RESUMO
Este texto examina conteúdos históricos do tráfico e da escravização de africanos e descendentes no International Slavery Museum: o passado africano antes dos europeus e a insuficiência do modelo de plantation para a sociedade escravista do Brasil. Não é apenas um debate historiográfico, mas sobre o passado escravista em dimensão pública, na política do presente.
Palavras-chave:
Memória da escravidão; museus da escravidão; escravidão no Brasil
ABSTRACT
This text examines historical contents of the slave trade and enslavement of Africans and their descendants at the International Slavery Museum: The African past before the Europeans and the insufficiency of the plantation model for Brazil’s slave society. It is not about a historiographical debate, but about the slave past in a public dimension, in politics of the present.
Keywords:
Memory of slavery; slavery museums; slavery in Brazil
Este texto examina alguns tópicos da exposição de longa duração do International Slavery Museum - ISM de Liverpool, na Inglaterra. Visitei o museu em julho de 2023 para ver os conteúdos históricos afeitos ao tráfico atlântico e à escravização de africanos e seus descendentes, especialmente os pontos mais difíceis de tratar.
O interesse último da visita ao museu era colher referências para a renovação da Fazenda do Pinhal, localizada em São Carlos/SP, a cujos roteiros de visitação busca-se dar caráter mais crítico, diminuindo o espaço concedido à família senhorial e ao enriquecimento proporcionado pela cafeicultura, e introduzindo mais informações sobre as pessoas que trabalharam naquela fazenda cafeeira desde seu início, nos meados do século XIX, mormente as escravizadas.1 Em todo o território do estado de São Paulo, e acentuadamente nas antigas fazendas que recebem visitantes, a memória predominante é de um passado sem escravidão, no qual os braços da lavoura eram de origem imigrante europeia. Contar para os cerca de 300 visitantes mensais que acorrem à Fazenda do Pinhal a história daquele território, mostrando seu caráter escravista, nele inserindo a trajetória das pessoas negras e das que foram senhoras de escravos, implica em mobilizar e circular conhecimentos históricos em dimensão pública, num contexto em que a pauta política do país abriga, ao mesmo tempo, as demandas antirracistas e contrárias à desigualdade racial e uma forte onda de conservadorismo e negação do conhecimento advindo das pesquisas científicas. De um lado, há grupos que querem esconder a escravidão porque acreditam que ela diminui a atuação da gente negra no passado do país - vamos tratar disso mais adiante -; de outro, há aqueles que não sabem ou se recusam a aceitar os fatos do passado, quando a sociedade brasileira estava tomada pela escravidão.
Assim, não se trata apenas de uma discussão historiográfica, mas de refletir sobre informações e ideias acerca do passado escravista que são veiculadas junto ao público.2 Meu foco está em tópicos que implicam dificuldade para a construção de uma memória social do tráfico de africanos e de sua escravização como a desejamos, comprometida com o antirracismo e com o fim da desigualdade racial, que aponte com aguda criticidade os legados da escravidão.
Busco identificar no ISM as informações e interpretações históricas mobilizadas para a narrativa expográfica, analisando o caráter dos dados apresentados - se há protagonismo de pessoas ou grupos, quantidades, causalidades, processos econômicos, agência política institucional ou cotidiana, etc. - e também a maneira como tais dados são arranjados de modo a compor uma interpretação, uma ideia mais geral e/ou sintética do que aconteceu. Para ser apreendida na sua completude, a narrativa museográfica precisaria ser tomada não apenas pelo texto, mas também pelas imagens, pela disposição expográfica - mobiliário, linguagem gráfica, cores, etc. - e pelos artefatos que apresenta; contudo, dados os limites de minha formação e as dimensões deste artigo, centrei a análise nos conteúdos textuais, raramente me ocupando de sua relação com os demais elementos expográficos. Além disso, este texto não abarca todo o conteúdo exposto no ISM e nem todas as insuficiências apontadas se constituem em erros do museu; por vezes, trato apenas de modular as informações para mostrar que no Brasil foi diferente.
Os pontos difíceis aqui tratados foram selecionados porque permitem iluminar esses assuntos na história do Brasil, especialmente na história da escravidão no interior paulista cafeeiro da segunda metade do século XIX, período de destaque na trajetória da Fazenda do Pinhal. Também elegi tais pontos a partir da convivência com professores da Educação Básica que, ávidos por mostrarem as iniquidades operadas pela escravidão no Brasil e por conquistarem seus alunos para o antirracismo, defrontam-se com informações complexas, cujo sentido pode levar a uma interpretação equivocada, no mais das vezes configurando uma escravidão supostamente mais branda. De toda maneira, insisto, não se trata apenas de um debate historiográfico, mas da discussão de um passado que nos anos recentes tem sido acionado para pautas políticas do presente.
Em se tratando de museus históricos, considero pontos difíceis aqueles que podem colocar em xeque a intenção precípua da história que se deseja contar. Se a intenção é homenagear uma pessoa, os erros que ela cometeu durante a vida podem disparar um sentimento de repulsa nos visitantes do museu. Se o objetivo é despertar para as atrocidades cometidas contra uma certa população e sensibilizar para ações afirmativas e políticas de reparação, mostrar as desigualdades e injustiças existentes nas sociedades construídas por esse mesmo povo que foi vítima pode comprometer a empatia que se busca atingir. Com efeito, mesmo a exposição do sofrimento agudo da vítima pode repelir algum receptor.
Um caso exemplar de ponto difícil, de “nó de dificuldade”, na narrativa sobre o passado pode ser visto no Museo Andes 1972, que foi aberto em 2012 em Montevidéu. O museu é dedicado ao acidente de outubro de 1972, quando um avião com 45 pessoas caiu nas montanhas andinas. Algumas pessoas sobreviveram e foram resgatadas dois meses e meio depois. Tanto o acidente quanto a procura pelos destroços e o abandono das buscas foram noticiados em todo o mundo, mas a volta de 16 sobreviventes nos dias próximos do Natal causou comoção, com ampla repercussão midiática.
Nessa história, em que a resiliência e a solidariedade dos sobreviventes são os valores a exaltar, era preciso dizer que os que retornavam tinham conseguido sobreviver porque comeram os corpos dos companheiros mortos. Isso se resolveu expograficamente com discrição, com a informação objetiva, sumária e timidamente inserida em texto entre a cronologia dos 70 e poucos dias vividos nas montanhas cobertas de neve (Figuras 1 e 2)3: aquele que era da área médica propôs que tomassem os corpos dos falecidos para se alimentar, mas nem todos concordaram. A iniciativa de comer a carne dos mortos recai sobre aquele que, como era de se esperar por ser da área médica, tinha uma visão mais pragmática sobre a natureza dos corpos das vítimas do acidente aéreo e sobre a necessidade de alimento. Todas essas peças narrativas têm sua potência argumentativa para evitar que os sobreviventes sejam condenados pelo público como canibais; a isso se soma o fato de aparecerem bem timidamente, isto é, de não se constituírem em peças que estimulem o debate sobre o ponto difícil.
Parte de painel cronológico da exposição de longa duração do Museo Andes 1972, em julho de 2019.
