração do público, especialmente nas festas cívicas mais importantes, como a comemoração da Independência do Brasil no Sete de Setembro6 6 Em Panorama do Cinema Brasileiro (1966), Paulo Emílio enfatizou como as comemorações do Centenário da Independência (1922) foram largamente registradas em “documentários e jornais de atualidade”, garantido trabalho aos cavadores (GOMES, 2016, p. 141). , quando todas as autoridades, vestidas a rigor, marcavam presença no Paço Imperial. No Salão Imperial, cônsules e estrangeiros distintos dividiam espaço com a Imperatriz e com mulheres de funcionários superiores do Estado, enquanto, no grande átrio, uma grande multidão de oficiais, padres, etc., abarrotava o recinto. Ao pé da escadaria, a banda de música encontrava-se a postos para a execução do Hino Imperial, acompanhamento apropriado para anunciar a chegada do Imperador. Após se acomodar no Salão Imperial, D. Pedro I, trajado em um uniforme azul de marechal, bordado à ouro, era o centro do beija-mão, ritual de poder no qual os súditos se enfileiravam para beijar as mãos do soberano (SCHLICHTHORST, 2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000., p. 213-214). Para oferecer uma imagem precisa do ritual, Paulo Emílio recorre à descrição de Leithold sobre a fisionomia do público do espetáculo, composto de generais, ministros, sacerdotes e conselheiros, desde que trajados a rigor. A participação na solenidade de não fidalgos, como professores, artistas, negociantes e artesãos era vedada (LEITHOLD; RANGO, 1966LEITHOLD, Theodor von; RANGO, Ludwig von. O Rio de Janeiro visto por dois prussianos em 1819. São Paulo: Editora Companhia Nacional, 1966. (Brasiliana, v. 328)., p. 64).

Além das grandes ocasiões, a corte também participava e atuava em espetáculos cívicos de menor proporção, como as recepções organizadas quando o Imperador retornava de alguma viagem. Schlichthorst narra o episódio de 1º de abril de 1826, quando se preparou no cais uma recepção noturna repleta de luminárias para aguardar a chegada do Imperador após realizar uma visita oficial ao estado da Bahia. Naquela noite, por motivos desconhecidos, D. Pedro I não desembarcou de sua fragata e recebeu, no dia seguinte, uma recepção fria, com poucos vivas proferidos em sua honra (SCHLICHTHORST, 2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000., p. 198). Em outras ocasiões, quando aparecia no balcão de seu palácio ou em seu camarote no Teatro S. Pedro de Alcântara, alguns súditos lhe dirigiam discursos inflamados de aprovação e expressavam ardente patriotismo. Essas manifestações públicas de amor ao Imperador eram bastante apreciadas, e muito baratas, já que custavam “dois tostões” (SCHLICHTHORST, 2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000., p. 201): “tudo encomendado”, complementou Paulo Emílio7 7 PEPI 0492. . Esse aspecto, o do trabalho de encomenda, irá persistir na história dos filmes documentais e da imprensa (SOUZA, 2003aSOUZA, José Inácio de Melo. O Estado contra os meios de comunicação, 1889-1945. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2003a., 2003bSOUZA, José Inácio Melo. Trabalhando com cinejornais: relato de uma experiência. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 38, p. 43-62, 2003b.), nos seus rituais (ARCHANGELO, 2015aARCHANGELO, Rodrigo. Um Bandeirante nas Telas: o discurso adhemarista em cinejornais. São Paulo: Editora Alameda, 2015a., 2015bARCHANGELO, Rodrigo. Imagens da Nação: política e prosperidade nos cinejornais Notícias da Semana e Atualidades Atlântida. 2015. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015b.) e narrativas (MORETTIN, 2012MORETTIN, Eduardo. Dimensões históricas do documentário brasileiro no período silencioso. In: KORNIS, Mônica; MORETTIN, Eduardo; NAPOLITANO, Marcos (org.). História e Documentário. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. p. 11-44.).

Em suas anotações, Paulo Emílio aprofunda a análise desses rituais quando pensa “o enterro como espetáculo”8 8 Idem. , também apropriado pelo cinema no âmbito do Ritual do Poder. A intersecção entre o sagrado e o profano baseia-se no encadeamento de citações do relato de Schlichthorst sobre o funeral de crianças: seus corpos eram enfeitados como anjinhos e levados às igrejas. O caráter espetacular do funeral baseava-se na condução do caixão por homens trajados com hábitos de monges ou da Ordem de Cristo. Ele era coberto com um veludo preto ricamente bordado em ouro que apenas era retirado na missa de corpo presente em um ambiente iluminado por um grande número de velas acesas e um “excelente acompanhamento vocal e instrumental” (SCHLICHTHORST, 2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000., p. 122).

Após as preces, o sacerdote lançava uma pá de cal sobre o cadáver antes de sepultá-lo nas paredes externas de igrejas ou conventos. Mas quando esse ritual eclesiástico era o sepultamento de algum soberano, o espetáculo assumia a fisionomia de um ritual do poder monárquico. À época do Primeiro Reinado (1822-1831), Paulo Emílio vale-se do exemplo da “missa por D. João VI”9 9 Idem. , espetáculo descrito por Schlichthorst como o funeral mais luxuoso que havia presenciado. As paredes da Capela Imperial foram forradas até o teto com pano preto e veludo roxo para contrastar com o forro de cetim branco. Nesse cenário, repousava o ataúde simbólico, a coroa, o cetro e uma imagem do falecido Rei, margeados por “caveiras entre asas e ampulhetas de prata, símbolos da morte e do tempo fugitivo”. Ao todo, as exéquias de D. João VI duraram três dias, com “os navios de guerra e as fortalezas salvando de cinco em cinco minutos, do nascer ao pôr do sol, com um tiro de luto”, estrondo que se mesclava “solenemente aos sons abafados do órgão” (SCHLICHTHORST, 2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000., p. 123).

Após analisar o Ritual do Poder Monárquico, tomado nas impressões de Schlichthorst sobre a festa de Independência, o beija-mão, as recepções e os funerais, Paulo Emílio recorre ao livro de Mello Moraes Filho, Festas e Tradições Populares do Brasil (2002MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002 [1888].), para traçar a fisionomia dos eventos cívicos já à época do Segundo Reinado, quando as “festas do aniversário da independência e do império eram estrondosas e possuíam o relevo das consagrações populares” (MORAES FILHO, 2002MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002 [1888]., p. 126). Partindo da obra que “finalmente” havia lido10 10 Idem. , Paulo Emílio descreve a mobilização do Rio de Janeiro para a realização da festividade: os coretos públicos nos largos do Rocio, do Capim e de S. Domingos eram tomados por “bandas de música de navios estrangeiros” ancorados no porto, associando-se às “alegrias do dia da pátria”. O trajeto que interligava o Rocio Pequeno ao Paço era todo enfeitado com “arcarias e folhas de mangueira, e as janelas com arandelas, globos e castiçais acesos por dentro das vidraças” (MORAES FILHO, 2002MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002 [1888]., p. 127).

Era comum a grande afluência de pessoas aos bailes, onde coros patrióticos criavam uma atmosfera em que a “alma nacional fervia jubilosa nas abstrações épicas, que nobilitam povos e raças”. Para o Imperador, esse dia começava com um cortejo em direção à Capela Imperial, e depois, na varanda do Paço Imperial, acompanhado da família real e por nobres da corte, assistia uma pequena parada militar. Vivas ao Imperador e a José Bonifácio eram proclamadas pela turba patriótica, e também nos coretos, poderíamos ver “bandos de meninas vestidas de branco, com grinaldas e fitas de cores nacionais” cantando o “hino de Pedro I”, o Te Deum (1820); as janelas eram enfeitadas com colchas de damasco, tais quais as “sanefas e guarnições que revestiam as portas”. Com o cair da noite, a cidade era completamente iluminada pelos focos de luz que afluíam das casas, dos edifícios públicos e das praças, e no morro do Santo Antônio, a estátua do Imperador “pernoitava iluminada”, assistida pela companhia de Gás. Sociedades de música, como a do Ipiranga e a Sete de Setembro, bandas militares e multidões ocupavam a cidade iluminada por fogos de artifício e por salvas de artilharia disparadas dos fortes e navios atracados no porto.

