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Cartas de James Redpath sobre a escravidão e a vida dos escravos no Brasil, publicadas pelo The Anti-Slavery Reporter (1867-1868)

James Redpath’s Letters on Slavery and the Lives of Slaves in Brazil, published by The Anti-Slavery Reporter (1867-1868)

Resumo

Depois do fim da Guerra Civil (1861-1865), o abolicionista norte-americano James Redpath publicou uma série de cartas sobre a escravidão e a vida dos escravos no Brasil. Essas cartas foram fundamentais para a revisão da interpretação que os abolicionistas daquele país faziam da suposta suavidade da escravidão brasileira, bem como da maior facilidade dos negros serem incorporados socialmente no Brasil. Todavia, tão importante quanto o novo viés interpretativo de Redpath foram os seus propósitos ao escrever tais cartas, pois tinham o objetivo de conter a imigração de fazendeiros sulistas para o Brasil.

Palavras-chave
escravidão; abolicionismo; James Redpath

Abstract

After the end of the Civil War (1861-1865), American abolitionist James Redpath published a series of letters on slavery and the lives of slaves in Brazil. These letters were fundamental for the revision of the interpretation that the abolicionistas of that country made of the supposed smoothness of the Brazilian slavery, as well as of the greater facility of the blacks to be incorporated socially in Brazil. However, as important as the new interpretive bias of Redpath were his purposes in writing such letters, since they were intended to contain the immigration of southern planters to Brazil.

Keywords
slavery; anti-slavery; James Redpath

As seis cartas traduzidas a seguir foram escritas por James Redpath e publicadas originalmente no National Anti-Slavery Standard, um periódico de Nova York, associado à American Anti-Slavery Society, entidade comandada por William Lloyd Garrison. Enquanto vinham à luz nos EUA, quase concomitantemente elas foram sendo republicadas, entre meados de 1867 e o início de 1868, no The Anti-Slavery Reporter (doravante Reporter), órgão de imprensa da British and Foreign Anti-Slavery Society (BFASS), em Londres. A tradução que se segue foi baseada na versão londrina.

Essas cartas foram uma referência importante para o abolicionismo norte-americano, pois marcaram o início da mudança interpretativa sobre a suposta suavidade da escravidão brasileira e a facilidade de inserção social do negro no Brasil. Todavia, ao escrevê-las, seu autor tinha outros objetivos em mira além da intenção de denunciar a crueldade do sistema escravista do império sul-americano. Igualmente importante foram a sua republicação e posterior desautorização pela BFASS, pois explicitaram a miríade de interesses - muitas vezes conflitantes - do movimento antiescravista internacional.

Salvo melhor juízo, essas cartas são praticamente desconhecidas da historiografia brasileira. Além disso, como nunca foram republicadas em coletâneas, elas são um material relativamente difícil de ser obtido, fatos que justificam a sua tradução e divulgação no Brasil. Contudo, além da importância desse material para a inflexão da interpretação dos abolicionistas norte-americanos sobre a suposta maior suavidade da escravidão brasileira em comparação com a do Sul dos EUA, não se pode perder de vista o contexto em que elas foram produzidas, nem os objetivos principais do seu autor. Do mesmo modo, a sua republicação pelo Reporter da BFASS e a sua posterior desautorização também merecem uma breve explicação, pois indicam que o movimento antiescravista muitas vezes extrapolava o campo do combate estrito à escravidão e se fundia a outros interesses econômicos, políticos e diplomáticos.

James Redpath (1833-1891) era originário da Escócia e emigrou para os Estados Unidos em 1849. Ainda que bastante jovem, rapidamente se tornou jornalista do New York Tribune e, em meados da década de 1850, empreendeu três viagens secretas pelo Sul com o propósito de obter depoimentos de escravos para periódicos abolicionistas. Posteriormente, esse material foi reunido em livro. Nessa época, Redpath se aproximou de John Brown, o abolicionista da Virgínia, que o incentivou a se mudar para Boston e a recrutar apoio para a insurreição escrava planejada pelos abolicionistas radicais. Os planos de Brown fracassaram, e depois de sua derrota em Harper’s Ferry e subsequente execução, o jornalista dedicou-lhe uma calorosa biografia. Redpath também visitou o Haiti e militou pelo restabelecimento das relações desse país com os EUA, chegando inclusive a ocupar um cargo oficial. Ele se encantou com a história de Toussaint Louverture, e também lhe dedicou uma biografia. Durante a Guerra Civil, Redpath trabalhou como correspondente na fronteira de guerra, e depois do encerramento do conflito, foi designado como superintendente de escolas públicas na Carolina do Sul. Essa nomeação irritou as autoridades militares do estado, que o consideravam um abolicionista radical (MCKIVIGAN, 2008MCKIVIGAN, J. Forgotten Firebrand. James Redpath and the Making of Nineteenth-Century America. Ithaca: Cornell University Press , 2008., p. ix-xii; REDPATH, 1859REDPATH, J. The Roving Editor: or, Talks with Slaves in the Southern States. New York: A. B. Burdick, 1859.; REDPATH, 1860REDPATH, J. The Public Life of Capt. John Brown. Boston: Thayer and Eldridge, 1860.; REDPATH, 1861REDPATH, J. A Guide to Hayti. New York: G. Woolworth Colton, 1861.; REDPATH, 1863REDPATH, J. Toussaint L’Ouverture. A Biography and Autobiography. Boston: James Redpath, publisher, 1863.).

Esse pequeno perfil biográfico indica que Redpath era um abolicionista bem jovem quando escreveu as cartas sobre a “escravidão e a vida dos escravos no Brasil” (aproximadamente 34 anos), mas possuía certa experiência e bom conhecimento do assunto. Ele também estava acompanhando de perto os desdobramentos que se seguiram à Guerra Civil (1861-1865), em especial a disputa política dos negros pela conquista de direitos e a mais propalada que verdadeira grande migração de fazendeiros sulistas para o Brasil. Além disso, ele tinha bom trânsito num dos grupos abolicionistas de maior expressão nos EUA, pois suas cartas foram publicadas originalmente num periódico antiescravista editado por Lydia Maria Child, uma das mais famosas abolicionistas radicais norte-americanas. Esse periódico também era filiado à entidade antiescravista comandada por William Lloyd Garrison.

Desde os anos 1830 os abolicionistas norte-americanos prestavam atenção na escravidão e nas relações raciais brasileiras descritas especialmente nas narrativas de viagens e documentos consulares. Eles utilizavam esses textos como uma prova da severidade da escravidão sulista em contraposição à suposta suavidade da escravidão do Império do Brasil. Do mesmo modo, consideravam o modelo de relação racial brasileiro como mais igualitário, e um exemplo a ser seguido pelos Estados Unidos. Em suas análises, as relações entre brancos, negros e mestiços no Brasil não impediriam que o homem de cor conquistasse qualquer posição social, desde que tivesse méritos para isso. Por um lado, tratava-se de uma leitura instrumentalizada da escravidão e das relações raciais brasileiras, cujo propósito principal era utilizá-la como modelo alternativo ao praticado naquele país e reivindicar melhorias no tratamento e na condição dos escravos e dos negros livres; por outro lado, essa leitura muitas vezes padecia de certa incúria ou ingenuidade, que tomava como valor de face muitas afirmações inverídicas ou valorizava obras sabidamente patrocinadas pelo governo brasileiro (CHILD, 1833CHILD, D. L. The despotism of Freedom; or the Tyranny and Cruelty of American Republican Slave-Masters, shown to be the Worst in the World; in a Speech, Delivered at the First Anniversary of the New England Anti-Slavery Society, 1833. Boston: The Boston Young Men’s Anti-Slavery Association, for the Diffusion of Truth, 1833., p. 8 e 26; AZEVEDO, 2003AZEVEDO, C. M. M. de. Abolicionismo. Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX). São Paulo: Annablume, 2003., p. 77 e segs.).

Essa leitura, entretanto, parece ter começado a ser um pouco questionada já na década de 1850, quando, diante dos projetos para transladar os negros norte-americanos para o Brasil ou de construir um império escravista que se estendesse do Sul dos Estados Unidos até a América do Sul, alguns abolicionistas norte-americanos expressaram o temor do surgimento de um gigante cinturão escravista continental, politicamente unificado (JOHNSON, 2013JOHNSON, Walter. River of Dark Dreams. Slavery and Empire in the Cotton Kingdom. Cambridge: Harvard University Press, 2013., p. 299-302; HORNE, 2010HORNE, G. O Sul mais distante. Os Estados Unidos, o Brasil e o tráfico de escravos africanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., p. 12-21; RÉ, 2018aRÉ, H. A. Circuito antiescravista atlântico: James Redpath e a Conferência Antiescravista de Paris, 1867. História & Perspectivas, Uberlândia, v. 59, p. 168-183, jul./dez. 2018a., p. 168-183).

Mas foi depois do término da Guerra Civil que os abolicionistas norte-americanos começaram decididamente a rever a compreensão que tinham da escravidão e das relações raciais no Império do Brasil. É difícil apurar tudo o que estava em questão naquele momento e a dimensão de cada fator. Mas, seguramente, a ascensão e difusão das teorias cientificistas sobre a inferioridade racial dos negros e a degenerescência dos mestiços colocaram os abolicionistas em alerta. Cientistas racialistas como Samuel George Morton, Josiah Nott e Louis Agassiz estavam em ascensão e contavam com um público receptivo (FREDRICKSON, 1971FREDRICKSON, G. M. The Black Image in the White mind. The Debate on Afro-American Character and Destiny, 1817-1914. Middletown: Wesleyan University Press, 1971., p. 3; MACHADO, 2010MACHADO, M. H. P. T. O Brasil no olhar de William James. Cartas, diários e desenhos, 1865-1866. São Paulo: Edusp, 2010., p. 62-64). Também chegavam do outro lado do Atlântico notícias sobre o descontentamento dos britânicos com os negros das Índias Ocidentais, especialmente, com os da Jamaica, a partir do momento em que irrompeu a rebelião de Morant Bay, em 1865. Ainda que sem poder abordar detidamente esse assunto, o que se pode dizer é que essa rebelião fez com que uma parte dos britânicos passasse a acreditar que os negros precisavam ser coagidos ao trabalho, retomando todo um debate iniciado nos anos 1850 entre Thomas Carlyle e John Stuart Mill (HUZZEY, 2012HUZZEY, R. Freedom Burning. Anti-Slavery and Empire in Victorian Britain. Ithaca: Cornell University Press, 2012., p. 185-186; BLACKBURN, 2013BLACKBURN, R. The American Crucible. Slavery, Emancipation and Human Rights. London: Verso, 2013., p. 436-440; LEVY, 2002LEVY, D. M. How the Dismal Science got its Name. Classical Economics and the Ur-Text of Racial Politics. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2002.; GOLDBERG, 2002GOLDBERG, D. T. Liberalism’s Limits: Carlyle and Mill on “The Negro Question”. In: WARD, J.; LOTT, T. (ed.). Philosophers on Race. Critical Essays. Oxford: Blackwell Publishing, 2002. p. 203-216., p. 195-204).

Certo também é que entre os abolicionistas se difundiu o medo de que os sulistas emigrados para o Brasil um dia pudessem retornar ainda mais fortes aos Estados Unidos e reinstalar a escravidão. Em 1865, o New York Times ajudou a divulgar esse temor, alegando que os sulistas deveriam voltar “comandando uma potência contra Roma”. Havia ainda o medo de que o Brasil pudesse, com a ajuda dos emigrados sulistas, concorrer com o algodão dos EUA: “O Brasil [...] tornar-se-ia não apenas um império escravocrata, desafiando os Estados Unidos na vital esfera econômica, mas também - e o que seria talvez mais perigoso a longo prazo - uma base ‘contrária’, de oposição, feita sob encomenda para confederados irredutíveis” (apud HORNE, 2010HORNE, G. O Sul mais distante. Os Estados Unidos, o Brasil e o tráfico de escravos africanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., p. 299-300; RÉ, 2018aRÉ, H. A. Circuito antiescravista atlântico: James Redpath e a Conferência Antiescravista de Paris, 1867. História & Perspectivas, Uberlândia, v. 59, p. 168-183, jul./dez. 2018a., 172).

Outro ponto que pode ter contribuído para a mudança de opinião a respeito da suavidade da escravidão brasileira foi a desconfiança dos negros livres norte-americanos com a Décima Terceira Emenda. Organizados em instituições que militavam por direitos efetivos, depois de realizarem convenções em Siracusa e Charleston, eles começaram a perceber que essa emenda era insuficiente. Nas palavras de um historiador, “eles estavam bem cientes de que, mesmo após uma nova emenda [a Décima Terceira], a Constituição seria interpretada por um sistema judiciário comprometido com a exclusão racial; portanto, eles desejavam, se possível, que a lei estivesse ao seu lado” (BLACKBURN, 2013BLACKBURN, R. The American Crucible. Slavery, Emancipation and Human Rights. London: Verso, 2013., p. 367). Enfim, os negros norte-americanos logo perceberam que além de leis (Décima Terceira Emenda), eles precisavam de mais leis que lhes garantissem não apenas a liberdade e, tão importante quanto essas leis, eles necessitavam que essa legislação fosse realmente implantada e observada.

Seja como for, se antes da Guerra Civil os abolicionistas norte-americanos destacaram os aspectos menos severos da escravidão brasileira e os fatores que julgaram mais promissores para o desenvolvimento e a inserção social do negro, depois do conflito as preocupações se alteraram e chegara o momento de sublinhar as perversidades dessa instituição. As cartas de James Redpath devem, portanto, ser compreendidas como uma resposta a essa nova situação.

A estratégia expositiva de Redpath, conforme ele próprio reconheceu, era bastante simples. Tal como os abolicionistas anteriores, ele utilizou as narrativas de viajantes estrangeiros que visitaram o Brasil, mas antes de destacar a suposta suavidade da escravidão brasileira e as supostas facilidades encontradas pelos negros e mestiços para serem incorporados à sociedade, ele salientou os infortúnios, os casos de violência, os desamparos da lei e a selvageria dos proprietários de escravos que apareceram esporadicamente nesses relatos. Na verdade, ele praticamente fez uma leitura a contrapelo das narrativas dos viajantes. Ainda que os autores destas narrativas estivessem descrevendo os aspectos considerados favoráveis ao escravo ou ao negro livre no Brasil, Redpath se preocupou em destacar os momentos e episódios em que a violência da escravidão e do preconceito conseguia prevalecer ou burlar o suposto convívio harmônico e tolerante.

Em suma, o arrazoado de Redpath tinha explicitamente dois objetivos: acabar com a crença de que a escravidão brasileira era suave e mostrar que as relações raciais não eram tão favoráveis ao negro, conforme acreditavam os abolicionistas norte-americanos. Implicitamente, Redpath criticava a escravidão brasileira, negando que leis por ventura favoráveis aos escravos pudessem ser plenamente respeitadas num sistema escravista; por último, expressava a preocupação de combater a imigração de sulistas para o Brasil, por meio da difusão da noção de que a escravidão brasileira se assentava sobre outras bases, que impediriam a organização de uma forma de vida semelhante à que existira no Sul dos Estados Unidos. No fundo, seu temor era de que o Brasil passasse a representar uma grande ameaça ao mundo pós-emancipação.

As cartas de James Redpath devem, portanto, ser compreendidas como uma resposta a uma nova situação, que se abrira com o fim da Guerra Civil e a imigração de sulistas para o Brasil. Não é exagero afirmar que Redpath, ao escrever sobre a escravidão e a situação do negro no Brasil, estava mais interessado no que se passava nos EUA do que naquilo que ocorria propriamente no Brasil. Suas cartas tinham o objetivo de influenciar a opinião pública norte-americana, principalmente os sulistas que desejavam emigrar, e assim evitar que houvesse uma transferência maciça de proprietários, e que eles pudessem recriar no Brasil seus estilos de vida (SKIDMORE II, 2017SKIDMORE II, W. E. ‘A Milder Type of Bondage’: Brazilian Slavery and Race Relations in the Eyes of American Abolitionists, 1812-1888. Slavery & Abolition, p. 147-168, 2017., p. 13).

Já a republicação das cartas no Reporter, em Londres, foi inicialmente apenas mais um ato de troca e difusão de textos. A BFASS, desde sua fundação, adotou como estratégia coletar e difundir informações antiescravistas que lhe eram enviadas por correspondentes estrangeiros ou por entidades filiadas. Quando o Reporter começou a republicar as cartas de Redpath, ainda não se conhecia o teor completo delas. Todavia, à medida que elas foram sendo estampadas, o Comitê da BFASS, na impossibilidade e deselegância de impedir a continuidade, se viu na obrigação de alertar seus leitores para aquilo que julgava exagerado nesse material. E, mais impressionante - especialmente quando se considera a importância internacional da BFASS - seu Comitê afirmou com todas as letras, numa espécie de advertência à penúltima carta, que acreditava na existência de uma forma suave de escravidão no Brasil. Embora a BFASS estivesse preocupada com a situação dos negros emancipados dos Estados Unidos, seu Comitê julgou que aquele não era o momento de criticar a escravidão brasileira nos termos propostos por Redpath. Os interesses e planos dos abolicionistas britânicos eram outros.

A BFASS, desde sua fundação, sempre manteve uma postura extremamente crítica em relação à escravidão brasileira. Todavia, a partir de 1864, os abolicionistas britânicos selaram um “acordo informal” com o governo brasileiro. Como as relações diplomáticas entre o Brasil e a Grã-Bretanha estavam rompidas desde meados de 1863 por ocasião da Questão Christie, o Comitê da BFASS se comprometeu a militar pelo restabelecimento das relações entre os dois países, pela revogação da Lei Aberdeen e a diminuição da ingerência britânica nos assuntos domésticos brasileiros. Por seu lado, o governo brasileiro (os liberais haviam acabado de subir ao poder) se esforçaria para encaminhar medidas emancipacionistas. Pode-se dizer que esse acordo esteve em vigor de meados de 1864 até aproximadamente o início da década de 1870. A despeito dos conservadores terem retornado ao poder em 1868, a BFASS conteve suas críticas aos novos governantes, ciente das dificuldades da Guerra do Paraguai. Todavia, a partir de 1870, insatisfeita com o teor do Projeto daquela que viria a ser conhecida como Lei do Ventre Livre, a BFASS voltou a criticar severamente o governo e a escravidão brasileira (RÉ, 2019RÉ, H. A. A revogação do Bill Aberdeen e a Lei do Ventre Livre: um acordo antiescravista internacional, 1864-1872. Revista de História, São Paulo, n. 178, p. 1-35, 2019., p. 1-35).

Em 1867-68, quando o Reporter republicou as cartas de James Redpath, que endossavam muitas avaliações de Christie, o Comitê da BFASS se sentiu na obrigação de desautorizá-las e informou aos seus leitores que acreditava que no Brasil havia “certa justificativa” nas alegações de que a escravidão existe “numa forma suave”. Também é preciso informar ao leitor que a BFASS, em dobradinha com um agente da Embaixada brasileira em Londres, William Henry Clark, criticou severamente as atitudes tomadas por William Christie no Brasil e, posteriormente, suas interferências por meio de textos nas questões brasileiras. Christie, ao perceber a aproximação entre os abolicionistas britânicos e a Embaixada brasileira, não os poupou de críticas. Enfim, ainda que em última instância os objetivos de Christie e da BFASS fossem muito parecidos, a instituição antiescravista jamais poderia endossar os posicionamentos do ex-ministro, que contrariavam os acordos que selara desde 1864 ([CLARK], 1865[CLARK, W. H.]. The Relations of the British and Brazilian Governments. London: Chapman and Hall, 1865.; CHRISTIE, 1865CHRISTIE, W. D. Notes on Brazilian Questions. London: Macmillan & Co., 1865., RÉ, 2018bRÉ, H. A. Um agente do Império brasileiro em Londres: William Henry Clark e o fim da política da escravidão saquarema. Antíteses, v. 11, n. 22, p. 815-840, jul./dez. 2018b., p. 815-840).