Detalhe de painel cronológico da exposição de longa duração do Museo Andes 1972, em julho de 2019.
No caso da apresentação da escravidão de africanos e de seus descendentes, além da consistência dos dados históricos, qual o sentido que se pretende dar para o público? O conhecimento das atrocidades cometidas no tráfico de africanos e na sua escravização e do funcionamento das sociedades escravistas, bem como a compreensão das heranças que carregamos em virtude dos séculos de escravização da gente negra nas Américas, tudo isso visa o combate ao racismo e a extinção da desigualdade racial. Toda história das pessoas negras, consolidada em diferentes veículos, portanto, deve ladear as lutas políticas dos movimentos negros porque não pretende contestá-los, mas com eles se fortalecer mutuamente. Se há divergência, é preciso dialogar; se as informações são discrepantes, é preciso checar. Se há pontos difíceis, é imperativo identificar e aferir os riscos em jogo, afinar interpretações, equalizar intenções, elaborar e reelaborar conteúdos, mantendo no horizonte a qualidade histórica dos conhecimentos e a fidelidade aos princípios políticos emancipatórios.
E não se trata apenas de confrontos entre classes ou grupos raciais, como conta Hebe Mattos (2022) em publicação resultante do 1º Encontro Internacional Samba, Patrimônios Negros e Diáspora, realizado em 2021. No texto - mais uma parte do amplo projeto Passados Presentes - , a historiadora registra como se enfrentou a dificuldade de construir uma narrativa no memorial do Quilombo do Bracuí/RJ; juntando os dados resultantes de pesquisa e a tradição oral dos descendentes de escravizados na localidade, restou a dificuldade de coadunar a trajetória de resistência dos quilombolas ali residentes com a tragédia vivida por aqueles que não sobreviveram ao tráfico ilegal e foram enterrados na fazenda vizinha, do Grataú. As aparentes contradições e exclusões de narrativas não se dão apenas quando se trata de perspectivas antagônicas - escravizados e senhores, brancos e negros, abolicionistas e antiabolicionistas -, mas até mesmo para compor o quadro de experiências distintas entre afrodescendentes. Marilda de Souza Francisco (2022), uma eloquente narradora do passado do Bracuí, reconhece que sua narrativa é entrecortada pela história dos brancos e que recebe oposição de outros moradores do quilombo; mas segue como guardiã e disseminadora das histórias negras no “museu a céu aberto” que é seu quilombo.
Ana Lucia Araujo (2021) fez um excelente exame do ISM no livro Museums and Atlantic Slavery, no qual analisa instituições museais dedicadas à escravidão e ao tráfico em Nantes, Rio de Janeiro, Washington, Mount Vernon, São Paulo e Salvador. Este artigo desdobra e tangencia alguns dos aspectos ali tratados e, por isso, considero minha análise tributária daquela realizada por Araujo.
Igualmente inspiradora é a pesquisa de Jessika Rezende Souza da Silva (2012), que, por meio da análise do Museu Afro Brasil, em São Paulo/SP, e do National Museum of African American History & Culture, em Washington/DC, mostrou que esses e outros museus que apresentam as histórias das populações negras, apesar de passíveis de crítica e por vezes sob escassez de recursos, alcançam objetivos educativos consideráveis, contribuindo para o antirracismo por meio da disseminação da história e da cultura dos africanos e de seus descendentes.
Na construção social da memória da escravidão4, não pretendo ultrapassar meu lugar de historiadora, pesquisadora da sociedade cafeeira e da escravidão no território paulista. É muito ampla e diversa a temática da memorialização da escravidão, cujos aspectos remetem a diversas áreas do conhecimento: do ponto de vista histórico, lembremos as diferentes sociedades africanas, os resultados quantitativos de pesquisas sobre o tráfico atlântico e os plantéis de escravos, as distintas maneiras de viver sob a escravidão nas Américas, a gestão política e econômica da escravidão por proprietários e autoridades, as inúmeras formas de resistência das pessoas negras ao longo do tempo e em diferentes localidades; do ponto de vista memorialístico, quanto a história deve se submeter às necessidades da luta política do presente, o estado do debate em torno das memórias difíceis, as lutas políticas de grupos de vítimas e suas conquistas, a legitimidade histórica para alternativas reparatórias etc. Além dos aspectos envolvendo memória e história, há os saberes da museologia. Tentando evitar superficialidades e deslizes conceituais, circunscrevo alguns objetos de análise dentre os muitos do International Slavery Museum, cuja importância na história da memória da escravidão no mundo é indiscutível e cuja envergadura histórica ultrapassa minha capacidade. Recorro a sínteses de historiadores para períodos e regiões que nunca pesquisei, mormente aquelas afeitas ao território africano e ao tráfico atlântico no período moderno. Posso contribuir, creio, no exato ponto de contato entre uma informação histórica e sua apresentação no presente, no qual uma interpretação acertada pode afastar o perigo de uma visão acrítica.
Em diversas localidades onde a escravidão e/ou o tráfico atlântico de africanos foram objeto de memorialização e de exposições museais - na Geórgia, na Carolina do Sul, na Louisiana, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, entre outros lugares - os dilemas variaram, inclusive ao longo do tempo. Houve época em que se lutava para que escravos fossem inseridos na história; depois, para que as pessoas negras fossem nomeadas e que sua participação fosse descrita em voz ativa, não apenas como reação à dominação escravista. Em cada região do mundo, o estado do debate sobre escravidão e da luta do ativismo negro exige certas abordagens do passado. E assim seguimos, variados grupos sociais, em geral movimentos negros e intelectuais, pugnando por uma história cada vez mais crítica e respeitosa da agência da população negra.
Fotografia da zona portuária de Liverpool inserida em folheto oficial do National Museums Liverpool, de 2023, onde se pode ver o carrossel e a entrada do museu, na parte superior direita da imagem.
O International Slavery Museum-ISM situa-se na Royal Albert Dock (Figura 3), área de Liverpool que foi renovada há algumas décadas, como se fez nas regiões portuárias de outras cidades do mundo - Londres, Buenos Aires, Rio de Janeiro, etc. -, onde se alteraram os usos do espaço e das edificações, implementando atividades de lazer em geral. O ISM está instalado no 3º andar do prédio do Merseyside Maritime Museum (Figura 4), um museu marítimo que se propõe a contar a história do porto de Liverpool. A entrada nos museus instalados nesse prédio é gratuita e não requer agendamento.
Entrada do prédio do Merseyside Maritime Museum, onde se localiza o International Slavery Museum de Liverpool, em julho de 2023.
O museu da escravidão de Liverpool, internacionalmente conhecido por ser um dos que pioneira e criticamente apresentou esta história de horrores,5 situa-se numa área de lazer onde os produtos e serviços custam caro (Figura 5); raras pessoas negras são vistas por ali, dentro ou fora do museu. Como me disse Lois South, funcionária da equipe educativa do ISM com quem tive uma conversa agendada6, as pessoas negras de Liverpool não se sentem à vontade nessa área da cidade.
Carrossel, um dos equipamentos de lazer no entorno do International Slavery Museum, na zona portuária de Liverpool, em julho de 2023.
