Acessibilidade / Reportar erro

“E saber a língua geral de índios”: reconfigurações linguísticas nas vilas de índios da capitania da Bahia

“And to know the general language of indigenous people”: linguistic reconfigurations in indigenous villages of the captaincy of Bahia

RESUMO

Na segunda metade do século XVIII, a política linguística determinada pelo Diretório dos índios, ou pombalino, previa a obrigatoriedade do uso e ensino da língua portuguesa, assim como a proibição das línguas indígenas e, de forma particular, da chamada língua geral. Quando o Diretório foi confirmado e estendido ao Estado do Brasil, o tribunal especial do Conselho Ultramarino, instalado na Bahia, ficou encarregado de tomar as providências necessárias para execução dessa nova política indigenista do governo de D. José I. Considerando a “civilidade” das populações indígenas que o governo josefino pretendia alcançar, este trabalho discute a política linguística expressa no Diretório e as suas formas de implementação por meio da “escola para índios” nas vilas erigidas na Capitania da Bahia, variáveis fundamentais para a compreensão do avanço da língua portuguesa nesses espaços e suas implicações, o que não significa o imediato desaparecimento das línguas indígenas. Na perspectiva de uma história social da cultura escrita, reflete-se sobre os agenciamentos dos indígenas vilados e as estratégias de negociações e resistências ao processo de “civilização” expresso na política indigenista da Coroa portuguesa no tocante à gestão das línguas, que se manifestam nas permanências dos usos das línguas indígenas.

Palavras-chave:
Capitania da Bahia; vilas de índios; políticas linguísticas; Diretório dos índios; língua geral

ABSTRACT

In the second half of the 18th century, the language policy laid down by the Directory of the Indians, or Pombalino, provided for the compulsory use and teaching of the Portuguese language, as well as the prohibition of indigenous languages and, in particular, the so-called general language. When the Directory was confirmed and extended to the State of Brazil, the special court of the Overseas Council, installed in Bahia, was in charge of taking the necessary measures to implement this new indigenous policy of the government of D. José I. Taking into account the "civility" of the indigenous populations that the government of José I wanted to achieve, this work discusses the linguistic policy expressed in the Directory and its forms of implementation through the "school for indigenous" in the villages erected in the Captaincy of Bahia, fundamental variables for the understanding of the advance of the Portuguese language in these spaces and its implications, which does not mean the immediate disappearance of the indigenous languages. From the perspective of a social history of written culture, it is reflected on the agencies of the indigenous villagers and the strategies of negotiations and resistance to the process of "civilization" expressed in the indigenous policy of the Portuguese Crown with regard to the management of languages, which are manifested in the continuing uses of indigenous languages.

Keywords:
Captaincy of Bahia; indigenous villages; linguistic policies; Directory of indians; general language

Na segunda metade do século XVIII, embora as línguas gerais de base indígena, extrapolando os aldeamentos jesuíticos, fossem ainda faladas em diversos espaços e por brancos, índios, africanos escravizados e seus descendentes, sobretudo os “mestiços”, diversos fatores sócio-históricos atuaram para uma redefinição da realidade linguística da América portuguesa em direção à hegemonia do português. O multilinguismo, que era generalizado desde os inícios da conquista e da colonização, começa a localizar-se, abrindo os caminhos para a emergência e a difusão do português brasileiro (MATTOS E SILVA, 2004MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Português brasileiro: raízes e trajetórias. In: MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. p. 11-28.). A política linguística definida no Diretório dos índios, ou pombalino,1 1 Formado, em 1757, por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Governador e Capitão General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, o Directorio, por meio do alvará de 17 de agosto de 1758, foi confirmado e estendido para o Estado do Brasil até sua revogação por meio da Carta régia de 12 de maio de 1798. Lei colonial que se tornou conhecida como Diretório pombalino ou Diretório dos índios, em seus 95 parágrafos, trata da política indigenista implementada pelo governo de D. José I (1750-1777). Sobre a formulação desta lei, indicamos a tese de Mauro Cezar Coelho (2005). teria desempenhado um papel significativo para a definição da realidade linguística do Brasil atual, mas não podemos deixar de considerar as diferentes formas de apropriação dessa legislação pelos povos indígenas, revelando assim as estratégias de negociação e de resistências e os agenciamentos frente à imposição da língua portuguesa e à proibição das línguas indígenas dos diversos grupos etnolinguísticos e, em particular, da língua geral, ou das línguas gerais.

