Open-access Novos domínios da História? Matéria, materialidade e a “Insustentável leveza do ser”

New Domains of History? Matter, Materiality, and the “Unbearable Lightness of Being”

RESUMO

Este artigo propõe uma descrição panorâmica das contribuições teóricas da antropologia, da arqueologia, dos estudos de cultura material e da materialidade para a investigação historiográfica. Ele tenta delinear possíveis alianças entre o arcabouço teórico da materialidade e os problemas colocados pela historiografia hodierna, inserindo tal movimento no seio de uma mudança de paradigma pós-humanista na história. Ele defende que as transformações vividas no presente realçam a importância de se resgatar a ação das coisas não-humanas em nossas descrições e explicações sobre o mundo. Após a descrição da trajetória dos desenvolvimentos teóricos no campo, o artigo demonstrará, a partir de abordagens concretas e recentes, seus diversos potenciais de aplicação prática. Por fim, sopeso os limites e benefícios da teoria da materialidade e conclamo os historiadores a acolherem essa inovadora consciência ontológica em seus estudos.

Palavras-chave:
Teoria da história; arqueologia; materialidade; história da Ásia; História Antiga

ABSTRACT

This paper offers an overview of the theoretical contributions from anthropology, archaeology, material culture studies, and materiality studies for historiographical research. It aims to trace some possible alliances between the theoretical apparatus of materiality and the problems identified by recent historiographic trends, integrating that movement into the posthumanism paradigm shift in historical studies. It supports that the transformations which we are currently living reinforce the need of stressing the agency of non-human things in our descriptions and explanations about the world. After describing the trajectory of the theoretical developments in the field, this paper shall demonstrate their diverse potentials of practical application by mentioning recent and concrete approaches. I conclude by weighing the limits and benefits of materiality and by exhorting the historian community to welcome this innovative ontological awareness in their studies.

Keywords:
Historical theory; archaeology; materiality; history of Asia; Ancient History

Sauron estava enfraquecido, mas não destruído. Seu anel se perdera, mas não fora desfeito. A Torre Escura estava quebrada, mas suas fundações não haviam sido removidas; pois eles haviam sido feitos com o poder do Anel, e, enquanto ele permanecer, eles resistirão.1 (J. R. R. Tolkien, A Sociedade do Anel, 1954; apudKnappett, 2005, p. 11).

Dezembro de 2024. Enquanto escrevo estas linhas, não muito longe daqui, acima de uma avenida movimentada, drones cintilantes traçam uma coreografia celeste, em formações alternadas, emaranhando-se a fim de materializar ícones natalinos - ora uma árvore de Natal, ora um carismático Papai Noel, transformam o horizonte como num passe de mágica. Neste mês, ou talvez no anterior, creio que a Tesla, companhia do bilionário Elon Musk, tenha anunciado o lançamento de mais algum modelo de autômato humanoide. Promessa ou engodo, o robô já não pertence mais, exclusivamente, às narrativas de ficção científica ou à funesta fábrica de Čapek. Em meu país, e decerto para além dele, indivíduos recorrem exaustivamente a modelos de inteligência artificial generativa para produzir tabelas, imagens, textos e outras formas de conhecimento gráfico. Midjourney, Sora, GPT, Gemini... registrados como propriedade intelectual de umas poucas corporações privadas sediadas em países poderosos, esses mecanismos de aprendizado de máquina se aproveitam das informações que lhes foram e são oferecidas por particulares a fim de enriquecerem seu repertório e treinarem a satisfatoriedade de seus resultados. Geralmente, eles o fazem perante um público urbanamente ávido por fornecer-lhes tudo aquilo de que precisam, com reduzida ou limitada reação das autoridades. Estas, quando atuantes, não raro são ameaçadas e pressionadas politicamente por radicais ou pelos donos das big techs - como ora se dá no Brasil (e.g., ANPD vs. Meta e STF vs. X).2

De fato, nós não somos mais tão especiais. Como vaticinado há décadas, as fronteiras entre humano e máquina, cultura e natureza, físico e mental, parecem se dissipar celeremente em meio à diluição das percepções essencialistas do homem - mas também graças a novas circunstâncias históricas (Latour, 1994, p. 7-17; Haraway, 2009, p. 40-44). No mundo hodierno, por exemplo, podemos ser medidos e até mesmo reduzidos a templates biométricos de rosto, digitais e voz - o que, de fato, fazemos com uma frequência assustadoramente banal, nas academias, universidades e por meio de nossos (onipresentes) aparelhos de celular (Liu, 2012; Treuk, 2017). Além disso, por meio dos Large Language Models (LLMs), agora podemos ser copiados de forma bastante fidedigna quanto àquilo que outrora havíamos considerado ser parte essencial de nossa singularidade, inventividade e engenho: a linguagem. Resta-nos um conjunto mal definido de propriedades pretensamente especiais: intenção, consciência, moral... Quem sabe quando deixaremos de ser os repositórios privativos destes atributos?

Para saberes tão logocêntricos como o são a história, a sociologia ou a antropologia, a reprodução automatizada de textos por computadores provoca, ou deveria provocar, certa perplexidade (Kansteiner, 2022). Terá o advento da inteligência artificial generativa colaborado para desferir o “golpe de misericórdia” no debilitado império teórico da linguagem, o reino da “virada linguística”? As consequências ainda são pouco claras, e, tal qual no campo regulatório, ainda estamos aprendendo a lidar com os novos problemas proporcionados pelo contexto de mudanças quantitativas e qualitativas na esfera tecnológica. Seja como for, não há dúvida de que este “admirável mundo novo” tem proporcionado a crescente percepção de que as “coisas” ganharam vida, ou de que os produtos de nossa criação estão prestes a alcançar sua própria autonomia. E, embora esse sentimento tenha sabidamente surgido já com a Primeira Revolução Industrial, penso que qualquer um concordará quanto ao fato de que vivemos um novo e inédito estágio de nossa experiência de Zauberlehrling.

Ao ressaltar, introdutoriamente, este “Sattelzeit das máquinas” (Bonaldo, 2023, p. 6-8), não me interessa tanto o debate em curso sobre se os autômatos se tornarão, eventualmente, conscientes, criativos, ou se sua limitação repetidora os reduzirá a um habitus informacional, tampouco a discussão sobre o advento da tal Strong AI.3 Interessa-me, aqui, o contexto histórico de nossa aporia, bem como a máxima: tempora mutantur, nos et mutamur in illis. O advento de modelos sofisticados de inteligência artificial e as rápidas transformações tecnológicas pelas quais passamos, somados, é claro, à crise ambiental agravada nas últimas décadas (Chakrabarty, 2013; 2018), fizeram arrefecer ainda mais em nós a ideia de uma excepcionalidade humana, lançando luz sobre aquilo que nós não somos capazes de fazer ou controlar, sobre nossa patente vulgaridade, sobre “o humano no não-humano” e o “não-humano no humano”. Eles exacerbaram a percepção de nossa pequenez num emaranhado de entidades dinâmico, complexo e sem princípio ou termo claros e definidos.

Sob um olhar teórico, esse contexto se traduziu em discursos que confluem para as reflexões já anteriormente veiculadas pelo dito “pós-humanismo” (Haraway, 2009, p. 35-118; Domanska, 2013; Bonaldo, 2023; Bonaldo; Pereira, 2023) - isto é, fundamentalmente, a visão de que o mundo importa para além do antropocentrismo ontológico e epistemológico da Modernidade, com suas dicotomias entre humano e não-humano, natural e cultural, físico e mental. Em vez disso, como se sabe, a história “pós-humana” advoga por uma ênfase na ecologia, nos animais, nas tecnologias e no mundo material em suas relações com entidades humanas e não-humanas.

Um dos mais promissores campos de reflexão sobre a história “para além do humano” foi, sem dúvida, o da “materialidade”. Este novo paradigma se originou, de um lado, das discussões promovidas pela antropologia e arqueologia a partir dos anos 1980 (Hicks, 2010, p. 51-55; 73-79), e, de outro, por reflexões da sociologia e filosofia das ciências (Almeida, 2019, p. 250). De forma bastante provocativa, as discussões sobre materialidade trouxeram à tona uma nova forma de ver o mundo das “coisas não-humanas” - suas propriedades físicas ou fisicidade, suas viabilizações e potenciais (affordances), suas dependências e limitações (dependencies) (Hodder, 2012, p. 48-52), sua performatividade (Hodder, 2012, p. 30-34; 2024, p. 49-50), para além de seus aspectos representacionais e simbólicos. Elas passaram a ocupar lugar central, inclusive, em discursos de engajamento político, como a teoria queer (Preciado, 2014) e o “feminismo material” (Barad, 2008). E, por fim, se fizeram presentes em diversas formas de reflexão filosófica, como é o caso do dito “Novo Materialismo” (New Materialism) (Almeida, 2019) e de outros desenvolvimentos teóricos inspirados por pensadores tais quais Gilles Deleuze, Félix Guattari e Michel Serres (Latour, 1994, p. 81-84; Deleuze; Guattari, 1995, 1997; Bennett, 2010, p. 1-19; Rede, 2024a, p. 148).