Na chegada ao ISM, adentrando o terceiro andar, a luminosidade se reduz. Na entrada, o museu apresenta uma modalidade de painel que percorre todas as suas paredes internas (Figura 6): trata-se de frases de lideranças negras sobre a parede de concreto; no corredor de entrada, essas paredes também acomodam telas com vídeos de outras lideranças negras.
Chegada no 3º andar do prédio, diminuição da luz ambiente na entrada do International Slavery Museum, em julho de 2023.
Em seguida, apresenta-se a primeira galeria do ISM: África, aquela que visualmente mais se distingue da linguagem adotada no restante do museu. O ISM está dividido em três grandes espaços expositivos: no primeiro, a vida na África Ocidental, o segundo apresenta o tráfico atlântico e a escravidão nas Américas e o terceiro trata dos legados da escravidão, como racismo e desigualdades econômicas nas várias partes do mundo.
Antes, depois e para além da escravidão
Para os que atuam contra o racismo e a desigualdade racial - intelectuais, movimentos negros, agentes públicos, produtores de cultura, etc. - já se firmou o imperativo de não restringir a história das populações negras à escravidão; infelizmente, isso não quer dizer que tal diretriz esteja se efetivando e nem mesmo que seja fácil cumprí-la. Mais sério ainda é o fato de que a diminuição do espaço conferido à escravidão pode servir a propósitos progressistas ou a interesses que buscam mascarar as fraturas sociais, como indicou Ana Lucia Araujo no exame da memória da abolição na capital dos Estados Unidos da América:
Alguns ainda consideram que mostrar imagens da escravidão em espaços públicos pode ter um impacto negativo na autoestima das populações afro-americanas, enquanto outros avaliam que a escravidão é um assunto do passado e que não cabe colocá-la em destaque na Esplanada Nacional, próximo de outros memoriais e monumentos que celebram a nação. (Araujo, 2015, p. 459).
Em síntese, postula-se que é preciso retroceder no tempo a abordagem histórica da escravidão, incorporando a ancestralidade cultural africana no entendimento da experiência vivida pelas pessoas escravizadas nas Américas, e extrapolar para adiante, mostrando que houve resistência, que muita gente superou os horrores da escravização e rompeu barreiras mesmo na difícil condição de descendente de africano.
Ainda que de acordo com tais abordagens, reconheço que nem sempre é possível, no interior de museus históricos, incorporar devidamente tais períodos, antes e depois da escravidão, quando se tem o visitante, no máximo, por um par de horas. Em se tratando da escravidão no Brasil - disseminada em tantas esferas da sociedade, em tão vasto território e durante mais de três séculos -, os recortes, sempre necessários, acabam por comprometer a complexidade no tratamento do assunto. Há espaços museográficos que, querendo abarcar a África, enfraquecem a qualidade dos conhecimentos que veiculam; percebo que há dificuldade para selecionar informações que dialoguem com o que será apresentado adiante, propriamente sobre escravidão, e também para tratar com qualidade os dados de que se dispõe.7
Vejamos como o ISM de Liverpool buscou tratar da África na sua exposição de longa duração. Segundo o tótem que abre a área (Figura 7), o continente africano é central para tratar do assunto do museu, mas “apenas alguns tópicos são explorados na complexa narrativa da história da África”.
Tótem que abre a área dedicada à África, na exposição de longa duração do ISM, em julho de 2023.
Em seguida, ainda nessa entrada, vêem-se três vitrines com objetos de etnias e regiões diferentes: uma dedicada a instrumentos musicais, outra para máscaras (Figura 8) e outra ainda para figuras esculpidas em madeira. Em cada vitrine há cerca de uma dezena de objetos e um texto explica seu sentido nas culturas africanas e sua permanência até a atualidade. No caso da música, há mais informação, com gravações musicais do século XX e a afirmação de que a diáspora africana levou para as Américas um rico legado musical, que se expandiu depois da abolição.
Mostrando máscaras de diferentes épocas e etnias, uma das três vitrines da entrada da galeria sobre África, na exposição de longa duração do ISM, em julho de 2023.
Excetuadas as gravações musicais, desde essa entrada o tratamento antropológico-cultural das peças do acervo apresenta os africanos como produtores de artefatos confeccionados em matérias-primas naturais, sem desenvolvimento tecnológico e, acentuo, faziam isso quando os europeus chegaram à África Ocidental e continuam fazendo, pois ainda usam as máscaras e as figuras de madeira.
Arrisco afirmar que usualmente emerge entre os visitantes a interpretação de que os africanos pararam no tempo. As legendas postulam que “todos nós viemos dos africanos”, que eles construíram sociedades “complexas e sofisticadas”, que não podem ser considerados “atrasados e nem bárbaros” se comparados com os europeus que ali chegaram, mas a materialidade apresentada é ainda rudimentar e simplória para olhos pouco treinados etnograficamente, e o tratamento dado às diferentes etapas da história dos africanos junta artefatos e informações que começam há milhares de anos e chegam até a atualidade sem desenvolvimento, de maneira a possibilitar que, muito provavelmente, se construa pelos visitantes a ideia de que os africanos permanecem no mesmo grau civilizatório e tecnológico de séculos atrás, que o tempo não passou pra eles.
Parece-me, portanto, que a área expositiva sobre África no ISM (Figura 9) não maneja historicamente as sociedades africanas e acabou por apresentá-las como “gente sem história”, à margem do desenvolvimento do restante do mundo, embora um tótem afirme que “as peças expostas nesta galeria oferecem apenas um vislumbre da riqueza e da importância da complexa e longa história cultural da África ocidental”. Para vencer esse aprisionamento no passado, o visitante precisaria ter, na falta de melhor expressão, um “letramento antropológico” que lhe capacitasse apreender a complexidade de sociedades tradicionais, observando artefatos antigos e imaginando sua feitura e seus múltiplos sentidos, afastando-se da escala de evolução da sociedade ocidental, tão naturalizada entre nós.
No ISM, parte da galeria dedicada a África, com vitrine e réplica de edificação dos Igbo. Note-se, na vitrine, objetos de diferentes tipologias e épocas, inclusive um vídeo com gente africana. Julho de 2023.
Creio que o conjunto material exposto pelo ISM nessa seção se constitui num deslize que ilustra em alguma medida a crítica de Achille Mbembe:
[...] Em outras palavras, dizer ‘África' consiste, pois, invariavelmente, em construir figuras e lendas - não importa quais - por cima de um vazio. Basta escolher palavras e imagens aproximadamente similares, juntar-lhes imagens e palavras parecidas, mas com sentidos diferentes, e se acaba sempre reencontrando o conto que, de qualquer modo, já se conhecia. […] É aquilo que se presta à repetição e à redução [...]. (2018, p. 100-101).
A vitrine que melhor sintetiza essa mistura que pasteuriza datas, artefatos e manifestações culturais, sem garantir historicidade e contextualização, é a que segue (Figura 10), dedicada aos San, da parte Sul do continente, onde há texto sobre a invasão europeia no século XVII, referência a inscrições em cavernas de 70 mil anos, peças líticas de 200 mil anos e uma fotografia que mostra um rapaz em transe, num ritual de cura em 1959.