Desde a década de 1990 que o Diretório dos índios tem ganhado destaque nos estudos sobre a história dos povos indígenas do Brasil, a exemplo do pioneiro estudo de Domingues (1995DOMINGUES, Ângela. A educação dos meninos índios do Norte do Brasil na segunda metade do século XVIII. In: NIZZA DA SILVA, Maria Beatriz (Coord.). Cultura portuguesa na Terra de Santa Cruz. Lisboa: Editorial Estampa, 1995. p. 67-77.), que trata da educação dos meninos índios nas capitanias do Norte do Brasil. Com certa predominância de trabalhos relativos à região do Grão-Pará e Maranhão, os estudos ocuparam-se de outros espaços como Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande (Rio Grande do Norte), Paraíba, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande de São Pedro (Rio Grande do Sul).2 2 Para definir o perfil dos estudos, realizamos uma busca no banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por meio do site http://bancodeteses.capes.gov.br/banco-teses/#!/, utilizando as seguintes chaves de busca: “Diretório”, “Diretório pombalino”, “Diretório dos índios”, “vilas”, “vilas de índios”, “vilas de índios no século XVIII”, “educação escolar indígena”, “educação indígena” e “educação indígena no século XVIII”. Em seguida, fizemos a leitura dos resumos das dissertações e teses identificadas, com vistas a localizar aquelas que tratariam da temática relativa à aplicação do Diretório dos índios, independentemente de focalizarem a questão educativa, o que nos permitiu caracterizar os trabalhos realizados até o momento sobre a temática em questão. Alguns trabalhos apresentam uma visão panorâmica da aplicação do Diretório na respectiva capitania como um todo, outros tratam de espaços mais pontuais, como uma vila em específico. Embora não tenham o objetivo principal de discutir a escolarização dos meninos e meninas indígenas sob a ótica do Diretório, muitos estudos possuem seções específicas em que a atenção se volta para a temática. No caso da historiografia baiana, mesmo não tratando da política linguística nas vilas de índios da Bahia setecentista, os trabalhos de Santos (2012SANTOS, Fabricio Lyrio. Da catequese à civilização: colonização e povos indígenas na Bahia (1750-1800). 2012. 315 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012., 2014SANTOS, Fabricio Lyrio. Da catequese à civilização: colonização e povos indígenas na Bahia. Cruz das Almas, BA: Editora UFRB, 2014.), Cancela (2012CANCELA, Francisco Eduardo Torres. De projeto a processo colonial: índios, colonos e autoridades régias na colonização reformista da antiga capitania de Porto Seguro (1763-1808). 2012. 337 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.) e Marcis (2013MARCIS, Teresinha. A integração dos índios como súditos do rei de Portugal: uma análise do projeto, dos autores e da implementação na Capitania de Ilhéus, 1758-1822. 2013. 309 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.) apontaram-nos elementos que nos permitiram traçar o caminho de nossa discussão, inclusive na indicação de fontes documentais, trazendo importantes contribuições para a compreensão geral do processo de implantação da política indigenista pombalina na Bahia colonial.

No presente artigo, discutimos as formas de implementação da política linguística expressa no Diretório dos índios e nas orientações subsequentes, nas vilas de índios erigidas na Capitania da Bahia, incluídas as vilas das antigas Capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro, que foram transformadas em Comarcas e Ouvidorias na segunda metade do século XVIII. Fundamentando-se na perspectiva de uma história social da cultura escrita, com vistas a lançar luz sobre a história social linguística do Brasil e, em específico, da Bahia, refletiremos, de início, sobre a natureza dessa política linguística e suas implicações para os povos indígenas. Em seguida, a partir de fontes documentais do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), do Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB) e da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BNRJ), voltaremos nossa atenção para as situações relacionadas às formas de implementação da referida política linguística nas vilas de índios, apresentando indícios para uma discussão sobre o avanço da língua portuguesa nesses espaços, em função da emergência das escolas para índios, com vistas ao ensino do ler, escrever e contar, mas também atestando as permanências de uso das línguas indígenas, apesar da incisiva determinação do decreto pombalino.