Diante de tantas transformações, é impossível continuar a fazer história sem atentar-se às contribuições da materialidade. Isso significa ir além dos “estudos de cultura material”, que, em alguma medida, já têm sido incorporados pela pesquisa historiográfica no Brasil.4 É preciso, em outras palavras, superar as perspectivas semióticas ou representacionais que continuam a prevalecer na maior parte dos estudos historiográficos dedicados ao mundo material, conforme diagnosticado por diversos especialistas brasileiros (Rede, 2012; Meneses, 2012, p. 256-257; Ranieri; Fattori, 2021; Rede, 2024a; ver também Teixeira-Bastos; Porto, 2024; Moerbeck, 2024, p. 4-10). Destarte, minha proposta neste artigo é fornecer uma descrição panorâmica das novas vertentes de reflexão e argumentar, ainda que com ressalvas, em favor da mobilização de suas perspectivas como instrumentos promissores de análise histórica.

As palavras e as coisas

Because we’re living in a material world… (Madonna, Material Girl, 1985).

Dentre as diversas ameaças à hegemonia do pensar antropocêntrico, a chamada “virada material” é, talvez, uma das mais reveladoras, como dissemos, justamente por trazer à tona tudo aquilo que não depende exclusivamente de nós, humanos - de nossas intenções, ações ou desejos. Mais importante do que isso, essa mudança de paradigma é rica de implicações teóricas, na medida em que se articula a preocupações atuais mais amplas quanto à relação entre os seres humanos e o ambiente (em contexto de crescente degradação ambiental antropogênica), à materialidade das construções identitárias de sexo e gênero e à interação entre humanos e não-humanos (animais, tecnologias e “coisas”). Essa virada ontológica, que remonta aos anos 1980 e 1990, afetou, sobretudo, áreas como a antropologia, a arqueologia e a sociologia (Rede, 2024a, p. 142-148). Por outro lado, ela teve apenas uma tímida absorção pela teoria da história.

Essa forma inovadora de pensar o mundo, por sua vez, pode ser associada à noção de “materialidade”, que, embora plurívoca, tende a dizer respeito, fundamentalmente, à crítica dos estudos de “cultura material” em analogia a textos, bem como à recusa da divisão artificial entre o “material”, pretensamente amorfo e passivo, e o “cultural”, humano e criativo (Hicks, 2010, p. 74; Ranieri; Fattori, 2021, p. 8-11). Mais especificamente, para alguns especialista, ela tende a ser aproximada à noção de “agentividade”, actância ou agência material (Jones, 2009, p. 89; Bennett, 2010, p. 8-9; Rede, 2012, p. 145-146; Ranieri; Fattori, 2021, p. 9-10), e, em certos casos, oposta à primazia da abordagem pós-moderna centrada na linguagem e em construções puramente discursivas do mundo (Latour, 1995, p. 10; 2001; Alaimo; Hekman, 2008; Bennett, 2010, p. 17; Rede, 2012, p. 143-144).

Grosso modo, portanto, os teóricos associados aos estudos de materialidade, contrariamente às perspectivas arqueológicas pós-processuais (que liam artefatos como discursos simbólicos), são irmanados pelo enfoque nas “coisas” não-humanas, seus atributos materiais e sua dimensão performativa (Hicks, 2010, p. 74; Hodder, 2012, p. 1-13). O próprio termo “coisas” é privilegiado em vez da noção de “objeto”, que pressuporia uma relação opositiva em face de “sujeitos” (Bennett, 2010, p. 5; Hodder, 2012, p. 7-8). Partindo de bases filosóficas diversas, tais pensadores costumam, ademais, enfatizar a agência da matéria, das coisas não-humanas, isto é, a sua capacidade de interferir na realidade independentemente dos humanos. Dessa forma, pode-se dizer que o postulado fundamental da crítica da materialidade é a recusa da ideia de uma suposta precedência filosófica de um ser desmaterializado, mental, a flanar sobre o pesado mundo da matéria, o qual ele meramente transformaria e instrumentalizaria a seu bel prazer. Pelo contrário, ao congregar as esferas humana e não-humana, mental e física, a materialidade torna absolutamente insustentável essa suposta “leveza do ser”.

Uma “pré-história” da Materialidade

O novo pirronismo voltou-se contra a confiabilidade dos historiadores comuns. Os antiquários estavam em posição mais forte. Os objetos falavam pelas épocas em que tinham sido fabricados. (Momigliano, 2002, p. 89).

Para se compreender o advento da noção de “materialidade”, seus múltiplos enfoques e suas deficiências, é necessário, inicialmente, situá-la no longo processo de desenvolvimento do pensamento arqueológico moderno, em sua dialética constante entre o “material” e o “cultural”. Naturalmente, o pensamento arqueológico é terreno promissor de análise por ter se constituído como um pioneiro domínio de reflexão privilegiada sobre o mundo material. No entanto, como veremos, aportes e desenvolvimentos de outras áreas do saber confluíram, mais tarde, para as reflexões surgidas no âmbito da arqueologia.

Aquilo que nós ora chamamos de “arqueologia” remonta parcialmente a práticas antiquárias da Era Moderna, sobretudo a partir do Renascimento, quando eruditos europeus (J. Aubrey, N.-C. de Peiresc, A. Kircher e outros) passaram a se interessar por vestígios materiais do passado, colecionando artefatos epigráficos, escultóricos e numismáticos, e voltando-se ao exame de sítios monumentais “pré-históricos”. Esses eruditos, os antiquários, catalogavam e agrupavam seus achados, e, em alguns casos, buscavam fornecer interpretações para eles. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, sociedades de antiquários foram formadas, assim como sociedades de dilettanti, isto é, clubes de eruditos e curiosos que haviam realizado o “Grand Tour” pelas ruínas antigas da Itália - em locais como Taormina, Sorrento, Pompeia e Roma (Trigger, 2007, p. 40-118; Boast, 2009, p. 55-70; Fagan; Durrani, 2016, p. 1-19).

É comum os manuais de história da arqueologia resumirem o período dos antiquários a alguns traços gerais negativos: amadorismo, escavações destrutivas (como as de Pompeia e Herculano, em 1738) e certo romantismo irracional (Trigger, 2007, p. 40-118; Fagan; Durrani, 2016, p. 1-19). O antiquarianismo, contudo, teve também uma face pirrônica e crítica. Como explica Momigliano, esse movimento representou uma mudança de paradigma, na medida em que muitos antiquários, movidos por um espírito de ceticismo, desejavam submeter a tradição clássica à dúvida constante. Nesse sentido, eles se orientavam em direção aos objetos materiais como forma de recusa das fábulas e mitos da tradição escrita, em favor de um contato “direto” com o passado. O antiquarianismo, portanto, constituiu um primeiro e genuíno ímpeto rumo ao mundo material (Momigliano, 2002, p. 85-117; Boast, 2009, p. 55-70).

No século XIX, o interesse pelos vestígios materiais do passado humano se intensificou, dando forma àquilo que veio a ser entendido como arqueologia. Desde a publicação de Prehistoric Times, por J. Lubbock, em 1865, até os anos 1880, essa arqueologia europeia e norte-americana foi hegemonizada por noções evolucionistas sobre os artefatos humanos (Trigger, 2007, p. 166-210; Fagan; Durrani, 2016, p. 107; Cartron; Renou, 2024). Os objetos eram, então, vistos como reflexos de desenvolvimentos tecnológicos que representariam o nível civilizacional e cultural das sociedades, em trajetória linear rumo à Europa burguesa e industrial (Johnson, 2009; Hicks, 2010, p. 30-35; Rede, 2012, p. 134-135).

No final do século XIX, com um crescente mal-estar provocado pelos problemas da sociedade industrial, a abordagem evolutiva perde prestígio, e alguns autores preferem privilegiar análises tipológicas dos artefatos, o estudo de seu desenvolvimento sequencial a partir de mudanças de forma e design, atentando-se a trocas culturais provocadas por difusão ou migração de grupos e ideias (Trigger, 2007, p. 218). Em grande medida, essa arqueologia “histórico-cultural” remontaria a autores como Oscar Montellius, no século XIX, e se consolidaria com a antropologia de Franz Boas, no início do século XX (Hicks, 2010, p. 34; Fagan; Durrani, 2016, p. 108-109). De forma geral, tanto a chamada arqueologia histórico-cultural quanto a arqueologia evolucionista voltaram seus holofotes para os objetos, vistos enquanto sequências taxonômicas ou tecnológicas, e os abstraíram de seus contextos sociais e culturais de uso, produção e descarte. O mundo material, nesse sentido, parecia deter certa primazia em relação ao humano, sendo abstraído dele (Hicks, 2010, p. 43).