Às 20 horas, D. Pedro II chegava ao Teatro S. Pedro de Alcântara para, ao cair das cortinas de seu camarote, ser aclamado com fervor. No palco, artistas “trajando casaca e calça preta, colete e gravata branca, ostentando a tiracolo uma larga fita verde e amarela, formavam o coro do hino da Independência, cantado por uma atriz, rica e caracteristicamente vestida” (MORAES FILHO, 2002MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002 [1888]., p. 128). Na ocasião, João Caetano, “o gênio dramático de mais altura que nos tem sido dado admirar no Brasil e na Europa”, encenava tragédias de Shakespeare, Vicenzo Monti, Alfieri, Racine, etc., traduzidas pelo engenheiro Antônio Araújo. A peça escolhida para a ocasião do Sete de Setembro “montava-se com aparato e rigor decorativo”, sendo ela por vezes emanação da própria vontade do Imperador. Buscando o prestígio imperial, os poetas e escritores mais notáveis do período, como Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias, Porto Alegre, Teixeira e Sousa, Laurindo, Constantino Gomes de Sousa, Joaquim Norberto, José Antônio e Machado de Assis “compunham cantos inspirados pelo amor da pátria”. Esses textos eram recitados no teatro, publicados em jornais e revistas e declamados ao som do hino nacional, às portas da Petalógica11 11 Sociedade voltada ao estudo da mentira, da lorota, etc. Nesses locais se reuniram o movimento romântico entre as décadas de 1840 a 1860. , da Loja do Canto e em frente à tipografia de Paula Brito” (MORAES FILHO, 2002MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002 [1888]., p. 125-126).

O tom elogioso dessas manifestações persistirá nos filmes documentais, particularmente em suas cartelas ou narrações em voz-over. Arlindo Machado no texto Acompanha: Cinejornal (1979MACHADO, Arlindo. Acompanha: complemento nacional. Polímica - Revista de Crítica e Criação, São Paulo, p. 33-38, 1979.), publicado cinco anos após o texto de Paulo Emílio, afirma que será nessas narrações que o cinejornal realiza plenamente o seu discurso do Poder, pois se situa fora de campo, “num espaço e num tempo que ninguém pode localizar” e criticar: trata-se de uma “autoridade incontestável sobre os espectadores”, uma “voz da ordem, da legalidade e do Poder” (MACHADO, 1979MACHADO, Arlindo. Acompanha: complemento nacional. Polímica - Revista de Crítica e Criação, São Paulo, p. 33-38, 1979., p. 37). Nesse sentido, a voz-over revitaliza nos cinejornais o que no século XIX era tarefa dos idólatras do Imperador, diretamente subsidiados para a tarefa ou prestigiados, economicamente e socialmente, por seu soberano e sua corte.

No Sete de Setembro, alunos do Conservatório de Música e do Liceu de Artes e Ofícios participavam das cerimônias cívicas nos “simulacros de fortificações no Largo do Rocio, feitos pela Sociedade Comemorativa da Independência e do Império”. Nessas ocasiões, era cantado o hino da Independência, bastante aplaudido por uma multidão. Mas com a Guerra do Paraguai (1864-1870), essas festividades já não conservavam o mesmo entusiasmo que antes, manifestando em seu lugar o silêncio em homenagem aos “patriotas mortos”, que àquela época torturava “a consciência bastarda de seus filhos, que esquecem as suas tradições e entregam ao estrangeiro as terras da pátria”. No manuscrito, fica evidente o enfoque que Paulo Emílio confere ao “declínio das festas cívicas”12 12 PEPI 0494. , lamentado pelo memorialista Moraes Filho em seu livro (1888) aproximadamente três ou quatro décadas após o período narrado (1845-1864) e que antecede a Guerra do Paraguai (1864-1870).

Após tratar da ascensão e declínio das festividades cívicas, Paulo Emílio analisa a ascensão e declínio das festividades religiosas e rituais eclesiásticos no Primeiro e no Segundo Reinados. No fichamento do relato de Schlichthorst (2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000.), realizado em tópicos e sinalização de páginas, é possível perceber como os festejos e rituais religiosos são apreendidos por Paulo Emílio13 13 PEPI 0492. como um espetáculo complexo, repleto de recursos cênicos voltados à atração do público, especialmente nas festas mais importantes.

Nesses momentos, as grandes riquezas do templo eram expostas como em uma exposição de arte ou de cultura cinematográfica14 14 Dentre as atividades culturais das cinematecas, a realização de exposições em festivais de cinema tem um propósito estritamente pedagógico, voltado a formação do público de cinema. Nessas exposições, cartazes, revistas de cinema, manuscritos de roteiros, desenhos, figurino, fotografias, fotogramas, equipamentos, projeções de fragmentos específicos de filmes, etc., compõe com as sessões de cinema, o conjunto não apenas de um ritual cinéfilo, mas de um festejo para públicos mesmo não iniciados. : o santo padroeiro da festa ocupa o lugar de destaque, acompanhado de “cruzes e imagens de prata maciça cravejadas de diamantes e outras pedras preciosas, vasos de prata e ouro”, além de “colchas riquíssimas” que cobriam “os altares e as paredes”. No ambiente, incontáveis círios ardem dia e noite, “o chão se recama de flores, o incenso boia no ar e uma música celestial ressoa no coro”. No rito espetacular, há uma atmosfera repleta de efeitos sonoros e visuais que irá atingir o ápice na exibição da hóstia (Corpo de Cristo) pelo sacerdote à multidão. Simultaneamente ao gesto, uma queima de centenas de fogos de artifício conferia ao espetáculo um aspecto militar, como notou Schlichthorst. A boa música do coro e as solenes orações dos padres se somavam à marcha dos soldados e ao retinir das espingardas que acompanhavam o festejo, “formando dessa mescla de cerimônias mundanas e religiosas um conjunto sublime” (SCHLICHTHORST, 2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000., p. 111-113).

A arquitetura da Capela Imperial, “o mais belo edifício da cidade”, nos dias de festa, participava diretamente do espetáculo, com a “alvura brilhante de suas paredes e a cruz de ouro no frontispício, tão leve e transparente que parece flutuar nos ares”. No altar-mor da capela, era alocada ao lado da poltrona do bispo, uma mais alta, reservada ao Imperador. No ritual, as relações de poder estavam muito bem demarcadas, eram figurativas, palatáveis à compreensão geral em um país de iletrados15 15 No curso, Paulo Emílio questiona: em um país de iletrados, poderia se falar da existência de um sistema entre escritores, críticos e leitores. Meditando sobre a questão, o historiador conclui que, apesar do baixo índice de alfabetização, os serões literários cumprem essa função (PEPI 0493). . Ao fundo do altar, figurava o quadro do pintor José Leandro representando “o Rei e a Rainha de joelhos ante Nossa Senhora do Monte Carmelo, sentada no trono entre nuvens e anjos que os abençoava”. Como consta nas notas do livro de Schlichthorst, D. Pedro I e D. Miguel “apareciam conduzidos pelas mãos do seu anjo da guarda”, na maior composição pictórica do período, que posteriormente veio a desaparecer misteriosamente (2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000., p. 112-113).

Nesse cenário, em que os atores eram o Bispo e o Imperador, a música possuía um papel de destaque.16 16 PEPI 0492. A excelência da música da Capela Imperial é atribuída a boa direção da orquestra e aos castrati, “entre os quais Fasciotti sobressai pela pureza e força da voz”. Mas como na orquestra “se admitem músicos inferiores, o acompanhamento instrumental fica muito abaixo dos solos e do canto”, mesmo regidos “à maneira italiana”, intensificada pela força com a qual o maestro marcava o compasso com as palmas das mãos (SCHLICHTHORST, 2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000., p. 113-114).