“Será hum dos principáes cuidados dos Directores, estabelecer nas suas respectivas Povoaçoens o uso da Lingua Portugueza”: políticas linguísticas e Diretório dos índios

A prática de intervir na língua ou nas situações linguísticas não se constitui como algo novo, na medida em que “sempre houve indivíduos tentando legislar, ditar o uso correto ou intervir na forma da língua. De igual modo, o poder político sempre privilegiou essa ou aquela língua, escolhendo governar o Estado numa língua ou mesmo impor à maioria a língua de uma minoria” (CALVET, 2007CALVET, Louis-Jean. As políticas lingüísticas. Tradução Isabel de Oliveira Duarte, Jonas Tenfen e Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial; IPOL, 2007., p. 11). Nesse sentido, podemos considerar que o processo de oficialização de uma língua pelo Estado, apesar da suposta neutralidade da escolha de determinada língua em detrimento de outras possíveis em espaços plurilíngues, reflete uma inequívoca conexão entre as relações de poder e a definição de certas políticas linguísticas. Considerando que a relação entre linguagem e sociedade se dá pela linguagem, entendida esta como ação social, as políticas linguísticas constituem-se, portanto, como instrumentos e espaços de relações de poder e de conflitos de interesses.

Na América portuguesa, a prática de legislar sobre as línguas e seus falantes, definindo seu estatuto e situações de uso, remonta aos séculos da conquista e da colonização, como nos revela a atuação dos jesuítas iniciada na segunda metade do século XVI, que se refletiu no processo de gramatização das línguas indígenas, ou, ainda, à política linguística pombalina de imposição da língua portuguesa, em meados do século XVIII. Vale destacar que, desde o século XVII, vemos a intenção por parte das autoridades reinóis da abertura de escolas para ensino do português. Localizamos no AHU, na documentação referente à Capitania do Maranhão, uma cópia do alvará de D. Pedro II, posterior a 26 de abril de 1688ALVARÁ do rei D. Pedro II, sobre os índios: liberdade, casamento com portugueses e aprendizagem da língua portuguesa. Posterior a 26 de abril de 1688. AHU_CU_009, Cx. 7, D. 795., mas sem datação específica, que trata, entre as diversas questões relativas à liberdade dos índios e aos casamentos com portugueses e portuguesas, da instituição do ensino de língua portuguesa para os índios e da instituição de escolas para tal fim, além de também fazer críticas explícitas à prática de promoção da “língua geral do Brasil”. Apesar de se tratar de práticas que se distanciavam quanto aos mecanismos para suas respectivas implementações, tanto as ações dos jesuítas quanto as determinações do Diretório dos índios resultaram em perdas linguísticas irreparáveis para o cenário inter-, pluri- e multilíngue do Brasil, manifestadas nos glotocídios, ou nas restrições de espaços de uso das línguas indígenas, sobretudo inscritas a espaços ritualísticos, mas que revelam os agenciamentos e as estratégias de resistência dos povos indígenas ao longo da história.

O projeto colonizador, inicialmente pautado no que temos chamado de política linguística jesuítica, definiu metas que implicaram a produção de descrições linguísticas e de material nas línguas descritas, assim como ações para normatizá-las. Tornar as línguas indígenas inteligíveis, ou seja, “domesticadas” ao pensamento europeu, seria uma das estratégias para resolver os problemas de comunicação com vistas a uma pan-comunicação. Emerge, portanto, uma política de gestão das línguas na direção de buscar homogeneizar a diversidade linguística por meio da gramatização das línguas indígenas, visto que o multilinguismo se constituía como um empecilho ao trabalho missionário de conversão e catequese, sendo necessária a redução a apenas uma língua, preferencialmente a mais comum e mais usada por um maior número de falantes, ou seja, a mais geral. Vale destacar que, embora o item lexicalizado língua geral seja usado na documentação em sua forma singular, o seu uso recobre situações sociolinguísticas diversas.