A noção de “tecnologia” passa a ser substituída pela noção de “cultura material”, gradualmente, ao longo dos anos 1930 e 1940, sobretudo em razão da crescente influência da sociologia de Durkheim sobre as Ciências Humanas (Hicks, 2010, p. 36-37). A expressão buscava, portanto, restaurar a dimensão humana, “cultural”, dos artefatos. Esse desenvolvimento foi impulsionado, ademais, pelas teorias da antropologia funcional da primeira metade do século XX, em particular as perspectivas de Radcliff-Brown e Malinowski (Rede, 2012, p. 136). A partir desse momento, os especialistas passaram a entender que os “artefatos” deveriam ser compreendidos como elementos cumprindo funções dentro de estruturas sociais. Tal perspectiva ganhou maior fôlego com o advento da arqueologia neoevolucionista e processual do mundo anglo-saxão (Hicks, 2010, p. 38-42). A cultura, incluída aí a “cultura material”, corresponderia, para esses autores, como Steward, White e Binford, a uma forma de adaptação pragmática às condições ambientais (Hicks, 2010, p. 39). Em oposição à ideia de artefatos como tecnologias ou sequências tipológicas, a partir dos anos 1960 e 1970, com a arqueologia processual, o humano adquiriria primazia sobre o material, ainda que por uma ótica utilitária e estrutural (Hicks, 2010, p. 43). Um dos “efeitos colaterais” dessa postura cientificista foi o reduzido espaço dado à dimensão simbólica e agentiva dos objetos, além do privilegiamento de um recorte sincrônico em detrimento da diacronia e historicidade dos artefatos humanos (Rede, 2012, p. 138).

As vantagens de ser invisível

Bem à maneira do sexo na Era Vitoriana, os objetos nunca devem ser mencionados, sempre sentidos. Eles existem, naturalmente, mas não são alvo de pensamento social. Como servos humildes, vivem à margem do social, encarregando-se da maior parte do trabalho, e nunca são representados como tais. (Latour, 1994, p. 110-111).

Em contraposição a esse estado de coisas, o advento dos “estudos de cultura material” no Reino Unido dos anos 1980 surgirá de um crescente desejo de aliar o estrutural e o simbólico numa análise unificada, confluindo para tendências do Marxismo, da arqueologia histórica norte-americana (e.g., Deetz) e das teorias da prática de Bourdieu (1977) e Giddens (1979) (Hicks, 2010, p. 44-49). Nesse momento, as publicações de etnoarqueologia de Ian Hodder (1982) e de Daniel Miller (1985) irão conduzir o ramo a outro paradigma ao defenderem a consideração de elementos simbólicos e mentais na constituição da cultura material, destacando o papel ativo dos artefatos nas relações humanas (Hicks, 2010, p. 49-58; Rede, 2012, p. 139-140).

Ian Hodder, pesquisador de Cambridge, estudando variações de design em objetos de grupos da África oriental, como lanças, jarros de cozimento e vasos, argumentará que, mais do que “refletir” culturas de forma passiva, tais objetos estabeleciam e mantinham fronteiras étnicas, participando ativamente da vida social. Celebremente, Hodder questionou a noção processualista da cultura material “como o meio extrassomático de adaptação do homem”, alegando, em vez disso, que a cultura seria constituída de forma simbólica, ou “significante” (Hicks, 2010, p. 51-52). Ele também se afastou da arqueologia processual ao buscar superar seu caráter atemporal em favor de uma análise que combinasse estrutura e agência humana por meio do emprego da categoria de habitus de Bourdieu. A ideia de habitus, isto é, um conjunto de disposições humanas adquiridas por meio da vivência no mundo material, forneceria um modelo satisfatório para demonstrar como a estrutura material poderia determinar as ações humanas, sendo, ao mesmo tempo, constituída por estas, num constante processo de formação recíproca (Hicks, 2010, p. 56-58).

Daniel Miller, pesquisador da University College of London (UCL), preocupou-se, por sua vez, com a noção cognitiva de “classificação”, buscando entender os processos mentais classificatórios expressos na variabilidade de artefatos na vila rural de Malwa, na Índia Central (Hicks, 2010, p. 53). Para Miller, tais processos mentais mediavam a relação com o social e o material, adquirindo, portanto, importância analítica central. Mais tarde, dedicando-se a estudos antropológicos, Miller (1987; 1998) estudará o consumo de objetos cotidianos no mundo moderno. A partir da noção hegeliana de “objetificação” (que, em Hegel (1995), é vinculada à externalização do “Espírito”), Miller explorou como os objetos poderiam constituir processos de externalização do sujeito, essenciais para o próprio desenvolvimento do Eu. A conclusão lógica dessa constatação, para Miller, era que o ser humano não poderia ser estudado “fora” do mundo material, mas deveria ser entendido como constituído no e por meio do mundo material (Hicks, 2010, p. 59-63). Ademais, Miller enfatizou dois aspectos importantes sobre os objetos: em primeiro lugar, a “humildade das coisas”, isto é, o reconhecimento de que coisas aparentemente banais exercem um papel fundamental para a reprodução da vida social; e, em segundo lugar, a ideia, inspirada por Gombrich, de que o mundo material é como uma moldura quase invisível, que direciona e enquadra o olhar, ainda que passe amiúde despercebida - ou, na verdade, justamente porque passa despercebida (Hicks, 2010, p. 62; ver também Hodder, 2012, p. 6-7).

As propostas de Hodder e Miller foram revolucionárias para se pensar a materialidade, na medida em que demonstraram como as pessoas objetificam a si mesmas e suas identidades, i.e., se externalizam em coisas duráveis entendidas como objetos para fins sociais, e como, por sua vez, tais objetos fundamentam futuras interações sociais, numa relação contínua e contígua. A ideia de objetificação e do mundo material constituído de forma simbólica e ativa, é, portanto, um primeiro passo rumo à crítica da dita materialidade. A grande mudança de paradigma, aqui, foi pensar as estruturas sociais e o mundo material como simétricos, ativos, coconstitutivos, se autodeterminando mutuamente, e não mais a cultura material como reflexo passivo de estruturas sociais. Como explica Andrew Jones,

A noção de materialidade nos traz de volta ao ponto (...) de que a cultura material é tanto constituída por relações sociais quanto é constitutiva de relações sociais. O mundo material limita e viabiliza, e (...) é por meio da produção de mundos de objetos que os sujeitos se engajam no processo de autocriação. Partindo de Hegel, Miller (1987) nota que, no processo de “objetificação”, o sujeito e o objeto estão numa relação mutuamente constitutiva. A objetificação define um processo no qual expressões sociais e individuais ganham forma material. Objetos culturais evidenciam a externalização dos valores e significados negociados por, e imersos nas, relações sociais. Por sua vez, essas formas materializadas fornecem a base para futuras negociações e atribuições de valor e sentido. A materialização, portanto, é um processo contínuo. (Jones, 2009, p. 89).

Tudo que é sólido... desmancha no ar?

De qualquer forma, trata-se de seguir a madeira, e de seguir na madeira, conectando operações e uma materialidade, em vez de impor uma forma a uma matéria: mais que a uma matéria submetida a leis, vai-se na direção de numa materialidade que possui um nomos.” (Deleuze; Guattari, 1997, p. 90).

A perspectiva arqueológica pós-processual do mundo material, tomado em sua dimensão simbólica, passou por um processo de crítica e erosão a partir dos anos 1990. Ela foi considerada insuficiente, em particular, por sua dependência de analogias da evidência material a textos (Boivin, 2008, p. 20), as quais, segundo os autores que propugnavam por uma abordagem da “materialidade”, conduziam a uma desmaterialização dos artefatos e a uma preponderância do mundo social e humano sobre os objetos (Rede, 2012, p. 143-146). A nova vaga teórica, liderada por muitos dos autores que outrora haviam capitaneado as abordagens de cultura material, como Hodder (2012), Miller (2005), L. Meskell (2005), C. Knappett (2005), L. Malafouris (Knappett; Malafouris, 2008), N. Boivin (2008) e B. Olsen (2010), defendia uma superação da dicotomia entre as esferas material e cultural, que considerava excessivamente antropocêntrica. Esses autores também defendiam que as “coisas não-humanas” deveriam ser estudadas por suas próprias formas físicas e sua durabilidade, o que as afastaria de expressões puramente textuais, ou análogas a textos. Por fim, muitos desses autores se inspiraram na semiótica de Charles Sanders Peirce para defender que, por suas propriedades materiais, os objetos poderiam “refratar” sentidos, não sendo meras precipitações amorfas esperando por um conteúdo cultural humano (Jones, 2009, p. 87).