No ISM, vitrine da galeria dedicada a África trata dos San, que vivem no Sul do continente. Julho de 2023.
Constrói-se para os visitantes, assim, um contínuo que unifica conhecimentos díspares, sem historicidade, um quadro vago, eivado de imagens e referências a tempos longínquos, como se as diferentes sociedades que vivem na África não tivessem construído sua história na modernidade, como se ali o tempo mal se movesse.8 Além de idealizar populações impermeáveis ao tempo, cria-se um ambiente que favorece o que Renato Rosaldo (1989, p. 68-87) denominou “nostalgia imperialista”, na qual a sensação reconfortante de ver “aquilo que ainda não desapareceu” é parte constitutiva importante. Em suma, mostrar grupos culturais supostamente inviolados, sem terem sido maculados pela passagem do tempo, pode antes aprofundar o abismo entre nós e eles do que alicerçar o reconhecimento dos povos africanos como parte da humanidade, como gente que faz a história.
A África e os africanos na história do tráfico e da escravidão
O tótem que abre a segunda parte do museu apresenta o que virá: “a história de como operava o tráfico de escravos transatlântico”, “o que aconteceu com os escravizados africanos, seus sofrimentos na travessia do Atlântico e a vida que levaram nas Américas” e “como os europeus se beneficiaram da escravidão”. Como se percebe, trata-se do tráfico e da escravidão, com muitos de seus desdobramentos mesmo nas regiões que não se tornaram sociedades propriamente escravistas, como é o caso dos territórios europeus.
No ISM, na galeria dedicada ao tráfico atlântico e à escravidão, painel explica porque foram os africanos os escolhidos pelos europeus no começo da época moderna: porque foram vistos como bárbaros, inferiores em relação à civilização europeia. Julho de 2023.
No ISM, na galeria dedicada ao tráfico atlântico e à escravidão, painel explica que os europeus usaram africanos escravizados para a necessidade de mão de obra na lavoura açucareira. Julho de 2023.
Para o assunto deste texto, as dificuldades no trato da história da escravização de africanos e de seus descendentes, focarei primeiro em dois pontos: a existência de práticas escravistas na África antes da chegada dos europeus e a participação de africanos no tráfico atlântico de escravos. Como veremos, trata-se substancialmente do mesmo problema visto na parte precedente deste artigo: apresentar uma África parada no tempo, sem atuação, vítima a receber as ações que vinham de fora de seu território.
Os painéis recortados e reproduzidos acima (Figuras 11 e 12) - “Why Africans?” e “Why slavery?” - indicam que a escravidão no período moderno construiu-se a partir de dois fatores principais: o primeiro foi que os europeus viam os africanos com preconceito, atribuíam-lhes inferioridade e barbárie, com as quais justificaram a conquista do continente. O segundo fator indicado foi a necessidade de mão-de-obra para a produção de açúcar nas colônias americanas que levou os europeus, primeiramente portugueses, a traficar pessoas africanas para as Américas, já que os ameríndios se mostravam frágeis, suscetíveis a doenças.
Há várias décadas historiadores apontaram a existência de escravidão entre africanos antes da chegada dos europeus. Segundo Robin Blackburn (2003, p. 105-106), a abundância de terras disponíveis no território africano, que tornava o controle de mão-de-obra um condicionante de riqueza e, sobretudo, as guerras internas, que opunham uns povos contra outros, facilitaram a compra de escravizados africanos pelo Islã séculos antes das grandes navegações europeias. Afirma o historiador: “A África já era uma fonte tradicional de escravos para o comércio transaariano na época das primeiras expedições portuguesas” (2003, p. 131). Entretanto, saliento, isso não implica afirmar que a escravidão moderna não foi obra dos europeus e tampouco significa que europeus não foram os responsáveis pela dimensão e pelo caráter adquiridos pelo tráfico atlântico e pela escravização de africanos, pois adiante Blackburn esclarece:
A disposição dos comerciantes europeus de comprar grande número de cativos acabou estimulando a caça de escravos no interior e encorajou os chefes africanos a distorcer as sanções legais que levavam à escravização. […] A capacidade dos comerciantes europeus de oferecer uma gama impressionante de mercadorias em troca dos escravos foi também um fator fundamental do crescimento deste comércio; […].
De qualquer forma, a escravidão tradicional da África era bem diferente da escravidão das plantations que seria estabelecida no Novo Mundo. […] Embora os escravos na África costumassem ser de origem estrangeira, não estavam destinados a ser parte de uma hierarquia racial inflexível que fizesse com que eles e muitas gerações de seus descendentes permanecessem estrangeiros e escravos, como viria a acontecer no Novo Mundo. (2003, p. 105-106).
Igualmente matizando as diferenças entre tais escravidões, adverte Paul Lovejoy:
É incorreto pensar que os africanos escravizassem os seus irmãos, embora isso algumas vezes acontecesse. Na verdade, os africanos escravizavam os seus inimigos. Essa concepção de quem podia ser escravizado servia aos interesses do mercado externo e permitia a ascendência política de alguns africanos no continente. (2002, p. 55).
Mais atual e engajada do que o livro de Blackburn, voltada para divulgação, com escritores, jornalistas e historiadores de diversos países, a publicação The Black History Book, de 2021, conta a história do início do tráfico atlântico de africanos nela inserindo a pré-existência da escravidão na África: “Navegadores portugueses começaram a explorar a África desde os meados do século XV. Eles não adentravam o interior do continente, mas navegavam ao longo da costa atlântica, onde descobriram o pré-existente tráfico de escravos transaariano. [...]” (Hallinan; O’Hara; Sandford, 2021, p. 118-119). The Black History Book não economiza os horrores da captura e do transporte do tráfico de africanos; reconhecer que africanos eram escravizadores de maneira nenhuma abrandou a gravidade atribuída à escravidão perpetrada pelos europeus nas páginas e capítulos seguintes do livro.
No ISM, um painel mostra com texto e desenho de época como as pessoas africanas eram capturadas e conduzidas até a costa, para os lugares de onde partiriam para a América (Figura 13). Note-se que o texto mostra que nessa extensa caminhada “eram passados de um para outro proprietário”, mas não explicita que os condutores da empreitada, ou mesmo os tais proprietários, nessa altura, eram africanos.
No ISM, painel apresenta com desenho e texto a captura e a condução de pessoas africanas para os portos de embarque do tráfico. Note-se a citação de Baquaqua, ex-escravo, e também o destaque para as resistências. Julho de 2023.
A participação direta de africanos no tráfico de escravos está discretamente inserida no lado direito inferior do painel abaixo (Figura 14), na parte referente às condições em que se fazia o tráfico, onde se lê: “Os bens para comprar africanos escravizados eram selecionados para atrair comerciantes africanos específicos. O comércio era conduzido formalmente em fortes na costa africana administrados por europeus. Noutros locais, os capitães negociavam diretamente com os africanos e geralmente tinham de pagar tributos pelo direito de comércio.”
No ISM, painel apresenta com desenho e texto os locais de embarque na costa africana. Note-se a presença de pessoas negras e brancas. Julho de 2023.