No século XVI, já evidenciamos os passos iniciais no processo de gramatização das línguas indígenas, consequência da política linguística dos jesuítas que perdurará até 1758, quando o Diretório dos índios será confirmado e estendido ao Estado do Brasil. Evidentemente, a expulsão dos jesuítas de Portugal e seus domínios, em 1759, não significou que as línguas gerais deixaram de ser faladas, como discutiremos adiante. Uma prática de circulação de artes de gramática e dicionários com vistas à formação dos catequizadores teria sido constante nos séculos da conquista e colonização, marcados pela atuação da Companhia de Jesus até a primeira metade do século XVIII. Considerando que o uso desses livros foi generalizado na formação dos missionários das diversas Ordens religiosas, temos optado por fazer uma leitura metonímica da documentação, à medida que assumimos que a realidade descrita não estava circunscrita a apenas um espaço, mas à América portuguesa, sem perder de vista as especificidades das diversas capitanias. Nas fontes do APEB, a localização de um inventário realizado no momento de instalação da Vila Nova de Abrantes, em 1758, vai ao encontro de nossa hipótese quanto à generalizada circulação das supracitadas obras. Pelo levantamento dos títulos apresentados no inventário, haveria, no Hospício dos jesuítas que missionavam no aldeamento do Espírito Santo, elevado à condição de Vila de Abrantes - a primeira vila erigida por determinação do tribunal especial do Conselho Ultramarino instalado na Bahia, em 1758 -, duas “Artes da Lingoa Brazilica”3 3 Nos trechos da documentação citada ao longo do trabalho, optamos por uma transcrição conservadora, na direção de uma edição semidiplomática das fontes, mantendo as características linguísticas. Nas citações dos trechos, utilizamos o itálico para desenvolver as abreviaturas, com vistas a garantir uma leitura mais fluida do texto. e dois “Cathecismos Brazilicos”. O documento localizado no APEB não é datado, mas, considerando que a Vila Nova de Abrantes foi estabelecida no dia 8 de outubro de 1758, pelo Juiz de Fora da Cidade da Bahia, João Ferreira Bittencourt e Sá, o inventário, possivelmente, foi realizado nessa ocasião, já que, além de estabelecer a vila, também havia a ordem do sequestro dos bens dos jesuítas. Acreditamos que a análise de inventários dos bens da Companhia de Jesus nos diversos aldeamentos elevados a vilas de índios pode confirmar essa prática de circulação de artes de gramática e de outras obras em “Lingoa Brazilica” entre os religiosos.

O intenso contato entre portugueses e indígenas, aliado à atividade catequética, deu origem, às chamadas línguas gerais, que serviam como veículos de intercomunicação. Embora tenhamos identificado na documentação que trata desse período de nossa história o uso de língua geral associado à ideia de singularidade, deixando a entender que só existia uma língua geral, diversos estudos têm demostrado a existência de mais de uma língua geral, a chamada língua geral paulista, que seria falada nas regiões Sudeste e Sul, a língua geral amazônica, associada à conquista e à colonização da região Norte, como discute Freire (2004FREIRE, José Ribamar Bessa. Rio Babel: a história das línguas na Amazônia. Rio de Janeiro: EdUERJ; Atlântica, 2004.), e a língua geral do Sul da Bahia, definida e caracterizada nos trabalhos de Nobre (2011NOBRE, Wagner Carvalho de Argolo. Introdução à história das línguas gerais no Brasil: processos distintos de formação no período colonial. 2011. 229 f. Dissertação (Mestrado em Letras e Linguística) - Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011., 2015NOBRE, Wagner Carvalho de Argolo. História linguística do Sul da Bahia (1534-1940). 2015. 307 f. Tese (Doutorado em Língua e Cultura) - Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.).