A semiótica de Peirce foi primordial para os autores da “materialidade” porque, ao invés de propor uma relação arbitrária entre significado e significante, como fizera o linguista franco-suíço Ferdinand de Saussure (um dos alicerces da linguistic turn), sugeria que o signo seria subdivisível em três categorias: ícone, índice e símbolo. Símbolos seriam elementos relacionais fixados por convenção ou hábito. Os signos agiriam “como símbolos por meio de seu uso repetido e comum” (Jones, 2009, p. 87). Ícones, por semelhança, partilhariam características com aquilo que significam. Índices compartilhariam uma relação causal com o signo e seu objeto. Ícones e índices seriam, assim, contíguos com o objeto que significam (o “significado”), o que criaria um nexo entre mundo cultural (simbólico) e material. Por meio de operações de inferência chamadas de “abdução” (“inferência a partir de um caso particular para uma regra hipotética geral”; Jones, 2009, p. 88), Peirce explica como, por exemplo, a fumaça (índice) permite inferir a presença de fogo (objeto), ou o azul (ícone) pode remeter ao lápis-lazúli (objeto) em determinada sociedade. Essas ideias foram essenciais para o pensamento sobre materialidade e agência, em particular no arsenal teórico e terminológico de Alfred Gell, que discutiremos adiante (Jones, 2009, p. 87-88).

A noção de materialidade conduziu à superação de visões puramente logocêntricas do mundo. Para Victor Buchli, por exemplo, a analogia de matéria a textos ignorava as propriedades materiais das coisas, que, segundo ele, continuamente afetavam os sentidos culturais que elas recebiam (Buchli, 1995; Hicks, 2010, p. 74). Outros, como Olsen (2010) e Hodder (2012), mostraram como os artefatos “fazem” e não apenas “representam” coisas, estando “emaranhados” (entangled) em relações sociais. Sua eficácia envolveria aspectos tais quais destruição, durabilidade, residualidade, desgaste, raridade, fragmentação, engajamentos com os sentidos humanos e caráter afetivo (Hicks, 2010, p. 75). Um ponto recorrente das discussões sobre materialidade é o fato de que o mundo material viabilizaria, limitaria e condicionaria engajamentos, criando “dependências”.

Algumas noções fundamentais das teorias da materialidade são encontradiças na literatura especializada e permitem detalhar melhor seus postulados comuns. Em primeiro lugar, há o mencionado conceito de “emaranhamento”, que remete a relações, redes ou malhas entre coisas humanas e não-humanas (Olsen, 2010, p. 67; Hodder, 2012, p. 88-112). Nesses emaranhamentos, as diferentes temporalidades das coisas não-humanas e humanas são essenciais para se compreender como certas situações se transformam e se reacomodam em cada momento histórico. Isso porque, em muitos casos, coisas podem ter uma duração diversa que exige dos humanos certas condutas, esperas e acomodações. Assim, durabilidades heterogêneas requerem tipos particulares de engajamento (Hodder, 2012, p. 98-101).

Em segundo lugar, é comum que os especialistas falem de “agregados” (assemblages, agencement) como “associações” ou “confederações” performativas e instáveis de entes heterogêneos, isto é, compostas de homens, animais, coisas, etc. - sem excluir, é claro, a existência de agregados contendo apenas coisas heterogêneas não-humanas (Olsen, 2010, p. 6-10; Latour, 2012, p. 22-23 e 71). Tais agregados, por sua vez, são performativos, porque não existem senão ao agirem (Bennett, 2010, p. 23-24). Por conseguinte, os elementos constitutivos de um agregado não possuem atributos “essenciais”, mas se distinguem apenas no relacionar-se uns com os outros (Hodder, 2012, p. 91). Ademais, por meio de diferentes categorias, como as de “actante”, “operador” ou “agente”, os autores dessas vertentes se referem amiúde a um “membro” do agregado que, por virtude de circunstâncias relacionais específicas, passa a ter eficácia, modificando uma dada situação (Bennett, 2010, p. 9; Latour, 2012, p. 86-87).

Por fim, as relações dos entes num emaranhado são definidas de diferentes formas, como, por exemplo, enquanto “viabilizações” ou “potenciais” (affordances), uma ideia tomada da obra de J. Gibson (1986) e que diz respeito às potencialidades das coisas para a consecução de determinadas ações. Por exemplo, um copo de café permite beber, enquanto formas pontudas com materiais duros permitem perfuração, e assim por diante (Knappett, 2005, p. 111-112; Olsen, 2010, p. 146-147; Hodder, 2012, p. 48-50). Esses potenciais não são meramente físicos, mas envolvem, frequentemente, conhecimentos prévios: uma caixa postal poderia ser empregada como uma lixeira, mas o prévio conhecimento sobre seu uso direciona os agentes humanos a um engajamento específico. Nesse sentido, a noção de affordances supera as dicotomias entre “sujeito/objeto” ao considerar elementos materiais e psíquicos (Hodder, 2012, p. 49). Além disso, os emaranhados também podem ser entendidos em termos de dependência, subordinação, limitação ou condicionamento, em duplo sentido: de um lado humanos se valem de coisas para poderem realizar determinadas ações; de outro, as coisas exigem determinadas condutas dos humanos, de acordo com suas peculiaridades, limitando sua margem de ação. É por essa razão que Hodder fala de emaranhados como situações nas quais os membros se veem “presos” em codependências (Hodder, 2012, p. 48-52).

Em suma, as teorias da materialidade nos levam de uma esfera de discussão simbólica das coisas para um novo paradigma no qual suas formas, propriedades físico-químicas e plasticidade passam a ser o centro das atenções. Elas são concebidas como propriedades ativas que agem em agregados instáveis e heterogêneos.

Razão e Sensibilidade

Permita-me oferecer uma definição operatória aqui: as arqueologias dos sentidos são tentativas de se assumir a realidade-matéria plenamente corporificada, experiencial do passado. (Hamilakis, 2012, p. 2).

A tendência teórica materialista se aliou fortemente a uma dita “virada somática”, inspirada pelo resgate das filosofias de Bergson, Heidegger e Merleau-Ponty, as quais, de formas diversas, insistiam no caráter corporificado, material, da experiência vivida. Como explica Bjørnar Olsen, uma das consequências desse pensamento foi a compreensão de que todo conhecimento não é apenas um conjunto de aptidões mentais ou imateriais, mas, antes, um agregado de competências adquiridas por meio de atos habituais no mundo físico, e instauradas mediante a conjunção entre o mundo social e material - como, por exemplo, a “memória habitual” de conduzir uma bicicleta é ativada na interação com o próprio veículo (Olsen, 2010, p. 8).

Outro desdobramento dessa “virada somática”, no âmbito da arqueologia, foi o desenvolvimento das arqueologias dos sentidos (ou “sensoriais”), grandemente impulsionadas pela reflexão teórica de Y. Hamilakis (2012). Aqui, fundamentalmente, o passo mais importante envolveu uma reflexão sobre a historicidade e contingência do sensorium humano,5 em contraposição à hegemonia do paradigma ocidental de aparelhos de sentido funcionando meramente como “respostas” a estímulos de um mundo externo e passivo. Além de explorar a diversidade de sensoria existentes, subdivididos em variados sentidos, Hamilakis mostra como o mundo material pode ser visto, em determinados contextos, como ativamente indutor de sensações, as quais, ademais, não poderiam ser sempre domadas pelo corpo humano - como o olfato e a audição (Hamilakis, 2013, p. 113).

Num mundo compreendido como agregado heterogêneo de coisas materiais, humanas e não-humanas, as conexões sensoriais, conceitualizadas como “fluxos” móveis e instáveis, ganham um potencial explanatório, isto é, os sentidos se tornam potenciais fatores de compreensão do caráter afetivo dos agregados (Hamilakis, 2013, p. 115-127). A durabilidade da matéria, aliás, tem um impacto essencial para as reflexões de Hamilakis sobre arqueologia sensorial, pois implica um aspecto multitemporal do engajamento e emaranhamento de agregados. Com efeito, marcas de diferentes momentos do passado podem ser cumuladas em um mesmo artefato, afetando, através do engajamento, os sentidos táteis, visuais, olfativos e as memórias do passado e do presente.

Presença, Performance... Ação!

E, o respeito de dar a ele assim esses nomes de rebuço, é que é mesmo um querer invocar que ele forme forma, com as presenças! (Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, 2019 [1956], p. 12).

Parte das discussões sobre materialidade se baseia no instrumental teórico fornecido por reflexões sobre agência, em particular, na sociologia da ciência, com a Actor-Network Theory de Latour, Callon e Law (ANT, ou Teoria do Ator-Rede; ver Almeida, 2019, p. 250-256). Além da ANT, é impossível não mencionar a “teoria da agência”, de Alfred Gell (1998), na antropologia da arte. Por fim, podemos mencionar a “matéria vibrante”, de Jane Bennett, sua “vitalidade das coisas”, que é a aptidão da matéria a agir de forma autônoma (Bennett, 2010, p. viii). Em comum, tais teorias pregaram um caráter performativo das coisas não-humanas.