No início deste século XXI, Luiz Felipe de Alencastro lançou O trato dos viventes, livro bem difundido, no qual examina mais de perto a montagem do tráfico atlântico de africanos pelos portugueses. Para o historiador brasileiro, que perscrutava os negócios do governo metropolitano no Atlântico Sul, as respostas para as perguntas “Por que os africanos?” e “Por que a escravidão?” são informadas por dados relativos a diferentes agentes e aspectos envolvidos nas navegações portuguesas, no complexo cenário dos séculos XV e XVI, quando se firmou a opção pelo comércio e pela escravização de africanos nas Américas. Segundo Alencastro (2000, p. 40), a partir dos meados do século XVII consolidou-se o uso de africanos como mão-de-obra no Brasil, mas é preciso considerar que desde o começo a política mercantil da coroa portuguesa manejou os espaços do Atlântico de maneira a que fossem complementares, e não concorrentes: África fornecia escravos e América açúcar, tabaco, algodão, café (2000, p. 34-35). O trato de africanos trazia para a administração régia fontes de receita na saída e chegada em cada porto e muitas outras taxas que incidiam sobre cada pessoa escravizada (2000, p. 35-36). Ademais, a introdução de africanos diminuiu a escravização de indígenas e com isso se apaziguava a relação da coroa com os jesuítas e destes com os moradores da América portuguesa (2000, p. 36-37). Os africanos trazidos à força para a América eram mais vantajosos do que os índios porque sua oferta era mais regular e flexível e sua mortalidade era menor; a chegada de africanos por si mesma era fator de contaminação e adoecimento dos indígenas (2000, p. 39-40). Para os negociantes do Atlântico em geral, a compra de africanos facilitava as transações comerciais sem numerário circulando entre as colônias, o que é condição essencial do funcionamento da economia colonial, que deve gerar acumulação na metrópole, mas manter o território da colônia desprovido de moedas. Também conta enormemente na economia o fato de os escravos serem em si mesmos um ativo, tornando-se um símbolo de riqueza no período de vigência da escravidão.
Em síntese, buscando entender o Brasil colonial no Atlântico Sul, afirma Alencastro que o tráfico de africanos estava entranhado no comércio internacional antes mesmo da produção agrícola da América Portuguesa, e que o Brasil se tornou o maior importador de escravos porque sua metrópole manejava o maior mercado de africanos. Para o Brasil o tráfico não foi simplesmente, pois, efeito da escravização de africanos, e esta não foi apenas um efeito da necessidade de mão-de-obra. (2000, p. 42) Podemos entender, portanto, que houve relação entre a necessidade de mão-de-obra para a produção de açúcar e a escravização de africanos, mas que tal necessidade poderia ter sido equacionada de outra maneira caso os negócios de compra de escravizados na África não tivessem se mostrado rentáveis e politicamente convenientes para a coroa portuguesa.
Para compreender as pessoas que viviam na África como parte da humanidade e, por conseguinte, diferentes entre si, agentes e inseridos no decurso da história, é imperativo reconhecer que alguns grupos das sociedades africanas se beneficiaram do tráfico atlântico de escravos e por isso contribuíram não apenas para sua montagem nos séculos XV e XVI, mas para seu desenvolvimento ao longo dos três séculos seguintes. Segundo Lovejoy, ignorar o contexto interno africano no exame do tráfico atlântico e da escravidão nas Américas é um erro:
Aqueles que estudam a escravidão nas Américas sem referência à escravidão na África negligenciam um importante problema na história dos africanos. Os africanos passaram pela experiência da escravidão não apenas nas Américas, mas também na África. Além disso, a emancipação veio muito mais tarde na África. Concentrar-se na luta pela liberdade nos Estados Unidos, nas Índias Ocidentais ou outras regiões das Américas sem reconhecer a situação dos escravos na África introduz uma séria distorção na nossa compreensão da história dos escravos. O surgimento de um sistema internacional de escravidão uniu as Américas e a África, assim como a antiga história da escravidão nos países muçulmanos tinha atraído algumas regiões da África para a órbita islâmica. O desmonte desse sistema internacional exigiu mais do que a libertação dos escravos nas Américas, e o legado da opressão e do racismo nas Américas é apenas um aspecto da trágica herança da escravidão. (2002, p. 410).
Por seu turno, a narrativa do ISM de Liverpool atribui “apenas” agência reativa aos africanos, enunciando diversas vezes que as pessoas levadas pelo tráfico e forçadas à escravidão sempre resistiram, desde o início, em todas as oportunidades. Ressalvo com as aspas que tal resistência não é pouco; sem dúvida, só a resistência já dignifica e historiciza a população africana - principalmente se tal resistência for preenchida de conteúdo histórico, com pessoas, acontecimentos e processos estruturais -, mas não expõe as operações realizadas por negociantes africanos e, mais uma vez, colabora para um entendimento da África como apartada da história, como território-objeto, e para construir uma história que diminui consideravelmente a complexidade, a amplitude e a força da escravidão.
Os lucros do passado escravista no presente das lutas políticas
Como apontei, na abertura da segunda parte do ISM, dedicada ao tráfico e à escravidão, está posta a intenção de tratar “como os europeus se beneficiaram da escravidão”, ou seja, além da intenção de lembrar as atrocidades perpetradas contra a gente africana na época moderna, o objetivo passa também por apontar quem as perpetrou, e mais, quem se beneficiou desses horrores. Com efeito, assim como ocorreu com a memória dos horrores da Segunda Guerra Mundial cometidos contra a gente judaica, vemos que a construção social dessas memórias trágicas custa décadas de ativismo e debate público. Para uma síntese que precisaria ser adaptada a cada realidade, pode-se afirmar que a construção social da memória de tragédias inclui as seguintes etapas: o inventário do que aconteceu, listando as vítimas e os sofrimentos; a justiça, isto é, a necessidade de identificar, julgar e condenar os algozes; a verdade, o fazer lembrar para que não volte a acontecer, o que implica disseminar as informações sobretudo entre os jovens; o reconhecimento pelo estado e pela sociedade de que há obrigações a cumprir para com as vítimas, que é o dever de memória, do qual decorrem as demandas por reparação.
Uma coisa é nomear quem cometeu os crimes da escravidão e do tráfico no passado, avanço de memória que não alcançamos no Brasil. Outra é indicar quem responde atualmente por tais crimes, séculos depois. Em se tratando do presente, de um lado, todos os indicadores sociais - para as Américas, para a Europa e para a África - escancaram a desigualdade racial resultante do tráfico e da escravização de africanos durante os séculos XV, XVI, XVII, XVIII e XIX; de outro lado, não é fácil saber de quem e como cobrar pelos crimes de tanto tempo atrás; em diferentes países discutem-se políticas afirmativas e reparação, o que não é assunto deste artigo. Toco na problemática da reparação para mostrar que a maneira como apresentamos os criminosos do passado e, principalmente, como estabelecemos as conexões entre esse passado e o presente são elementos substanciais para as inescapáveis iniciativas reparatórias e, ainda, que a história e a memória construídas sobre o passado escravista estão atualmente sob forte influência da luta política.