No encadeamento de suas anotações, Paulo Emílio demonstra como a qualidade musical, a cenografia e a performance individual e coletiva que afluía da liturgia eclesiástica da Capela Imperial era um espetáculo bastante atrativo, fragmentos temáticos sinalizados por página que interpretei com imaginação a partir da seguinte anotação: “o sermão como entretenimento”17 17 Idem. . O entretenimento que os fiéis poderiam encontrar nas festas religiosas se prolongava com outros recursos cênicos, como o destaque de uma unidade especial para guardar a igreja, coberta até o teto “com seda vermelha agaloada de ouro e prata”, que emprestava ao edifício um ar de leveza completado pela luz tropical e pelas 600 velas que “iluminavam aquele âmbito soberbo”. Salvas de fogos ou tiros de canhão disparados dos fortes e dos navios ancorados na baia envolviam toda a cidade num grande espetáculo. Nessas ocasiões, um Cônego da Capela Imperial sobe “ao púlpito de sotaina roxa coberta pelo rendado roquete branco, com a placa da Ordem de Cristo a resplandecer no peito, e faz um curto sermão” com “entusiasmo e elegância” especialmente endereçado ao Imperador. Se ele o agrada, mantêm-se a maior devoção, se não, o Imperador não esconde o descontentamento: “vira as costas para o pregador, pigarreia, brinca com o sabre e, por outros sinais inequívocos, demonstra seu aborrecimento” (SCHLICHTHORST, 2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000., p. 114). Ambos, o pregador e o Imperador, protagonizam uma cena acompanhada com atenção por aqueles que os assistem e que representam a interação entre os poderes monárquico e eclesiástico e seus rituais.

Refletindo sobre o caráter espetacular das festas religiosas, Paulo Emílio cita a Sexta-feira da Paixão18 18 Idem. , dia em que todas as igrejas se cobriam de preto, as fortalezas e os navios desferiam salvas de tiros de canhão de cinco em cinco minutos e as bandeiras eram posicionadas a meio mastro. Nesse espetáculo coletivo, um clima de tristeza geral parecia abater a cidade. Schlichthorst relata como o pregador, prostrado no púlpito, descreve Jesus Cristo com toda a seriedade à medida que conduz a história ao seu clímax: a morte do profeta, quando “tira-se o pano roxo que vela o altar-mor e vê-se Jesus Crucificado, tendo a seus pés a Virgem Maria e Madalena, suavemente iluminados”. Nesse momento, todos os espectadores ajoelhavam-se e o sacerdote exortava expressivamente a penitência, para as lágrimas de “homens e mulheres” - comoção que Schlichthorst havia visto apenas em alguns teatros da Europa (2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000., 118-119).

As procissões: civismo e religiosidade

Assim como os rituais cívicos e religiosos, as “grandes procissões”19 19 Idem. foram interpretadas por Paulo Emílio em seu caráter espetacular, nas quais o Imperador e as personalidades mais importantes do Estado carregam “o pálio, que cobre o Viático”20 20 O Pálio é uma espécie de manto (sobrecéu) sustentado por quatro paliários nas procissões. Nesse caso, o Pálio cobre o Viático, ou seja, a comunhão eucarística dada àqueles que estão prestes à beira da morte. , enquanto todas as esferas do governo e as diversas ordens de Cavalaria trajam uniformes de gala ou os trajes de corte, “cobertos por um manto de crepe branco”. Ao mesmo tempo, “inúmeras irmandades, com multicoloridas opas de seda, abrem o cortejo levando seus estandartes e círios brancos”, percorrendo ruas cobertas de folhas verdes e enfeitadas por colchas bordadas estendidas nos balcões. As tropas das guarnições dispostas em fila aos dois lados da rua emolduram “um coro de vozes magníficas” que envolvem o Bispo, o Imperador e a condução da imagem de Jesus Cristo. As mulheres ao balcão atiram flores sobre o pálio e agitam os lenços ao ar, enquanto os soldados ajoelhados “põem as armas sobre o joelho esquerdo inclinadas para o chão e dão uma salva; as bandeiras se inclinam e as bandas de música tocam o Hino Imperial”. Nesse momento, os espectadores tiram somente o chapéu, “porque é muito raro haver espaço na multidão para poderem ajoelhar”. Ao encontro da procissão, a imagem de S. Jorge saía da Igreja de São Gregório Garcia, “montado a cavalo” e acompanhado por uma música tocada por soldados negros em cortejo, com “vinte mulas enfeitadas. Feito de madeira, a aparência bem vistosa do ídolo é alcançada com uma armadura brilhante que o reveste e um capacete dourado que cobre sua “loura cabeleira”. Ao “trovejar” dos canhões, todos retornam à Capela Imperial, “de cujo teto chovem sobre ela pétalas de rosas, ao som de belíssimas músicas” (SCHLICHTHORST, 2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000., 119-120). É importante aqui salientar a função das salvas de artilharia para marcar o início e o fim da procissão que, apreendida com a missa, era um verdadeiro “espetáculo dramático”21 21 PEPI 0492. .

Outro festejo religioso tratado pelo historiador foi o “Sábado de Aleluia - festa dos negros”22 22 Idem. . Schlichthorst relatou que em ruas e vielas, havia representações do traidor dependurado nas árvores, tendo a sua frente a representação do demônio cavalgando um “esborralhadouro de forno”. Ao meio-dia, o demônio, confeccionado com fogos de artifício, é incendiado, crepitando horrivelmente até atingir e incendiar o Judas. “Braços e pernas separam-se do corpo”, até que o boneco “estoura e vai pelos ares entre a estrondosa gritaria da molecada. Repiques de sinos e descargas de artilharia anunciam o começo da festa da Ressurreição”. Na parte da tarde, com a cidade mais alegre, o barulho das matracas e dos tambores tocados por negros que desfilam pelas ruas compõe a atmosfera da festividade (SCHLICHTHORST, 2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000., 121).

Após delimitar alguns aspectos das festividades religiosas do Primeiro Reinado, Paulo Emílio salta quase três décadas para demonstrar que em meados do século XIX, mantinha-se incólume o vigor de algumas festas religiosas. A partir da obra Festas e Tradições Populares do Brasil (2002MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002 [1888]. [1888]), de Mello Moraes Filho, Paulo Emílio elenca em seu manuscrito palavras-chave que apontam para a descrição da festa da Glória23 23 Idem. . Segundo Moraes Filho, a festa começava às 5 da manhã, quando as carolas mais abastadas vestiam a imagem de Nossa Senhora e a depositavam no altar. Quando os sinos da igreja soavam, devotos pecuniosos desfilavam em carruagens no cais da Glória e romeiros afluíam de toda parte, até que às 10 da manhã tocava a banda dos barbeiros, composta integralmente por “negros escravos”, vestidos com um uniforme que não “primava pela elegância, nem pela qualidade”. Eles trajavam jaqueta de brim branco, calça preta, chapéu branco alto e andavam descalços. Os que não sabiam de cor sua parte, liam-na pregada a alfinetes nas costas do companheiro da frente. Moraes Filho afirma que a popularidade desses músicos era extraordinária. Nesse dia, a banda militar ocupava o coreto na Praça da Glória para executar o Hino Nacional, enquanto outras localidades “formigavam de gente”, como a Lapa e o Catete. Nas ruas, as “bandeiras e galhardetes, colchas de damasco, globos e outros preparos de esplêndida iluminação completavam o pitoresco do sítio, que, dia e noite, animava-se nos suntuosos festejos”. Em meio à turba, os soldados abriam caminho para a passagem do Imperador e seu séquito pelos caminhos que os levariam à missa, realizada em um templo enfeitado com “ouro, gemas preciosas, damasco, flores, luzes sem conta”. Nesse espetáculo complexo, o coro acompanhado da orquestra imprimia a última nota nessa atmosfera transcendental, que terminava com uma queima de fogos às 22 horas. Não adiantava. O povo persistia ocupando as ruas: famílias sentadas às calçadas, rodas de violão, bailes modestos, etc., que em conjunto oferecem uma imagem singela do festejo e principalmente, seu apelo popular, apesar de toda a pompa que afluía da participação da realeza e da corte (MORAES FILHO, 2002MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002 [1888]., p. 185-188).