A ANT, defendendo uma superação da dicotomia cartesiana entre humano e material, propõe uma análise sociológica dessas dimensões em sua integração em redes que emergem através da interação entre seus elementos (Latour, 2012, p. 113; Almeida, 2019, p. 252). Além disso, a ANT defende que a agência também seria uma faculdade de não-humanos (Latour, 2012, p. 29), rechaçando a “intencionalidade” em sua acepção de “atores”. Atores podem ser descritos como “actantes” que receberam “figuração” (Latour, 2012, p. 85-86); “actantes”, por sua vez, na definição de Latour, são “qualquer coisa que modifique uma situação, fazendo diferença” (Latour, 2012, p. 108). Para ele, uma abordagem de ANT deve se caracterizar por observar agregados instáveis em seu contínuo esforço de formação (Latour, 2012, p. 22), além de entender os não-humanos como atores dessas agregações, de forma simétrica a outros atores, e não meramente em razão de “projeções simbólicas” sobre suas propriedades. No mais, Latour insiste na importância de “mediadores” nas agregações, isto é, elementos que não simplesmente transmitem intenções e mensagens (como é o caso dos “intermediários”), mas, na verdade, as refratam, distorcem ou as transformam, gerando resultados inesperados (Latour, 2012, p. 65-67).

Um estudo concreto de Latour sobre Louis Pasteur e a descoberta do fermento do ácido láctico tenta dar concretude a uma proposta historiográfica que leva em conta o papel e historicidade das coisas não-humanas (Latour, 1995, p. 11). Retomando as tradições da história da ciência que lhe precederam, Latour critica tanto as visões construtivistas, por sua ênfase na absoluta construção humana da realidade, quanto as perspectivas substantivistas, por sua equivocada noção essencialista da natureza. Ele advoga, em vez disso, pela aplicação da metafísica de Whitehead e pela presunção de uma “simetria generalizada” entre atores humanos e não-humanos nos acontecimentos históricos (Latour, 1995, p. 7-11). O acontecimento histórico da “descoberta” da fermentação láctica, por exemplo, seria resultado de um encontro entre Pasteur e o fermento, sendo que o cientista e seu laboratório - que nada mais é do que a extensão material do cientista - servem de “ocasião” para a concrescência e estabilização da fermentação láctica através de gestos e procedimentos específicos (Latour, 1995, p. 16-17). Sem a fermentação láctica e sua trajetória histórica até o momento desse encontro no laboratório, Pasteur não teria sido capaz de lhe viabilizar concrescência, ao mesmo tempo em que a fermentação não teria se manifestado sem a ocasião surgida por meio dessa relação específica com Pasteur, seus procedimentos e seus aparelhos materiais. Nesse sentido, tal “descoberta-invenção-construção” é resultado de um “encontro” entre entes humanos e não-humanos (Latour, 1995, p. 21).

A antropologia da imagem de Gell, consubstanciada na sua obra póstuma Art and Agency, de 1998, defendia, por sua vez, que os artefatos poderiam exercer agência na condição de “agentes secundários”, isto é, enquanto instrumentos, amplificadores e mediadores de agentes “primários” humanos, também de forma independente das intenções desses atores. Baseando-se na semiologia de Peirce, Gell propôs ideias como a noção de que artefatos seriam “índices” a partir dos quais as audiências poderiam “abduzir” a agência ou virtuosidade dos criadores e daqueles que haviam comissionado os objetos, por exemplo. O processo de abdução, recorde-se, não corresponde a uma inferência racional baseada em cálculos ou reflexões demoradas, mas a uma conclusão lógica, baseada em hipóteses gerais da experiência humana - ainda que eventualmente equivocada. Nesse sentido, as abduções são reações imediatas causadas por uma relação indexical. Para Gell, artefatos deveriam, portanto, ser entendidos em sua relação com outros entes humanos e não-humanos, em sua aptidão plástica para fascinar, atemorizar ou permitir a abdução de virtuosidades, potências e outros atributos de seus produtores, artífices ou mecenas, cumprindo um papel equivalente aos agentes primários nas relações sociais (Gell, 1998, p. 1-27).

O conceito de agência em Gell é definido de forma relacional, isto é, agente é aquele que faz sofrer uma ação a outrem numa determinada interação social. Nesse sentido, vê-se claramente como objetos podem ser agentes, independentemente de qualquer “intencionalidade”, na medida em que têm o potencial de agir sobre outros elementos numa relação (Gell, 1998, p. 22). Notoriamente, os artefatos seriam também capazes de “distribuir” a personalidade de agentes no espaço e no tempo (Gell, 1998, p. 20-21). Ou, dizendo de outra forma, agentes seriam amiúde distribuídos espacialmente ou temporalmente por objetos que são constitutivos de sua própria identidade. Quanto à possibilidade da “personalidade distribuída”, Gell dá, inicialmente, o exemplo de soldados que explodem seus adversários com minas terrestres, argumentando que as armas integram a categoria “soldado” e, portanto, estendem sua agência (Gell, 1998, p. 21).

Outra perspectiva que dialoga com o problema colocado pela teoria da agência, em termos concretos, pode ser encontrada nos trabalhos de Zainab Bahrani e sua noção de “imagem performativa” (Bahrani, 2003). Bahrani utiliza o caso da tradição mesopotâmica para dar concretude à proposta da agência dos artefatos, enraizando sua análise nas concepções êmicas assiro-babilônicas. A partir da Gramatologia (1967), de Jacques Derrida, um dos grandes expoentes da crítica pós-estruturalista, a autora explica como os mesopotâmios entendiam o mundo (nomes, pessoas e coisas) como um conjunto de sinais inscritos na realidade, “diferidos” infinitamente uns em direção a outros por relações de sinédoque, metonímia, semelhança e metáfora (Bahrani, 2003, p. 96-120). Ela associa essa Weltanschauung à natureza da escrita cuneiforme e das línguas suméria e acadiana, com signos que podem ser polivalentes e fonemas amiúde plurívocos. Nesse sentido, a individualização de um ser, distribuído ontologicamente, exigiria a sua conjuração mediante a saturação redundante de seus componentes, a fim de desembaraçar-se da polivalência (Bahrani, 2003, p. 132-133). O resultado seria a congregação de nomes, imagens e outros aspectos em rituais voltados a instaurar uma presença. Isso explicaria as liturgias de avivamento de estátuas, a ideia de que os lamassū (estátuas colossais de touros alados) poderiam ganhar vida (Bahrani, 2003, p. 169-171), entre outros aspectos relacionados à noção assiro-babilônica de ṣalmu (“imagem”) (Bahrani, 2003, p. 131). A proposta teórica deixa de ser meramente semiológica e se torna uma verdadeira ontologia, na medida em que trata de uma visão de mundo histórica na qual, segundo Bahrani, a realidade sensível seria equivalente à linguagem, com uma agência potencial atribuída a diversos artefatos mediante sua presentificação em rituais de evocação.

A Vida Invisível das Coisas

Case teve a sensação de que o material havia crescido desde a última visita. Ou então estaria se alterando sutilmente, cozinhando a si mesmo sob a pressão do tempo, como se flocos invisíveis se assentassem num monte de adubo, uma essência cristalina de tecnologia descartada, florescendo secretamente nos espaços devastados do Sprawl. (W. Gibson, Neuromancer, 2003 [1984], tradução de Alex Antunes).

Mais recentemente, o antropólogo britânico Tim Ingold questionou alguns dos parâmetros de “materialidade” desenvolvidos por teóricos como Latour, Miller e outros. Sua contribuição tem sido batizada de diferentes formas: Hicks se refere a ela como “estudos de malha”, enquanto o próprio Ingold criou um acrônimo para se contrapor à “ANT”: SPIDER, ou “Skilled Practice Involves Developmentally Embodied Responsiveness” (algo como “prática qualificada envolve responsividade corporificada no desenvolvimento”), aludindo à prática concebida na relação material com o ambiente vivo (Hicks, 2010, p. 78).

De um lado, como outros autores da “virada material”, Ingold é inspirado pela filosofia de Heidegger, da qual extrai a noção da necessária materialidade e temporalidade da experiência de “ser” ou “existir” no mundo, componentes ontológicos inexoráveis do Dasein. Ele também é fortemente orientado por Deleuze e Guattari, sobretudo pela alegoria do “rizoma” como princípio no qual cadeias biológicas, semânticas, políticas e físicas se misturam de forma desordenada, sem que um corte ontológico seja possível (Deleuze; Guattari, 1995, p. 15). Por outro lado, à diferença dos autores da materialidade, Ingold defende uma concepção do mundo como repleto de “coisas” móveis, permeáveis e em contínua efervescência, em vez de “objetos” passivos com superfícies internas e externas bem definidas (Ingold, 2012, p. 26; 29).

Segundo Ingold, as teorias da materialidade predominantes na arqueologia e antropologia ainda dependeriam sobremaneira de um modelo hilemórfico, de origem Aristotélica, que segrega matéria passiva (hyle) da forma criativa/cultural (morphe), mesmo quando pretendem emprestar agência às coisas, como fazem a ANT de Latour e a antropologia da imagem de Gell (Ingold, 2012, p. 26-27; Deleuze; Guattari, 1997, p. 91). Assim, quando teóricos como Miller ou Gell falam de “objetos”, eles amiúde pensam tais artefatos como produtos acabados e abstraídos da realidade da vida, na qual, pelo contrário, é virtualmente impossível estabilizá-los como uma unidade de superfícies externas e internas definidas (Ingold, 2012, p. 33-34).