A formação da língua geral paulista está associada ao início da colonização do Brasil por Martim Afonso de Souza, que chega à Capitania de São Vicente (Vilas de São Vicente e do Rio de Janeiro), em 1532. Nas relações de cunhadismo, em que “estranhos” eram incorporados à comunidade indígena por meio do casamento com as índias, uma prática fundamental no processo de colonização inicial do Brasil, estariam a base de aquisição do Tupinambá como primeira língua (L1) e, posteriormente, do português como segunda língua (L2) pela nova e mestiça população que se formava. A amplitude da língua geral paulista também deve ser considerada a partir da atuação dos jesuítas “línguas” (intérpretes). No início, a Companhia de Jesus teria visto os “mestiços da terra”, ou seja, os mamelucos, como indivíduos aptos a atuarem como intérpretes e, assim, auxiliarem na conversão do gentio (MONTEIRO, 2001MONTEIRO, John M. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. 2001. 233 f. Tese (Livre Docência) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.), mas, considerando que a catequese se dava por meio da oralidade, era necessário que os missionários também aprendessem as línguas nativas por diversas razões. “Um primeiro problema frequentemente lembrado nos relatos jesuíticos dizia respeito à confissão, posto que muitos padres com pouco conhecimento da língua ouviam-na através de intérpretes” (MONTEIRO, 2001MONTEIRO, John M. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. 2001. 233 f. Tese (Livre Docência) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001., p. 38), prática que o próprio Bispo D. Pedro Fernandes Sardinha, em 1552, teria considerado estranha. Por conta da importância da oralidade na evangelização e, até mesmo, do fato de que “entre os índios das missões, conforme se verifica nos relatos dos jesuítas, a palavra falada em voz alta predominava sobre a palavra escrita, muito embora os índios se mostrassem fascinados com o ato de escrever” (MONTEIRO, 2001MONTEIRO, John M. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. 2001. 233 f. Tese (Livre Docência) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001., p. 38), a Companhia de Jesus lançou-se à formação de línguas no quadro de seus membros. Além da atuação dos jesuítas, podemos considerar que o desenvolvimento e a expansão das bandeiras paulistas, compostas principalmente por mamelucos falantes de língua geral, impactaram na ampliação do espaço de uso dessa língua, que se tornou a língua de colonização dos interiores brasileiros pelos bandeirantes que partiram de São Paulo e chegaram a Minas Gerais, à região sul de Goiás, ao Mato Grosso e ao norte do Paraná.

Segundo Nobre (2015NOBRE, Wagner Carvalho de Argolo. História linguística do Sul da Bahia (1534-1940). 2015. 307 f. Tese (Doutorado em Língua e Cultura) - Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.), a língua geral do Sul da Bahia, também uma variedade do Tupinambá, teria se formado em condições sociolinguísticas semelhantes à língua geral de São Paulo. Inscrita nas regiões político-administrativas das antigas Capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro, essa língua geral teria emergido das situações de bilinguismo nas quais a população mameluca local esteve envolvida. Diferentemente da língua geral paulista, não se tem notícia da língua geral do Sul da Bahia ter se expandido para outras capitanias, tendo seu uso, possivelmente, se limitado à região onde se constituiu, mas ao longo de toda a sua extensão, desde o sul da Baía de Todos os Santos, ao sul da antiga Vila de São Mateus, hoje, cidade de São Mateus, no Estado do Espírito Santo.

Em relação à língua geral amazônica, consideramos oportuno destacar a sua mudança de estatuto ao longo dos anos, de “língua de branco” a “língua de índio”. Barros, Borges e Meira (1996BARROS, Maria Cândida D. M.; BORGES, Luiz C.; MEIRA, Márcio. A língua geral como identidade construída. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, v. 39, n. 1, p. 191-219, 1996.) indicam três diferentes papéis que a língua geral teria assumido ao longo da história de ocupação da Amazônia, do século XVII ao século XX: no primeiro contexto, a língua geral é vista como uma língua “construída” pelos brancos, a partir do Tupinambá, sendo, portanto, uma “língua de branco”, na medida em que “o colonizador se apropria de um traço cultural do ‘outro’ e o transforma num elemento-chave da ação colonizadora, impondo sua própria religião e seu modo de vida às diversas etnias nativas” (BARROS; BORGES; MEIRA, 1996BARROS, Maria Cândida D. M.; BORGES, Luiz C.; MEIRA, Márcio. A língua geral como identidade construída. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, v. 39, n. 1, p. 191-219, 1996., p. 192); no segundo momento, será uma língua retomada pelos intelectuais engajados na construção de um Estado-Nação, enquanto traço cultural próprio e demarcador, no campo simbólico e ideológico, da originalidade cultural brasileira em oposição à europeia, é a “língua do brasileiro”, e não do índio; na terceira situação, é a “língua de índio”, em virtude dos Baré, do Rio Negro, adotarem-na como a sua língua, o nheengatu, tendo como objetivo utilizá-la como “instrumento político de afirmação étnica, para fins de definir territórios culturais específicos, numa área caracterizada pelo multilinguismo” (BARROS; BORGES; MEIRA, 1996BARROS, Maria Cândida D. M.; BORGES, Luiz C.; MEIRA, Márcio. A língua geral como identidade construída. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, v. 39, n. 1, p. 191-219, 1996., p. 192). Assim, outrora língua do “outro”, o branco colonizador, passa a ser “língua de índio”, sendo cooficializada, em 2002, no município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.