A apresentação de vestígios arquitetônicos e urbanísticos oriundos do tempo do tráfico atlântico de africanos, ainda existentes na cidade de Liverpool, abre a parte do ISM dedicada às consequências e legados da escravidão. Em toda essa área do museu há mais ênfase e investimento expográfico no tratamento do racismo e da desigualdade racial, mostrando principalmente as realidades dos Estados Unidos da América, do Apartheid na África do Sul e dos países em desenvolvimento, nos quais os negros são até hoje os mais pobres. Bem mais sutil e discreta é a maneira de apresentar o que restou do tráfico e da escravização de africanos no território de Liverpool, onde vivem alguns dos descendentes daqueles que se beneficiaram da riqueza construída sobre a exploração da gente africana. Assim, um painel de plástico traz impresso um mapa da cidade no século XVIII (Figura 15), do qual se destacam algumas grandes edificações relacionadas às atividades do tráfico.
Painel de plástico do ISM mostra um mapa de Liverpool do século XVIII e destaca algumas edificações e benfeitorias urbanas construídas com a riqueza do tráfico de africanos no Atlântico. Julho de 2023.
Discreto, ali próximo desse mapa, um tótem pegado à parede carrega uma placa de cerca de 40cm de largura e 1,70m de altura, onde se lê que, embora Liverpool tenha mudado bastante desde o tempo do tráfico de escravos, muita coisa ainda existe. Diz essa placa que muitas ruas da cidade receberam nomes de pessoas que atuaram no tráfico e que algumas de suas casas e lugares de trabalho ainda existem. Entre os exemplos está a Duke Street, onde moravam vários dos grandes traficantes no século XVIII, e também o prédio da administração municipal, que era o centro político e comercial de Liverpool, cujas autoridades estavam envolvidas no tráfico.
Ainda menor e mais discreto, outro tótem traz uma tela onde slides são acionados por toques do visitante. A partir do primeiro slide - “Lucros da escravidão” -, pode-se escolher biografias divididas entre os campos “casas”, “bancos”, “indústria” e “caridade” (Figuras 16, 17 e 18).
Em tótem do ISM, primeiro slide da sequência intitulada “Lucros da escravidão” que permite encontrar biografias de traficantes e proprietários de escravos. Julho de 2023.
Em tótem do ISM, segundo slide da sequência intitulada “Lucros da escravidão” que permite encontrar biografias de traficantes e proprietários de escravos. Julho de 2023.
Em tótem do ISM, terceiro slide da sequência intitulada “Lucros da escravidão” que permite encontrar biografias de traficantes e proprietários de escravos. Neste caso, John Gladstone, pai de Primeiro Ministro. Julho de 2023.
As biografias desses homens, cujos nomes não estão à mostra na primeira tela, são quase todas montadas com informações históricas muito objetivas: foi dono do negócio tal, comandou a embarcação tal, atuou na administração do tráfico entre os anos de tanto a tanto, etc. Raras são as informações como a da tela acima, de John Gladstone, onde o primeiro parágrafo já anuncia que o biografado foi pai do primeiro-ministro William Ewert Gladstone, o que, no meu entendimento, representa uma maneira de implicar o estado britânico.
O único caso individualmente tratado de enriquecimento com o tráfico de africanos, numa placa de canto de corredor (Figura 19), com ilustrações, sobrenome de família e alcançando o século XX foi o de Richard Watt, que, segundo o texto, foi condutor de charrete em Liverpool e partiu para a Jamaica, onde fez fortuna e se tornou dono de plantation. Em 1795, adquiriu uma propriedade próxima de Liverpool, que ficou com sua família até o começo dos anos de 1920. Hoje essa propriedade, Speke Hall, encontra-se patrimonializada e aberta ao público. Note-se, pois, que o caso mais concretamente mostrado de enriquecimento privado, com respectiva materialidade monumental ainda existente, foi suavizado pelo fato de a Speke Hall já se encontrar sob o National Trust.
No ISM, na área expográfica dedicada aos legados do tráfico e da escravidão, placa no canto de um corredor trata do escravocrata Richard Watt e de sua propriedade Speke Hall. Julho de 2023.
Como afirmei, uma coisa é apontar os criminosos do passado, outra é estabelecer relações e continuidades dos crimes no presente, sobretudo apontar quem pode ser responsabilizado e cobrado pelos horrores do passado; tais relações de continuidade não são simples de formular e requerem grande força política para serem enunciadas.
O Brasil escravista foi mais do que plantations
Nas três partes do ISM apresentam-se pessoas e acontecimentos referentes a diversos lugares e países. Sem dúvida, quando se trata do tráfico atlântico, há mais dados relativos a Liverpool. Quando se trata das práticas racistas, os Estados Unidos são o destaque. Quando o assunto são as desigualdades, o foco recai sobre países pobres.
Para o tratamento da escravidão propriamente dita, o destaque está nas sociedades de plantation, mormente nos Estados Unidos e no Caribe; o realce se faz por uma grande maquete representando uma plantation de açúcar (Figura 20), na qual o visitante pode escolher entre casa-grande, lavoura, moinho, moradas de escravos etc., apertando um botão que acende uma luz dirigida e dispara um áudio sobre o elemento escolhido.
No ISM, na sala mais ampla da área reservada à escravidão, uma grande maquete representa uma plantation açucareira. Julho de 2023.
Guardando o óbvio - o museu de Liverpool não foi construído para tratar da escravidão brasileira -, quero mostrar como a ênfase na plantation, disseminando a ideia de que pessoas escravizadas viveram em funções e áreas estritas, em ambiente rural, dificulta e até mesmo deturpa o entendimento da sociedade brasileira, que, apesar de intensamente escravista, não se resumiu a uma sociedade de plantation. Rafael Marquese e Ricardo Salles afirmam que “pelo menos de 1700 em diante, em nenhum momento da história da escravidão brasileira os cativos dos engenhos, minas e cafezais compuseram a maioria dos escravos residentes no Brasil” (2016, p. 128).9 Em boa parte da história escravista do Brasil, principalmente no último século e meio, a maior parte dos escravos estava em plantéis pequenos e médios. As cidades brasileiras no século XIX, principalmente as maiores, tinham pessoas escravizadas trabalhando em diferentes atividades para senhores e senhoras pertencentes a diferentes classes sociais.
Uma abordagem rasa, aliada a pouca informação histórica, pode distorcer a realidade passada e gerar um falso entendimento, pois afirmar que a maior parte dos escravizados no Brasil estava fora das plantations não torna suas vidas mais fáceis. Lembremos que a escravidão doméstica implicava em controle diuturno sobre as pessoas escravizadas. No mesmo sentido, o fato de, no Brasil, as pessoas trabalharem sob condição escrava em setores muito variados - comércio, transporte, obras públicas, lavoura e pecuária em pequenas propriedades, trabalho doméstico etc. - não nos configurava como uma sociedade livre da lógica da exploração capitalista:
Mesmo a escravidão doméstica, praticada por indivíduos não raro libertos ou descendentes de libertos, possuidores de um ou dois cativos, amplamente disseminada espacial e socialmente no Brasil dos oitocentos, só foi possível e se desenvolveu por conta do significado simbólico, social e econômico que a escravidão mercantil conferia à posse de cativos. O tráfico internacional de escravos foi o grande mecanismo que permitiu essa difusão da escravidão brasileira. A plantation escravista do século XIX não foi um enclave que se sobrepôs a um tecido social e escravista disperso herdado do século XVIII: foi sua espinha dorsal. (Marquese; Salles, 2016, p. 130).