Na perspectiva de Ingold, somos constantemente atravessados por uma série de outros elementos num mundo sempre vivo que se transforma continuamente, não podendo ser reduzidos a “objetos”. Por conseguinte, Ingold prefere falar de coisas humanas e não-humanas que “vazam” no mundo e jamais são contidas por superfícies (Ingold, 2012, p. 32). Em oposição à ANT, ele rejeita a ideia de redes conectando pontos num sistema (objetos e pessoas, por exemplo), já que os limites entre tais pontos são instáveis. Ele prefere, em vez disso, falar de uma malha ao longo da qual tais relações se dão (Ingold, 2012, p. 39-42). Além disso, para Ingold, a própria ideia de “materialidade” pressupõe certa noção de um precipitado sólido homogêneo que aguarda uma diferenciação pela “forma cultural”, reproduzindo o modelo hilemórfico. Nesse sentido, ele rejeita a ideia de materialidade e fala, em vez disso, em materiais com “proclividades anárquicas”, sempre em fluxo (Ingold, 2012, p. 35).

É preciso lembrar que as críticas de Ingold em relação aos autores da materialidade não foram recebidas sem ressalvas e importantes qualificações. Assim, por exemplo, a afirmação de que mesmo os autores da “materialidade” ignorariam os atributos e propriedades materiais das coisas que estudavam foi contestada por Miller, que apontou a preocupação de seus estudos etnográficos com aspectos materiais da seda, do algodão e do poliéster na constituição de tecidos sári (Hodder, 2012, p. 33). Outros afirmam que a defesa da substituição do termo “materialidade” por “materiais”, alegadamente em favor de um afastamento da dimensão abstrata do primeiro vocábulo, configuraria um empreendimento de policiamento conceitual pouco relevante e fadado ao fracasso (Olsen, 2010, p. 16-17). No geral, o debate entre os autores da materialidade e Ingold não se exauriu em favor de uma ou outra posição, mas forneceu um rico repertório teórico de reflexão para diversas situações concretas com as quais o historiador se depara em sua atividade especializada (ver também Hicks, 2010, p. 80-81).

“Feminismo Material” e “Produção Prostética do Gênero”

Primeiro, eu achava que o Mundo Real era governado por homens. E, depois, por um minuto, eu achei que ele era governado por cavalos. E então eu me dei conta de que cavalos são apenas extensões dos homens. (“Ken”, Filme Barbie, 2023).

Motivados sobretudo pelas inovações da filosofia da ciência, pela obra pós-humanista pioneira de Haraway (Manifesto Ciborgue, de 1985) e por um certo mal-estar quanto ao relativismo da crítica pós-moderna, um conjunto de autoras e autores enveredaram pelo estudo da materialidade em sua importância para a teoria feminista e a teoria queer. O “feminismo material”, em particular, surgiu, sobretudo, como uma reação crítica ao feminismo construtivista, geralmente em oposição e/ou complementação às formulações de autoras como Judith Butler (1993). A crítica feminista material volta-se, em particular, contra o enfoque de Butler sobre a construção discursiva dos corpos em Bodies that Matter, de 1993. Para as feministas materiais, uma deficiência dessa perspectiva e da “virada linguística” seria, precisamente, a persistência implícita da dicotomia “linguagem/realidade” em suas teorizações, que deveria ser superada por modelos mais complexos, aptos a explicar as formas pelas quais o mundo material também constitui uma força ativa e, por vezes, recalcitrante. Insistir na esfera discursiva, sem a devida atenção ao mundo material, seria, a bem da verdade, um regresso à dicotomia “natureza/cultura”, a qual as feministas pós-modernas alegariam rechaçar. Nas palavras de Alaimo e Hekman: “o novo paradigma que buscamos não é um retorno ao modernismo. Na verdade, ele concretiza aquilo que os pós-modernos falharam em fazer: uma desconstrução da dicotomia material/discursivo, mantendo ambos os elementos sem privilegiar nenhum” (2008, p. 6).

Como na teoria arqueológica em geral, o feminismo material insiste na agência do ambiente e da matéria, entendendo-os como uma força em interação constante com outros elementos, inclusive humanos, no seu devir (Alaimo; Hekman, 2008).

Karen Barad - um dos grandes nomes do feminismo material e do dito “Novo Materialismo” ou “neomaterialismo” (New Materialism) (Rede, 2012, p. 148), junto de intelectuais como Manuel DeLanda - oferece um complexo modelo teórico para se pensar as relações entre materialidade, performatividade e pós-humanismo, o qual denomina de “Realismo Agencial” (Agential Realism) (Barad, 2008, p. 129). De acordo com esse modelo, inspirado em parte pela filosofia de Niels Bohr, a “realidade” é um constante “fazer-se”, um processo “intra-relacional” contínuo através do qual fronteiras instáveis são incessantemente produzidas e desfeitas, sem qualquer barreira apriorística entre humanos e não-humanos, orgânico e inorgânico, práticas discursivas e materiais, espírito e matéria (Barad, 2008, p. 122). Barad propõe a superação da noção de “interação”, que pressuporia a pré-existência de entes que se relacionam, falando, em vez disso, de componentes ontologicamente inseparáveis agindo de forma “intra-ativa”, os chamados “fenômenos”. Em decorrência de determinadas maneiras de se “intra-agir”, os fenômenos poderiam sofrer um “corte agencial”, capaz de efetuar uma separação e determinação momentâneas entre seus componentes (Barad, 2008 p. 132-134). Para Barad, “o universo é intra-atividade agencial em seu tornar-se” (Barad, 2008, p. 135). Além disso, sua teoria afirma que “práticas discursivas” não seriam equivalentes a meras enunciações, mas, antes, a condicionamentos materiais do que poderia (ou não) ser dito em determinado contexto (Barad, 2008, p. 137). Nesse sentido, práticas discursivas seriam ao mesmo tempo constitutivas e constituídas pela incessante reconfiguração dos fenômenos através de sua intra-atividade (Barad, 2008, p. 138). Ao abandonar a conceituação de práticas discursivas como atos de enunciação, ancorando-as em seu modelo metafísico de “realismo agencial”, Barad fornece um paradigma capaz de dar conta de componentes humanos e não-humanos no estudo da fixação da fisicalidade dos corpos e das fronteiras material-discursivas dos seres, em proposta inovadora para os estudos feministas e pós-humanistas (Barad, 2008, p. 141-142).

Uma outra esfera em que a “virada material” gerou frutos foi a dos estudos queer e de masculinidades. Nesse âmbito, destaca-se a noção de “masculinidade prostética” e de “produção prostética do gênero”, encontrada em autores como J. Halberstam (1998, p. 3-4) e P. B. Preciado (2014). As contribuições de Preciado, em particular, foram um divisor de águas na discussão sobre corpo, materialidade e gênero na teoria queer. Em seu Manifesto Contrassexual, Preciado insiste na impossibilidade de se isolar corpos enquanto uma suposta natureza passiva, de um lado, e das “forças sociais de construção da diferença sexual”, de outro (Preciado, 2014, p. 157). Ou, como afirma o autor, “é impossível estabelecer onde terminam ‘os corpos naturais’ e onde começam ‘as tecnologias artificiais’” (Preciado, 2014, p. 156), especialmente quando abandonamos a ideia cartesiana do corpo como combinação antitética de consciência imaterial e matéria mecânica. Como explica Preciado, a relação entre “a tecnologia e os corpos” é, na verdade, muito mais “promíscua” do que poderia parecer à primeira vista. Para explicar a porosidade das fronteiras entre esses dois polos, Preciado recorre à figura da prótese, inicialmente vinculada à suplementação ou substituição de órgãos “inválidos” de trabalhadores industriais, como braços e pernas, e, mais tarde, usada para suprir funcionalidades da relação heterossexual normativa, inclusive as genitais. Essas próteses possuem um estatuto ambíguo, porque nascem para produzir e reproduzir uma ordem generificada dos corpos, servindo, por exemplo, como extensões de performances de masculinidade particulares, ao mesmo tempo em que subvertem a suposta naturalização do sexo ao permitirem a apropriação do corpo masculino e o deslocamento e desconstrução de seus componentes. Nesse sentido, as próteses são tecnologias tanto produtivas quanto potencialmente disruptivas que, notoriamente, se tornam difíceis de categorizar enquanto partes especificamente mecânicas ou orgânicas de um ser (Preciado, 2014, p. 162-163).

Uma consequência importante dessa perspectiva teórica é a aceitação de que diversas tecnologias, como os telefones ou a internet, possam ser pensadas como extensões prostéticas dos seres humanos, de suas funções auditivas e comunicativas, emergindo como técnicas das quais nos tornamos crescentemente dependentes a partir de sua disseminação. Em outras palavras, tais tecnologias, uma vez instauradas, acabam por tornarem-se “naturais” ao funcionamento ordinário da sociedade, a um ponto em que nos sentimos inválidos e impotentes na sua ausência (Preciado, 2014, p. 164-166). “Cada ‘órgão’ tecnológico reinventa uma ‘nova condição natural’ na qual todos nós somos incapazes. Melhor ainda, cada nova tecnologia recria nossa natureza como incapaz com relação a uma atividade que, por sua vez, necessita ser tecnologicamente suprida” (Preciado, 2014, p. 165).