Independente das divergências interpretativas ou de interesses entre os grupos abolicionistas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, o que está em questão aqui não é a maior ou menor radicalidade deste ou daquele grupo abolicionista. Tanto as cartas de James Redpath quanto a sua publicação e posterior desautorização pela BFASS sugerem que o antiescravismo - o maior movimento social do século XIX - muitas vezes esteve relacionado a outras questões que extrapolavam o âmbito da luta antiescravista. E a historiografia precisa sempre estar atenta a esse fenômeno sob pena de fracassar em sua interpretação.

As cartas de Redpath são, portanto, um documento privilegiado dessas disputas interpretativas e de interesses que agora estão mais facilmente à disposição do leitor brasileiro.

Cartas de James Redpath

Carta 1 (The Anti-Slavery Reporter, 1 de junho de 1867, p. 121-24)

A escravidão no Brasil

O Sr. James Redpath, bastante conhecido nos Estados Unidos por sua dedicação abolicionista, está publicando no National Anti-Slavery Standard uma série de cartas sobre a “Escravidão e a vida dos escravos no Brasil”. Elas são muito interessantes e nossos leitores ficarão satisfeitos com suas valiosas contribuições para a literatura antiescravista. Concordamos com os pontos de vista do Sr. Redpath sobre a crueldade inerente ao sistema escravista e sobre a total inadequação de uma legislação para modificá-lo, ou para remover quaisquer das deficiências sob as quais os escravos trabalham, devido às facilidades com que as leis são ostensivamente burladas em benefício dos proprietários. Continuaremos republicando essas cartas à medida que elas forem sendo publicadas.

Nº 1

A escravidão ocorre de “uma forma mais suave no Brasil”?

Por quanto tempo a escravidão ainda pode durar no Novo Mundo? Ela ainda existe no Brasil, Cuba e Porto Rico. Há pouco tempo previu-se que, se a experiência do trabalho livre nos estados do Sul continuasse a ser bem-sucedida, a escravidão negra seria varrida do hemisfério ocidental em menos de doze anos. Embora alguns considerem esta predição muito otimista, ela expressa, sem dúvida, senão na letra, pelo menos no espírito, a opinião da maioria dos norte-americanos educados.

Outra opinião frequentemente sustentada e expressa é que a escravidão no Brasil apresenta um tipo de cativeiro mais suave em relação àquele sistema que existia nos nossos estados do Sul. Nunca vi uma negação ou mesmo uma dúvida sequer em relação a essa opinião universalmente aceita. E, no entanto, uma pequena reflexão fará com que alguém familiarizado com a natureza essencial da escravidão pare e investigue antes de contribuir para a difusão dessa crença. Isso o levará a buscar fontes de opinião e a determinar as causas que modificam, ou melhor, que anulam as tendências inerentes à escravidão - como manifestado em todos os lugares, em todas as épocas e entre todas as raças de homens - e se, de fato, no Brasil, esses traços universais não são visivelmente discerníveis. Naturalmente, poder-se-ia pensar que, se a escravidão brasileira é escravidão - isto é, se ela dá ao senhor o poder absoluto sobre o escravo negro - então a natureza brasileira não seria natureza humana se a posse de alguns milhões de escravos não produzisse uma abundante profusão de crueldades, sofrimentos e crimes.

E ainda que as circunstâncias possam modificar muito o poder dos homens e controlar suas paixões - mesmo quando esse poder é nominalmente absoluto - nenhum observador cuidadoso da escravidão norte-americana, ou mesmo de qualquer sociedade, pode negá-los. Assim, a escravidão na Louisiana era muito mais severa do que a escravidão em Maryland; e Legree1 1 N. do T. Senhor de escravo cruel, personagem de A cabana do Pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe. não poderia ter realizado as mesmas ações em Delaware, que perpetraria impunemente na Carolina do Sul.

Ao examinar a natureza da escravidão no Brasil, portanto, devemos primeiro descobrir sua relação com a população, a raça e o território, entre aqueles e naqueles em que ela existe.

A população do Brasil

O primeiro elemento importante é a população; porque uma grande proporção de escravos, ao atribuir ao negro o manto de um temor sempre presente, pode criar uma tendência, com o auxílio de outras circunstâncias favoráveis, a fazer com que o senhor tenha medo de exercer sua terrível autoridade de maneira cruel. Isso não ocorre necessariamente, pois a escravidão em Saint-Domingue era terrivelmente cruel, e, quando eclodiu a revolução na ilha, os brancos não chegavam a 40.000 habitantes numa população de meio milhão. Mas, quando se leva em consideração a natureza do país - que, no caso do Brasil, é grande e impenetrável, e oferece oportunidades fáceis e frequentes de fuga, ela tende a modificar o poder despótico; e, em conexão com as características raciais, que, como também é o caso dos brasileiros, são livres dos preconceitos de cor, isto deve suavizar o desejo de tornar a instituição perpétua - então o elemento populacional se torna o mais importante quando se pretende chegar a um conhecimento correto do assunto.

Não existe nenhum recenseamento autêntico do Brasil. As estimativas do governo são confessadamente apenas suposições oficiais. Humbolt [sic]2 2 N. do T. Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt, geógrafo, naturalista e historiador nascido na Prússia, que visitou a América do Sul entre o final do século XVIII e o início do XIX, mas foi impedido de realizar pesquisas no Brasil, pois se acreditava que era um espião. Os dados citados por Redpath estão em HUMBOLDT, Alexandre de. Voyage aux régions équinoxiales du nouveau continente, fait en 1799, 1800, 1801, 1802, 1803, et 1804. Tome 3. Paris: J. Smith, 1825, p. 72. , em 1825, estimava toda a população do Brasil em cerca de 4.000.000, dos quais 920.000 eram brancos, 1.960.000 eram negros e 1.120.000 eram de sangue mestiço ou indígena. Assim, a proporção das raças de cor em relação à branca era de cerca de três para um. Um relatório parlamentar inglês estimou que a população em 1 de janeiro seria: brancos, 1.000.000; pessoas de cor livres, 500.000; escravos 3.500.000 - quatro para um. Christie, o último autor que escreveu sobre o Brasil, ex-Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário de Sua Majestade, informa que a população total é de cerca de 7.000.000 e que o número de escravos é estimado entre 2.500.000 e 4.000.000.3 3 N. do T. CHRISTIE, W. D. Notes on Brazilian questions. London: Macmillan & Co., 1865, p. xlv. Ele afirma que este é o cálculo de um escritor laborioso e bem informado na Revue des Deux Mondes, de julho de 18624 4 N. do T. Trata-se de um artigo de Elisée Reclus, “Le Brésil et la colonisation”, publicado em duas partes, na Revue des Deux Mondes, em junho e julho de 1862, respectivamente. , e considera 3.000.000 como o número médio e uma estimativa moderada.

É seguro dizer, portanto, que pelo menos todas as outras pessoas no Brasil são escravas.

Sem preconceito de cor

Em seguida, surge a questão das antipatias raciais. O resultado da nossa investigação nos mostrou que, para usar a linguagem do Boston Daily Advertiser, “nenhum país em que as raças brancas e negras se misturam há uma situação tão favorável ao negro. É verdade que a escravidão existe; mas é igualmente verdade que ela é uma relação pessoal - isto é, entre o senhor e o escravo, não entre o homem branco e o negro. ‘Ainda que no Brasil um escravo seja de fato um escravo, contudo um negro não é, no sentido norte-americano, um negro’. Esta é a linguagem de um autor inglês bem informado. No Brasil, não há distinção social entre a raça negra e a branca, que resulta na proscrição geral do africano. As raças se fundiram - o resultado é a igualdade. Existe certo orgulho de pureza de sangue; mas o sangue negro não é um obstáculo para o avanço. As raças se unem pelo casamento - elas se associam sem facção ou ciúme. Os negros e os mulatos desempenham funções em todos os níveis no exército e na marinha”.

“Um dos resultados dessa fusão social”, diz esta mesma autoridade cuidadosa, “foi tornar a escravidão mais protegida das insurreições que acometem outros países. Como a servidão involuntária é totalmente uma condição de vida, não de raça, há negros escravistas e, portanto, eles estão tão interessados em sua perpetuação quanto o nosso próprio cavalheirismo nos dias prósperos da C.S.A.5 5 N. do T. The Confederate States of America. Como possuem os mesmos direitos dos brancos nas urnas, eles são tão ruins quanto os brancos nos quadrantes escravistas”.

Tão extenso quanto o Canadá - mas

A enorme extensão do país, suas florestas imensas e impenetráveis, a facilidade com que a vida pode ser suprida nos trópicos pelas frutas e pela caça - todos esses fatores conspiram para torná-la bastante segura e relativamente fácil para que os escravos fugitivos se mantenham nas profundezas dos bosques, que em todos os lugares os convidam a buscar seu abrigo. Um parágrafo na última compilação de notícias do Brasil mostra que estes Canadás arbóreos já abrigaram grande número de negros:

“A fuga de escravos para o distrito neutro do Amapá, ao sul do Oiapoque (preservado neutro em virtude de uma Convenção entre a França e o Brasil), continua, e calcula-se que 6.000 ou 7.000 refugiados vivem de forma independente por lá, como os maroons nos tempos antigos na Jamaica”.

Isso ocorre num distrito especial, mas em todos os lugares há pequenas colônias dessas pessoas.

Por enquanto, tudo bem. Mas ainda persiste uma dúvida. Apesar do elevado número da população escrava, apesar do caráter fraterno dos brancos, apesar das frequentes oportunidades de fuga, a natureza humana continua a ser contrariada; em todo lugar, a natureza humana é imprópria para ser deixada a cargo do poder despótico que recai sobre pessoas desprotegidas e indefesas, que não possuem nenhum vínculo de parentesco ou uma condição social similar que lhes sirva de garantia parcial de um bom tratamento.

Essa dúvida só pode ser resolvida por um exame cuidadoso de todas as evidências encontradas nos livros de viajantes que passaram pelo Brasil; aqui e ali, nos jornais diários, um parágrafo ocasional dá uma dica de que no Império nem tudo que reluz é ouro

Por exemplo, a leitura dos dois parágrafos que se seguem, ambos de fontes confiáveis:

Este.

“Uma deputação da Sociedade Antiescravista Britânica e Estrangeira de Londres entrou em contato com o Senhor Andrada em março passado. Este senhor é o Secretário da Legação brasileira há alguns anos e está encarregado da superintendência do Consulado Brasileiro. Ele disse à deputação que o próprio Imperador, todos os seus ministros e o povo brasileiro acreditam que é um dever para a humanidade abolir a escravidão. “Posso garantir-lhe”, disse ele, “que não só o imperador, mas seu governo, seus conselheiros e todos os brasileiros que possuem os sentimentos de humanidade, pensam que não é apenas um dever, mas que é do interesse do país abolir a escravidão”. E mais ainda, “o governo e o povo do Brasil acreditam que é seu dever e seu interesse, tão logo seja possível, abolir inteiramente a escravidão”. - Boston Daily Advertiser.6 6 N. do T. Embora Redpath tenha extraído essa passagem do Boston Daily Advertiser, ela foi publicada originalmente no Reporter, e se referia ao primeiro contato estabelecido entre uma delegação da BFASS e o funcionário (Andrada) da embaixada brasileira em Londres, quando os abolicionistas britânicos entregaram um Memorial destinado ao Imperador D. Pedro II, cobrando a adoção de medidas para acabar com a escravidão. Essa matéria do Reporter informava ainda que a BFASS estava lançando um movimento “para a abolição da escravidão no Brasil” [sic] e se colocava à disposição para ajudar no restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países, rompidas por ocasião da Questão Christie. Cf. Reporter, 1 de abril de 1864, p. 89-95. É difícil avaliar até que ponto Redpath estava consciente da importância dessa passagem, pois nela a BFASS claramente se propunha a auxiliar o Brasil nas suas pendências com a Grã-Bretanha. Além disso, nessa matéria, a BFASS não questionava os pontos de vista expressados por Andrada - e estampados no Reporter - em relação aos compromissos do governo brasileiro em acabar com a escravidão e a suposta maior suavidade da escravidão brasileira. O Memorial enviado ao Imperador foi traduzido e publicado no Brasil (ROCHA, 2009, p. 397-400; sobre o caso do acordo da BFASS com o governo brasileiro, ver RÉ, 2019, p. 1-35).

E este.

“Na Bahia, no dia 23 de novembro, uma escrava de vinte e quatro anos de idade foi levada perante o chefe de polícia em consequência do tratamento horrível e cruel que seu senhor lhe dispensava. Ela é descrita como sendo mais um cadáver do que um ser vivo. Ela trazia grilhões de ferro em seus tornozelos, presos a um cinto e guarnecidos por cadeados, que, segundo ela, carregava por dez anos. Seus lados e sua cabeça estavam cobertos de cicatrizes antigas e recentes, feitas, segundo suas declarações, com ferro em brasa, e os dentes dela foram extraídos com uma turquesa. Ela foi enviada novamente para o hospital, e foi aberta uma acusação contra seu proprietário. A lei brasileira liberta os escravos que foram maltratados por seus proprietários”.

- Este e outros depoimentos semelhantes nos induziram a investigar o caráter da escravidão no Brasil.

Uma análise especial de quase todos os livros importantes de viagem e de referência sobre o Brasil que foram publicados na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos nos últimos dois séculos - um estudo cuidadoso de cada passagem que se relaciona com a escravidão, direta ou indiretamente, nos volumes das grandes bibliotecas públicas de Boston - nos levou a acreditar, em primeiro lugar, que a escravidão no Império do Sul sofreu pouca ou nenhuma mudança durante duas gerações; que nenhuma medida importante foi tomada para melhorar seus males reconhecidos e inevitáveis; e, também, que, se considerarmos sua influência sobre o homem branco ou negro, o fazendeiro ou branco pobre, seus aspectos sociais ou morais, ela não é de forma alguma mais humana do que o sistema que a guerra da União acabou com sua existência. Se ela for mais suave do que a escravidão da antiga Carolina do Sul ou da Louisiana, não é mais suave que o sistema do Missouri ou da Carolina do Norte.

Cinquenta anos atrás

[1817]. Henry Koster7 7 N. do T. Henry Koster (1793-1820), filho de ingleses, nascido em Portugal, residiu em Pernambuco no início do século XIX e foi proprietário de terras e escravos. Escreveu Travels in Brazil, publicado pela primeira vez em 1816, e traduzido como Viagens ao Nordeste do Brasil. nos permitiu conhecer a escravidão, tal como ela existiu no Brasil há meio século, de forma mais perfeita do que qualquer escritor recente nos permitiu conhecê-la atualmente. Koster era um amigo de Southey8 8 N. do T. Robert Southey (1774-1843), historiador e escritor inglês com laços com Portugal devido aos negócios paternos. Entre 1810 e 1819 publicou sua História do Brasil, em três volumes, abarcando todo o período colonial até a chegada da Corte portuguesa em 1808. , a quem dedica seu livro. Ele é descrito por seus comentaristas contemporâneos como um “fazendeiro puro sangue”; e relata, sem qualquer sentimento de contrição, que comprou, pôs para trabalhar e puniu escravos; mas a equidade com que tratou todos os assuntos que mencionou nos permite acreditar em seus relatos. Só ocasionalmente ele trata dos negros no seu primeiro volume, aqui e ali, à medida que os incidentes passavam por sua observação; mas em seu segundo volume ele dedica um longo capítulo especialmente à escravidão no Brasil. Suas declarações têm o selo de uma franqueza perfeita e são confirmadas até mesmo por escritores como Gardner9 9 N. do T. Ver a nota 18, mais adiante. , que era partidário de uma classe. Aquelas características não mencionadas por outros autores, e que estão presentes na escravidão do Sul, são descritas pelo Sr. Christie como elementos que distinguem o sistema brasileiro atual.

Vamos, portanto, apresentar uma síntese um tanto extensa do testemunho do Sr. Koster.

Legree no Brasil

O Sr. Koster descreve como uma plantation mantida por escravos brasileiros passou a ser conduzida por um administrador português. Mais de um supervisor ou administrador haviam sido mortos por esses negros, e por certo tempo eles permaneceram sem que ninguém os acalmasse; mas mesmo assim não deixaram o lugar. Enquanto a situação estava nessa condição, um nativo de Portugal apresentou-se ao proprietário das terras e se ofereceu para tomar conta deles por um salário de 250£ anuais, o que era um enorme estipêndio; também foi assinado um acordo pelo qual ele não deveria se tornar responsável por qualquer escravo que pudesse ser morto ao reduzir o restante à obediência. O contrato foi feito, e o português, com um guia e dois amigos - todos amplamente guarnecidos com armas de fogo e munições - partiram para a propriedade e ocuparam seus alojamentos na casa principal. Na parte da manhã, ao descobrir as intenções desses novos recém-chegados, vários negros se reuniram a uma pequena distância em frente à casa. O novo administrador chegou à porta desarmado e, como se nada acontecesse, chamou um dos líderes dos negros pelo nome. O homem se apartou do grupo, mas se recusou a se aproximar. Sem uma palavra, o administrador agarrou um mosquete carregado, que ele havia escondido bem próximo, e derrubou o negro. Ele chamou outros homens, que não responderam. Os amigos escondidos do administrador então avançaram, e todos dispararam contra o grupo de escravos. Segundo o autor, “tal foi o efeito desta maneira sumária de proceder, que em um ou dois dias tudo estava quieto e prosseguiu sem problemas - apenas alguns escravos fugiram”.

Histórias de escravos fugitivos

O Sr. Koster relata dois incidentes com escravos fugitivos, e ambos ilustram não apenas o caráter da escravidão, mas a maior liberdade social desfrutada naquele tempo pelas pessoas de cor livres do Brasil em relação à mesma classe de pessoas nos Estados Unidos. De fato, a este respeito, a posição das pessoas de cor do Brasil é particularmente preferível à dos Estados Unidos. Contudo, isso não é uma questão de leis, mas de raça.

Um escravo mulato fugiu de seu senhor e, ao longo dos anos, tornou-se um homem rico, possuindo terras que estavam repletas de gado. Em certa ocasião, ele reuniu grande quantidade de bois em currais, e estava organizando seus vaqueiros para despachar os bois para diferentes locais de venda. Um estranho, que viajava sozinho, aproximou-se dele e disse que desejava ter uma conversa privada. Depois de pouco tempo, eles se afastaram. O dono da propriedade disse ao estranho: “Agradeço-lhe por não mencionar a conexão existente entre nós enquanto meus camaradas estavam presentes”. O estranho era seu senhor, que havia caído em circunstâncias aflitivas, e agora o visitava na esperança de obter algo. Ele disse que ficaria grato por qualquer coisa que seu escravo escolhesse para lhe dar. Como estava em poder de seu antigo escravo, que poderia tê-lo matado imediatamente, ele não cogitou recuperá-lo. O escravo deu a seu senhor várias centenas de bois e enviou um homem para conduzi-los ao mercado.

O próximo quadro não é agradável.