O primeiro contexto apresentado, ou seja, a língua geral amazônica na condição de “língua de branco”, coloca em evidência que, embora fosse uma língua de base indígena, especificamente, do Tupinambá, para os grupos não Tupi, chamados de “Nheengaíbas” (“língua ruim”), era a língua do colonizador, reforçada pela política linguística implementada quanto ao seu ensino a povos de outros troncos e famílias linguísticas nos aldeamentos administrados pelos missionários. Mesmo com o reconhecimento do multilinguismo da região, sendo até o rio Amazonas considerado por Antônio Vieira uma nova Babel (BARROS; BORGES; MEIRA, 1996BARROS, Maria Cândida D. M.; BORGES, Luiz C.; MEIRA, Márcio. A língua geral como identidade construída. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, v. 39, n. 1, p. 191-219, 1996.), o sucesso da empresa evangelizadora se fundava na gestão sobre as línguas, reduzindo-as a uma geral, fixada pela escrita e imposta a grupos etnolinguísticos diversos na Amazônia brasileira. Assim, enquanto língua de uso mais extensivo em termos territoriais, a imposição da língua geral a falantes de línguas de outras famílias do tronco Tupi, diversas da família Tupi-Guarani e, ainda, do tronco Macro-Jê configurou-se como uma política linguística tão violenta quanto a imposição da língua portuguesa.

Diante do exposto, podemos evidenciar que a política linguística executada pela Ordem dos jesuítas, como estratégia para a evangelização e catequese dos ameríndios, fundamentou-se na redução da diversidade linguística, por meio das artes de gramática, colaborando também para a formação, o uso e a difusão das línguas gerais na América portuguesa. Por conta dessa prática, o decreto pombalino afirma que “só cuidáraõ os primeiros Conquistadores estabelecer nella [na conquista] o uso da Lingua, que chamaráõ geral; invenção verdadeiramente abominavel, e diabólica” (Directorio, 1758, 6º parágrafo). O principal objetivo da Companhia de Jesus era, portanto, instruí-los na fé católica, como prática de conversão e “civilidade”, usando a “Lingua propria das suas Naçoens, ou da chamada geral”. Em contrapartida, o Diretório dos índios coloca-se contra essa política e não só prevê, de forma explícita, a inserção das populações indígenas em práticas de uma cultura escrita em língua portuguesa, por meio do ensino do ler, escrever e contar, mas também os glotocídios ocorridos ao longo do processo de formação da sociedade brasileira.