Como exemplo desses festejos, Paulo Emílio apresenta alguns aspectos das Encomendações das Almas, missa e procissão em proveito das almas que segundo a doutrina cristã padeciam no purgatório. Realizadas à época da Quaresma, numa sexta-feira à meia-noite, “o troar da matraca e o badalar da campana sinistra” (MORAES FILHO, 2002MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002 [1888]. p. 193) anunciavam o início da procissão, que segundo a crença popular, “ninguém abria as janelas ou as portas”, pois acreditavam que as almas do purgatório acompanhavam a procissão. As pessoas se reuniam na porta de alguma igreja ou de algum local previamente combinado, trajadas de “vestes amortalhadas de branco, com capuz, apenas boca e olhos de fora”; portavam “pequenas lanternas de papel ou de folha de Flandres” que eram suficientes apenas para iluminar o rosto. A procissão contava ainda com “tocadores de flauta, violoncelo, rabeca”24 24 PEPI 0494. , que se juntavam aos cantores que desciam às ruas lentamente, e, “rompendo a marcha, a campainha metálica vibrava, a matraca batia, a procissão desfilava tétrica, pavorosa e de fazer arrepiar os cabelos”. Como dado importante, Paulo Emílio destaca que apenas os homens participavam dessa procissão, pois acreditavam à época que as mulheres e as crianças, caso participassem, poderiam morrer assombradas. Em todo caso, elas ouviam em suas casas as “serenatas da morte”, que difundiam “o pavor e o medo em seu trânsito incerto e cheio de assombro. Os participantes ainda acreditavam que aquele que tentasse “profanar o mistério, só via um rebanho de ovelhas (eram as almas) e um frade sem cabeça que lhe entregava uma vela de cera, vindo-a buscá-la na manhã seguinte” (MORAES FILHO, 2002MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002 [1888]., 195-197).

O fichamento de Paulo Emílio da obra de Moraes Filho apresenta o caso da Procissão de São Jorge, realizada no dia de Corpus Christi. Segundo Moraes Filho, a procissão era “a que melhor concretizava elementos nossos e a que com mais largueza apresentava em painel vigoroso o povo brasileiro”, a fisionomia de “sua religião, em seu regime político, em seus troncos capitais e em alguns de seus costumes”. No dia da procissão, a imagem era retirada da capela e ficava exposta à adoração do público, até a chegada do cavalo branco que a carregaria pelas ruas da cidade, repleta de janelas enfeitadas e de onde modestas “mulheres de má vida” também poderiam acompanhá-la (MORAES FILHO, 2002MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002 [1888]., p. 200-201).

Além da de São Jorge, Paulo Emílio afirma que “outra procissão que desapareceu em 1850 foi a dos enforcados”25 25 PEPI 0495. , indicando como referência o livro de Gastão Cruls, Aparência do Rio de Janeiro (1949CRULS, Gastão. Aparência do Rio de Janeiro. Notícia histórica e descritiva da cidade. Rio de Janeiro: José Olympiao Editora, 1949. 2 v.). Mediante o cotejo das anotações de Paulo Emílio ao livro, pode-se afirmar que a descrição se refere à Procissão dos Ossos, que saía à rua uma vez por ano, ao 1º de novembro, “para recolher os restos daqueles que, enforcados, lhes ditara a sentença, ‘morte natural para sempre’, isto é, ficaram pendurados ao patíbulo, para exemplo e escarmento, até que a última Misericórdia os viesse buscar”, tarefa que ficava ao encargo da Santa Casa, até que a partir da segunda metade do século, quando o Imperador passou a indultar os condenados à pena capital, a procissão entra em franco declínio (CRULS, 1949CRULS, Gastão. Aparência do Rio de Janeiro. Notícia histórica e descritiva da cidade. Rio de Janeiro: José Olympiao Editora, 1949. 2 v., p. 396-397).

O declínio das festas religiosas no gosto do público também é tomado do livro de Moraes Filho. Publicado em 1888, a obra é apreendida a partir do propósito do autor: relatar “como as coisas eram 30 ou 40 anos antes e lamenta a decadência”26 26 PEPI 0493. , como fica evidente na citação transcrita por Paulo Emílio em seu manuscrito: “Naqueles dias de outrora, em que se acreditava nas virtudes internas e na existência de Deus, a religião conduzia o homem, do berço ao túmulo, entre cantares e preces, harmonias e lamentações”. Um desses eventos era a Festa da Glória à época em que o “povo refugiava-se nas mais inocentes crendices e não se preocupava inutilmente com as ondas subterrâneas de uma falsa ciência que esteriliza, nem se engolfava no indiferentismo que asfixia”. A Festa da Glória era um “exemplo palpitante” dessas festividades, mas que ao final do século, havia sido reduzida a um “fantasma que se esvaece, coroado das rosas pálidas e fanadas das visões de Macbeth” - lamento introdutório da descrição do “que era a festa”27 27 PEPI 0494. .

Depois da descrição de Moraes Filho sobre a Festa da Glória, sustentada oralmente e indicada por temas, páginas e transcrições de trechos completos, Paulo Emílio afirma que o autor “lamenta particularmente o desaparecimento em matéria de cerimônia religiosa” antes de sinalizar o assunto seguinte: a citação e descrição das “encomendações das almas” em manuscrito suplementar, no qual destaca-se a importância da religião na vida das pessoas “do berço ao túmulo, nas alegrias e nos pesadumes, foi o persistente ideal daquele povo, bem feliz outrora do domínio pleno de suas abusões inocentes e de suas cismas improfanadas”28 28 PEPI 0493. .

Já em São Paulo, “a decadência foi posterior e mais lenta, mas aproximadamente em torno de 1870 acelerou-se”, segundo as informações que empresta do livro de Ernani Silva Bruno, História e Tradições da Cidade de São Paulo (1954BRUNO, Ernani da Silva. História e Tradições de Cidade de São Paulo. São Paulo: José Olympio Editora, 1954. 3 v.), e as transcreve em um dos manuscritos de apoio, segundo o qual o período compreendido entre 1870 e 1873 marcava o “declínio ou fim de procissões tradicionais”: a procissão do Enterro da Ordem 3a do Carmo; a procissão de São Jorge acompanhando a do Corpo de Deus; a procissão do Triunfo da Ordem 3a do Carmo; a procissão das Cruzes da Ordem 3a de São Francisco, etc. Apesar do declínio dessas procissões, Paulo Emílio afirma que “algumas se prolongaram”, como a da “Nossa Senhora da Penha até 1903 e a de Santa Cruz do Pocinho até 1908”. Diante do fato de que “as procissões atendiam mais a uma necessidade social do que espiritual”29 29 PEPI 0494. , Paulo Emílio explica a morte dessas procissões na seguinte proposição: “essas necessidades sociais vão sendo satisfeitas na nova situação que se cria”30 30 PEPI 0493. , ou seja, com a eclosão de novas formas de recreação, como observou Ernani Bruno citando as impressões de Richard Morse sobre o declínio das procissões: “O mundo dos bilhares, teatros e corridas de cavalo oferecia agora séria competição” (BRUNO, 1954BRUNO, Ernani da Silva. História e Tradições de Cidade de São Paulo. São Paulo: José Olympio Editora, 1954. 3 v., 1221).

Independentemente do declínio das festividades cívicas e religiosas, o Ritual do Poder Monárquico e Eclesiástico irá se prolongar como um Ritual do Poder forjado entre o sagrado e o profano, entre o civismo e a religiosidade, entre espetáculo e rito. Na história dos filmes documentais brasileiros, as procissões e festas religiosas foram fartamente cinematografadas em todo o país. Em São Paulo, a última procissão do Corpo de Deus (1903) foi tema do filme Procissão do Corpo de Deus (1903), de José Caruso; na região Norte do país, filmou-se também Vistas de Manaus: A procissão da Nossa Senhora da Conceição (1907) e O Círio da festa de Nazaré em Belém (1908) e no Nordeste, há o registro d´A Procissão dos Passos (1910), em Fortaleza- CE. As festas religiosas e procissões continuaram sendo um tema bastante documentado, assim como as missas em filmes como Comunhão na Matriz de São João Batista da Lagoa (1909) e Saída da Missa da Glória (1909).