No campo da masculinidade, isso implica, ademais, pensar as diversas formas pelas quais as masculinidades hegemônica ou subordinada (Connell; Messerschmidt, 2005) se constroem materialmente mediante o acoplamento corpóreo de estruturas prostéticas que constituem extensões da identidade masculina - o exemplo clássico é o herói James Bond e suas numerosas bugigangas tecnológicas (Halberstam, 1998, p. 3-4). Por fim, creio que uma boa síntese do pensamento quanto à materialidade do gênero possa ser identificada nas seguintes linhas da obra de Preciado:

O gênero não é simplesmente performativo (isto é, um efeito das práticas culturais linguístico-discursivas) como desejaria Judith Butler. O gênero é, antes de tudo, prostético, ou seja, não se dá senão na materialidade dos corpos. É puramente construído e ao mesmo tempo inteiramente orgânico. Foge das falsas dicotomias metafísicas entre o corpo e a alma, a forma e a matéria. (Preciado, 2014, p. 29, grifos meus).

Historiografia Material?

Um dos grandes desafios dos estudos teóricos sobre materialidade é a sua aplicação prática na arqueologia e historiografia. Embora muito se fale em aplicações concretas das teorias da materialidade ao estudo do passado, a verdade é que a maioria dos especialistas, sobretudo na história, continua trabalhando num enquadramento antropocêntrico ou logocêntrico, nem sempre compreendendo como essas novas visões poderiam vir a ser proveitosas em suas análises. Na historiografia, em que os textos reinam quase incontestes, até mesmo os estudos da imagem têm sido “desmaterializados”. A própria arqueologia, que tem a esfera da matéria como objeto central de exame, continua a privilegiar, em muitos casos, leituras dos artefatos como reflexos passivos de relações sociais. Tais estudos, por óbvio, são incapazes de explicar “emaranhamentos” entre coisas humanas e não-humanas, ou as agências do mundo material.

Isso não surpreende, pois, como explica Marcelo Rede, até mesmo a escola dos Annales não se propôs a aprofundar as abordagens da materialidade, apesar de sua acepção mais flexível de fontes históricas. Os autores da Nouvelle Histoire, com sua defesa de fontes históricas plurais, como D. Roche e M. Vovelle, não propuseram novos aparatos metodológicos de análise do mundo material, e, no geral, continuaram a dar maior importância, em seus estudos, a fontes textuais ou ao caso particular das fontes iconográficas (Rede, 2012, p. 142-143). Esse cenário tem se transformado apenas lentamente na última década, sobretudo em razão de novas circunstâncias históricas.

Descartar abordagens da materialidade, naturalmente, não é um problema em si. Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que a aceitação dos postulados dos autores explorados neste artigo exige, em alguns casos, a adoção de uma visão de mundo inovadora, com a qual não estamos habituados a trabalhar, e, portanto, de difícil apreensão. Em segundo lugar, algumas das perspectivas mencionadas envolvem sistemas analíticos que se propõem como totalidades coesas, e que excluem, portanto, outros modelos e instrumentais tradicionais de análise. Em terceiro lugar, um pesquisador pode simplesmente não concordar com algumas das posições filosóficas da “virada material” - por exemplo, ele pode achar ineficiente a oposição de Ingold à estabilização dos objetos enquanto categorias analíticas, ou recusar, de forma fundamentada, a equiparação entre agência humana e não-humana, conforme as preocupações de sua pesquisa particular.

No geral, a aplicabilidade das teorias apresentadas neste artigo dependerá de seu potencial analítico em cada caso, isto é, seu potencial de trazer esclarecimentos quanto a uma determinada problemática, bem como da adesão intelectualmente autônoma de cada historiador e arqueólogo aos pressupostos teóricos e filosóficos dessas vertentes, nem sempre coerentes entre si, e decerto não isentas de falhas ou inconsistências (Hodder, 2012, p. 222). Sem dúvida, muitos poderão alegar, como ocorre nas discussões sobre um direito “pós-humano” (Bittar, 2019), que a simetria dada às coisas humanas e não-humanas reduz a dignidade dos agentes humanos e promove leituras perigosas quanto à responsabilidade ética e jurídica das pessoas. Em nossa opinião, as críticas são válidas, e o que importa não é impor uma metodologia uniforme a todos, mas, antes, trazer à luz os potenciais de análise desse novo instrumental, fazendo com que os especialistas estejam minimamente conscientes quanto às veredas abertas pela materialidade ao estudo do passado, fornecendo-lhes subsídios e ferramentas de pesquisa.

Que fique claro desde logo: para a historiografia, a ênfase na materialidade não significa um abandono do texto. Mais do que chamar a atenção ao potencial dos artefatos e ambientes como fontes históricas, ela leva à superação do logocentrismo da disciplina estritamente na medida em que restaura o contexto material do mundo - inclusive o dos textos. Os suportes materiais dos textos, seus locais de produção, circulação e consumo, as “mãos” que lhes deram forma, as propriedades físicas dos instrumentos usados para sua grafia e manutenção - todos esses elementos passam, doravante, a ser levados em consideração no estudo do passado (Rede, 2024b). Assim, por exemplo, como demonstram A. Fattori e L. Ranieri, pesquisadores da Universidade de São Paulo, os textos, em sua materialidade monumental do Antigo Oriente Próximo, também podem ser estudados pela ótica do fascínio e autoridade que exerciam sobre suas audiências. Ou, no contexto epistolar, poderiam nos informar sobre o processo de produção de cartas em argila, as sofisticadas competências práticas necessárias aos redatores, a preocupação quanto à preservação de tabletes cuneiformes em viagens de longa-distância, entre outras premências da vida material. A materialidade dos textos pode, por fim, demonstrar a distribuição da agência de remetentes humanos por meio de suportes que se espraiam diacrônica e espacialmente, carregando traços de seus autores (Ranieri; Fattori, 2021). Nesse sentido, a materialidade não implica uma oposição entre “as palavras e as coisas”, mas o resgate da esfera concreta de todas as fontes históricas, com sua eficácia sobre o mundo (Ranieri; Fattori, 2021, p. 11-12).

A fim de dar concretude a outras abordagens apresentadas em nível abstrato, citemos agora uma série de “estudos de caso” históricos inspirados pelas teorias da virada material. Nesta seara, é seminal, por exemplo, o artigo da historiadora da arte e assirióloga Irene Winter, pelo qual se demonstrou, a partir da teoria de Gell, como a agência de artefatos seria absolutamente normal no contexto sumério. Para Winter, isso seria atestado por alguns textos sumérios de Lagash, que descrevem estátuas ganhando vida por meio de rituais específicos (a cerimônia da “lavagem da boca” ou da “abertura da boca”; ver Rede, 2024a, p. 154, com bibliografia), sendo alimentadas, vestidas e instadas a falar; ou, ainda, textos que atribuem uma marca morfológica “ergativa” a construções e templos. Uma vez que a língua suméria possuía uma estrutura ergativa-absolutiva, os marcadores morfológicos da ergatividade atribuídos a “objetos” seriam indicadores inequívocos de uma concepção êmica de objetos atuantes no mundo (Winter, 2007, p. 58). Interessantemente, Winter fez uma série de ressalvas e críticas à perspectiva de Gell, ressaltando, por exemplo, que seria importante separar a agência “marcada” no contexto êmico de uma agência “atribuída” por analistas com base em metáforas ou linguagens figurativas modernas (Winter, 2007, p. 42-44).

Uma agência de coisas não-humanas foi identificada, ademais, nos estudos sobre o Império Persa Aquemênida, em obra de fôlego escrita pela arqueóloga Lori Khatchadourian. Em Imperial Matter (2016), a autora argumenta, entre outras coisas, que a forma arquitetônica dos palácios hipostilos do primeiro milênio a. C. teria agido, em seu contexto original, na Transcaucasiana, como viabilizadora de agregações políticas horizontais, tendo sido “capturada”, transformada, e, mais tarde, tornada “delegada” do poder imperial Aquemênida em centros políticos, nos quais agiu tanto atemorizando e fascinando os súditos imperiais, quanto tornando o império dependente de sua manutenção constante (Khatchadourian, 2016, p. 81-117). Aqui, Khatchadourian faz amplo uso das noções de emaranhamento, subordinação e dependência desenvolvidas por autores como Hodder (Hodder, 2012, p. 15-40), enfocando as formas pelas quais as coisas submetem até mesmo a “soberania” às suas necessidades materiais. Um ponto importante da crítica de Khatchadourian é o reconhecimento de que a materialidade, enquanto cosmovisão, pode ser mais eficiente para estudar determinados contextos êmicos, como a Pérsia Antiga, pois, segundo ela, os Aquemênidas teriam também concebido um mundo no qual a soberania e a matéria seriam codependentes, no que ela apelida de “condição satrapal” (Khatchadourian, 2016, p. xxvii;3). Outras abordagens da arte monumental persa por uma ótica performativa podem ser encontradas em Stavis (2020) e Root (2013).