Formado, em 1757, por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Governador e Capitão General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, o Directorio, que se deve observar nas povoaçoens dos Indios do Pará, e Maranhaõ em quanto Sua Magestade naõ mandar o contrario - simplesmente conhecido como Diretório pombalino ou Diretório dos índios -, por meio do alvará de 17 de agosto de 1758ALVARÁ de confirmação do “Directorio, que se deve observar nas Povoações dos Indios do Pará, e Maranhaõ, em quanto Sua Magestade naõ ordenar o contrario”. Belém, 17 de agosto de 1758. PORTUGAL. Collecçaõ das leis, decretos, e alvarás, que comprehende o feliz reinado Del Rei fidelissimo D. José o I. Nosso Senhor, desde o anno de 1750 até o de 1760, e Pragmatica do Senhor Rei D. Joaõ o V. do anno de 1749. Tomo I. Lisboa: Oficina de Antonio Rodrigues Galhardo, 1796. Disponível em: Disponível em: http://legislacaoregia.parlamento.pt/Info/about.aspx . Acesso em: 20 maio 2017.
http://legislacaoregia.parlamento.pt/Inf...
, foi confirmado e estendido para o Estado do Brasil até sua revogação por meio da Carta régia de 12 de maio de 1798CARTA régia de 12 de maio de 1798 sobre a civilização dos índios. In: OLIVEIRA, José Joaquim Machado de. Notas e apontamentos e notícias para a história da província do Espírito Santo. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo XIX, n. 22, p. 161-335, 1856, p. 313-325.. Nessa lei colonial, entre as diversas questões abordadas ao longo dos seus 95 parágrafos, o governo de D. José I, por meio das ações do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Conde de Oeiras, depois Marquês de Pombal, instituiu uma política linguística de proibição do uso de quaisquer línguas indígenas e, em particular, da chamada língua geral, como um dos principais objetivos do pretendido processo de “civilização” dos índios, e planejou executá-la por meio do ensino escolarizado da língua portuguesa aos meninos e às meninas indígenas, assim como aos adultos “inclinados” a essa matéria. Essa política, consequentemente, não só resultou em perdas linguísticas irreparáveis, como também em mudanças linguístico-culturais que, associadas a outros fatores sócio-históricos também relevantes, definiram o rumo do Brasil como um país majoritariamente falante da língua portuguesa. O conceito de “civilização”, como estabelecido na segunda metade do século XVIII e, mais ainda, no século XIX, contrapõe-se ao termo “civilidade”. Enquanto que este sugere a continuação de certas práticas culturais consideradas não adversas à conversão, o que justifica sua aplicação aos objetivos jesuíticos de formação de uma “nova cristandade”, o termo “civilização” prevê uma adaptação completa aos modos de vida de outrem, uma “reforma dos costumes”, como se esperava dos povos indígenas no âmbito da aplicação do Diretório.4 4 Em “De quão pouca civilidade sejam capazes os índios”, Santos (2014, p. 215-262) faz uma discussão detalhada sobre a emergência do termo “civilização” no século XVIII e suas relações como os termos “civilidade”, “civilizar”, “civilizado”, refletindo, inclusive, a sua adoção no âmbito da legislação portuguesa do período.

No sexto parágrafo do decreto pombalino, além da inicial reafirmação da conhecida máxima do gramático castelhano Antonio de Nebrija ([1492] 1960NEBRIJA, Antonio de. Gramática castellana. Salamanca: [Juan de Porras], [1492] 1960.), apresentada na sua Gramática castellana, que destaca ser “la lengua compañera del Imperio”, evidenciamos uma crítica explícita aos primeiros colonizadores, por não terem promovido uma política de inserção das populações conquistadas no uso da língua portuguesa. Essa crítica pode ser direcionada, especificamente, à política linguística dos jesuítas que, de certa forma, promoveu a sistematização, uso e difusão das chamadas línguas gerais, em detrimento da “Lingua do Principe”, como podemos observar no parágrafo a seguir:

Sempre foi maxima inalteravelmente praticada em todas as Naçoens, que conquistáraõ novos Dominios, introduzir logo nos Póvos conquistados o seu proprio idiôma, por ser indisputavel, que este he hum dos meios mais efficazes para desterrar dos Póvos rusticos a barbaridade dos seus antigos costumes; e ter mostrado a experiencia, que ao mesmo passo, que se introduz nelles o uso da Lingua do Principe, que os conquistou, se lhes radica tambem o affecto, a veneraçaõ, e a obediencia ao mesmo Principe. Observando pois todas as Naçoens polîdas do Mundo este prudente, e sólido systema, nesta Conquista se praticou tanto pelo contrário, que só cuidáraõ os primeiros Conquistadores estabelecer nella o uso da Lingua, que chamaráõ geral; invençaõ verdadeiramente abominavel, e diabólica, para que privados os Indios de todos aquelles meios, que os podiaõ civilizar, permanecessem na rustica, e barbara sujeiçaõ, em que até agora se conservávaõ. Para desterrar este perniciosissimo abuso, será hum dos principáes cuidados dos Directores, estabelecer nas suas respectivas Povoaçoens o uso da Lingua Portugueza, naõ consentindo por modo algum, que os Meninos, e Meninas, que pertencerem ás Escólas, e todos aquelles Indios, que forem capazes de instrucçaõ nesta materia, usem da Lingua propria das suas Naçoens, ou da chamada geral; mas unicamente da Portugueza, na fórma, que Sua Magestade tem recõmendado em repetidas Ordens, que até agora se naõ observáraõ com total ruina Espiritual, e Temporal do Estado (Directorio, 1758, 6º parágrafo, grifo nosso).