No mesmo período, os festejos cívicos foram eternizados, como no filme As festas do centenário de Pelotas (1912), de José Brizolara da Silva. Inaugurações foram cinematografadas no Rio de Janeiro por Pascoal Segretto, como A inauguração da Avenida Central (1905) pelo prefeito Pereira Passos; a Inauguração da Estátua de Cristiano Ottoni (1908), produzido por Marc Ferrez atendendo a encomenda da companhia Estrada de Ferro Central do Brasil, a Inauguração da Estátua do Marechal Floriano (1910), de Francisco Serrador em São Paulo, etc. Outro tema corrente que entrelaça aspectos sagrados e profanos no Ritual do Poder se dá nas filmagens de funerais de autoridades, como as filmagens d’Os Funerais do Presidente Afonso Pena (1909), Os Funerais do Embaixador Joaquim Nabuco (1910), Homenagem ao Prefeito Pereira Passos (1913), etc.

Malgrado sua incidência, o Ritual do Poder não irá corresponder apenas a tudo o que envolve o Presidente da República e outras autoridades, filmadas em encontros, inaugurações, recepções, discursos, funerais, etc., mas também todas as imagens que representam a elite brasileira, seus jantares de gala e suas distintas atividades, como a caça à raposa sem raposa (MORETTIN, 2013MORETTIN, Eduardo. Humberto Mauro, Cinema, História. São Paulo: Editora Alameda , 2013.). O tema irá persistir nos cinejornais, a partir dos quais Archangelo salienta como os rituais dessa elite conformam a cultura política do período. Em seu trabalho, o historiador chega a identificar no cinejornal Bandeirante da Tela o beija-mão, ritual encenado por uma assecla, quando beija a mão do então governador Adhemar de Barros, proprietário do cinejornal, em uma recepção após retornar de uma “viagem de estudos” na Europa (ARCHANGELO, 2015aARCHANGELO, Rodrigo. Um Bandeirante nas Telas: o discurso adhemarista em cinejornais. São Paulo: Editora Alameda, 2015a., p. 115).

Pensando os manuscritos do curso “Os filmes da cidade (1966)” paralelamente ao texto A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro (1974), percebe-se como o curso foi decisivo para a cristalização posterior de conceitos-chave para a interpretação da história do cinema brasileiro, ficcional e documental. No caso do filme documentário, a interpretação que Paulo Emílio opera sobre a presença dos rituais de poder eclesiástico e monárquico à época do Primeiro e Segundo Reinados sinaliza o interesse do historiador em apreender a presença do Ritual do Poder como constante na cultura brasileira dos séculos XIX e XX. Nesses estudos, nota-se o empenho em explicar a persistência desses rituais na cultura política brasileira contemporânea31 31 A representação do presidente Jair Bolsonaro como homem do povo, tomando seu café simples com pão com manteiga, ou comendo um simples hambúrguer com fritas em viagens ao exterior é um Ritual de Poder que se combina com outro tema, o Ritual Popular. Há também o caso de João Dória, quando prefeito da cidade de São Paulo se vestiu de diversos profissionais da prefeitura, fazendo marketing de si mesmo à frente dos trabalhos. Em ambos os casos, o que se sobressai desses rituais é a natureza populista, performance historicamente bastante enriquecida com o político Jânio Quadros. No artigo Eleições e cinema brasileiro: do fósforo eleitoral aos santinhos eletrônicos (1994), José Inácio demonstra a persistência de elementos comuns nos discursos das práticas eleitorais entre a virada da década de 1910 e a de 1990. evocando uma fisionomia cultural nacional de longa duração, como também é o caso do tema do Berço Esplêndido nos filmes documentais.

Berço Esplêndido: um culto ufanista

O tema do Berço Esplêndido se cristaliza no culto às paisagens naturais do Brasil, partindo das paisagens do Rio de Janeiro, como a “moldura Pão-de-Açúcar-Corcovado-Tijuca”, para ganhar dimensões nacionais com o registro de outras paisagens naturais, como a foz de rios como o Amazonas, montanhas e florestas: “o cinema recém-aparecido foi posto a serviço do culto e nele permaneceu muito tempo, apesar da qualidade tosca e da monotonia dos resultados”, pois a “qualidade fotográfica das amplas paisagens não era das melhores” e não havia nada “de mais parecido com uma floresta e uma montanha do que outra floresta e outra montanha” (GOMES, 2016GOMES, Paulo Emílio Sales. A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro. In: CALIL, Carlos Augusto (org.). Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras , 2016a. p. 167-175., p. 168).

Na história dos filmes documentais que mobilizam o tema, há o caso de Entrada do Minas Gerais na Baia de Guanabara (1910), Ritual do Poder da marinha brasileira emoldurado nas paisagens próprias do Berço Esplêndido, assim como ocorre nas filmagens de Fortalezas e Navios de Guerra na Baía de Guanabara (1898), de Afonso Segretto. No caso do filme Ancoradouro de Pescadores na Baia de Guanabara (1897), o tema do Berço Esplêndido predomina, como também ocorre em outras produções documentais como O Brasil Maravilhoso (1928-1930), longa-metragem que narra detalhadamente a viagem pitoresca do naturalista Alfredo dos Anjos, da cidade do Rio de Janeiro ao interior do país, além de muitos outros filmes que representaram a grandiosidade das paisagens naturais do Brasil ao longo das décadas seguintes.

O culto às belezas naturais como tema pode ser fixado a partir da obra de Schlichthorst, para quem a cidade do Rio de Janeiro era exemplo único de local “onde a natureza tão bem se adapte às necessidades” de uma população densa; seu porto calmo, protegido das tempestades pela “moldura de montanhas”, a “abundância de água cristalina, descendo das serras próximas para os vales, pelos quais a cidade serpenteia com seus braços gigantescos”. Há ainda “montes cobertos de matas virgens, que asseguram farta provisão de lenha para séculos”, e “campos férteis, de grande capacidade produtiva de frutas, verduras e legumes que podem ser semeados de seis a oito vezes ao ano”. As condições propícias para a vida na cidade se prolongavam ainda na abundância de pescados no mar, de caranguejos nas praias e de ostras e mariscos nos rochedos que tomavam a costa (SCHLICHTHORST, 2000SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826). Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000., p. 27). No relato de Schlichthorst, o culto à cidade do Rio de Janeiro por sua beleza natural e fartura é apresentada como compensação de sua pestilência, falta de organização e atraso em relação à Europa.

A despeito de Paulo Emílio não ter destacado esse fragmento do relato em seu manuscrito, como fez com todos os demais, sua interpretação do Berço Esplêndido como “mecanismo psicológico coletivo que funcionou durante muito tempo como irrisória compensação para o nosso atraso” (GOMES, 2016GOMES, Paulo Emílio Sales. A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro. In: CALIL, Carlos Augusto (org.). Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras , 2016a. p. 167-175., p. 168) sinaliza a mesma direção da obra que estuda para o curso “Os filmes na cidade (1966)”, no qual a gênese do tema pode ser pensada a partir do destaque que confere aos Panoramas que representaram o Rio de Janeiro ao longo do século XIX. De antemão, é necessário dizer que o entretenimento atendia não apenas propósitos lúdicos, mas também cívicos, voltados à formação da identidade nacional, como observou Morettin (2013MORETTIN, Eduardo. Humberto Mauro, Cinema, História. São Paulo: Editora Alameda , 2013.) em seu estudo sobre o filme Descobrimento do Brasil como tema da atração. Já Mário César Coelho define o Panorama como “um dos primeiros mecanismos de difusão de cultura de entretenimento para grandes multidões, tendo como principais temas as cenas de batalhas e as paisagens das cidades”. Eles eram expostos em espaços circulares, que tornava possível ao espectador “sentir-se presente virtualmente num outro lugar, imerso na atmosfera de um retrato construído de uma paisagem circundante” (COELHO, 2007COELHO, Mário César. Os Panoramas perdidos de Victor Meireles: Aventuras de um pintor acadêmico nos caminhos da modernidade. 2007. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - SC, 2007., p. 01).