Pela teoria da performance, podemos ver, ademais, como o cruzamento entre “materialidade” e a teoria da imagem se perfaz através de diversas abordagens que substituem o paradigma da “representação” pelas noções de instauração ou presentificação (enactment) (Belting, 1994; 1998; Rede, 2024a, p. 148). A antropologia da imagem já o havia indicado antes, como pode ser aferido pelos escritos de Belting, que explica o surgimento das primeiras imagens pré-históricas como uma forma de presentificação voltada a remediar a “insuportável ausência” provocada pela morte - ou seja, como uma forma de fornecer um corpo material a um falecido ente querido (Belting, 1998, p. 84-85). No contexto mesopotâmico, nos rituais de “abertura da boca” de estátuas divinas, por exemplo, os especialistas têm destacado, de forma similar, a peculiaridade da eficácia exercida pelas divindades assim presentificadas. As imagens de deuses, alimentadas e vestidas regularmente pelos mesopotâmios, performavam atos cotidianos do ciclo da vida, fazendo-se presentes dentro dos templos, nos quais, aliás, eram mantidas reclusas. Dessa forma, as imagens atuavam na esfera social por sua mera e simples presença, e não pelo oferecimento à vista. Em outras palavras, as imagens não cumpriam um papel representativo, mas tornavam as divindades presentes (Rede, 2024a, p. 155).

Não muito distante é a constatação de Boivin sobre o uso de “solo vermelho” (pili mitti) em seções dos fornos residenciais no vilarejo moderno do sítio arqueológico de Balathal, na Índia Ocidental. Inicialmente, a pesquisa etnoarqueológica de Boivin, voltada a entender o uso simbólico de determinados materiais na composição de casas do Calcolítico, a havia conduzido à ideia de que o solo vermelho seria empregado para “simbolizar” a deidade hindu Laksmi (ou Lakshmi), a fim de proteger as casas dos habitantes (Boivin, 2008, p. 2-3). Mais tarde, revisitando sua pesquisa de doutorado, Boivin se deu conta de que os moradores do vilarejo por ela entrevistados jamais haviam se referido ao solo vermelho como “representação” de Laksmi, mas, em vez disso, como elemento constitutivo da própria deusa - o solo vermelho “era” Lakshmi (Boivin, 2008, p. 8).6 Em suma, por uma ótica da materialidade, Boivin constatou como a tendência ocidental a tomar os objetos em sua dimensão estética e simbólica corria o risco de ignorar sua aptidão para instaurar presenças divinas reais em seus contextos de origem.

A teoria de Ingold foi recentemente explorada a partir de uma questão colocada por M. Rede quanto às estátuas divinas (2024a). Como explica Rede, a análise da cultura material mesopotâmica, na hipótese supramencionada da presentificação das estátuas divinas, não está isenta de recair na dualidade cartesiana entre espírito e matéria, como ocorre, por exemplo, na obra de B. Pongratz-Leisten e K. Sonik (2015). Afinal, tais teóricas parecem pressupor uma prévia atribuição cultural de sentidos e agência à matéria como pré-requisito à análise do engajamento entre humano e não-humano, cultural e material. Nesse sentido, a primazia do cultural ao material resistiria à crítica, reforçando o paradigma antropocêntrico (Rede, 2024a, p. 159). Uma alternativa, segundo Rede, seria recorrer ao modelo de malha proposto por Ingold, no qual os componentes das relações são esvaziados de qualquer essencialismo ou atributo pré-existente, e compreendidos na sua construção relacional e mútua, sempre em fluxo, ao longo de interstícios dinâmicos, como os nós de uma malha (2024a, p. 160-161).

A arqueologia dos sentidos de Hamilakis, por sua vez, pode ser exemplificada pelo caso paradigmático dos ícones bizantinos. Objetos de disputa sobre a primazia visual ou auditiva da relação com os deuses, esses ícones se prestavam a diversos engajamentos sensoriais, necessariamente sinestésicos, nos rituais sagrados de Bizâncio. Eles eram infundidos com incensos e essências, feitos com materiais reluzentes, como prata, que lhes davam, no contexto de uso, um aspecto de movimento peculiar, e também tocados e beijados pelos fiéis enquanto ouviam a liturgia. Assim, só podem ser plenamente compreendidos em sua dimensão sensorial (Hamilakis, 2012).

As contribuições do modelo da “masculinidade prostética” de Preciado para a historiografia são igualmente importantes. Para citar um exemplo, em sua tese sobre a masculinidade régia neo-assíria, Omar N’Shea explorou como carruagens e armas de guerra constituiriam extensões prostéticas da masculinidade hegemônica do rei assírio em suas representações parietais e performances de gênero, abandonando, portanto, uma noção do corpo masculino tradicional supostamente restrita aos seus componentes orgânicos (N’Shea, 2018, p. 64-69; 129-130). Assim, N’Shea provou como seriam insuficientes as leituras de masculinidade relegadas a certos aspectos biológicos que pretensamente refletiriam valores atemporais, como a virilidade, fertilidade e musculatura.

Conclusão

A historiografia tem ainda um longo caminho a trilhar para absorver de forma frutífera e proveitosa os métodos e propostas da “virada material”, embora pesquisas recentes tenham já fornecido pontos de partida interessantes para se pensar sua aplicabilidade prática. Um dos empecilhos a essa absorção, contudo, tem sido a frequente confusão da “materialidade” com estudos triviais sobre artefatos com vistas à compreensão do mundo social. Pelo contrário, materialidade significa uma superação da dicotomia entre social e material, uma nova concepção de mundo na qual não há relações puramente homogêneas, mas emaranhamentos heterogêneos de agregados humanos e não-humanos, ambos com proclividades à ação, vitalidades próprias, que são dignas de exame em si mesmas. Essa perspectiva contém, ao menos em parte, um potencial político emancipador, na medida em que, mantendo-se a simetria entre humanos e não-humanos, poderá contribuir para se resgatar o valor das dimensões animais, ambientais ou físicas da existência, crescentemente assoladas por atividades destrutivas (Bennett, 2010, p. xi-xii; 10). Ela se harmoniza, portanto, com as proposições do pós-humanismo (Domanska, 2013), um paradigma elucidador diante de um mundo que, recém-saído de uma pandemia global, ora ruma à hegemonia da inteligência artificial generativa.

Agradecimentos

O autor agradece também o Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (DH/FFLCH/USP), onde realizou a pesquisa que deu origem ao presente artigo.

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Notas

  • 1
    As traduções foram feitas pelo autor, salvo especificação diversa. Conforme códigos éticos (SciELO, Sage), declaro que não foi utilizada nenhuma IA generativa no processo de composição ou revisão deste artigo.
  • 2
    AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS. Meta cumpre exigências da ANPD e poderá retomar, com restrições, o uso de dados pessoais para treinamento de inteligência artificial. 30 ago. 2024. Disponível em: https://tinyurl.com/4yyw7c9r. Acesso em: 10/12/2024; SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF intima Elon Musk e X a indicarem representante legal em até 24 horas sob pena de suspensão de atividades no Brasil. 28 ago. 2024. Disponível em: https://tinyurl.com/2v5ezfd5. Acesso em: 10/12/2024.
  • 3
    Geralmente associada à Inteligência Artificial Geral (acrônimo inglês “AGI”), capaz de exercer atividades de diversas naturezas e de ultrapassar as capacidades cognitivas humanas.
  • 4
    Meneses já se queixava, nos anos 1980, da falta de estudos consequentes sobre metodologia de estudo da cultura material na História Antiga (Meneses, 1983). Rede realça, 30 anos depois, a persistente timidez ou ineptidão da historiografia para “incorporar as fontes materiais ao seu processo de geração de conhecimento” (Rede, 2012, p. 133).
  • 5
    Tradicionalmente, dividido em “cinco sentidos” (paladar, olfato, tato, visão e audição).
  • 6
    Parte da proposta da ANT de Bruno Latour envolve justamente a recusa de “substituir” a “informação precisa” dada pelos atores sociais (por exemplo, em trabalhos de campo) por aquilo que a metalinguagem do analista quer ver, i.e., por aquilo “que as pessoas não disseram” (Latour, 2012, p. 80).
  • Financiamento
    A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento da FAPESP (Proc. 2022/07801-8 e Proc. 2023/01822-6).
  • Declaração de disponibilidade de dados:
    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Editado por

  • Editoras-chefe:
    Ana Carolina de Carvalho Viotti
    Karina Anhezini de Araujo
  • Editor Associado:
    Pablo Oller Mont Serrath

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    01 Jan 2025
  • Aceito
    22 Ago 2025
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