Há três décadas, no magistral Das cores do silêncio, Hebe Mattos (1998) apontava que o censo de 1872 mostrou que o grupo formado por gente negra e livre - mestiços incluídos - era o maior da população em várias partes do Império brasileiro, beirando os 70% na Bahia e, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, “eram sempre superiores em número aos escravos e, frequentemente, à população branca recenseada” (1998, p. 33). A partir dessa feição demográfica, pode-se estabelecer muitas relações,10 mas a que interessa aqui é: apesar de o Brasil ter abrigado a sociedade mais intensamente escravista entre os séculos XVI e XIX, nossa escravidão não pode ser representada por uma plantation, já que no território brasileiro não houve apenas um diminuto grupo de pessoas livres brancas proprietárias de um majoritário grupo de pessoas negras escravizadas.
A escravidão no Brasil foi forte e duradoura justamente porque penetrou nas diferentes camadas sociais, porque se disseminou por muitas esferas da realidade social e econômica. O fato de se enraizar com maior capilaridade, de se disseminar entre proprietários pobres e de se acomodar entre um grande número de pessoas negras e livres, não ameniza os horrores de nossa escravidão. O fato de não cabermos no modelo de uma plantation caribenha não melhora o que aconteceu no passado do território brasileiro e não enfraquece a luta contra as desigualdades do presente, mas sim torna mais difícil a tarefa de apresentar nosso passado escravista de maneira crítica, progressista, comprometida com a extinção da desigualdade racial e do racismo.
Para a construção da memória da escravidão no Brasil
A construção social das memórias de grandes tragédias requer luta política em diferentes esferas - muito além dos museus - e custa tempo. No caso da memória do tráfico e da escravidão, recordemos os avanços da pesquisa histórica e da afirmação política de negros e negras em muitas esferas sociais. Novos dados e horizontes políticos obrigam a repensar continuamente os entendimentos que temos do passado escravista.
Nos dias em que visitei o International Slavery Museum de Liverpool soube que o museu se preparava para um fechamento temporário. Nos últimos anos, a equipe apercebeu-se de diversos problemas de sua exposição - inclusive históricos - e da necessidade de criar um ambiente condizente com o sofrimento que pode acometer pessoas negras, um ambiente que procure evitar atitudes desrespeitosas. Segundo me disse a educadora Lois South: “espero que tenhamos lugar para as pessoas sentarem e refletirem”. Uma das primeiras grandes iniciativas museais para tratar da escravidão e do tráfico atlântico, com poucos anos de existência, o ISM já se vê obrigado a renovações. De fato, toda aquela área será renovada. Segundo um folheto do National Museums, o Maritime Museum será transformado de modo que suas narrativas da história marítima possam subsidiar o museu da escravidão; para criar lugares de aprender e de refletir, o trabalho será realizado juntamente com as comunidades local, nacional e internacional.
Como indicam as inconsistências do museu de Liverpool, é tarefa imensa dar conta da complexidade histórica e política para avançar na construção da memória da escravidão no Brasil; é preciso arranjar maneiras de expor tamanha complexidade nos museus - e nos demais lugares - que tratam da escravização e do tráfico de africanos.
Pontos difíceis não são o principal numa narrativa museal, mas permitem trabalhar com complexidade, e enfrentá-los pode garantir uma compreensão mais consistente da exploração entre grupos e classes sociais. Sabendo que durante os vários séculos da escravidão moderna os proprietários e negociantes de escravos foram hegemonicamente pessoas brancas, podemos mostrar a atuação de pessoas oriundas da África nesses negócios, podemos apresentar conjunturas onde isso se deu, de maneira a garantir que africanos sejam melhor inseridos na história, possibilitando entender a multiplicidade de experiências de escravização e a complexidade da sociedade escravista brasileira; no limite, ajudando a compreender as sutilezas e a força de nosso racismo e não corroborando uma visão superficial do passado, em que a cor da pele ou o local de nascimento determina a maneira de agir de uma pessoa ou de um grupo.
Quanto mais passa o tempo, mais afiadas estão nossas sensibilidades para os riscos de resvalar em racismo e conservadorismo. Também fica mais apurada nossa percepção da desigualdade racial e de como ela resulta de séculos de tráfico e de escravização.11 Os indicadores objetivos do quadro social, político e econômico do Brasil, com sua perturbadora assimetria entre brancos e negros, infelizmente asseguram que nosso passado foi nefasto. Excluídas a obstinada resistência das vítimas da escravidão e as louváveis experiências de quem conseguiu ultrapassar a condição escrava, se alguma informação acerca do passado escravista parece abrandar o horror vivido por 12 milhões de pessoas entre os séculos XV e XIX, se alguma ideia sobre esse período parece diminuir o racismo e a desigualdade racial no Brasil, há erro. Se uma das maiores tragédias da história da humanidade parece amenizada, é preciso checar os dados, comparar diferentes conjunturas, matizar categorias de análise, movimentar o foco entre o geral e o particular, contextualizar falas e atitudes e, essencialmente, verificar a interpretação dos acontecimentos.
Evitar complexidades construindo atalhos para não passar em pontos difíceis é para quem quer seguir os caminhos da moda e ganhar amigos com rapidez. Caminhos curtos e ideias simples também servem à luta política imediata, que tem suas formas próprias de linguagem, de legitimação e de contestação. Na parte que toca ao entendimento do passado elaborado por especialistas e pela sociedade em museus históricos, os encurtamentos e simplificações fragilizam a verdade histórica, fonte e base que se espera para qualquer compreensão e ação emancipatória, antirracista e reparadora.
Referências
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- ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
- ARAUJO, Ana Lucia. Memória pública comparada da emancipação e da abolição da escravidão: Abraham Lincoln e princesa Isabel. In: MACHADO, Maria Helena P.T.; CASTILHO, Celso Thomas (org.). Tornando-se livre: agentes históricos e lutas sociais no processo de abolição. São Paulo: Editora da USP, 2015. p. 451-473.
- ARAUJO, Ana Lucia. Museums and Atlantic slavery Nova Iorque: Routledge, 2021.
- BLACKBURN, Robin. A construção do escravismo no Novo Mundo: do barroco ao moderno, 1492-1800. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2003.
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- MAGALHÃES, Aline Montenegro et al Notas sobre a Diáspora Africana na exposição e nas ações educativas do Museu Histórico Nacional. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 51, p. 44-64, 2019.
- MAGALHÃES, Aline Montenegro. Violência e Folclorização: a musealização da escravidão e da cultura negra no Museu Histórico Nacional. Samba em Revista, Rio de Janeiro, ano 14, n. 13, p. 91-96, 2022.