Nas anotações da aula de 23 de maio, Paulo Emílio define o Panorama a partir do manuscrito do livro A bela época do cinema brasileiro, de Vicente de Paula Araújo (1976ARAÚJO, Vicente de Paulo. A bela época do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976.)32 32 A análise e descrição do Panorama de Victor Meirelles mobiliza o manuscrito do livro A bela época do cinema brasileiro (1976), de Vicente de Paula Araújo, embora publicado 10 anos após o curso Os filmes na cidade (1966), livro que Paulo Emílio assina a apresentação, assegurando ao leitor na última década (1966-76), que o manuscrito do livro “impregnou toda aula, conferência, livro, ensaio, artigo, verbete de enciclopédia, filme ou programa de TV que tenha se interessado pelos primórdios do cinema no Brasil” (GOMES, 1976, 11). e de pesquisas suplementares. Partindo dessas fontes de informação, o historiador descreve a atração como uma “grande pintura circular disposta nas paredes de uma sala redonda, iluminada do alto, de modo que o espectador situado no centro, numa parte elevada e preparada como se fosse uma torre no alto de um monte, tivesse a ilusão de um horizonte real”. O nascimento do Panorama data do século XVIII, realizado pela primeira vez em Edimburgo, onde estavam representadas vistas de Londres e de batalhas napoleônicas. Rapidamente os Panoramas foram introduzidos na França sob a encomenda de Napoleão Bonaparte, que conferiam ao espectador a sensação de estar no interior da pintura, proporcionada pela “perspectiva”, pelas “três dimensões” e a “eventual mobilidade” que o espectador poderia experimentar. Segundo Paulo Emílio, os Panoramas mais célebres do século XIX foram “Jerusalém nos tempos de Herodes, O cerco de Paris em 1870, A batalha de Getisburg e As cataratas no Niágara33 33 PEPI 0488. .

Após traçar a origem do Panorama e sua expressividade no continente europeu, Paulo Emílio narra como “os assuntos brasileiros no estrangeiro” foram tematizados pela atração, apresentando como exemplos a representação do Rio de Janeiro num Panorama pintado pelo “pintor Roumy de acordo com desenhos e aquarelas de Felix Taunay”, em 1822, ou a de Robert Burford (1828), representando a cidade que havia conhecido ao acompanhar Lord Cochrane ao Brasil. Propriamente sobre a presença do Panorama no país, Paulo Emílio cita o pedido de licença requerida em 1882 por Achlobach, Costa Rodrigues e José Alves para explorar o Panorama durante seis anos. Três anos depois, em 1885, era fundada a Companhia Nacional Grande Panorama34 34 Idem. .

Partindo dessas informações sem citar referências, a narrativa de Paulo Emílio discute o caso dos Panoramas do pintor Victor Meirelles, que no ano de 1889 apresentou na Exposição Universal de Paris o Panorama da Cidade do Rio de Janeiro. Dois anos depois, ao ser “exonerado da Escola de Belas Artes com Pedro Américo”35 35 Em seu trabalho, Coelho (2007) demonstra como com a Proclamação da República, artistas responsáveis pelas representações monárquicas perdem espaço institucional e são impelidos ao esquecimento nesse novo momento da história nacional. , Meirelles pinta um “panorama comercial com entrada paga”, como consta nos “annais dos jornais”: “De um só ponto descortina-se toda a capital, todas as suas belezas, e o horizonte parece estar a muitas léguas de distância”. Verticalmente, a impressão não é muito diferente: “estando-se apenas a 5 metros do solo acredita-se estar a 60 metros de altura, tendo-se uma impressão absolutamente nova. Ilusão completa do terreno natural com a tela, à simples vista, sem auxílio de lentes”. O espectador poderia visitar a atração na High Life / das 9 da manhã às 18 horas, ficando aberto até as 21 horas aos sábados36 36 PEPI 0488. .

Em seu primeiro ano de exibição (1891), Paulo Emílio imprime relevo à grande rentabilidade do espetáculo visual, que durante seis anos, permaneceu a vista d’A baia de Guanabara, sendo substituído em 1897 pela “A entrada da Esquadra Legal, observada da fortaleza Villegagnon em ruínas”. As telas mediam 115 metros de comprimento por 14,5 de largura e atraíam também um público “elegante”, como um “ministro da Marinha”. Até os jornais chegaram a reivindicar a nobreza da atração, segundo a notícia transcrita no manuscrito:

Ainda há quem pense que Panorama é a mesma coisa que Cosmorama. Neste o que se vê por vidros de aumento está longe de produzir o efeito artístico que se observa no verdadeiro Panorama, quando executado com arte e baseado nos conhecimentos científicos indispensáveis.37 37 Idem.

A combinação entre arte e ciência/técnica no delineamento do Panorama enquanto espetáculo resultou numa atratividade capaz de satisfazer as altas demandas culturais das classes elegantes. Paulo Emílio cita uma crônica de Machado de Assis em homenagem ao quinto aniversário do espetáculo na cidade, na qual narra como o Panorama havia escapado ileso das “balas da esquadra rebelada do Almirante Custódio”, quando em novembro de 1891 precipitou a renúncia do Marechal Deodoro da Fonseca. “Caíram algumas em casas ao lado do Panorama”, mas a atração “não recebeu nenhuma, nem lhes restituiu por um prodígio só explicável à vista dos fins artísticos da construção”, desejando que “as paixões políticas” lutassem entre si, mas que respeitassem as artes, ainda que em “suas aparências”. Apesar do sucesso do espetáculo, “a Prefeitura queria derrubar o barracão do Panorama que estava atravancando. O pintor Victor Meirelles resistia. A coisa não se resolvia. Os jornais falavam bastante do assunto”. O próprio pintor afirmou em entrevista que havia se dedicado à pintura dos Panoramas “para não morrer de fome. Longe estava eu, porém, de imaginar que aquilo é que ficaria sendo o ponto de referência da minha obra. Já se esqueceram de meus quadros...”. Segundo o manuscrito de Paulo Emílio, Meirelles confiou a guarda de seus Panoramas ao Museu Nacional, mas que se haviam sobrevivido aos tiros de canhão, “apodreceram enrolados na Quinta da Boa Vista”38 38 Idem. , tendo o mesmo destino do registro das expedições de Rondon pelo tenente Reis, encontrados por Paulo Emílio em 1956, no âmbito das pesquisas históricas da Cinemateca, apodrecidos em uma sala úmida do edifício histórico (GOMES, 2016GOMES, Paulo Emílio Sales. A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro. In: CALIL, Carlos Augusto (org.). Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras , 2016a. p. 167-175., p. 175), hoje reduzido a destroços e cinzas.

Conclusão

Após esse percurso, resta a tarefa de interpretar o conjunto de fragmentos alocados na gênese dos temas do Ritual do Poder e do Berço Esplêndido, constantes na cultura política brasileira. Entre as anotações do curso “Os filmes na cidade (1966)” e a definição desses temas (1974), há uma distância de aproximadamente oito anos. À época em que essas informações foram reunidas, o propósito de Paulo Emílio foi o de apresentar o caráter espetacular das festas cívicas, religiosas e das atrações no intuído de revelar através da pesquisa histórica a fisionomia do cinema brasileiro e a condição-chave para sua existência: o gosto do seu público. Nesse propósito, reside a narrativa adotada no Panorama do Cinema Brasileiro (1966), focada na delimitação dos temas mais expressivos dos filmes de enredo, como o patriótico, o religioso, o de crimes, etc.