Um negro e sua esposa escaparam da escravidão, e seu senhor não recebeu nenhuma notícia deles durante dezesseis ou dezessete anos. Ele supôs que ambos estivessem mortos. Mas um dia, vários capitães do mato chegaram à sua porta no Recife com inúmeras pessoas sob custódia. O senhor logo reconheceu seu negro e sua negra, e foi-lhe dito que os cinco jovens que os acompanhavam eram os filhos deles, e, portanto, seus escravos. “Essas pobres criaturas foram criadas até este período de sua vida com a ideia de que eram livres, e assim um jovem de dezesseis, e sua irmã de quatorze anos de idade, tiveram, depois de uma época de prazer e alegria, que começar uma vida de miséria”. O senhor os recebeu, aprisionou, e vendeu todos para o Maranhão.

O Maranhão é para Pernambuco o que a Louisiana era para o negro virginiano - seu terror. “Nada”, diz o nosso autor, “nada tende tanto a manter um escravo em estado de temor do que a ameaça de enviá-lo para o Maranhão ou Pará”.

Feudalismo e os comportamentos na plantation

Koster, por sua própria experiência, testemunhou que os grandes fazendeiros exerciam poderes feudais. Ele tinha grande poder, não apenas sobre seus próprios escravos, mas sobre as pessoas livres de posição inferior. Ele, aliás, dá uma ilustração dos efeitos desta autoridade irresponsável. Uma noite, um jovem de cor estava se preparando para levar para casa suas mercadorias quando um desses “senhores de plantation” apareceu a cavalo. Ao chegar perto do mulato, ele o atingiu com a bengala e gritou: “Por que você não tira seu chapéu quando aparece um homem branco?”.

Este incidente poderia ter acontecido em qualquer Estado do Sul [dos Estados Unidos]; mas não a sua conclusão. O mulato tirou uma faca e a esfregou na virilha de seu oponente. Com a faca suja de sangue em sua mão, ele fugiu, ameaçando qualquer um que tentasse capturá-lo. Para o seu crédito foi registrado que o fazendeiro melhorou uns poucos minutos antes de morrer, e pediu que o assassino não fosse perseguido, admitindo que ele [o fazendeiro] fora o responsável pelo seu próprio destino. Em poucas semanas, o mulato voltou e não foi molestado pela lei nem pelos parentes da vítima. No Sul [dos Estados Unidos], essas coisas são resolvidas de maneira diferente.

Carta 2 (The Anti-Slavery Reporter, 15 de julho de 1867, p. 161-164)

Escravidão no Brasil

Retomamos a publicação das cartas do Sr. Redpath sobre o assunto acima.

Nº 2

Indígenas e negros

Como em nosso próprio país [Estados Unidos] - preconceito e sentimentalismo à parte - no Brasil, o negro também é superior ao indígena; o negro é, em todas as circunstâncias, um personagem mais decidido, tanto para melhor como para pior. Os indígenas não possuem energia - incapazes de um grande bem ou de um grande mal - não se deve depender deles. “Nunca vi um indígena mecânico”, diz o Sr. Koster, “em qualquer uma das cidades. Não há exemplo de um indígena rico. Os mulatos e os negros ricos não são raros”.

Uma questão meramente de cor

Embora não haja nenhuma referência especial à escravidão, não consigo me abster de citar uma nota relativa à cor, que, tanto nas Índias Ocidentais como no Sul, ouvi o mesmo fato ser comentado, mas nunca explicado. Filhos dos mesmos pais, quando um é mais escuro do que o outro, raramente têm a mesma tonalidade. Uma mulher mulata disse uma vez a um autor: “Os filhos de mulatos são como cachorros - eles são de todas as cores”. Algumas diferenças são sempre visíveis, e isso é tão flagrante em muitos casos que leva a duvidar, em primeiro lugar, de sua autenticidade. Mas é muito comum que se atribua isso à infidelidade conjugal. A prole das pessoas brancas e negras se inclina, na maioria dos casos, mais para uma cor do que para a outra, quando, talvez, uma segunda criança toma uma tonalidade contrária. Como esse fato é explicado pelos fisiologistas?

Vida dos escravos fugitivos

Não obstante a vastidão do país, os fugitivos não são tão bem sucedidos na fuga como se poderia supor. Os africanos são prontamente detectados pelo seu sotaque, e as recompensas pelos fugitivos garantem a sua captura. Os negros crioulos e mulatos frequentemente escapam e seus senhores nunca mais ouvem falar deles; mas, mesmo esses, algumas vezes são trazidos de volta.

Alguns desses fugitivos escondem-se na floresta em vez de tentar viver em vilas distantes como pessoas livres. Eles constroem seus mocambos10 10 N. do T. No original. ou cabanas nos pontos menos frequentados, e vivem de frutas e de caça. Essas pessoas às vezes se reúnem em número de dez ou doze, o que torna mais difícil o seu desalojamento, pois seu conhecimento lhes dá vantagem sobre qualquer pequeno destacamento que possa ser enviado para atacá-las. Às vezes, uma vizinhança inteira é perturbada por uma dessas comunidades, que roubam os terrenos onde se plantam os mantimentos, furtam bezerros, cordeiros e aves, e são contadas histórias de que os negros do Gabão roubam crianças. Aqueles que escaparam uma vez, mesmo que sejam recapturados, raramente permanecem. Eles fogem uma vez após a outra até garantir sua liberdade.

Os brasileiros de cor recapturados são exemplos de grande sofrimento, igual ou pior aos dos tempos da Lei do Escravo Fugitivo.11 11 N. do T. Lei norte-americana de 1850 que permitia que um escravo fugitivo do Sul pudesse ser capturado no Norte, ficando as autoridades locais encarregadas da perseguição e captura.

As leis benéficas da escravidão são impotentes

Passando dos incidentes da escravidão para o caráter e os métodos do próprio sistema, o Sr. Koster é um guia inestimável. Ele apresenta muitos fatos e ilustrações. Forneceremos uma pequena sinopse e apenas as características essenciais.

A escravidão indígena está abolida; somente os africanos e seus descendentes são mantidos como escravos, mas não existe nenhuma linha em que a aproximação da cor e do sangue dos brancos dê direito à liberdade àquela criança cuja mãe é escrava. Pois, como nós, a criança segue a condição de sua mãe. Pessoas de aparência perfeitamente brancas ainda são mantidas como escravas.

Os domingos e feriados são dias do próprio escravo, e há trinta e cinco feriados no ano.

“O escravo pode obrigar seu senhor a manumiti-lo, oferecendo-lhe a soma pela qual ele foi comprado pela primeira vez, ou o preço pelo qual ele poderia ser vendido, se esse preço for mais alto em relação àquele que o escravo valia no momento em que foi comprado pela primeira vez”. Esta afirmação pode ser encontrada em quase todas as enciclopédias e em todos os relatos laudatórios da escravidão no Brasil. Mas o Sr. Koster, por sua honestidade, arranca a máscara deste pretexto hipócrita. Ele diz que um incidente que chegou ao seu conhecimento o faria duvidar do fundamento sobre o qual este costume estava assentado, se não soubesse com que facilidade as leis relativas a muitos outros pontos importantes eram contornadas por meio da influência da riqueza e do poder. Ele nunca viu uma cópia da lei ou regulamento que estabelecesse esse privilégio, mas nunca encontrou alguém que duvidasse de sua existência. No entanto, conforme o Sr. Koster afirma com grande franqueza, o fato principal a ser investigado no tocante à peculiaridade dessa lei brasileira é: trata-se praticamente de uma letra morta. A melhor coisa a ser dita é que foi, ou é, um costume; mas um, porém, que o escravista pode honrar ou desobedecer, como bem entender.12 12 N. do T. É importante salientar que antes de James Redpath ter assinalado a inexistência de uma lei de alforria no Brasil que obrigava o senhor a libertar seu escravo quando este lhe apresentava o seu valor em dinheiro, o ex-ministro britânico William Dougal Christie também apontara o equívoco de muitos que acreditavam na existência dessa lei (CHRISTIE, 1865, p. 77-78). Pelo visto, a insistência de Christie e de Redpath em esclarecer esse equívoco se devia ao fato de que o próprio governo brasileiro estava interessado em disseminar essa crença no exterior, como se pode observar na passagem a seguir, publicada num periódico britânico, em 1860: “Pela lei brasileira, um escravo pode, a qualquer momento, comparecer perante um magistrado, ter seu preço fixado e comprar sua liberdade” (Quarterly Review, 1860, v. 108, p. 323-324). Tal artigo foi composto com a participação do funcionário da Embaixada brasileira em Londres, conforme ele próprio reconheceu na conversa que manteve com a delegação da BFASS, em 1864. Ver nota 6, acima. De fato, os senhores se recusam a libertar seus escravos pela oferta do valor pré-citado, e “não cabe nenhum recurso pelo sofredor, em virtude da legislação que torna quase impossível ao escravo obter uma audiência”, e também porque “se acaso apelasse e perdesse, ele seria punido, e sua vida poderia ser mais miserável do que antes”. O Sr. Koster relata um incidente que mostra o funcionamento desta lei:

“O proprietário de uma plantation escravista, cujos filhos conheci bem, possuía um escravo que cuidava da fervura do açúcar durante o período da colheita, e que era considerado por todos os que o conheciam e entendiam do assunto como o mais excelente trabalhador. Este homem acumulou uma soma de dinheiro e a ofereceu ao seu senhor por sua liberdade, mas ela não foi aceita; e, embora o escravo tenha feito grandes contatos com pessoas de considerações no país, ele não conseguiu alcançar seu objetivo. Seu senhor o botou nos ferros, e ele foi obrigado a trabalhar nessa condição. Ele só obteve a liberdade depois da morte de seu senhor, quando a viúva recebeu o seu dinheiro e o alforriou. Seu negócio na caldeira de açúcar lhe permite grandes lucros anualmente, e este homem ofendido agora vive tranquilamente e com conforto”.

Na opinião pública da região do Sr. Koster, a influência do clero e o medo de perder o escravo pela fuga induziam frequentemente os senhores a vendê-lo assim que ele requeresse sua liberdade mediante a oferta de dinheiro.

Uma mãe escrava que dá à luz dez filhos e os cria deve ser livre, “pois a lei ordena; mas esse regulamento geralmente é contornado e, além disso, o número de crianças é elevado demais para que muitas mulheres se beneficiem dele”. Nosso autor menciona um incidente que chegou ao seu conhecimento pessoal, no qual uma mãe cumpriu esta condição patriarcal; entretanto, seu senhor se recusou a emancipá-la.

Alguns escravos são manumitidos depois da morte de seus senhores; alguns durante a vida deles; outros - crianças de peito - são libertados na pia batismal, mediante o pagamento de 5£ pelos padrinhos ou seus pais.

O conforto dos escravos em diferentes regiões é amplamente desproporcional, dependendo totalmente do capricho ou da vontade de seus senhores.

Religião e moralidade da plantation

Como todas as crianças seguem a condição de suas mães, da mesma forma, “todos os escravos seguem a religião de seus senhores”. “Os escravos não são questionados se receberão ou não o batismo. O seu ingresso na Igreja Católica é tratado como algo natural”. Os africanos nativos batizados chegam a se orgulhar de serem aspergidos; o epíteto mais oprobioso para seus companheiros é - pagano! (pagão). Os negros do Brasil mostram o mesmo fervor religioso que é característico de nossos libertos sulistas. Eles também têm suas irmandades religiosas, e o dinheiro escondido para comprar sua liberdade será muitas vezes trazido para a decoração de um santo. Du Tertre, em sua Histoire des Antilles13 13 N. do T. Jean Baptiste Du Tertre (1610-1687), autor da Histoire Générale des Antilles habitées par les Français, publicada em três tomos entre 1667 e 1671. , fala do caráter religioso desses negros:

“Mas os negros são certamente tocados por Deus! Que eles se preservem da morte segundo a religião que abraçaram! Que pratiquem as virtudes e realizem as ações inculcadas em seu espírito! E posso realmente dizer que eles mostram mais cristianismo em sua condição do que muitos franceses”.

O casamento é encorajado pelos proprietários de escravos, pois (diz o honesto Koster) é a partir dessas conexões legais que eles podem esperar aumentar o número de seus crioulos! Os escravos não podem se casar sem o consentimento de seus senhores. Nas cidades há mais licenciosidade entre os negros e brancos do que no interior do país. As escravas são muitas vezes espancadas por seus senhores e senhoras (mais ainda por estas últimas) se não aumentam a população de cor. Nas propriedades onde há maioria de homens, as escravas estão mais sujeitas à má conduta. Quando os números são iguais, seu comportamento é tão correto quanto qualquer outro grupo de pessoas.

A imagem que o autor constrói dos velhos mercados de escravos é repugnante; e, já que não é necessária ao nosso propósito, omitimos qualquer referência adicional a ela.

Os mecânicos e outros escravos da cidade, por prudência, geralmente podem economizar o suficiente para comprar sua liberdade em dez anos.

Manumissões impiedosas

Atualmente, ouvimos falar de manumissões que dificilmente podem ser chamadas filantrópicas; e o mesmo ocorria há meio século.

“Objetos miseráveis”, diz o autor, “são às vezes vistos no Recife, pedindo esmolas em vários lugares da cidade, envelhecidos e doentes”. Algumas dessas pessoas foram escravas; e, quando adoeceram, tornaram-se inúteis e seus senhores as alforriaram; e, assim, na velhice ou na condição de aleijadas, foram obrigadas a implorar nas ruas públicas”.

Escravos da Igreja

Os escravos que pertencem aos monges beneditinos e aos frades carmelitas são tratados com mais respeito quanto aos seus direitos de seres humanos do que os negros nas grandes plantations “seculares”. “Os escravos”, diz Koster, “tratam seus senhores com grande familiaridade. Eles apenas respeitam o abade, a quem consideram o representante do santo”. Eles têm uma noção de que pertencem, não aos monges, mas aos santos, cujo representante exclusivo é o abade. A conduta dos membros mais jovens das comunidades de clérigos regulares é bem conhecida por não ser correta em suas atitudes. Os votos do celibato não são rigorosamente respeitados. Essa circunstância diminui o respeito com o qual esses homens poderiam ser tratados em suas próprias propriedades, e aumenta muito a licenciosidade das mulheres. “Vi nessas plantations”, acrescenta nosso autor, “muitos escravos mulatos de cor clara!”. Esses monges fazem outras coisas que mostram um caráter bastante mundano. Eles não permitem que seus homens de cor se casem com mulheres livres. “Eles não desejam que um escravo se torne inútil para aumentar a escravaria da plantation”. Mas não se opõem a que um homem livre se case com uma de suas escravas, pois assim “um estranho estará contribuindo para o aumento da escravaria”.

No momento da visita do Sr. Koster a esta propriedade, ela era administrada por um escravo mulato, que recebeu autorização para comprar sua esposa e filhos, mas ele não podia comprar a si mesmo. Ele possuía dois escravos africanos; e os ofereceu em troca de sua própria liberdade, mas os monges lhe disseram que não podiam administrar a propriedade sem ele, e recusaram suas ofertas. Com exceção disso, eles o tratavam com a maior consideração.

Em nenhuma outra propriedade - absolutamente nenhuma - “há um sistema completo, cujo objetivo principal é tornar desnecessário o fornecimento constante de novos trabalhadores”. Essa frase um tanto obscura significa que era considerado mais rentável importar do que criar escravos; que as vidas e o conforto dos negros eram sacrificados de forma irresponsável aos interesses das propriedades. Testemunhos subsequentes mostrarão que esta diretriz foi mantida até há poucos anos. Todas as crueldades de que a escravidão norte-americana tem sido acusada foram evidentemente perpetradas no Brasil naquela época; e, atualmente, embora afirmações ousadas e sem crédito de panegiristas e parasitas existentes no império digam o contrário, “os castigos corporais são recorrentes”, diz Koster, “bem como os colares de ferro, as correntes e outras punições são igualmente utilizadas”.

Punição dos escravos

Na Mata, em uma propriedade, cinquenta e cinco escravos foram “consumidos” em menos de quinze anos. Um incidente que retrata a “forma suave da escravidão” do Brasil será suficiente para vindicar nosso próprio sistema difamado e extinto; difamado por ter sido considerado mais cruel do que o estilo imperial:

“Um fazendeiro, a quem conhecia, foi visto por um de seus convidados utilizando três de seus companheiros para flagelar quatro negros. Os homens foram amarrados, a curta distância entre eles, em quatro troncos; e, à medida que a operação continuava, havia muita risada e brincadeira, pois, enquanto atacavam suas vítimas mutiladas, eles gritavam: ‘Aqui está a saúde de (tal e tal pessoa)’. O autor menciona um escravo que decepou a sua própria mão, devido à crueldade de seu senhor; e acrescenta: ‘Poderia mencionar muitos casos deste tipo, indicativos da cegueira individual do coração, próprios a todas as nações que tiveram de conviver com escravos’”.

Senhores escravistas negros

No nosso Sul, os negros se tornaram os feitores mais severos, em seguida os irlandeses, e depois os yankees, os odiadores da opressão britânica; do mesmo modo, no Brasil, os negros eram os mais tirânicos e, depois deles, os europeus e depois os negros livres. Os africanos manumitidos que se tornaram proprietários de escravos geralmente os trataram de forma severa e insensível - não suavizaram nada, ao contrário, se tornaram os mais violentos devido à lembrança de seus próprios sofrimentos.

Sustento dos escravos

Nos distritos rurais, o Sr. Koster diz que a comida fornecida aos escravos não seria suficiente se os pretensos dias de descanso não lhes proporcionassem um acréscimo aos alimentos fornecidos pelo senhor. Ou seja, ao mesmo tempo que aparentemente concedia descanso ao escravo, o senhor realmente o obrigava a trabalhar para seu próprio benefício em vez do dos negros. Em relação à roupa, o escravo recebe uma camisa e ceroulas de pano de algodão do país, uma peça de baixo, uma esteira e um chapéu; “mas”, ele acrescenta: “essas coisas não são recebidas tão frequentemente como a devida consideração pelo seu conforto exigiria”.

Escravos de pequenos proprietários

No Sul, os escravos que viviam em melhores condições eram aqueles pertencentes aos pequenos agricultores da Carolina do Norte e do leste do Tennessee, onde seus senhores trabalhavam com eles e formavam, na realidade, uma parte da criadagem e da família. Ocorre ou ocorreu da mesma forma no Brasil, conforme a descrição que o Sr. Koster fez desta classe:

“Há um número considerável de pessoas brancas e de cor que possui dois ou três escravos, e compartilha com eles o trabalho diário, mesmo o do campo. Esses escravos são, em geral, crioulos que foram criados na família, ou africanos que foram comprados muito jovens por uma quantia insignificante de dinheiro. Eles são frequentemente considerados como parte da família, e compartilham com o senhor o alimento para o qual ambos estão trabalhando. Em dias de gala, estes escravos aparecem bem vestidos, e têm certo ar de independência, o que mostra que eles pensam ser algo mais no mundo do que meros burros de carga. É muito impressionante a diferença de sentimento desses homens em relação ao seu senhor, bem como em relação aos escravos em geral, que são propriedade dos grandes escravistas. O primeiro não suportará, em sua presença, que se diga uma palavra contra seu senhor; ao passo que o último não se importa de ouvir todos os epítetos preconceituosos. Os escravos dos pequenos proprietários não são tão propensos a assimilar muitas das falhas cometidas pelos homens ricos, e possuem mais orgulho - um desejo maior de agir com honra - um medo maior de ser repreendido por uma falta. Em grandes propriedades, a reunião de muitas pessoas tende à privação, e a grande distância que existe entre o escravo e o senhor tende a produzir um sentimento maior de inferioridade. Mas, entre os pequenos proprietários, a diferença de classificação é infinitamente menor devido, entre outras causas, à assistência que recebem uns dos outros, na sua ocupação diária”.