- MARQUESE, Rafael; SALLES, Ricardo. A escravidão no Brasil oitocentista: história e historiografia. In: MARQUESE, Rafael; SALLES, Ricardo (org.). Escravidão e capitalismo histórico no século XIX: Cuba, Brasil, Estados Unidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2016. p. XX-XX
- MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista, Brasil Século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
- MATTOS, Hebe. Passados sensíveis: ainda ‘o caso do Bracuí’ e a difícil memória do contrabando de africanos escravizados no Rio de Janeiro. Samba em Revista, Rio de Janeiro, ano 14, n. 13, p. 29-36, 2022.
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-
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» https://mandes.uy/ - ROSALDO, Renato. Cultural & truth: The remaking of social analysis. Boston: Beacon Press, 1989.
- SANTOS, Ynaê Lopes dos. Racismo brasileiro: uma história da formação do país. São Paulo: Todavia, 2022.
- SILVA, Jessika Rezende Souza da. Histórias de luta dos negros: narrativas históricas e antirracismo no Museu Afro Brasil e no National Museum of African American History & Culture. 2012. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
- SMITH, Laurajane. ‘Man’s inhumanity to man’ and other platitudes of avoidance and misrecognition: an analysis of visitor responses to exhibitions marking the 1807 bicentenary. Museum and Society, v. 8, n. 3, p. 193-214, 2010.
Notas
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1
A Fazenda do Pinhal é bem tombado nas três esferas de patrimônio: pelo Iphan, pelo Condephaat e pelo Comdephaasc. A dita renovação observa diretrizes do Plano Diretor de Gestão Patrimonial, aprovado em 2022, formulado pelo professor Paulo Garcez Marins, do Museu Paulista/USP.
-
2
Se pensarmos os passados difíceis do ponto de vista da recepção, as variáveis são inúmeras e é impossível garantir que o público apreenda e interprete os conteúdos históricos que lhe são apresentados na direção desejada pelos criadores do material em tela. Sobre escravidão e tráfico de africanos, uma pesquisa instigante e profícua foi coordenada por Laurajane Smith (2010) a partir das visitas às exposições que comemoravam o bicentenário do fim do tráfico na Inglaterra, em 2007; uma boa síntese da pesquisa está no artigo aqui indicado, de 2010. Sob a mesma perspectiva, e também em caráter sintético, a partir de turistas nas plantations do Sul dos Estados Unidos, ver Alderman, Butler e Hanna (2016).
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3
Com exceção da Figura 3, todas as imagens deste texto constituem-se em tomadas fotográficas feitas por mim com o objetivo de documentar um elemento específico da expografia do Museo Andes 1972 e do ISM; por isso, as imperfeições técnicas de recorte e iluminação compõem o que se quer demonstrar, acentuando o fato de que se trata de painéis, telas e outros dispositivos em determinado lugar e vistos sob determinado ângulo. Para apresentar tais elementos da exposição museográfica, não bastam apenas o conteúdo e o suporte, é desejável ressaltar a condição em que foram apreendidos.
-
4
As maneiras como a sociedade ocidental contemporânea constrói memória requerem atenção que ultrapassa o escopo desse artigo. Valeria considerar, principalmente, três aspectos: a multiplicidade de memórias; seus novos meios, fluxos e ritmos, que as colocam permanentemente em reorientação e atualização; as iniciativas e políticas governamentais. Os museus são uma parte na construção da memória social.
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5
O ISM nasceu como um desdobramento da Transatlantic Slavery Gallery, inaugurada no museu marítimo em 1994; ver Araujo (2021, p. 15-16). Financiada por uma fundação filantrópica, essa galeria foi uma tentativa de responder aos protestos e denúncias de racismo por parte da população negra de Liverpool desde os anos de 1980, voltados principalmente contra a violência policial. A partir da repercussão da galeria de 1994, foi se evidenciando a necessidade de tratar do passado de Liverpool a partir do tráfico de africanos escravizados, já que a cidade chegou a ser o principal porto desse comércio no século XVIII, bem como a necessidade de inserir gente negra nesse trabalho sobre o passado, fossem os acadêmicos, os profissionais de museu ou as lideranças de movimentos sociais. Em 2007, a comemoração dos 200 anos da decretação do fim do tráfico negreiro pela Inglaterra e dos 800 anos de Liverpool intensificaram os debates em torno do tema da escravidão e do tráfico atlântico. Houve inúmeras iniciativas - museais, teatrais, acadêmicas, etc. - para tratar desse bicentenário por todo o Reino Unido. Desde o século XIX houve grande investimento nas comemorações da extinção do tráfico de africanos, afinal esta é uma história nacional muito conveniente: a de que o papel da Inglaterra na história da escravização de africanos foi precipuamente terminar com o tráfico de negros e lutar para que outras regiões do mundo também o fizessem.
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6
Além dessa conversa com Lois South, reuni-me com os curadores Miles Greenwood e Madelyn Walsh. Nossas conversas, entretanto, pouco tangenciaram o assunto deste artigo, pois centraram-se em três aspectos: a formação dos profissionais que atuam no ISM, a imagem que a população de Liverpool construiu para si e as dificuldades de adquirir artefatos para tratar da escravidão.
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7
Um caso de deslize no tratamento da África anterior à escravidão dá-se no APEX - African-American Panoramic Experience, localizado em Atlanta/Geórgia. O lema do professor Asa Gilliard III está posto logo na entrada: “Never let them begin our history with slavery”; contudo, toda a parte dedicada à África tem investimento expográfico muito menor, com uma infinidade de textos expostos em A4 plastificado, com cronologia que abarca 6 mil anos, sem as imagens e outros recursos que proliferam no museu assim que o assunto adentra no tráfico atlântico.
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8
Ver, em sentido semelhante, a análise de Aline Montenegro Magalhães acerca de como a diáspora africana está apresentada na exposição de longa duração do Museu Histórico Nacional: Magalhães (2019) e Magalhães (2022).
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9
Tais afirmações estão embasadas nos estudos sistemáticos de Francisco Vidal Luna e Herbert Klein, principalmente no livro Escravismo no Brasil, publicado pela Edusp em 2010. Optei por referi-las em Marquese e Salles porque se trata de obra mais recente e que se constitui num balanço da produção historiográfica sobre o tema.
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10
Por exemplo, o abundante e contínuo fornecimento de africanos no mercado de escravos brasileiro ao longo dos séculos e o alto índice de alforrias no Brasil, se comparado ao de outras sociedades escravistas; sem falar na mestiçagem, elemento também marcante da sociedade brasileira, no passado e na atualidade, e nos usos equivocados e perigosos que dela se fez, sendo o maior deles a criação do mito da democracia racial.
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11
A linha de continuidade inexorável que estabeleço mereceria reflexão teórica e abordagem de nossa história desde o pós-abolição, a fim de compreender como carregamos até a atualidade os horrores do período escravista. Como este artigo não comporta tais desdobramentos, sugiro a boa e recente síntese de Ynaê Lopes dos Santos (2022) no livro Racismo brasileiro: uma história da formação do país.
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Declaração de disponibilidade de dados:
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Disponibilidade de dados
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
21 Abr 2024 -
Aceito
19 Nov 2024





















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