Também é importante lembrar que a delimitação da expressão social dos filmes documentais (1974) foi posterior aos trabalhos canônicos Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento (1973) e Humberto Mauro, Cataguazes, Cinearte (1974), evidenciando um aprimoramento flagrante das reflexões iniciadas com a reunião de fragmentos do caráter espetacular da cultura cívica e religiosa do século XIX. Nesse novo momento, a atratividade desses espetáculos revela não apenas a fisionomia do público, mas também do estado de dominação ao qual estão sujeitos. Assim, há em A expressão social dos filmes documentais no cinema brasileiro (1974) a delimitação dos temas Ritual do Poder e Berço Esplêndido, apreendidos como o autoelogio do poder e das belezas naturais, situados entre o material e o espiritual, o sagrado e o profano, a laicidade e a religião, que se manifestam na cultura política brasileira, em sua performance, seus ritos, espetáculos e crendices, como a autoproclamada grandiosidade de nossas florestas, a riqueza de nossas minas e a beleza de nosso céu estrelado, impresso na bandeira nacional e acompanhado do dever cívico de “ordem e progresso” - temas talvez mais flagrantes a Paulo Emílio em meados da década de 1970, quando as pesquisas sobre os filmes de enredo já avançavam com o desenvolvimento das pesquisas históricas e uma tradição havia sido delimitada a partir da obra de Humberto Mauro, restando ao historiador abrir mais uma frente no conjunto das pesquisas em curso ao tomar os filmes documentais como objeto de estudo. Seria ingenuidade ainda desconsiderar que, a partir de 1964, com a ascensão da ditadura militar (1964-1985), os temas, ou ainda, a gramática visual39 39 Devo essa definição ao generoso comentário do Prof. Marcos Napolitano na apresentação do trabalho no colóquio “Memórias nacionais em tempos de efemérides: o cinema e as artes visuais”, realizado pelo Grupo de Pesquisa CNPq “História e Audiovisual: circularidades e formas de comunicação”, Departamento de Cinema, Rádio e Televisão e Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. do Ritual do Poder e do Berço Esplêndido serão revitalizados pelo discurso oficial do regime no conjunto de mídias controladas tanto pelo patrocínio estatal quanto pela censura.

Entre os primeiros estudos e a conformação definitiva desses temas na análise que Paulo Emílio empreende dos filmes documentais, o que persiste é justamente o hibridismo presente em ambos os temas: o sagrado e o profano no autoelogio das elites e da natureza brasileira. Essa fisionomia original explica as análises de Souza (2003SOUZA, José Inácio Melo. Trabalhando com cinejornais: relato de uma experiência. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 38, p. 43-62, 2003b.a, 2003b), Morettin (2012MORETTIN, Eduardo. Dimensões históricas do documentário brasileiro no período silencioso. In: KORNIS, Mônica; MORETTIN, Eduardo; NAPOLITANO, Marcos (org.). História e Documentário. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. p. 11-44.) e Archangelo (2015aARCHANGELO, Rodrigo. Um Bandeirante nas Telas: o discurso adhemarista em cinejornais. São Paulo: Editora Alameda, 2015a., 2015bARCHANGELO, Rodrigo. Imagens da Nação: política e prosperidade nos cinejornais Notícias da Semana e Atualidades Atlântida. 2015. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015b.), situadas sempre no entrecruzamento desses temas em suas interpretações históricas sobre os filmes documentais e os cinejornais brasileiros.

Apesar da disposição fragmentária das anotações de Paulo Emílio, as ideias e sugestões nelas contidas apontam para o esclarecimento de uma fisionomia nacional formada entre religiosidade, laicidade e culto à grandeza natural. Aspectos dessa predisposição psicológica e coletiva do público aos espetáculos cívicos, religiosos e naturais apreendidos no âmbito dos temas constantes do cinema documental sugerem entre os objetivos do historiador a formulação de uma narrativa histórica de longa duração, implicada em explicar não apenas a persistência e expressividade dos temas mais palatáveis ao público brasileiro, como revelar a partir delas a fisionomia do poder e seus mecanismos, antes, ontem e hoje.

Referências

  • ALMEIDA, Thiago; XAVIER, Nayara (org.) Paulo Emílio: legado crítico. São Paulo: CINUSP/Cinemateca Brasileira, 2017.
  • ARAÚJO, Vicente de Paulo. A bela época do cinema brasileiro São Paulo: Editora Perspectiva, 1976.
  • ARCHANGELO, Rodrigo. Um Bandeirante nas Telas: o discurso adhemarista em cinejornais. São Paulo: Editora Alameda, 2015a.
  • ARCHANGELO, Rodrigo. Imagens da Nação: política e prosperidade nos cinejornais Notícias da Semana e Atualidades Atlântida. 2015. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015b.
  • BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro: metodologia e pedagogia. São Paulo: Annablume, 1995.
  • BRUNO, Ernani da Silva. História e Tradições de Cidade de São Paulo São Paulo: José Olympio Editora, 1954. 3 v.
  • COELHO, Mário César. Os Panoramas perdidos de Victor Meireles: Aventuras de um pintor acadêmico nos caminhos da modernidade. 2007. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - SC, 2007.
  • CORREA JÚNIOR, Fausto Douglas. A cinemateca brasileira: das luzes aos anos de chumbo. São Paulo: Editora UNESP, 2010.
  • CRULS, Gastão. Aparência do Rio de Janeiro Notícia histórica e descritiva da cidade. Rio de Janeiro: José Olympiao Editora, 1949. 2 v.
  • FUTEMMA, Olga. Arquivo Paulo Emilio Salles Gomes: rastros de perícia, método e intuição. 2006. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, 2006.
  • GOMES, Paulo Emílio Sales. Panorama do Cinema Brasileiro. In: GOMES, Paulo Emílio Sales; CALIL, Carlos Augusto (org.). Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras, 2016a. p. 119-166.
  • GOMES, Paulo Emílio Sales; CALIL, Carlos Augusto (org.). O cinema no século São Paulo: Companhia das Letras , 2016b.
  • GOMES, Paulo Emílio Sales. A expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro. In: CALIL, Carlos Augusto (org.). Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras , 2016a. p. 167-175.
  • GOMES, Paulo Emílio Sales. Apresentação. In: ARAÚJO, Vicente de Paulo. A bela época do cinema brasileiro São Paulo: Editora Perspectiva , 1976. p. 01-03.
  • LEITHOLD, Theodor von; RANGO, Ludwig von. O Rio de Janeiro visto por dois prussianos em 1819 São Paulo: Editora Companhia Nacional, 1966. (Brasiliana, v. 328).
  • MACHADO, Arlindo. Acompanha: complemento nacional. Polímica - Revista de Crítica e Criação, São Paulo, p. 33-38, 1979.
  • MARINONE, Isabelle; MENDES, Adilson. Paulo Emílio Sales Gomes ou la critique à contre courant (une anthologie). Paris: Association Française de Recherche sur l´Histoire du Cinéma, 2016.
  • MENDES, Adilson Inácio (org.). Paulo Emílio Sales Gomes Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2014.
  • MENDES, Adilson Inácio. Trajetória de Paulo Emílio São Paulo: Ateliê Editorial, 2015.
  • MORAES FILHO, Mello. Festas e Tradições Populares do Brasil Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002 [1888].
  • MORETTIN, Eduardo; XAVIER, Ismail. La critique cinématographique au Brésil et la question du sous-developpement économique : du cinéma muet aux années 1970. 1895 Révue d´Histoire du Cinéma, Paris, n. 77, p. 09-31, 2015.
  • MORETTIN, Eduardo. Humberto Mauro, Cinema, História São Paulo: Editora Alameda , 2013.
  • MORETTIN, Eduardo. Dimensões históricas do documentário brasileiro no período silencioso. In: KORNIS, Mônica; MORETTIN, Eduardo; NAPOLITANO, Marcos (org.). História e Documentário Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. p. 11-44.
  • PINTO, Pedro Plaza. As tarefas do crítico e os desafios do intelectual, p. 140-167. In: ALMEIDA, Thiago; XAVIER, Nayara (org.) Paulo Emílio: legado crítico. São Paulo: CINUSP/Cinemateca Brasileira , 2017. p. 140-165.
  • PINTO, Pedro Plaza. Paulo Emílio e a emergência do Cinema Novo: débito, prudência e desajuste no diálogo com Glauber Rocha e David Neves. Tese (Doutorado em Comunicação Social) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, 2008.
  • SCHLICHTHORST, Carl. O Rio de Janeiro como é (1824-1826) Uma vez e nunca mais. Contribuições de um diário para a história atual, os costumes e especialmente a situação da tropa estrangeira na capital do Brasil. Apresentação, notas, comentários de Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal, 2000.
  • SOUZA, Carlos Roberto de. A Cinemateca Brasileira e a Preservação de Filmes no Brasil 2009. Tese (Doutorado em Comunicação Social) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, 2009.
  • SOUZA, José Inácio Melo. Eleições e cinema brasileiro: do fósforo eleitoral aos santinhos eletrônicos.Revista USP, São Paulo, n. 22, p. 155-165, 1994.
  • SOUZA, José Inácio de Melo. O Estado contra os meios de comunicação, 1889-1945 São Paulo: Annablume/FAPESP, 2003a.
  • SOUZA, José Inácio de Melo. Paulo Emílio no Paraíso São Paulo: Editora Record, 2002.
  • SOUZA, José Inácio Melo. Trabalhando com cinejornais: relato de uma experiência. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 38, p. 43-62, 2003b.
  • VOVELLE, Michel. A longa duração. In: Ideologias e mentalidades São Paulo: Brasiliense,1987, p.259-298.