Sumário da evidência

O Sr. Koster então resume suas minuciosas descrições da vida dos negros e do sistema escravista no Brasil:

“Representei a escravidão na forma em que concebo que ela geralmente existe nas plantations; mas todos os confortos que os seres humanos mencionados apreciam, e qualquer descanso do trabalho severo, estão inteiramente sujeitos à vontade do ‘senhor’. Os casos em que a situação do escravo quase ultrapassa o tolerável também são terrivelmente frequentes. Alguns fazendeiros seguem o sistema de realizar certos tipos de trabalho durante o início da noite, além do trabalho comumente realizado pelos negros durante todo o dia - por exemplo, todo o trabalho de fazer farinha de mandioca, a preparação da argila com os pés para fazer tijolos e cerâmica, e também a construção de muros de barro; além da remoção dos tijolos, lenha e assim por diante, de um lugar para outro. Este trabalho extra é chamado de “quingingoo”. Eu mesmo soube de um caso em que o trabalho de campo continuou até à meia-noite, à luz de grandes fogueiras, que haviam sido acesas em várias partes do terreno. Não havia razão para proceder dessa maneira, exceto o prazer do senhor de agir desta forma; a temporada era favorável e tudo estava de acordo para que o trabalho tivesse continuado da maneira usual e, também, ter realizado o plantio do campo na época devida. Sobre a crueldade, eu poderia dizer muito; mas fui longe o suficiente, e não devo entrar em mais detalhes sobre essa parte do meu assunto. A relação de tais transgressões faz mais mal do que bem. Elas servem como exemplos para aqueles que têm mentes sem princípios e corações insensíveis, e que podem considerá-los como caminhos que podem ser trilhados, em vez de precipícios que devem ser evitados”.

Todavia, já vimos, embora o autor prefira se silenciar quanto às maldades da escravidão, que a era da suavidade mal havia começado há cinquenta anos. A condição espantosa da carnificina de seus escravos foi indicada pelo tratamento desavergonhado dos negros nas grandes propriedades. As garantias da lei eram meras barreiras fantasmas em torno do escravo, que pareciam “protegê-lo”, mas desapareceram instantaneamente sob a lábia astuta do senhor escravista. Conforme nos aproximarmos de nosso tempo, passo a passo, descobriremos quando e como esse rigor cessou e começou o reinado da “gentileza”.

Carta 3 (The Anti-Slavery Reporter, 15 de outubro de 1867, p. 220-22)

Escravidão e vida escrava no Brasil

O Sr. Redpath continua suas cartas sobre o assunto acima mencionado:

O mercado de escravos

[1824] - Spix e Martius descrevem o mercado de escravos14 14 N. do T. Trata-se dos viajantes e naturalistas alemães Johann Baptist von Spix (1781-1826) e Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), que chegaram ao Brasil na comitiva da arquiduquesa austríaca Leopoldina, quando esta cruzara o Atlântico para se casar com D. Pedro I. Spix e Martius percorreram várias províncias brasileira coletando e catalogando espécimes botânicas, zoológicas e mineralógicas. Escreveram a obra Reise in Brasilien, publicada entre 1823 e 1831, que foi traduzida como Viagem pelo Brasil, 1817-1820. . Eles afirmam que a maior parte dos negros que foi trazida para o Rio de Janeiro veio de Cabinda e Benguela. Na sua chegada, eles foram instalados em casas arrendadas para essa finalidade na rua do Valongo, perto do mar. Nelas podiam ser vistas crianças de seis anos de idade para cima, e adultos de ambos os sexos, de todas as idades. Um mulato ou negro velho, que adquiriu experiência ao longo do tempo de serviço, tem a superintendência da comida e dos outros itens necessários aos recém-chegados. O principal artigo de subsistência é mandioca ou farinha de milho (fubá), cozido em água (mingau), e, mais raramente, carnes salgadas do Rio Grande de Sul. A preparação deste alimento simples, comido em grandes cuias, ou pratos feitos de cabaça, é deixada tanto quanto possível a eles mesmos. Os negros e negras que se comportam adequadamente são recompensados com rapé e tabaco. Eles passam as noites em esteiras de palha, com mantas para cobri-los. Quem quer comprar escravos visita o Valongo, onde cada inspetor pode avaliar os escravos completamente nus. O vendedor esforça-se para convencê-lo da força corporal e da saúde dos negros, ora apertando seus corpos, ora fazendo com que executem movimentos rápidos, especialmente flexionando seu braço com o punho dobrado. O que mais se percebe nessas compras é a ocultação dos defeitos corporais, e, especialmente, a disposição muito frequente para a cegueira. Depois de realizada a escolha, é fixado o valor da compra, o que, para um negro saudável, varia de 350 a 500 florins, e o vendedor geralmente se responsabiliza por quaisquer defeitos corporais que possam ser descobertos dentro de uma quinzena. O novo proprietário é agora o senhor absoluto do trabalho de seu escravo e do produto dele. Mas se, diz o autor, for culpado pelo tratamento desumano do escravo e por outras ofensas, ele é passível de ser punido pela polícia ou pelos tribunais. Estes últimos são responsáveis, pelos meios expressamente adaptados ao propósito, por devolver os escravos fugitivos aos seus verdadeiros proprietários e punir os fugitivos que reincidirem na tentativa, colocando um anel de ferro em volta do pescoço. Se o senhor não punir seus próprios escravos, esta punição é realizada, após o pagamento de certa quantia, pela polícia no Calabouço.

[1824] - Maria Graham publicou Journal of a Voyage to Brazil, and Residence there.15 15 N. do T. Viajante inglesa que visitou o Brasil em três ocasiões, e na década de 1820 tornou-se preceptora da princesa D. Maria da Glória, mas logo depois retornou para a Inglaterra. Sua obra foi traduzida como Diário de uma viagem ao Brasil. Em seu relato do desembarque, a autora afirma que ela e sua amiga ainda não haviam dado cinquenta passos no Recife quando se sentiram absolutamente enojadas com a visão de um mercado de escravos. Ele estava pouco abastecido devido a causas transitórias; entretanto, cerca de cinquenta jovens criaturas, meninos e meninas, aparentando estar com fome e doentes, resultado da escassa comida e do longo confinamento em lugares insalubres, estavam sentados e deitados entre os animais mais imundos da rua.

Duas manhãs depois, olhando da varanda de sua casa, ela viu uma mulher branca espancar uma jovem negra e torcer os braços dela com crueldade enquanto a pobre criatura gritava em agonia, até que um cavalheiro inglês interferiu. Perto de sua casa, havia dois ou três depósitos de escravos, onde todos eram jovens. Em um deles, ela viu uma criança com cerca de dois anos de idade à venda. As provisões eram tão escassas naquela ocasião que nenhum pedaço de carne sequer temperava a pasta de farinha de mandioca, que era o sustento dos escravos; e até essas pobres crianças, com seus ossos proeminentes e bochechas vazias, indicavam que raramente eram alimentadas adequadamente. Naquela época, em consequência dos problemas locais, o dinheiro estava tão escasso que dificilmente aparecia um comprador, e, desse modo, uma nova aflição era adicionada à sua condição de escravo: o desejo inconveniente de encontrar um senhor.

Operários brancos e negros

A autora foi informada por um antigo fazendeiro de que os negros e mulatos crioulos eram muito superiores na indústria aos portugueses e brasileiros brancos, que, em sua grande maioria, eram indolentes e ignorantes. Os negros e os mulatos, disse ele, tinham fortes motivos para todos os tipos de esforços e eram bem-sucedidos naquilo que empreendiam. Eles são os melhores artesãos e artistas. A orquestra da ópera é composta por pelo menos um terço de mulatos. Todas as pinturas decorativas, escultura e marchetaria são realizadas por eles. Em suma, eles se destacam em todas as artes mecânicas engenhosas.

Legree divertindo-se com Lincoln

A Sra. Graham conheceu casos de negros que foram libertados pelos seus proprietários; mas eles eram muito velhos para o trabalho, e acabaram morrendo de fome. Ela menciona um casal de idosos que, quando deixou de ter valor na propriedade de seu senhor, foi libertado e recebeu alimentação; mas seu orgulho de independência fez com que a recusassem, e eles próprios se sustentavam fazendo cestas e armadilhas de caça.

Dois modos de abençoar os escravos

Ela testemunhou uma cerimônia ou costume semelhante ao descrito por Stewart.16 16 N. do T. Ver nota 23, mais adiante.

“Depois do café da manhã”, ela escreveu, “assisti à reunião semanal de todos os negros da fazenda; os homens receberam camisas e calças limpas, e as mulheres vestidos e saias de algodão branco muito grosso. Cada um deles, à medida que entrava, beijava uma mão e então se curvava para o Sr. P., dizendo: “Pai, dê-me uma bênção”, ou “Os nomes de Jesus e Maria sejam louvados” e obtinham como resposta “Eu vos abençôo” ou “sejam louvados”. Este é o costume dos estabelecimentos antigos; isto é repetido pela manhã e à noite, e parece demonstrar uma espécie de relação entre o senhor e o escravo”.

A maneira prática pela qual este proprietário patriarcal abençoava seus escravos é revelada no decorrer da narrativa da Sra. Graham:

“À tarde, acompanhei o Sr. P. e fui ver os negros receberem sua alimentação diária. Ela consistia de farinha, feijões e carne seca - uma medida fixa de cada produto para cada pessoa. Um homem pediu duas porções, pois seu vizinho não estava presente e a esposa dele desejava que lhe fosse enviada para que ela a deixasse preparada para quando ele voltasse. Algumas perguntas que o Sr. P. fez sobre essa pessoa me induziram a conhecer a sua história. Parece que ele é um barqueiro mulato, a pessoa mais confiável e rica da propriedade, pois ele é industrioso o suficiente para ter conquistado uma grande quantidade de propriedade privada, além de cumprir seu dever com seu senhor. Na sua juventude - e ele ainda não é idoso - ele se apegou a uma negra crioula, que, assim como ele, nasceu na propriedade; mas ele só se casou com ela depois que ganhou dinheiro suficiente para comprá-la, para que seus filhos, se tivessem algum, nascessem livres. Desde então, ele se tornou rico o suficiente para comprar a si mesmo, ainda que um escravo de tal tipo possa alcançar um preço elevado; mas seu senhor não venderá sua liberdade, pois seus serviços são muito valiosos para que ele os perca, apesar de sua promessa de permanecer na propriedade e no trabalho. Infelizmente, eles não têm filhos; e, portanto, em sua morte, sua propriedade, atualmente considerável, será revertida para o senhor. Se eles tivessem filhos, e como sua mulher é livre, eles poderiam herdar a propriedade da mãe”.

De acordo com essa autora, as danças ao luar são os divertimentos favoritos dos negros brasileiros. Seus instrumentos de música são invenções grosseiras de cabaças ocas com um único fio metálico - tambores - guitarras simples e similares; eles não produzem um efeito desagradável.

Senhores amáveis e conscientes

Em seu relato da sua segunda viagem e residência no Brasil, a Sra. Graham, ao descrever uma grande plantation, apresenta um parágrafo que parece ter sido extraído das Anti-Slavery Notes of the South:

“Os donos das propriedades preferem que os negros livres ou alugados por seus senhores sejam enviados para a floresta, por conta dos numerosos acidentes que ocorrem ao derrubar as árvores, particularmente nos terrenos íngremes. A morte de um negro da propriedade diminui o seu valor; já a de um negro contratado acarreta apenas uma pequena indenização; e a de um negro livre, muitas vezes é economia com o seu salário, se ele não tiver filho para reivindicá-lo”.

Vimos a mesma afirmação numa recente carta do Sul, onde os pobres brancos às vezes eram engajados pelos proprietários de escravos para fazerem o trabalho perigoso em vez de arriscar os seus próprios negros!

Negros como trabalhadores livres

A Sra. Graham constatou que os pequenos tratos de terra, concedidos aos negros para trabalharem exclusivamente para si, rendiam duas vezes mais do que a terra de seus senhores, nas quais eles passavam muito mais tempo. Esta é outra prova da superioridade do trabalho livre sobre o escravo.

Você entrará na minha sala de estar?

Ao abordar o Hospital para crianças abandonadas do Rio de Janeiro, ela diz que em pouco mais de nove anos foram recebidas 10.000 crianças. “Elas eram deixadas ao cuidado das enfermeiras, e muitas nunca foram contabilizadas. Isso não significa que todas tenham morrido - mas havia a tentação de manter uma criança mulata como escrava e, muito provavelmente, proteger a sua vida”. Até há pouco tempo, elas morriam numa proporção terrível, em comparação com seus números. Esta foi a declaração do Imperador. Como veremos, o Sr. Christie faz menção a isso, bem como a Sra. Graham insinua nas palavras que grifamos em itálico.

Enterro de escravos

Em 1845, o Sr. Daniel P. Kidder, missionário norte-americano, publicou em dois volumes Sketches of Residence and Travels in Brazil17 17 N. do T. Daniel Parish Kidder (1815-1891), missionário metodista norte-americano, que esteve no Brasil em duas oportunidades, de 1836 a 1837 e de 1840 a 1842, por incumbência da American Bible Society. Depois do falecimento de sua esposa no Rio de Janeiro, em 1842, ele regressou aos Estados Unidos. Sua obra foi traduzida como Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil: compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias; e Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Sul do Brasil (Rio de Janeiro e Província de São Paulo): compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias. , e, no entanto, das páginas de títulos até o Apêndice, não existe sequer uma menção explícita à existência da escravidão em qualquer uma delas. O tráfico de escravos é, aliás, aludido, mas nunca a escravidão, exceto por inferência, numa descrição das cerimônias funerárias, na qual ele narra como os escravos são enterrados.

“Quão diferente”, diz ele, “da cerimônia funerária, com sua suntuosidade e magnificência, é a [cerimônia] do pobre escravo. Nem tochas, nem caixões são carregados em sua procissão solitária. Seu corpo é colocado numa rede, cujas extremidades são presas a uma longa vara, que é carregada nos ombros de dois de seus companheiros. Estes podem ser vistos no início da manhã marchando lentamente, um após o outro, em direção à Misericórdia. O cemitério ligado a essa instituição consiste num pequeno pedaço de terra, rodeado por um muro alto, no qual a figura da cabeça da morte está embutida em diferentes lugares”.

“Neste espaço, uma cova é escavada diariamente, na forma de um poço, de sete pés quadrados. Nela se colocam de forma promíscua os corpos daqueles que morrem no hospital durante a noite, e dos escravos e pessoas pobres que são trazidos aqui para receber um enterro gratuito. Assim, no espaço de um ano, toda a superfície é escavada, e nos anos sucessivos o mesmo processo continua a ser repetido. Em relação a este assunto, aludirei a outra espécie de funeral, que ilustra a continuidade dos costumes pagãos entre os africanos no Brasil. Grande número de escravos trazido ao país do imperador é autorizado a seguir os costumes que preferirem”.

“Num domingo, logo depois de nos mudarmos para o Engenho Velho, nossa atenção se voltou para a parte de trás da casa, de onde vinham gritos altos e prolongados da rua. Ao olhar pela janela, avistamos um negro carregando sobre a cabeça um tabuleiro de madeira, na qual estava o cadáver de uma criança, coberta com um pano branco, decorado com flores, e um ramalhete delas junto às mãos. Atrás dele, seguia uma multidão confusa, com cerca de vinte negras e um grupo de crianças, cuja maioria estava adornada com listras ostentosas de vermelho, branco e amarelo. Todos entoavam uma canção etíope, cadenciada por um passo lento; aquele que carregava a criança falecida fazia uma pausa, e como se estivesse sobre uma ou duas hastes, rodopiava sobre os dedos dos pés como um dançarino”.

“Entre os primeiros, a mãe se distinguia por sua excessiva gesticulação, embora dificilmente pudesse ser determinada por sua ação quando as emoções do sofrimento ou da alegria eram predominantes. Assim, eles passaram para o pátio da igreja, onde o cadáver foi entregue ao vigário e ao seu coveiro. A procissão então retornou, cantando e dançando, se possível, mais descontroladamente do que na ida”.

Assim, o Sr. Kidder fez o que Shakespeare não conseguiu; ele nos contou como o Hamlet brasileiro é enterrado, embora o tenha deixado fora da peça.

Um testemunho do lado Sul

[1846] - O livro Travels in the Interior of Brazil, de George Gardner, F.L.S., é uma obra frequentemente citada.18 18 N. do T. George Gardner (1812-1849), médido e botânico britânico, que influenciado pelas descrições de Humboldt, visitou e percorreu várias províncias do Brasil entre 1836 e 1841, coletando material de pesquisa. Sua obra foi traduzida como Viagem ao interior do Brasil. Ele pinta a escravidão em cor de rosa. Os relatos que ouviu quando desembarcou, tenderam a confirmar suas primeiras impressões de que a condição do escravo brasileiro era a mais miserável que poderia ser concebida. Mas alguns anos de residência alteraram essencialmente essas impressões. Ele afirma que teve muitas experiências com os proprietários de escravos; e muito poucos atos de crueldade chegaram ao seu conhecimento. A embriaguês raramente é observada entre a população negra. Nas grandes cidades, a necessidade de punição é frequente. O senhor possui o poder de castigar seu escravo segundo seus próprios critérios. Alguns, no entanto, preferem enviar o culpado para o Calabouço, onde, mediante o pagamento de uma pequena quantia, a punição é dada pela polícia. Somente em crimes muito sérios o escravo é entregue inteiramente aos tribunais públicos, e então o proprietário perde os serviços dele, seja para sempre ou por um longo período.

Na maioria das plantations, os escravos são bem assistidos e parecem estar muito felizes. O Sr. Gardner conversou com escravos em todas as partes do país e conheceu poucos que expressaram algum arrependimento por terem sido tirados de seu próprio país, ou um desejo de retornar a ele. Às vezes, ele residia por períodos curtos em plantations que tinham de 300 a 400 escravos, mas que nunca saberiam por conta própria que eram cativos. Ele viu um conjunto de trabalhadores contentes e bem acomodados, que se afastavam de suas pequenas cabanas, muitas vezes cercadas por um pequeno jardim, e seguiam para suas respectivas ocupações diárias, das quais retornavam à noite, mas sem estar debilitados ou curvados pela dureza de suas tarefas. A condição do escravo doméstico é talvez ainda melhor do que a dos outros; seu trabalho é mais leve, e certamente ele é melhor alimentado e vestido. Quase em todo lugar, ele encontrou senhoras brasileiras amáveis com seus escravos domésticos, quer fossem homens ou mulheres.

Contudo, o autor admite que, devido à natureza e posição do negro, havia necessidades frequentes de punir as pessoas más, e temia-se muito o aumento geral da população negra no Brasil, e isso teria acontecido muito tempo atrás, em virtude dos preconceitos hostis existentes entre as diferentes raças de africanos. Os mulatos e outras pessoas de sangue misto desejam uma forma republicana de governo. Deve-se observar, diz ele, que os piores criminosos provêm desta classe, que herdam, em certo grau, o intelecto superior do branco, enquanto retêm grande parte do calor e da ferocidade dos negros. Eles são majoritariamente livres e não têm boa vontade em relação aos brancos, que compõem a menor parcela da população.

O caráter e a capacidade dos negros introduzidos no Brasil variam muito segundo as diferentes nações que representam. Aqueles que moram nas partes do Norte são, de longe, das melhores raças. Os escravos da Bahia são mais difíceis de administrar do que os de qualquer outra parte do Brasil, e as tentativas mais frequentes de revolta ocorreram mais lá do que em outros lugares. A causa disso é óbvia. Quase toda a população escrava daquele lugar é da Costa do Ouro. Tanto os homens como as mulheres não são apenas mais altos e formados de maneira mais generosa do que os de Moçambique, Benguela e os outros países da África, mas têm uma parcela muito maior de energia mental, decorrência, talvez, da sua proximidade com os mouros e árabes. Entre eles, há muitos que lêem e escrevem em árabe. Eles são mais unidos entre si do que os escravos das outras nações e, portanto, são menos propensos a divulgar seus segredos quando planejam uma revolta.

Carta 4 (The Anti-Slavery Reporter, 15 de novembro de 1867, p. 257-261)

Escravidão e vida escrava no Brasil

Continuamos as cartas do Sr. Redpath sobre os assuntos acima mencionados.

O Natal na plantation

O Sr. Gardner fornece uma descrição das festividades dos negros durante o Natal numa plantation brasileira:

“Como chegamos no dia de Natal, que é um grande feriado, encontramos todos os escravos pertencentes à propriedade, que totalizavam aproximadamente cem, dançando no quintal diante da casa, todos vestidos com roupas novas que lhes foram dadas no dia anterior”.

“À noite, um grupo dos melhores criados, principalmente crioulos, foi admitido na varanda da casa, onde tive uma boa oportunidade de testemunhar suas danças, algumas delas não muito delicadas. Uma das melhores danças foi um tipo dramático, da qual se segue o seu programa”:

“Perto da porta de uma casa pertencente a um padre (sacerdote), um jovem começa a dançar e tocar viola, uma espécie de guitarra. O padre escuta o barulho e envia um dos seus servos para averiguar o que está acontecendo. Ele encontra o músico dançando em seus próprios ritmos e diz-lhe que foi enviado por seu senhor para lhe perguntar por que está tão perturbado. O músico lhe diz que não está nem um pouco perturbado, apenas está tentando imitar uma nova dança da Bahia, que ele viu no outro dia no Diário”.

“O servo pergunta se ela é boa”.

“‘Oh! Muito boa!’ ‘Responde o outro’; ‘Você não vai tentar?’”

“O servo bate suas mãos, e grita: ‘Deixe o padre ir dormir’, e imediatamente se junta à dança. O mesmo se repete até que os servos do padre - homens, mulheres e crianças - umas cerca de vinte pessoas se juntam e dançam em círculo diante da casa”.

“Por fim, o próprio padre aparece muito furioso, vestido com um grande poncho semelhante a uma batina, um chapéu de palha preto de aba larga e uma máscara com uma longa barba. Ele quer conhecer a causa do ruído, que, segundo diz, o impede de desfrutar o jantar”.

“O músico lhe conta a mesma história que foi dita aos seus criados, e, depois de muita persuasão, também o leva para participar da dança. Ele dança com tanto zelo como qualquer um deles; mas, aproveitando a oportunidade, retira um chicote escondido debaixo de sua batina e chicoteia todos os seus servos, finalizando o desempenho”.

“Depois de uma experiência de cinco anos entre os brasileiros”, diz o Sr. Gardner perto do fim de seu volume, “devo dizer que eles estão longe de serem senhores que impõem tarefas pesadas e que, com poucas exceções, achei-os amáveis e atenciosos com seus escravos”; e, em outro lugar, algumas centenas de páginas adiante, “ao mesmo tempo, não pude deixar de exclamar com Sterne: ainda assim, escravidão, és um trago amargo”.19 19 N. do T. Referência a Laurence Sterne (1713-1768), escritor e clérigo anglicano irlandês, autor de Viagem sentimental, obra na qual se encontra a passagem reproduzida por George Gardner.

Un compte rendu20 20 N. do T. Jogo de palavras, pois o subtítulo pode ser traduzido como “Um relatório”, e está fazendo referência ao nome do autor francês, Alphonse Rendu (1812-1875), que produziu um relatório sobre as observações que fizera no Brasil. Rendu era médico e professor da Escola de Anatomia dos Hospitais de Paris, e foi encarregado pelo Ministério da Instrução Pública da França de visitar o Brasil para estudar as principais doenças que acometiam os habitantes locais e os europeus que vinham residir no Império. Esteve no Brasil entre 1844 e 1845, e produziu um relatório cujo título original é: Études topographiques, médicales et agrónomiques sur le Brésil, que foi publicado em 1848.

[1848] - O Dr. Alp. Rendu viajou pelo Brasil por ordem do Ministro francês de Instrução Pública para estudar as doenças comuns desse país. Ao retornar a Paris, ele publicou um volume intitulado: “Studies - Topographical, Medical and Agricultural - on Brazil”. Ele dedica uma seção à escravidão. Suas opiniões são o que sempre temos denominado na América de credo pró-escravista conservador; quando se filtra suas explicações, o que resta, em resumo, é que a escravidão é uma maldição, mas a abolição seria um infortúnio tanto para o país quanto para o negro; que o negro é pouco suscetível à civilização; que é naturalmente preguiçoso e, ainda que trabalhe como escravo, se tornaria indolente num estado de liberdade; e que, embora a escravidão seja uma calamidade moral, como todos sabem, a emancipação prematura implicaria em desgraças que ninguém pode prever o fim. Seu plano de abolição é declarar livre todas as crianças que nascem de pais escravos; mas, para preservá-los da influência perniciosa de seus pais, o governo se encarregará das crianças! O governo, em outras palavras - que, mesmo em nossa terra, é tão frequentemente convocado para projetos industriais de cuidados maternos - se tornará a “empregada da criança desamparada” e, de boa vontade, de todos os jovens negros no Brasil. Que gigantesco e formidável berçário o nosso homem francês estabeleceria!

Deixando suas especulações destinadas à morte pelo absurdo, chegamos a suas alegações específicas. Os escravos, diz ele, a serviço dos brasileiros, geralmente são tratados com suavidade; mas ai daqueles que caem nas mãos dos estrangeiros! Estes, ansiosos para realizar as esperanças de fortuna com as quais sonhavam impacientemente, e possuindo apenas um pensamento único, o de retornar ao seu país natal, não hesitam em atingir o seu objetivo. Todo sentimento de humanidade parece morto neles. Seus escravos, mal alimentados, são oprimidos com fadiga e muitas vezes espancados. Há algumas exceções, mas são muito raras.

O Doutor então declara, com ênfase que não compartilhamos, que os senhores como um todo são injustamente suspeitos das enfermidades de seus escravos. As doenças são muitas vezes fingidas, desacreditando frequentemente os casos reais de moléstia e, portanto, acarretando um sofrimento considerável desnecessário aos negros inválidos: no estado atual das coisas, infeliz com sua condição, tendo que suportar trabalho excessivo, o negro não tem vontade de formar alianças duradouras; e, por outro lado, a negra é avessa a dar à luz a um ser que deve ser tão miserável quanto ela mesma. As refeições são tomadas em comum, num local com sombra. A da manhã é leve e consiste em farinha de mandioca ou de milho, com um pouco de fruta ou um pouco de aguardente de cana. No meio do dia, os escravos comem carne de peixe. A refeição noturna é composta de feijão, arroz ou outros vegetais. Esta dieta não é ruim, embora se possa desejar que seja mais variada. Nada, por exemplo, seria mais fácil do que adicionar legumes frescos. A riqueza da vegetação tornaria sua adição muito barata, e a saúde dos escravos seria sensivelmente melhorada por ela.

Embora na África os negros vivam nus, ou quase, é um costume detestável do Brasil não mantê-los adequadamente vestidos. O clima deste país é menos quente, e muito mais úmido do que o da África e, portanto, uma das principais causas das doenças que existem entre os negros deve ser atribuída à falta de roupas. Muitos proprietários dão a seus escravos apenas um par de calças de algodão. Outros adicionam uma camisa do mesmo material e, à noite, eles dormem numa esteira, num lugar muitas vezes insalubre, onde, para se protegerem da umidade e do frio, têm apenas um pobre cobertor de lã. Em outras fazendas, no entanto, os escravos são melhor atendidos. Além das roupas mencionadas anteriormente, também lhe são fornecidos um gorro e uma camisa de lã. Em todos os domingos, seus pertences são trocados, e realiza-se uma averiguação para ver se eles não venderam suas esteiras ou cobertores, o que muitas vezes acontece.

Os escravos empregados nas fazendas geralmente são bem alimentados, e eles adicionam legumes às suas rações, que foram cultivados por eles mesmos, além de carne seca e peixe: entretanto, muitas vezes, essas últimas substâncias não possuem boa qualidade, nem são em quantidade suficiente.

O mesmo não ocorre com aqueles que são empregados nos trabalhos das minas, na mineiração do ouro e na busca de diamantes, etc. Muitas vezes, eles recebem as menores rações possíveis - uma economia deplorável, prejudicial para os desafortunados negros, bem como prejudicial aos interesses dos senhores. A insuficiência alimentar provoca uma diminuição da força, que, por sua vez, produz mortalidade e causa uma perda considerável, que a parcimônia desumana não compensa.

O Doutor volta a mencionar novamente o triste destino dos escravos cujos proprietários eram estrangeiros: estes, diz ele, dificilmente têm tempo para dormir ou descansar.

Os escravos não se interessam por seus trabalhos, nem são fisicamente capazes de realizar tanto trabalho quanto um homem livre, pois o apetite do ganho sustenta este, enquanto o medo do castigo é o único incentivo do outro. A vigilância perpétua é o preço do trabalho escravo, assim como os golpes infalíveis para o vagabundo. Por mais ativo que seja o feitor, se não puder contar com o recurso do chicote contra os escravos, não obterá nada deles - absolutamente nada.

Os castigos são de dois tipos: num deles, colocam ao redor do pescoço do escravo culpado um anel de ferro, encimado por um tronco do mesmo metal, que causa mais ou menos tortura; o outro consiste em surras de chicote, cujo número varia de acordo com a gravidade da ofensa. Nas fazendas, as punições são infligidas na presença de todos os escravos. No Rio de Janeiro, os infratores são levados para a Casa de Correção, onde recebem os castigos que lhes foram atribuídos. Durante a sua permanência neste estabelecimento, eles são empregados em obras de utilidade pública.

Os casamentos entre escravos são raros no Brasil, e embora a miscigenação adúltera seja comum, ela raramente é seguida pela fecundação. Além disso, frequentemente, quando a negra fica grávida, ela impede a gestação e, portanto, o número de nascimentos está longe de ser proporcional aos dados de mortalidade entre os negros. O que acontece no Brasil, também é notado diariamente nas casas de correção da Europa. O negro que passou algum tempo numa Casa de Correção sai de lá pior do que quando entrou. Perigoso para os seus companheiros de seviço, ele certamente se tornará um dos flagelos para o país se fugir da casa de seu senhor.

O doutor não percebe como esses fatos aniquilam suas declarações anteriores de que a escravidão é uma instituição suave no Brasil, e podem ser utilizados para mostrar como escritores habilidosos se auto-contradizem quando permitem que seus preconceitos sejam sua filosofia, mas são também muito honestos para não suprimir o que vêem na vida real.

É um fato, afirma o doutor, que em estabelecimentos bem dirigidos, onde os escravos são tratados com justiça e humanidade, eles contraem casamentos entre si e os nascimentos não só compensam as mortes, mas também as superam numericamente.

Sobre casamentos de pessoas de raças diferentes

[1853] - O Sr. William Hadfield21 21 N. do T. William Hadfield (1806-1887), escritor britânico que residiu vários anos no Brasil e na Argentina, desempenhou funções administrativas em companhias de navegação e realizou esforços comerciais para abrir a América do Sul às empresas e capital britânicos. Em 1863, Hadfielf fundou em Londres o periódico The South American Journal and Brazil and River Plate Mail, do qual foi editor até sua morte em 1887. Além da obra citada por Redpath, Hadfield também lançou em 1869 outro livro sobre o Brasil, chamado Brazil and the River Plate in 1868, their Progress since 1853. Infelizmente, nenhum dos dois foi traduzido para o português. , que residiu por muitos anos no Brasil e foi Secretário da British South American Steam Navigation Company, em seu volume Brazil, the River Platte and the Falkland Island escreve a partir dos interesses dos brancos, e tem pouco a dizer sobre a escravidão. Ao falar dos índios, diz que algumas tribos exibem uma extraordinária antipatia pelos negros, “o que é bastante notável, já que os casamentos das pessoas de cor com brancos são muito comuns e as gradações de negros que levariam um cidadão dos Estados Unidos a uma febre de indignação são vistos com indiferença filosófica, tanto por brasileiros como pelos nativos de Portugal na Espanha”. Provavelmente, ele acrescenta, este é um dos motivos pelos quais os escravos no Brasil são tratados com bondade e humanidade totalmente “inigualável em qualquer outra parte do mundo”.

O Sr. Hadfield endossa a alegação de um inglês, residente de longa data no Brasil, que escreveu, em 1854, que as pessoas estavam mais ansiosas para acabar com a escravidão do que imaginavam, “por causa do ponto de civilização ao qual haviam chegado, e em função da circunstância de ser de seu interesse”.

O que o Sr. Ewbank viu e disse

[1856] - Thomas Ewbank, em seu volume interessante e finamente ilustrado, Life in Brazil, or a Journey to the Land of the Cocoa and the Palm, (New York: Harpers, Brothers)22 22 N. do T. Thomas Ewbank (1792-1870), escritor e mecânico inglês, emigrou para os Estados Unidos em 1819, onde se tornou negociante e fabricante de tubos de chumbo, cobre e estanho. Entre 1845-46 viajou ao Brasil, onde passou seis meses em visita ao seu irmão, que era casado com uma brasileira. Sua experiência na Corte e arredores foi retratada na obra mencionada por Redpath, cuja tradução tem como título Vida no Brasil. Além de arguto observador, Ewbank era exímio desenhista, e deixou registradas muitas cenas e objetos que lhe chamaram a atenção. Antes de publicar seu livro, Ewbank lançou artigos na recém-criada Harper’s Magazine narrando sua experiência no Brasil. Depois de regressar aos Estados Unidos, foi nomeado Comissário de Patentes pelo presidente norte-americano em 1849. , nos forneceu mais plenamente do que qualquer outro norte-americano, informações importantes sobre a condição dos negros e o funcionamento da “Instituição Doméstica” naquele império.

Não muito longe da capital, há uma antiga propriedade que foi visitada pelo Sr. Ewbank. Ela pertencia à mesma família há várias gerações. A mãe do atual proprietário, uma venerável senhora de noventa anos, falecida recentemente, cuidou dos escravos até a morte. Instruindo-os cuidadosamente, a primeira coisa que ela lhes ensinou foi se dirigir à Virgem. Todas as noites, o sino do pórtico, que os despertava e os convocava para o trabalho, também os chamava para as orações, que, como chefe de família, ela as ministrava. Assim que elas eram concluídas, seus filhos, netos e outros parentes presentes saudavam-na, e cada escravo, de passagem, pedia e recebia sua benção noturna. Ela às vezes despertava a todos, negros e brancos, às duas horas da manhã. Um velho negro a incomodava extremamente. “Trabalho, trabalho, trabalho, o dia todo”, ele dizia: “e reza, reza, reza, a noite toda - nenhum negro aguenta isso”.

Nos restaurantes brasileiros, o autor viu jovens de cor se sentarem, sem hesitação, na mesma mesa com brancos e, em perfeita igualdade, participar da conversa.

Mais uma vez, diz que, quando o bonde de Botafogo parou na porta, ele viu três negros sentados entre os cavalheiros brancos. Isso é comum. Um negro livre com um traje decente, implícito na expressão “vestindo sapatos e uma gravata”, pode se sentar em lugares e no transporte público tão livremente quanto as pessoas de pele mais clara. A Constituição não reconhece distinção baseada na cor.

Todos os tipos de comércio são realizados por diaristas e garotos negros. O Sr. Ewbank viu até escravos trabalhando como carpinteiros, pedreiros, calceteiros, impressores, pintores decorativos e ornamentais, fabricantes de ornamentos militares, transportadores e marceneiros, fabricantes de lâmpadas, ourives, joalheiros e litógrafos. Também é fato que as esculturas em pedra e as imagens santas em madeira são frequentemente esculpidas admiravelmente por escravos e negros livres. Um pequeno sujeito grisalho, um velho africano que pede esmolas no Catete, já foi um excelente escultor, mas agora é um bêbado contumaz. Um homem mencionou ao senhor Ewbank que um escravo, que era um trabalhador de primeira classe, é uma escultura sagrada na Bahia.

Este autor viu quatro embarcações com africanos recém-chegados. Quase não havia preocupação de esconder o tráfico.

Crueldades da escravidão

Dispersa por todo seu agradável território, há muitas indicações de que a escravidão no Brasil é uma barbaridade bastante cruel.

Segundo ele, “um português da vizinhança tem a reputação de ser excepcionalmente cruel com seus escravos. Um deles passa pelas janelas três ou quatro vezes por dia para buscar água, tendo ao pescoço um colar de ferro, com uma ponta vertical em uma orelha e uma mais curta na outra. Ele passa novamente! E, atrás dele, um rapaz com mais de doze anos, pertencente ao mesmo dono, usando um instrumento semelhante com uma ponta atrás”. Os escravos, segundo ele, são bestas de transportar água e carga. As cargas que transportam, bem como as estradas que percorrem, são suficientes para matar mulas e cavalos. Não é de admirar que sejam numerosos os escravos chocantemente aleijados em seus membros inferiores. “Bamboleava diante de mim”, ele escreve, “de uma maneira angustiante de se contemplar, um homem cujas coxas e pernas se curvaram de tal forma para fora que seu tronco ficava a apenas quinze polegadas do chão. Parecia suficientemente pesado, mesmo sem a cesta carregada em sua cabeça, para romper a estrutura óssea e cair entre os seus próprios pés. Observei outro cujos joelhos se cruzaram, e seus pés se separaram, como se as cargas super-inclinadas tivessem empurrado seus joelhos em vez do contrário. O acendedor de lampiões do bairro do Catete exibe outra deformidade. Seu corpo é voltado para baixo, seus pés para um lado, de modo que suas pernas ficam paralelas num ângulo de 30 graus! As cabeças dos africanos são duras, seus pescoços são fortes, e ambos ficam perpendiculares às cargas que são obrigados a carregar, e raramente são feridos. É a parte inferior das colunas, onde os pesos são alternadamente colocados e retirados, e onde as coxas e pernas se encaixam, que são os membros mais fracos. Estes são, necessariamente, os primeiros a ceder sob cargas excessivas, e os exemplos acima mostram que eles cederam e se romperam de várias formas.

“De uma forma suave!”

Aqui está outro panorama da escravidão, tal como ela é vista nas ruas do Rio de Janeiro: “Nenhuma idade ou sexo está livre dos grilhões. Conheci esta manhã uma bela garota de Moçambique, com um colar de duas pontas. Ela não poderia ter mais de dezesseis anos. E algumas noites atrás, enquanto estava de pé na varanda de uma casa na rua da Alfândega, vi uma pequena negra velha, com quatro quintos do corpo nu, passando no meio da rua, com um enorme barril de dejetos na cabeça, e ele estava preso ao seu pescoço por correntes e cadeados. ‘Explique-me isso, Sr. C’ - disse eu. ‘Ah, ela vai esvaziar os barris na praia, e muito provavelmente tem o hábito de frequentar as vendas, e, deste modo, ela é impedida, já que o recipiente ofensivo não seria permitido. Alguns escravos são conhecidos por vender seus “barris” para comprar aguardente, e são enviados para as fontes e para a praia, como ocorre com essa velha’”.