Fontes Primárias

  • Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0488 - Aula de 23 de maio 1966.
  • Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0492 - Paulo Emílio Sales Gomes. Inventos e Impulsos 1965.
  • Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0493 - Paulo Emílio Sales Gomes . Aula de 16 de maio 1966.
  • Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0494 - Ernani Silva Bruno 1966.
  • Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0495 - GOMES, Paulo Emílio Sales. Gastão Cruls 1966.

Notas:

  • 1
  • 2
    Publicado na Revista de Teoria da História. Disponível em: <https://doi.org/10.5216/rth.v24i1.65510>.
  • 3
    Publicado na revista Rebeca: Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual. Disponível em: <https://doi.org/10.22475/rebeca.v9n2.661>.
  • 4
    Publicado na Fênix: Revista de História e Estudos Culturais. Disponível em: <https://doi.org/10.35355/revistafenix.v17i17.952>.
  • 5
    5 Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0492. Doravante, as remissões aos manuscritos serão dadas pela entrada no Arquivos da Cinemateca Brasileira, coleção Paulo Emílio Sales Gomes.
  • 6
    Em Panorama do Cinema Brasileiro (1966), Paulo Emílio enfatizou como as comemorações do Centenário da Independência (1922) foram largamente registradas em “documentários e jornais de atualidade”, garantido trabalho aos cavadores (GOMES, 2016GOMES, Paulo Emílio Sales. Panorama do Cinema Brasileiro. In: GOMES, Paulo Emílio Sales; CALIL, Carlos Augusto (org.). Uma situação colonial? São Paulo: Companhia das Letras, 2016a. p. 119-166. , p. 141).
  • 7
    PEPI 0492.Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0492 - Paulo Emílio Sales Gomes. Inventos e Impulsos. 1965.
  • 8
    Idem.
  • 9
    Idem.
  • 10
    Idem.
  • 11
    Sociedade voltada ao estudo da mentira, da lorota, etc. Nesses locais se reuniram o movimento romântico entre as décadas de 1840 a 1860.
  • 12
    PEPI 0494Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0494 - Ernani Silva Bruno. 1966..
  • 13
    PEPI 0492Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0492 - Paulo Emílio Sales Gomes. Inventos e Impulsos. 1965..
  • 14
    Dentre as atividades culturais das cinematecas, a realização de exposições em festivais de cinema tem um propósito estritamente pedagógico, voltado a formação do público de cinema. Nessas exposições, cartazes, revistas de cinema, manuscritos de roteiros, desenhos, figurino, fotografias, fotogramas, equipamentos, projeções de fragmentos específicos de filmes, etc., compõe com as sessões de cinema, o conjunto não apenas de um ritual cinéfilo, mas de um festejo para públicos mesmo não iniciados.
  • 15
    No curso, Paulo Emílio questiona: em um país de iletrados, poderia se falar da existência de um sistema entre escritores, críticos e leitores. Meditando sobre a questão, o historiador conclui que, apesar do baixo índice de alfabetização, os serões literários cumprem essa função (PEPI 0493Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0493 - Paulo Emílio Sales Gomes . Aula de 16 de maio. 1966.).
  • 16
    PEPI 0492Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0492 - Paulo Emílio Sales Gomes. Inventos e Impulsos. 1965..
  • 17
    Idem.
  • 18
    Idem.
  • 19
    Idem.
  • 20
    O Pálio é uma espécie de manto (sobrecéu) sustentado por quatro paliários nas procissões. Nesse caso, o Pálio cobre o Viático, ou seja, a comunhão eucarística dada àqueles que estão prestes à beira da morte.
  • 21
    PEPI 0492Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0492 - Paulo Emílio Sales Gomes. Inventos e Impulsos. 1965..
  • 22
    Idem.
  • 23
    Idem.
  • 24
    PEPI 0494Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0494 - Ernani Silva Bruno. 1966..
  • 25
    PEPI 0495Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0495 - GOMES, Paulo Emílio Sales. Gastão Cruls. 1966..
  • 26
    PEPI 0493Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0493 - Paulo Emílio Sales Gomes . Aula de 16 de maio. 1966..
  • 27
    PEPI 0494Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0494 - Ernani Silva Bruno. 1966..
  • 28
    PEPI 0493Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0493 - Paulo Emílio Sales Gomes . Aula de 16 de maio. 1966..
  • 29
    PEPI 0494Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0494 - Ernani Silva Bruno. 1966..
  • 30
    PEPI 0493Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0493 - Paulo Emílio Sales Gomes . Aula de 16 de maio. 1966..
  • 31
    A representação do presidente Jair Bolsonaro como homem do povo, tomando seu café simples com pão com manteiga, ou comendo um simples hambúrguer com fritas em viagens ao exterior é um Ritual de Poder que se combina com outro tema, o Ritual Popular. Há também o caso de João Dória, quando prefeito da cidade de São Paulo se vestiu de diversos profissionais da prefeitura, fazendo marketing de si mesmo à frente dos trabalhos. Em ambos os casos, o que se sobressai desses rituais é a natureza populista, performance historicamente bastante enriquecida com o político Jânio Quadros. No artigo Eleições e cinema brasileiro: do fósforo eleitoral aos santinhos eletrônicos (1994), José Inácio demonstra a persistência de elementos comuns nos discursos das práticas eleitorais entre a virada da década de 1910 e a de 1990.
  • 32
    A análise e descrição do Panorama de Victor Meirelles mobiliza o manuscrito do livro A bela época do cinema brasileiro (1976ARAÚJO, Vicente de Paulo. A bela época do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976.), de Vicente de Paula Araújo, embora publicado 10 anos após o curso Os filmes na cidade (1966), livro que Paulo Emílio assina a apresentação, assegurando ao leitor na última década (1966-76), que o manuscrito do livro “impregnou toda aula, conferência, livro, ensaio, artigo, verbete de enciclopédia, filme ou programa de TV que tenha se interessado pelos primórdios do cinema no Brasil” (GOMES, 1976GOMES, Paulo Emílio Sales. Apresentação. In: ARAÚJO, Vicente de Paulo. A bela época do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Perspectiva , 1976. p. 01-03., 11).
  • 33
    PEPI 0488Cinemateca Brasileira. Arquivos e Coleções. Coleção Paulo Emílio Sales Gomes. PEPI 0488 - Aula de 23 de maio. 1966..
  • 34
    Idem.
  • 35
    Em seu trabalho, Coelho (2007COELHO, Mário César. Os Panoramas perdidos de Victor Meireles: Aventuras de um pintor acadêmico nos caminhos da modernidade. 2007. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - SC, 2007.) demonstra como com a Proclamação da República, artistas responsáveis pelas representações monárquicas perdem espaço institucional e são impelidos ao esquecimento nesse novo momento da história nacional.
  • 36
    PEPI 0488.
  • 37
    Idem.
  • 38
    Idem.
  • 39
    Devo essa definição ao generoso comentário do Prof. Marcos Napolitano na apresentação do trabalho no colóquio “Memórias nacionais em tempos de efemérides: o cinema e as artes visuais”, realizado pelo Grupo de Pesquisa CNPq “História e Audiovisual: circularidades e formas de comunicação”, Departamento de Cinema, Rádio e Televisão e Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento da FAPESP (Proc. 2019/13106-8).

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2020
  • Aceito
    09 Fev 2021
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Campus de Assis, 19 806-900 - Assis - São Paulo - Brasil, Tel: (55 18) 3302-5861, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, Campus de Franca, 14409-160 - Franca - São Paulo - Brasil, Tel: (55 16) 3706-8700 - Assis/Franca - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@unesp.br