Seja qual for a causa, a cegueira é extremamente abundante entre os escravos. É angustiante encontrar com tanta frequência um ou mais [escravos] carregando “barris” cheios em sua cabeça, virando seus globos oculares cegos e tremendo de cansaço como varas.

Cenas litográficas da vida no Brasil, desenhadas e publicadas por artistas nativos, retratam constantemente escravos em grilhões em seus trabalhos e em seus passatempos. Na maioria das lojas de ferraria, são expostos os colares dos escravos, da mesma forma que nossos ferreiros expõem as ferraduras de cavalo - com grilhões, correntes e similares.

As máscaras e os forcados são vistos frequentemente pelas ruas nos pescoços e nos rostos dos escravos. A máscara é usada para impedir que o negro beba. O Sr. Ewbank viu três ou quatro escravas com máscaras. Hoje, as máscaras são muito menos usadas do que antigamente, pois existe um preconceito em relação a elas. Gravuras desses dois instrumentos de tortura, e outros para o mesmo propósito, podem ser vistas no livro do Sr. Ewbank.

Mas estas não são as piores invenções. O autor viu instrumentos de tortura tão cruéis e pesados - grilhões para amarrar os tornozelos e os pulsos juntos e, consequentemente, dobrar os corpos das vítimas para as posições mais dolorosas e antinaturais - que, se ele não as tivesse visto, dificilmente teria pensado que tais coisas existissem. Numa loja, ele viu grilhões feitos de ferro em barra, de três polegadas de largura e três oitavos de polegada de espessura! Cada um consistia de três peças, dobradas, articuladas e presas. Uma cavilha com rosca movia as partes retas próximas. A distância de uma articulação à outra era de dois pés.

Um comerciante nativo disse ao Sr. Ewbank que outro castigo comum era prender as pernas em grilhões de madeira ou cepos. Alguns proprietários prendem suas mãos [dos escravos] em dispositivos semelhantes, e alguns, ainda, mantêm as relíquias dos antigos parafusos de polegar usados para prender esses membros juntos. Nas províncias do Norte, de acordo com esta autoridade, os escravos vivem numa situação muito pior do que no Rio: não é uma coisa incomum amarrar as mãos e os pés juntos, levá-los ao chão e depois “deixá-los o mais perto possível da morte”. É uma punição e uma precaução comuns prender com uma corrente uma tora pesada no pescoço ou na perna de um escravo que fugiu ou que se supõe que esteja inclinado a fugir. Ele é obrigado a trabalhar com ela, colocando-a no chão quando está no trabalho, e levando-a debaixo do braço ou no ombro quando se movimenta.

Aqui está uma imagem que dificilmente pode ser usada como ilustração da “suavidade” da escravidão brasileira:

“Num domingo de festa, jantei no retiro lindo e hospitaleiro dos Srs. M. - e M. G. - em Botafogo. Ao passear por um morro adjacente, fiquei muito assustado com dois dos seres humanos mais assustadores e desafortunados, que correram de repente para fora do arbusto à minha frente: negros de meia idade totalmente nus, com exceção de trapos imundos ao redor de seus lombos. Cada um tinha um anel de ferro sobre o pescoço, ligado por uma corrente de boi aos grilhões nos tornozelos. A outra corrente prendia uma mão de cada um deles. Eles se inclinaram para frente, se ajoelharam, estenderam os braços, soluçaram, choraram, gritaram e fizeram súplicas tão terrivelmente agonizantes, que muitas vezes pensei que mesmo os criminosos condenados à morte, e as almas no Purgatório, não poderiam fazer apelos tão emocionantes. Pobres companheiros! Não entendi o que eles pediram - se dinheiro, víveres ou a intercessão junto ao seu senhor, dono da colina e de uma pedreira vizinha, na qual empregava mais de duzentos escravos. Esses dois haviam tentado fugir, e, quando não estavam no trabalho, eram obrigados a se manter neste ponto isolado e estavam proibidos de deixá-lo”.

O testemunho do capelão Stewart23 23 N. do T. Reverendo Charles Samuel Stewart (1795-1870), capelão naval e missionário norte-americano. A bordo do navio Congress navegou pela costa sul-americana entre 1850 e 1852, visitando Brasil, Uruguai e Argentina. Dessa viagem surgiu a obra Brazil and La Plata: the personal record of a cruise, mencionada por Redpath, e sem tradução para o português.

[1856] C. S. Stewart, capelão do navio Congress, dos Estados Unidos, diz que, ao desembarcar no Rio de Janeiro, uma das primeiras impressões de um estrangeiro é o aspecto terrivelmente híbrido de grande parte da população que alega ser branca. Os mulatos, os quadrarões e os oitavões, e todos os outros graus de cor de pele e cabelos crespos, presentes em cada canto, indicam uma extensão quase infinita de sangue mestiço. E, ele acrescenta, não pode deixar de ser revoltante, pelo menos para um visitante dos estados nortistas do nosso país, a exibição de uma parte das mulheres das ordens mais baixas da comunidade, debruçando-se sobre a metade inferior das portas de suas casas, olhando para um lado e outro da rua - negras, brancas e amarelas - três ou quatro juntas, dispostas em suas gelosias.

Num esquadrão de dezesseis dragões, ele encontrou todas as tonalidades, da neblina à fuligem, do cabelo negro rijo ao lanoso. Assim, ele afirma, em maior ou menor grau, a mistura é vista em todas as esferas da vida comum, doméstica, social, civil e militar; e, um pouco menos fequentemente do que em outros lugares, no pátio do palácio e nos altares da igreja.

O Sr. Stewart não questiona a sinceridade do Imperador ao desejar, pelo menos, abolir o tráfico de escravos. A sua nobre consideração pelos maiores interesses da nação (observa o capelão) tem sido manifestada principalmente nos esforços bem-sucedidos para persuadir aqueles que o cercam e que possuem forte influência nas várias províncias acerca do mal e da vergonha de uma contínua conivência - em desconsideração da fé nacional dada ao tratado - com o tráfico de escravos e da desvantagem inevitável e do desastre final para o país de uma população escrava ainda maior. De modo bastante zeloso e sábio, ele apresentou suas opiniões sobre a diretriz pública que deve ser adotada a este respeito - ainda que diante de um preconceito nacional há muito estabelecido quanto à necessidade do trabalho escravo - para que o Legislativo, sustentado por seus elementos, considere o tráfico de escravos como pirataria, e promulgue leis rigorosas contra ele. Isto foi realizado, de acordo com o Sr. Stewart, ao demonstrar para os agricultores do império a economia e as vantagens do trabalho livre pela substituição dos escravos por colonos vindos da Europa, e por decretos para incentivar a emigração do exterior.

O Sr. Stewart testemunhou a venda de escravos num leilão, e sua descrição não indica que esses leilões não podem ser considerados, em matéria de decoro, superiores aos de Richmond, durante a Confederação. Ele diz que havia de oito a dez escravos para a venda, cuja idade variava da infância à maturidade e meados da vida.

“Eles se mantinham mansos e submissos, ainda que estivessem evidentemente ansiosos e tristes com os interrogatórios e exames dos compradores, e a repetição e elogio feitos pelo leiloeiro de suas diferentes qualidades de trabalho e disposições - sua saúde, força e poder de resistência. Por sua vez, tudo era feito para que subissem numa plataforma elevada e exibissem seu poder muscular por meio de vários exercícios, como um cavalo em movimento ante os compradores em Tattersall’s.24 24 N. do T. Tattersall’s era a principal casa de leilão de cavalos do Reino Unido. Ela foi fundada em 1766 e existe até hoje. Eles foram rapidamente arrematados, a preços que variaram de duzentos mil-réis a mais de um conto de reis - ou seja, de cem a mais de quinhentos dólares”.

Vida na plantation

O Sr. Stewart nos apresenta um panorama da vida numa plantation no Brasil, tal como John Mitchel25 25 N. do T. John Mitchel (1815-1875), ativista nacionalista e jornalista politico irlandês que se opunha à dominação britânica da Irlanda. Depois de uma série de desentendimentos e posterior condenação por traição, foi deportado para as Bermudas e depois Tasmânia, de onde conseguiu escapar em 1853 e se refugiar nos Estados Unidos. Em Nova York fundou o jornal nacionalista radical irlandês, The Citizen, e passou a defender em suas páginas a escravidão e a atacar a hipocrisia dos abolicionistas. Posteriormente, mudou-se para Knoxville, no Tennessee, e, em 1857, fundou outro jornal, o Southern Citizen. Segundo Mitchel, os escravos do Sul dos Estados Unidos eram melhor alimentados que os policiais irlandeses e os trabalhadores das manufaturas britânicas. Daqui a comparação feita por Redpath com a situação dos escravos brasileiros. e seus gordos servos de cor poderiam ter invejado:

“O trabalho da propriedade”, ele informa, “é realizado por escravos, entre os quais há mulheres e crianças, e há trinta e três nas instalações. Eles são bem alimentados, bem vestidos e bem tratados, e parecem estar satisfeitos e felizes. Seu senhor é um homem humano e amável, e pretende conceder a todos a sua liberdade, tanto que já manumitiu vários, que ainda continuam com ele, e a quem ele paga salários regulares. As crianças vêm ao seu redor com risos e cambalhotas, e disputam alegremente os biscoitos e bolos e as outras sutilezas que ele traz consigo da sala de jantar com a finalidade de distribuir para elas. As hortas estão sob o cuidado exclusivamente das mulheres, a superintendente é do mesmo sexo e é completamente experiente no assunto. Todos os cuidados nessa área estão sob a sua única direção, desde a aração da terra para o plantio até a colheita do produto e o arranjo em sacos para o mercado. Todas as mãos estão prontas para o trabalho ao amanhecer; eles são reunidos pelo nome e recebem ordens de seu senhor de uma janela de seu quarto”.

Um antigo costume “religioso”

“Segundo me informaram, em todas as famílias bem ajustadas do Brasil observa-se um costume que, se fosse algo mais do que uma forma sem significado, seria interessante. É o fato de todos os escravos, de ambos os sexos e de todas as idades, pedirem uma bênção do senhor todas as manhãs e todas as noites depois do fim do dia de trabalho. A forma completa das palavras é a seguinte:

“Peço sua benção (ou me conceda uma benção) em nome de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo!”

“Ao que, o senhor responde:”

“Jesus Cristo o abençoe para sempre.”

“Mas há o costume de sintetizar essas expressões pelo intercâmbio das abreviaturas mais curtas possíveis, e com palavras surpreendentes, a princípio, no ouvido incapaz de escutar do objeto designado; os escravos se apresentam, apenas exclamando, em todas as formas de entonação de voz e de humor:”

“‘Jesus Cristo!’”

“Enquanto o senhor, esteja ele falando ou rindo, comendo ou bebendo, ou fazendo o que quer que seja, sem qualquer interrupção, e aparentemente sem qualquer consideração à importância da saudação, responde abruptamente:”

“‘Sempre!’”

“O resultado da noite passada foi bastante ridículo, com quinze ou vinte homens e mulheres chegando do trabalho nos campos - provavelmente cansados e com fome, e impacientes com qualquer atraso - empurrando com suas cabeças rapidamente as janelas e portas da varanda, um após o outro, enquanto estávamos na mesa de chá, exclamando as poucas palavras acima, seguidas instantaneamente pela voz solitária do senhor, muito à maneira de uma feu de joie”.

“Não é utilizado nenhum sino, nem outras formas semelhantes para convocar os escravos do lado de fora; mas a voz clara e de trombeta do senhor é ouvida com nitidez, em toda parte, para que os nomes não sejam confundidos.

Carta 5 (The Anti-Slavery Reporter, 1 de janeiro de 1868, p. 3-4)

Escravidão e vida escrava no Brasil

Neste número, concluímos as cartas do Sr. Redpath sobre a escravidão e o tráfico de escravos no Brasil.26 26 N. do T. Na verdade, esta não é a última carta de Redpath, mas a penúltima publicada pelo Reporter. Nós as reproduzimos porque achamos que elas são altamente interessantes e lançam muita luz, a partir de várias fontes, sobre o verdadeiro caráter da “instituição”, num país onde se tem frequentemente alegado que ela existe numa forma suave, conforme acreditamos, e com certa justificativa. Não acreditamos, entretanto, que a escravidão possa existir em qualquer país, nem em qualquer forma, sem gerar crueldade. Um abuso em si mesma, ela inevitavelmente deve engendrar abusos de todos os tipos. Todavia, quando vemos que, no Brasil, os homens mantidos como escravos não são em consequência disto e, quando livres, impedidos de ocupar cargos honrosos, e que o preconceito contra a cor, como uma simples questão de cor, não existe, somos obrigados a admitir certa modificação das circunstâncias em torno da escravidão no Brasil, que exigem reconhecimento. No que diz respeito ao Sr. Christie - último Ministro no Rio - acreditamos que ele tenha sido um zeloso antiescravista; e se o seu zelo antiescravista não tivesse sido tão contaminado pelo sentimento partidário e seu mal-humor, ele teria prestado um serviço à causa da abolição. Infelizmente, para ele - talvez por causa dele - o partidarismo tomou conta do seu juízo, e o mau humor dominou a ambos. Nas suas representações aos seus superiores na metrópole, ele nem sempre era preciso; por isso, é necessário receber com ressalvas suas fraquezas acima mencionadas, suas afirmações abrangentes, de que no seu tempo o governo brasileiro não estava fazendo “nada” para reduzir ou mitigar a escravidão. Ele também não possui razão ao afirmar que o amplo tráfico de escravos costeiro “é acompanhado de todos os horrores do tráfico de escravos africanos”. Esse tráfico é horrível, de fato, em si mesmo; mas não se pode dizer com sinceridade que ele implique “todos os horrores do tráfico de escravos africanos”.

O livro Notes on Brazil27 27 N. do T. A referência correta do livro é CHRISTIE, W. D. Notes on Brazilian questions. London: Macmillan & Co., 1865. , do Sr. Christie, foi escrito como uma forma de ataques deselegantes e infelizes a indivíduos que tinham uma avaliação independente, o que lhes proibia concordar cegamente com todos os seus pontos de vista. Muitos desses pontos de vista eram verdadeiros, mas muitos também eram imprecisos, e muitos eram bastante abusivos e irrelevantes para a questão em disputa. O mesmo caráter hostil, as brigas e a triste falta de discrição, que o envolveram em constantes inconvenientes com as autoridades brasileiras e são evidentes nas suas “Notes”, levaram à suspensão da relação diplomática entre os governos brasileiro e britânico e, finalmente, à sua convocação para regressar; e embora consideremos que o Sr. Redpath tenha feito bem em citá-las, sugerimos que elas sejam lidas com cuidado, tendo em vista as distorções apresentadas. A evidência do Sr. Poole - a última testemunha citada pelo Sr. Redpath - é tão pouco confiável como as do Sr. Christie, e o leitor, obviamente, formará o seu próprio juízo depois de dar a cada um o devido crédito por sua sinceridade.

O testemunho do Sr. Fletcher

[1857] O Rev. Sr. Kidder reapareceu, na companhia do Rev. Sr. Fletcher, como um autor que tratou do Brasil, e está para ser impressa uma nova edição revisada da sua obra. O Sr. Fletcher descobriu aquilo que o Sr. Kidder não conseguiu discernir em sua prolongada residência no país - a existência de milhões de escravos por lá. A opinião pública da nossa população sobre a escravidão no Brasil foi formada principalmente a partir das declarações do Sr. Fletcher.28 28 N. do T. James Cooley Fletcher (1823-1901), pastor missionário presbiteriano norte-americano, que visitou o Rio de Janeiro em 1852 como agente da American Christian Union e da American Seamen’s Friend Society. Em 1855 retornou ao Brasil como agente da American Sunday School Union e viajou pelo país distribuindo Bíblias. Essas viagens, juntamente com as observações de Daniel Parish Kidder, serviram de base para o livro mencionado por Redpath, que no Brasil foi traduzido como O Brasil e os brasileiros (esboço histórico e descritivo). Anos mais tarde, em 1862, Fletcher navegou pelo rio Amazonas coletando espécies para Louis Agassis, que, em 1865, organizaria uma famosa expedição na região Amazônica. Fletcher ainda retornou ao Brasil no final da década de 1860, e trabalhou como agente da American Tract Society.

Ele afirma que um setor da Casa de Correção no Rio de Janeiro é disponibilizado para a flagelação de escravos, que são enviados para serem castigados por desobediência ou por delitos comuns. Eles são recebidos a qualquer hora do dia ou da noite, e mantidos sem custos desde que seus senhores optem por deixá-los ali. Seria excepcional, diz ele, se cenas de extrema crueldade não ocorressem ocasionalmente.

Além dos castigos da Casa de Correção, o escravo refratário recebe açoites particulares e algumas das expiações mais comuns são a máscara de folha-de-flandres, o colar de ferro e o tronco e a corrente. Os dois últimos se aplicam aos fugitivos; mas a máscara de folha-de-flandres é frequentemente colocada sobre o rosto para evitar que o escravo da cidade beba cachaça e que o escravo do interior coma terra, que muitos dos negros em questão estão viciados.

O Sr. Fletcher diz que a Constituição brasileira não reconhece, nem direta nem indiretamente, a cor como base dos direitos civis; por isso, uma vez livre, o homem negro ou mulato, se ele possui energia e talento, pode ascender a uma posição social interditada à raça na América do Norte. Até 1850, quando o tráfico de escravos foi efetivamente extinto, era considerado mais barato, nas plantations do país, usar um escravo por cinco ou seis anos e depois comprar outro do que cuidar dele. O Sr. Fletcher foi informado desse fato por brasileiros nativos bem informados, e suas próprias observações o confirmaram. Mas, tão logo o tráfico de escravos cessou, o preço dos escravos aumentou, assim como os motivos egoístas para cuidar bem deles. Os escravos da cidade são tratados melhor do que os escravos da plantation; eles são mais alegres, se divertem mais e têm maiores oportunidades de se libertar. Mas, ainda assim, o autor pensa que deve haver grande crueldade em alguns casos; os suicídios entre escravos - que eram praticamente inexistentes em nossos estados sulistas - são uma ocorrência muito frequente nas cidades do Brasil.

No Brasil, de acordo com o Sr. Fletcher, tudo é favorável à liberdade. Ele é o próprio Paraíso dos negros; pois lá, eles possuem um ambiente propício e, se assim desejarem, podem avançar no mundo “de uma maneira que nunca seria possível nos Estados Unidos”. Segundo ele, há muitas facilidades para o escravo se emancipar, e, quando emancipado, se possuir as qualificações adequadas, pode alcançar uma posição superior à de um simples negro livre, o que sugere que a escravidão deve desaparecer antes de meio século. Pelas leis brasileiras, um escravo pode acionar um magistrado para fixar o seu preço e comprar a si mesmo29 29 N. do T. Ver a nota 12, acima. ; e o Sr. Fletcher foi informado de que um homem de bons dotes mentais, mesmo que tivesse sido escravo, não estaria excluído de nenhum cargo oficial por mais alto que fosse, com exceção do de Senador Imperial. Alguns dos homens mais inteligentes que ele conheceu no Brasil - homens educados em Paris e Coimbra - possuíam ascendência africana, e seus antepassados foram escravos.

As formas vigorosas e as peles de azeviche apresentam vantagens à medida que eles se apressam num trote rápido, aparentemente despreocupados com suas cargas pesadas. Este trabalho paga bem, mas logo os destrói. Sua força é prodigiosa. Eles mantêm um sistema entre si de comprar a liberdade de qualquer um dos seus que seja o mais respeitado. E, tendo pago ao seu senhor a soma que lhes é exigida diariamente, eles juntam o seu excedente para libertar o favorito escolhido. Há o registro da compra de um príncipe africano por seus súditos no Rio - ele e todos os seus súditos eram escravos - e de seu retorno ao seu país natal, e posterior recepção e retorno para a mesma cidade, onde é agora um atlético transportador de café! Existem muitas tribos diferentes de africanos no Rio, algumas são hostis entre si, e possuem costumes e línguas diferentes. Os minas, negros vistosos, ainda são maometanos; os demais são nominalmente católicos. Assim, se um homem tem liberdade, dinheiro e mérito, não importa o quão preto possa ser seu semblante, nenhum lugar na sociedade lhe é recusado. É surpreendente também (diz o Sr. Fletcher) observar a ambição e o avanço de alguns desses homens com sangue negro nas veias. A biblioteca nacional no Rio de Janeiro fornece não só salas silenciosas, mesas grandes e muitos livros aos que procuram pelo conhecimento, mas canetas e papéis, como uma maneira de ajudar nos seus estudos. Alguns dos estudantes mais rigorosos são mulatos. O maior e mais bem sucedido estabelecimento de impressão no Rio é de propriedade e dirigido por um mulato. Nas faculdades, nas escolas médicas, jurídicas e teológicas, não há distinção de cor.

Os escravos andam descalços; os sapatos são o emblema da liberdade. O calçado e o descalço pagam diferentes taxas no transporte, por exemplo. Como regra geral, os escravos domésticos são decentemente vestidos, mas a população masculina negra que vive ao ar livre está vestida de maneira grosseira e precária. Eles são os carregadores e os trabalhadores das ruas. Eles são enviados por seus senhores e são obrigados a trazer para casa uma determinada quantia diária de dinheiro. Eles são autorizados a ficar com certa parcela de seus ganhos para comprar seus alimentos e, à noite, dormem numa esteira ou em alguma instalação inferior ao redor da casa. É possível observar frequentemente casos horríveis de elefantíase, engendrados ou aumentados pelo pouco cuidado que lhes é concedido.

Os transportadores de café são a melhor raça de negros do Brasil. Quase todos são da tribo mina, da costa do Benin, e são atléticos e inteligentes. Eles trabalham parcialmente vestidos. Os minas não podem ser bons servos domésticos: eles precisam viver no ar fresco. Os homens, portanto, tornam-se transportadores de café e as mulheres vendedoras ambulantes nas ruas. Muitos desses negros compraram sua liberdade e voltaram para a África. Uma vez, sessenta deles fretaram um navio com esse propósito, e voltaram para sua pátria; ou, como o Sr. Campbell, um norte-americano de cor, expressou, sua mátria.

Ingleses, alemães e franceses possuem escravos no Brasil, apesar de contrariarem as leis de seus países. Uma empresa mineiradora inglesa, cujos acionistas estão na Grã-Bretanha, mas cujo campo de atuação é S. João del Rey, no Brasil, possui cerca de 800 escravos e arrenda mais de 1000.

O Sr. Fletcher não tem dúvidas de que a escravidão está condenada no Brasil. É verdade, mas como? Ele não diz que o governo favorece sua “abolição”, e há uma testemunha que nega isso, e a ela recorreremos em nossa próxima investigação.

Carta 6 (The Anti-Slavery Reporter, 1 de fevereiro de 1868, p. 28-30)

Escravidão e vida escrava no Brasil

Concluímos com esta última a nossa série de cartas sobre o assunto acima, do Sr. Redpath, e remetemos nossos leitores para as observações já feitas a respeito das evidências do Sr. Christie.

Evidência oficial britânica

Nosso próximo autor é W. D. Christie, o último Enviado Extraordinário de Sua Majestade Britânica e Ministro Plenipotenciário no Brasil.30 30 N. do T. William Dougal Christie (1816-1874), Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário da Grã-Bretanha no Rio de Janeiro a partir de 1859, cargo que ocupou até meados de 1863, quando regressou à Inglaterra depois de autorizar no início daquele ano represálias dos cruzadores britânicos contra navios mercantes brasileiros. Depois de retornar ao seu país, Christie passou a difundir na imprensa uma série de textos explicando seus posicionamentos e criticando as atitudes do governo brasileiro. Um desses texto é o livro analisado por Redpath, Notes on Brazilian questions, publicado em 1865, mas que é uma compilação de artigos estampados originalmente no periódico Daily News. Ele lida com o governo brasileiro sem luvas; e, por mais que seu temperamento possa desagradar nas vezes em que ele o manifesta, é difícil negar que seus golpes são, até certo ponto, merecidos. Pois, além das questões diplomáticas por ele discutidas e da defesa de sua própria carreira oficial - levando em consideração também o seu espírito partidário palpável e manifesto - ainda há uma série de evidências nas suas “Notes on Brazil”, que, especialmente como um testemunho acumulativo, tende a confirmar nossa crença de que a escravidão não pode ser considerada mais humana do que o sistema que foi exterminado em nosso próprio país.

O Sr. Christie corajosamente acusa o governo brasileiro de não fazer nada para reduzir ou mitigar a escravidão. Ele afirma que o tráfico de escravos costeiro, pela confissão de estadistas brasileiros, vem acompanhado de todas as crueldades do tráfico de escravos africanos. Afirma também que os agentes brasileiros conseguiram criar a impressão de que os escravos são bem tratados no império sul-americano, e ele enfaticamente nega a precisão dessa crença. Christie acusa o governo brasileiro de repetidos atos de má fé nas suas relações com os africanos libertos.

Em sua introdução, ele cita, a partir de um panfleto de Sir William Gore Ouseley, ex-ministro britânico em Buenos Aires, publicado em 1850, um parágrafo a respeito dos modos pelos quais os escravos são punidos no Brasil. Aqui está:

“No Brasil, onde as leis, como em todos os estados civilizados, aboliram a tortura nos processos judiciais, a prática foi mantida excepcionalmente em relação aos escravos. Os parafusos de polegar ou os anginhos são frequentemente aplicados aos escravos, talvez por vontade e prazer de alguma autoridade insignificante, ignorante ou possivelmente consciente da culpa, com o propósito, por vezes, de proteger o verdadeiro criminoso; ou, então, os escravos são cruelmente tratados de acordo com o capricho de algum feitor ou administrador brutal e desumano; e enquanto isso ocorre, os senhores ou os demais, que talvez sejam os culpados, não estão sujeitos a este modo de extorsão da confissão, quer sejam inocentes ou culpados. Numa ocasião, lembro-me de que meu cocheiro entrou depressa em minha sala para me informar que algumas crueldades horríveis estavam evidentemente sendo praticadas num celeiro adjacente aos meus estábulos. De repente, fui lá e encontrei vários negros sendo submetidos à tortura do parafuso de ferro nos dedos, por conta, segundo se alegou, da perda de uma chave, que o próprio feitor poderia provavelmente ter deixado cair quando estava embriagado, como costumava acontecer. Em todo caso, sete ou oito infelizes desafortunados foram torturados pela possível, embora duvidosa, culpa ou infortúnio de um deles. A intervenção enérgica, embora não oficial, prontamente empregada nesta ocasião para pôr fim à “disciplina de atacado”, como ela era geralmente considerada, teve, eu admito, um caráter extremamente não diplomático”.

O Sr. Kidder, em seu relato do Rio de Janeiro, descreve um Asilo para crianças abandonadas. O fato mais notável sobre ele é a incrível mortalidade. Um relatório oficial afirma que, em 1854, foram recebidas 588 crianças, além das 68 que já estavam no estabelecimento; total, 656; 432 morreram; restaram 221. Em 1853, foram recebidas 630 crianças abandonadas, e morreram 515. “Até o presente momento” diz o relatório, “não foi possível verificar as causas exatas dessa mortalidade lamentável, que, com mais ou menos intensidade, ocorre sempre entre esses bebês, não obstante o maior esforço e o cuidado que tem sido usado para se evitar o mal”.

Mas o Sr. Christie declara que “este assassinato por atacado é apenas um manto da escravidão”, e cita uma explicação publicada pelo Sr. Dabadie, sob a autoridade do principal jornal do Rio, em 3 de agosto de 1857. “Essas crianças”, diz O Jornal do Commercio, “seja qual for a cor de sua pele, são livres por lei. Bem, o que acontece? Se elas pertencem à raça privilegiada, as enfermeiras, cuja atribuição é amamentá-las, cumprem a obrigação do hospital, que é ser a mãe das crianças abandonadas; mas se, pelo contrário, elas pertencem a uma raça que está aquém da humanidade, as mesmas enfermeiras não temem considerá-las como mortas e vendê-las para seu próprio lucro!”.

O cônsul Sr. Cowper, num despacho ao conde de Malmesbury, datado de Pernambuco, 6 de maio de 1852, declara que o tratamento geral dispensado aos escravos pode ser facilmente imaginado, bem como o descrito. Sob um sistema tão antinatural e irresponsável, ele depende inteiramente do caráter do senhor, pois a proteção muito limitada concedida ao escravo pela lei é neutralizada pela dependência abjeta da sua posição; ele não está, para todos os propósitos práticos, numa posição melhor do que um animal na Grã-Bretanha, que também é protegido por lei, pois ele pouco se atreve a fazer uso da faculdade da fala para se queixar, como o outro é capaz de fazê-lo: “o último possui a vantagem de contar com seres humanos que se simpatizam com e falam por ele, mas o escravo nunca”.

“Muitas vezes descrevi as atrocidades às quais essas pessoas estão sujeitas, que não preciso repeti-las; mas elas podem ser concebidas quando relato que fui uma testemunha ocular de um escravo infeliz que cortou sua garganta numa mesa de jantar na qual eu era um dos convidados: e que convites foram emitidos nesta província pelo dono de uma propriedade para que se testemunhasse o cozimento vivo de um escravo no caldeirão de sua propriedade. Os escravos urbanos são menos dependentes e consequentemente trabalham menos e são melhor vestidos do que os rurais, que não são obrigados a trabalhar de forma incomum durante vinte das vinte e quatro horas, incluindo um período chamado nas propriedades de Rininqu. Raramente ocorrem emancipações”.

Em 11 de agosto de 1854, de acordo com o Sr. Howard, Consul no Rio de Janeiro, foi apresentado um projeto de lei na Câmara dos Deputados do Brasil, propondo que os proprietários de escravos que concedessem liberdade àqueles que não são capazes de se sustentar, em consequência da velhice ou doença, não fossem isentos da obrigação de sustentá-los; e que os escravos que imploram esmolas com o consentimento de seus senhores devem, ipso facto, ser considerados livres. O objetivo desta moção, acrescentou o Sr. Howard, era remediar os frequentes abusos dos senhores que libertam seus escravos quando seus serviços não têm mais qualquer valor, deixando-os desamparados e desorientados, bem como impedir que senhores mandem seus escravos mendigar com o objetivo de obter renda para tais senhores.

Para retornar ao Sr. Christie.

O Sr. Silveira da Mota, em 1864, apresentou um projeto de lei no Senado brasileiro para a emancipação compulsória dos escravos pertencentes a estrangeiros, instituições religiosas e à nação ou governo brasileiro. O mesmo senador propôs mais de uma vez leis para a proibição de leilões públicos de escravos, a fim de evitar a separação de famílias, facilitar manumissões em certos casos após o falecimento dos proprietários e desencorajar indiretamente o emprego de escravos no serviço doméstico nas cidades. Bons sinais? Mas o senador não é um membro do governo, e essas propostas sempre foram imediatamente derrotadas. Essas tentativas, segundo o Sr. Christie, são os únicos esforços feitos para restringir ou moderar o sistema escravista no Brasil. Os escravos pertencentes à nação ou ao governo brasileiro, que o senador Mota procurou libertar, são 1500; e destes, somente vinte e um foram emancipados em 1860.

Em 1862, o ministro brasileiro da Fazenda propôs em seu relatório que a legislatura o autorizasse a emancipar gratuitamente os escravos da nação quando, por força da idade ou enfermidade permanente de caráter grave, eles não pudessem mais trabalhar! Esta é a única ação por parte do governo em direção à libertação de seus próprios escravos. E não há um verdadeiro espírito antiescravista nesta proposta - para não falar da humanidade - não é necessário ressaltar, pois ela é pura e manifestamente atroz.

O Sr. Christie afirma que o número das emancipações é muito insignificante. O grande aumento do preço dos escravos tornou mais difícil para os negros comprar sua própria liberdade, e diminuiu as emancipações por disposição testamentária.

O Sr. Baillie escreveu ao conde Russell, em 6 de dezembro de 1861: “Não consegui discernir nenhum desejo ou tendência a favor da abolição da escravidão no Brasil, ou mesmo a mitigação de seus principais males. O tráfico interno de escravos é realizado na mesma intensidade de antes”.

Conhecemos, pois aprendemos a grande custo, os resultados perniciosos do aumento no preço dos negros para o fortalecimento dos defensores da escravidão. O mesmo perigo surge no Brasil.

Em 1858, segundo o Sr. Charles Buxton, o preço médio de um escravo brasileiro era de 350 dólares. O último preço relatado pelo cônsul britânico no Rio, para julho de 1863, mostra um grande crescimento:

Escravos

Dólares

Homens (agricultura e mineração)

535 a 965

Mulheres (agricultura e mineração)

535 a 803

Homens (doméstico)

645 a 1070

Mulheres (doméstico)

535 a 965

Assim, os escravos no Brasil estão se aproximando dos velhos preços da Virgínia; e - então o Sr. Christie afirma - o “governo resiste a todas as propostas para mitigar ou diminuir a escravidão”. Ele afirma que a mencionada libertação de escravos às vezes propagada pelos “agentes brasileiros” refere-se às emancipações anuais dos “africanos livres”, que não são escravos.

O Sr. Christie cita os discursos feitos pelo Senhor Andrada e o Senhor Portugal em Londres, e, numa linguagem enérgica, ainda que pouco diplomática, mostra a mentira desses senhores, que afirmam, entre outras declarações, que o governo brasileiro tem tomado várias medidas a favor da abolição da escravidão; que as crianças e os pais, os maridos e as esposas nunca são vendidos separadamente nos leilões de escravos; e que “todos os anos o ministro recorre a medidas que concedem a liberdade a muitos “negros”.

Discordando de uma alegação presente na Quarterly Review, o Sr. Christie afirma que não há lei que conceda ao escravo o direito de comparecer a qualquer momento diante de um magistrado, ter o seu preço fixado e comprar a sua liberdade.31 31 N. do T. Tratava-se do artigo The Brazilian Empire. Quarterly Review, London, v. 108, jul./oct., 1860, p. 303-342, cujas informações sobre a escravidão no Brasil foram fornecidas por um funcionário da Legação brasileira em Londres. Christie discordou de boa parte das alegações presentes no artigo. Ver a nota 12, acima.

“Isto é um completo equívoco”, ele escreve. “A escravidão pode ser, e acredito que seja, para um número considerável de homens ilustrados e respeitáveis no Brasil ‘um mal considerado necessário’; mas, como Vossa Senhoria terá aprendido com os meus relatórios anteriores, não há sinais momentâneos, no Brasil, da abolição da escravidão; e não há disposição até mesmo para implementar medidas para mitigar seus males reconhecidos, ou para se preparar para a abolição definitiva. E a escravidão no Brasil certamente é, o que o resenhista diz que ela não é, uma instituição identificada, segundo a opinião de um grande partido, com os interesses e a prosperidade do país... Não há dúvida de que a cor não é obstáculo para o avanço, e o filho de um escravo emancipado que nasceu livre pode atingir qualquer posição se tiver méritos e habilidades, e a fortuna o favorecer; mas não sei o que significa dizer que ‘a escravidão existe de forma muito mitigada’”.

Como prova, o governo brasileiro não busca emancipar os escravos que estão em sua posse, e o Sr. Christie diz que, até fevereiro de dois anos atrás, os fugitivos capturados não reivindicados pelos proprietários, eram vendidos em leilão - não libertados - pelas autoridades públicas; que, apesar da lei e do tratado, um número imenso de escravos, estimados em um milhão, foram importados para o império entre 1830 e 1852; que esses infelizes, embora sejam legalmente livres, não têm sua liberdade garantida pelos poderes; que não só o governo não implementou nenhuma medida em seu favor, mas resistiu a uma proposta para estabelecer uma Comissão Mista para investigar sua condição e status.

“Esses escravos ilegais”, segundo ele, “estão em todos os momentos e em todos os lugares diante dos olhos das autoridades brasileiras, mas não são vistos. Nenhum passo é tomado para resgatá-los de seus senhores, que notoriamente os mantêm, ou então os vendem publicamente, desafiando a lei”.

Pelo tráfico de escravos costeiro, de acordo com a estimativa do Senhor Soares, cinco mil negros são separados anualmente de suas famílias. Essas pessoas são transportadas principalmente das províncias mais temperadas do Sul para o território tórrido do Norte [sic].32 32 N. do T. Aqui Redpath claramente comete um equívoco, pois o fluxo do tráfico costeiro era das províncias do Norte em direção às do Sul. O Senhor Mota, em 1864, descreveu esse tráfico como “na verdade, um tráfico de escravos disfarçado”.

O Sr. Christie diz que a mortalidade entre os filhos dos escravos é muito grande, e os proprietários brasileiros parecem não ter prestado tanta atenção como poderia ser esperado, por motivos óbvios de interesse próprio, nos casamentos entre escravos ou nos cuidados com as mães ou crianças.

Um testemunho norte-americano33 33 N. do T. Embora o relato a seguir apresente um ponto de vista oposto ao desenvolvido por James Redpath em todas as suas cartas, ele pertence originalmente aos escritos do jornalista norte-americano. Não se trata de um adendo dos editores do Reporter.

Enquanto preparava esses artigos, o Sr. Poole, bibliotecário do Boston Athenaeum, solicitou que um cavalheiro, cujo nome é identificado com o Brasil, escrevesse algumas notas para nosso uso. Nós as acrescentaremos e, em seguida, deixaremos o leitor formar seu próprio julgamento do conjunto de testemunhos que colocamos diante dele. Toda a questão da escravidão no Brasil, ele escreve, é muito simples, porque:

Primeiro, não se pode encontrar um homem, de um extremo do império ao outro (a menos que ele seja um inglês ou um sulista) que sustente que a escravidão seja um direito divino. Todos consideram que ela seja uma maldição.

Segundo, todos reconhecem que o Estado - o governo central imperial - tem o direito de interferir nela, e os amigos do Antiescravismo estão agora se movendo nesta direção, como o professor Ed. Laboulaye mostrou no Journal des Debats, de julho de 1865.34 34 N. do T. Édouard Laboulaye (1811-1883), jurista e poeta francês, simpático ao antiescravismo e um dos signatários da petição que, em 1866, o Comité Français d’Emancipation enviou ao Imperador D. Pedro II solicitando medidas contra a escravidão. Em 1867, Laboulaye foi o presidente da Conferência Antiescravista de Paris, onde foi debatido esse assunto. O texto de Laboulaye mencionado nesta última carta de Redpath foi publicado em Journal des Débats, 20 de julho de 1865, p. 1. Nessa época, o governo brasileiro estava subsidiando uma série de publicações e jornalistas na França e em outros países da Europa com o objetivo de melhorar a imagem do país no exterior. Por isso, é bastante difícil apurar a credibilidade dos textos sobre o Brasil (ZENHA, 2003, p. 423-438).

O professor Agassiz35 35 N. do T. Louis Agassiz (1807-1873), biólogo e geólogo suíço radicado nos Estados Unidos. Foi um dos principais defensores do racismo científico e esteve no Brasil em 1865 para participar da Expedição Thayer, que visitou algumas províncias brasileiras e a Amazônia. Foi recebido no círculo palaciano de Pedro II, com o qual manteve posteriormente correspondência. foi ao palácio numa noite e se arriscou a dizer ao imperador:

“Vossa Majestade, sinto muito que a escravidão exista aqui. Ela é um grande erro moral”.

“Sim”, repetiu o Imperador, “ela é um grande erro moral. Ela é perversa. Além disso, ela é um erro político”, etc.

Ele entende que o Estado poderia agir sobre a matéria.

Terceiro, os discursos feitos pelos principais estadistas durante o ano passado no Parlamento, citando George Livermore e outros, são tão radicais quanto qualquer coisa que os nossos radicais já realizaram.

Quarto, nunca houve leis para impedir o homem negro (livre) de desfrutar de uma igualdade perfeita com o homem branco. Não há engano sobre este assunto; pois, como eleitor, oficial naval e militar, empregado do Estado, membro do Parlamento, etc., etc., vi o homem negro e o mulato precisamente no mesmo ponto que o homem branco. Não há diferença entre eles.

Quinto, o tráfico de escravos foi esmagado, e não houve uma fraude semelhante à que ocorreu em Cuba. As pessoas estão interessadas nesse assunto, do imperador às pessoas mais simples. Desde 1850, foram libertados um milhão de escravos, seja pela auto-emancipação ou pelos seus senhores. Não há nada que impeça um senhor de libertar um ou todos os seus escravos, ou de educá-los se assim decidir. Não existe uma lei que impeça um escravo de aprender qualquer coisa que escolha.

Bem, desde 1850, um milhão - ou seja, 33% dos escravos - foram libertados.

Os pessimistas disseram que num clima tão inteiramente tropical, as grandes lavouras não poderiam produzir sem trabalho escravo. Eia! Veja o resultado. Em sete anos, a partir de 1851, um ponto de partida justo, ao invés do café, açúcar, algodão e tabaco (as grandes culturas) declinarem, elas aumentaram realmente mais de 33%.

Resumindo:

A escravidão é uma maldição no Brasil, como é em todos os lugares. O povo e o governo reconhecem isso, e eles só desejam resolver a questão de modo pacífico, levando em consideração o maior bem do escravo e do senhor.

A questão será abordada na próxima sessão. Os estadistas que surgiram depois que Dom Pedro II chegou ao trono consideram-na a principal questão do Brasil; e meu último jornal do Rio diz que, tão logo se encerre a Guerra do Paraguai, “devemos enfrentar essa questão”. Há grandes dificuldades, uma vez que este erro existe há quase três séculos. Nossos irmãos sulistas, que foram para lá, estão aborrecidos por descobrir que a escravidão está fundamentada numa base distinta da que existia aqui”.

Uma palavra final

Poderia apresentar outro testemunho, mas ele cobriria os mesmos pontos já abordados nestes textos. Todo mundo que se alegrou ao ver a escravidão perecer nos Estados Unidos assistirá ansiosamente à ação dos abolicionistas do Brasil. Que o Imperador ainda possa ser classificado como um dos nossos timoneiros, é a oração mais amigável que podemos oferecer à Sua Majestade!

Referências

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  • CHRISTIE, W. D. Notes on Brazilian Questions London: Macmillan & Co., 1865.
  • [CLARK, W. H.]. The Relations of the British and Brazilian Governments London: Chapman and Hall, 1865.
  • FREDRICKSON, G. M. The Black Image in the White mind. The Debate on Afro-American Character and Destiny, 1817-1914 Middletown: Wesleyan University Press, 1971.
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  • MACHADO, M. H. P. T. O Brasil no olhar de William James Cartas, diários e desenhos, 1865-1866. São Paulo: Edusp, 2010.
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  • RÉ, H. A. Circuito antiescravista atlântico: James Redpath e a Conferência Antiescravista de Paris, 1867. História & Perspectivas, Uberlândia, v. 59, p. 168-183, jul./dez. 2018a.
  • RÉ, H. A. Um agente do Império brasileiro em Londres: William Henry Clark e o fim da política da escravidão saquarema. Antíteses, v. 11, n. 22, p. 815-840, jul./dez. 2018b.
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  • REDPATH, J. The Public Life of Capt. John Brown Boston: Thayer and Eldridge, 1860.
  • REDPATH, J. The Roving Editor: or, Talks with Slaves in the Southern States New York: A. B. Burdick, 1859.
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  • SKIDMORE II, W. E. ‘A Milder Type of Bondage’: Brazilian Slavery and Race Relations in the Eyes of American Abolitionists, 1812-1888. Slavery & Abolition, p. 147-168, 2017.
  • ZENHA, C. Imagens do Brasil civilizado na imprensa internacional: Estratégias do Estado Imperial. Cadernos do CHDD, ano I, nº 2, p. 423-438. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão. Centro de História e Documentação Diplomática, 2003.

NOTAS

  • 1
    N. do T. Senhor de escravo cruel, personagem de A cabana do Pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe.
  • 2
    N. do T. Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt, geógrafo, naturalista e historiador nascido na Prússia, que visitou a América do Sul entre o final do século XVIII e o início do XIX, mas foi impedido de realizar pesquisas no Brasil, pois se acreditava que era um espião. Os dados citados por Redpath estão em HUMBOLDT, Alexandre de. Voyage aux régions équinoxiales du nouveau continente, fait en 1799, 1800, 1801, 1802, 1803, et 1804. Tome 3. Paris: J. Smith, 1825, p. 72.
  • 3
    N. do T. CHRISTIE, W. D. Notes on Brazilian questionsCHRISTIE, W. D. Notes on Brazilian Questions. London: Macmillan & Co., 1865.. London: Macmillan & Co., 1865, p. xlv.
  • 4
    N. do T. Trata-se de um artigo de Elisée Reclus, “Le Brésil et la colonisation”, publicado em duas partes, na Revue des Deux Mondes, em junho e julho de 1862, respectivamente.
  • 5
    N. do T. The Confederate States of America.
  • 6
    N. do T. Embora Redpath tenha extraído essa passagem do Boston Daily Advertiser, ela foi publicada originalmente no Reporter, e se referia ao primeiro contato estabelecido entre uma delegação da BFASS e o funcionário (Andrada) da embaixada brasileira em Londres, quando os abolicionistas britânicos entregaram um Memorial destinado ao Imperador D. Pedro II, cobrando a adoção de medidas para acabar com a escravidão. Essa matéria do Reporter informava ainda que a BFASS estava lançando um movimento “para a abolição da escravidão no Brasil” [sic] e se colocava à disposição para ajudar no restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países, rompidas por ocasião da Questão Christie. Cf. Reporter, 1 de abril de 1864, p. 89-95. É difícil avaliar até que ponto Redpath estava consciente da importância dessa passagem, pois nela a BFASS claramente se propunha a auxiliar o Brasil nas suas pendências com a Grã-Bretanha. Além disso, nessa matéria, a BFASS não questionava os pontos de vista expressados por Andrada - e estampados no Reporter - em relação aos compromissos do governo brasileiro em acabar com a escravidão e a suposta maior suavidade da escravidão brasileira. O Memorial enviado ao Imperador foi traduzido e publicado no Brasil (ROCHA, 2009ROCHA, A. P. Abolicionistas brasileiros e ingleses. A coligação entre Joaquim Nabuco e a British and Foreign Anti-Slavery Society (1880-1902). São Paulo: Editora da Unesp, 2009., p. 397-400; sobre o caso do acordo da BFASS com o governo brasileiro, ver RÉ, 2019RÉ, H. A. A revogação do Bill Aberdeen e a Lei do Ventre Livre: um acordo antiescravista internacional, 1864-1872. Revista de História, São Paulo, n. 178, p. 1-35, 2019., p. 1-35).
  • 7
    N. do T. Henry Koster (1793-1820), filho de ingleses, nascido em Portugal, residiu em Pernambuco no início do século XIX e foi proprietário de terras e escravos. Escreveu Travels in Brazil, publicado pela primeira vez em 1816, e traduzido como Viagens ao Nordeste do Brasil.
  • 8
    N. do T. Robert Southey (1774-1843), historiador e escritor inglês com laços com Portugal devido aos negócios paternos. Entre 1810 e 1819 publicou sua História do Brasil, em três volumes, abarcando todo o período colonial até a chegada da Corte portuguesa em 1808.
  • 9
    N. do T. Ver a nota 18, mais adiante.
  • 10
    N. do T. No original.
  • 11
    N. do T. Lei norte-americana de 1850 que permitia que um escravo fugitivo do Sul pudesse ser capturado no Norte, ficando as autoridades locais encarregadas da perseguição e captura.
  • 12
    N. do T. É importante salientar que antes de James Redpath ter assinalado a inexistência de uma lei de alforria no Brasil que obrigava o senhor a libertar seu escravo quando este lhe apresentava o seu valor em dinheiro, o ex-ministro britânico William Dougal Christie também apontara o equívoco de muitos que acreditavam na existência dessa lei (CHRISTIE, 1865CHRISTIE, W. D. Notes on Brazilian Questions. London: Macmillan & Co., 1865., p. 77-78). Pelo visto, a insistência de Christie e de Redpath em esclarecer esse equívoco se devia ao fato de que o próprio governo brasileiro estava interessado em disseminar essa crença no exterior, como se pode observar na passagem a seguir, publicada num periódico britânico, em 1860: “Pela lei brasileira, um escravo pode, a qualquer momento, comparecer perante um magistrado, ter seu preço fixado e comprar sua liberdade” (Quarterly Review, 1860, v. 108, p. 323-324). Tal artigo foi composto com a participação do funcionário da Embaixada brasileira em Londres, conforme ele próprio reconheceu na conversa que manteve com a delegação da BFASS, em 1864. Ver nota 6, acima.
  • 13
    N. do T. Jean Baptiste Du Tertre (1610-1687), autor da Histoire Générale des Antilles habitées par les Français, publicada em três tomos entre 1667 e 1671.
  • 14
    N. do T. Trata-se dos viajantes e naturalistas alemães Johann Baptist von Spix (1781-1826) e Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), que chegaram ao Brasil na comitiva da arquiduquesa austríaca Leopoldina, quando esta cruzara o Atlântico para se casar com D. Pedro I. Spix e Martius percorreram várias províncias brasileira coletando e catalogando espécimes botânicas, zoológicas e mineralógicas. Escreveram a obra Reise in Brasilien, publicada entre 1823 e 1831, que foi traduzida como Viagem pelo Brasil, 1817-1820.
  • 15
    N. do T. Viajante inglesa que visitou o Brasil em três ocasiões, e na década de 1820 tornou-se preceptora da princesa D. Maria da Glória, mas logo depois retornou para a Inglaterra. Sua obra foi traduzida como Diário de uma viagem ao Brasil.
  • 16
    N. do T. Ver nota 23, mais adiante.
  • 17
    N. do T. Daniel Parish Kidder (1815-1891), missionário metodista norte-americano, que esteve no Brasil em duas oportunidades, de 1836 a 1837 e de 1840 a 1842, por incumbência da American Bible Society. Depois do falecimento de sua esposa no Rio de Janeiro, em 1842, ele regressou aos Estados Unidos. Sua obra foi traduzida como Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil: compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias; e Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Sul do Brasil (Rio de Janeiro e Província de São Paulo): compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias.
  • 18
    N. do T. George Gardner (1812-1849), médido e botânico britânico, que influenciado pelas descrições de Humboldt, visitou e percorreu várias províncias do Brasil entre 1836 e 1841, coletando material de pesquisa. Sua obra foi traduzida como Viagem ao interior do Brasil.
  • 19
    N. do T. Referência a Laurence Sterne (1713-1768), escritor e clérigo anglicano irlandês, autor de Viagem sentimental, obra na qual se encontra a passagem reproduzida por George Gardner.
  • 20
    N. do T. Jogo de palavras, pois o subtítulo pode ser traduzido como “Um relatório”, e está fazendo referência ao nome do autor francês, Alphonse Rendu (1812-1875), que produziu um relatório sobre as observações que fizera no Brasil. Rendu era médico e professor da Escola de Anatomia dos Hospitais de Paris, e foi encarregado pelo Ministério da Instrução Pública da França de visitar o Brasil para estudar as principais doenças que acometiam os habitantes locais e os europeus que vinham residir no Império. Esteve no Brasil entre 1844 e 1845, e produziu um relatório cujo título original é: Études topographiques, médicales et agrónomiques sur le Brésil, que foi publicado em 1848.
  • 21
    N. do T. William Hadfield (1806-1887), escritor britânico que residiu vários anos no Brasil e na Argentina, desempenhou funções administrativas em companhias de navegação e realizou esforços comerciais para abrir a América do Sul às empresas e capital britânicos. Em 1863, Hadfielf fundou em Londres o periódico The South American Journal and Brazil and River Plate Mail, do qual foi editor até sua morte em 1887. Além da obra citada por Redpath, Hadfield também lançou em 1869 outro livro sobre o Brasil, chamado Brazil and the River Plate in 1868, their Progress since 1853. Infelizmente, nenhum dos dois foi traduzido para o português.
  • 22
    N. do T. Thomas Ewbank (1792-1870), escritor e mecânico inglês, emigrou para os Estados Unidos em 1819, onde se tornou negociante e fabricante de tubos de chumbo, cobre e estanho. Entre 1845-46 viajou ao Brasil, onde passou seis meses em visita ao seu irmão, que era casado com uma brasileira. Sua experiência na Corte e arredores foi retratada na obra mencionada por Redpath, cuja tradução tem como título Vida no Brasil. Além de arguto observador, Ewbank era exímio desenhista, e deixou registradas muitas cenas e objetos que lhe chamaram a atenção. Antes de publicar seu livro, Ewbank lançou artigos na recém-criada Harper’s Magazine narrando sua experiência no Brasil. Depois de regressar aos Estados Unidos, foi nomeado Comissário de Patentes pelo presidente norte-americano em 1849.
  • 23
    N. do T. Reverendo Charles Samuel Stewart (1795-1870), capelão naval e missionário norte-americano. A bordo do navio Congress navegou pela costa sul-americana entre 1850 e 1852, visitando Brasil, Uruguai e Argentina. Dessa viagem surgiu a obra Brazil and La Plata: the personal record of a cruise, mencionada por Redpath, e sem tradução para o português.
  • 24
    N. do T. Tattersall’s era a principal casa de leilão de cavalos do Reino Unido. Ela foi fundada em 1766 e existe até hoje.
  • 25
    N. do T. John Mitchel (1815-1875), ativista nacionalista e jornalista politico irlandês que se opunha à dominação britânica da Irlanda. Depois de uma série de desentendimentos e posterior condenação por traição, foi deportado para as Bermudas e depois Tasmânia, de onde conseguiu escapar em 1853 e se refugiar nos Estados Unidos. Em Nova York fundou o jornal nacionalista radical irlandês, The Citizen, e passou a defender em suas páginas a escravidão e a atacar a hipocrisia dos abolicionistas. Posteriormente, mudou-se para Knoxville, no Tennessee, e, em 1857, fundou outro jornal, o Southern Citizen. Segundo Mitchel, os escravos do Sul dos Estados Unidos eram melhor alimentados que os policiais irlandeses e os trabalhadores das manufaturas britânicas. Daqui a comparação feita por Redpath com a situação dos escravos brasileiros.
  • 26
    N. do T. Na verdade, esta não é a última carta de Redpath, mas a penúltima publicada pelo Reporter.
  • 27
    N. do T. A referência correta do livro é CHRISTIE, W. D. Notes on Brazilian questionsCHRISTIE, W. D. Notes on Brazilian Questions. London: Macmillan & Co., 1865.. London: Macmillan & Co., 1865.
  • 28
    N. do T. James Cooley Fletcher (1823-1901), pastor missionário presbiteriano norte-americano, que visitou o Rio de Janeiro em 1852 como agente da American Christian Union e da American Seamen’s Friend Society. Em 1855 retornou ao Brasil como agente da American Sunday School Union e viajou pelo país distribuindo Bíblias. Essas viagens, juntamente com as observações de Daniel Parish Kidder, serviram de base para o livro mencionado por Redpath, que no Brasil foi traduzido como O Brasil e os brasileiros (esboço histórico e descritivo). Anos mais tarde, em 1862, Fletcher navegou pelo rio Amazonas coletando espécies para Louis Agassis, que, em 1865, organizaria uma famosa expedição na região Amazônica. Fletcher ainda retornou ao Brasil no final da década de 1860, e trabalhou como agente da American Tract Society.
  • 29
    N. do T. Ver a nota 12, acima.
  • 30
    N. do T. William Dougal Christie (1816-1874), Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário da Grã-Bretanha no Rio de Janeiro a partir de 1859, cargo que ocupou até meados de 1863, quando regressou à Inglaterra depois de autorizar no início daquele ano represálias dos cruzadores britânicos contra navios mercantes brasileiros. Depois de retornar ao seu país, Christie passou a difundir na imprensa uma série de textos explicando seus posicionamentos e criticando as atitudes do governo brasileiro. Um desses texto é o livro analisado por Redpath, Notes on Brazilian questionsCHRISTIE, W. D. Notes on Brazilian Questions. London: Macmillan & Co., 1865., publicado em 1865, mas que é uma compilação de artigos estampados originalmente no periódico Daily News.
  • 31
    N. do T. Tratava-se do artigo The Brazilian Empire. Quarterly Review, London, v. 108, jul./oct., 1860, p. 303-342, cujas informações sobre a escravidão no Brasil foram fornecidas por um funcionário da Legação brasileira em Londres. Christie discordou de boa parte das alegações presentes no artigo. Ver a nota 12, acima.
  • 32
    N. do T. Aqui Redpath claramente comete um equívoco, pois o fluxo do tráfico costeiro era das províncias do Norte em direção às do Sul.
  • 33
    N. do T. Embora o relato a seguir apresente um ponto de vista oposto ao desenvolvido por James Redpath em todas as suas cartas, ele pertence originalmente aos escritos do jornalista norte-americano. Não se trata de um adendo dos editores do Reporter.
  • 34
    N. do T. Édouard Laboulaye (1811-1883), jurista e poeta francês, simpático ao antiescravismo e um dos signatários da petição que, em 1866, o Comité Français d’Emancipation enviou ao Imperador D. Pedro II solicitando medidas contra a escravidão. Em 1867, Laboulaye foi o presidente da Conferência Antiescravista de Paris, onde foi debatido esse assunto. O texto de Laboulaye mencionado nesta última carta de Redpath foi publicado em Journal des Débats, 20 de julho de 1865, p. 1. Nessa época, o governo brasileiro estava subsidiando uma série de publicações e jornalistas na França e em outros países da Europa com o objetivo de melhorar a imagem do país no exterior. Por isso, é bastante difícil apurar a credibilidade dos textos sobre o Brasil (ZENHA, 2003ZENHA, C. Imagens do Brasil civilizado na imprensa internacional: Estratégias do Estado Imperial. Cadernos do CHDD, ano I, nº 2, p. 423-438. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão. Centro de História e Documentação Diplomática, 2003., p. 423-438).
  • 35
    N. do T. Louis Agassiz (1807-1873), biólogo e geólogo suíço radicado nos Estados Unidos. Foi um dos principais defensores do racismo científico e esteve no Brasil em 1865 para participar da Expedição Thayer, que visitou algumas províncias brasileiras e a Amazônia. Foi recebido no círculo palaciano de Pedro II, com o qual manteve posteriormente correspondência.

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2018
  • Aceito
    29 Set 2019
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