O posicionamento que se adota no âmbito do Diretório coaduna com o contexto do sentimento antijesuítico (antijesuitismo) e das políticas antijesuíticas do século XVIII, executadas pelo Marquês de Pombal. A implantação da política indigenista do governo de D. José I, no que se refere em específico à sua política linguística, teve um papel crucial na definição do rumo do Brasil como país de língua majoritária portuguesa e não indígena, embora o uso das línguas gerais tenha há muito extrapolado os limites dos aldeamentos jesuíticos, passando até mesmo a desafiar a hegemonia do português. Podemos entrever a trajetória do processo de extermínio das línguas indígenas de forma mais expressiva, ou mesmo da restrição de seus espaços de uso, a partir da análise do 6º parágrafo. Explicitamente, apresenta-se uma política linguística que prevê o glotocídio das línguas indígenas, aqui representadas pela “Lingua propria das suas Naçoens, ou da chamada geral” - tida esta última como “invençaõ verdadeiramente abominavel, e diabólica” -, em favor da língua portuguesa, tomada como a língua de civilização, o que acabou por fortalecer o seu caráter majoritário e hegemônico, testemunhado pelo devir da nossa história. Ademais, o Marquês de Pombal parece não considerar eficazes os métodos de conversão e catequização utilizados pelos jesuítas, os quais teriam feito com que o esperado processo de civilização pela língua tivesse um atraso significativo. Para o Ministro, os padres da Companhia de Jesus teriam perdido tempo numa tentativa frustrada de civilizar os índios, além de sua permissividade ter “privado” as populações indígenas brasileiras de se “civilizarem”, mantendo-as no estado de “rustica, e barbara sujeiçaõ”, mesmo diante das reiteradas ordens de Sua Majestade, o que ainda contribuiu para, até o momento, a “total ruina Espiritual, e Temporal do Estado”. A análise desse parágrafo permite-nos testemunhar o projeto civilizatório da Coroa por meio da imposição da língua portuguesa aos povos indígenas, com vistas a promover uma colonização linguística (MARIANI, 2004MARIANI, Bethania. Colonização lingüística: línguas, políticas e religião no Brasil (séculos XVI a XVIII) e nos Estados Unidos (século XVIII). Campinas, SP: Pontes, 2004.; ORLANDI, 2008ORLANDI, Eni Puccinelli. Terra à vista: discurso do confronto: Velho e Novo Mundo. 2. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2008.).

Outra questão que observamos no Diretório diz respeito à associação entre ensino da leitura e da escrita ao ensino da doutrina cristã, na medida em que projeta a possibilidade de aprendizagem dos dogmas da fé cristã e da língua portuguesa como ações integradas, ou seja, “[ensinar] a Doutrina Christãa, a ler, escrever, e contar na forma, que se pratica em todas as Escólas das Naçoens civilizadas” (Directorio, 1758, 7º parágrafo). Para isso, determina a criação de escolas públicas não só para meninos, mas também para meninas indígenas, fugindo neste aspecto ao que era predominante ainda no século XVIII, ou seja, a oferta de ensino escolarizado público quase exclusivamente para crianças do sexo masculino. A estratégia de abertura de duas escolas para a implementação da política pombalina está apresentada no trecho abaixo, o que representa, no âmbito das discussões sobre as políticas linguísticas na América portuguesa, o planejamento linguístico.

E como esta determinaçaõ he a base fundamental da Civilidade, que se pretende, haverá em todas as Povoaçoẽs duas Escólas pûblicas, huma para os Meninos, na qual se lhes ensine a Doutrina Christãa, a ler, escrever, e contar na fórma, que se pratica em todas as Escólas das Naçoens civilizadas; e outra para as Meninas, na qual, álem de serem instruidas na Doutrina Christãa, se lhes ensinará a ler, escrever, fiar, fazer renda, custura, e todos os mais ministérios proprios daquelle sexo (Directorio, 1758, 7º parágrafo, grifo nosso).

O Diretório toma a educação, materializada pela abertura de duas escolas públicas, uma para os meninos e outra para as meninas indígenas, como a base fundamental para a civilização dos novos súditos do Rei. Além de expressar uma política linguística quanto à obrigatoriedade da língua portuguesa como língua do ensino, traz ainda em seu bojo o que tem sido chamado de planejamento linguístico, ou seja, os meios de aplicação da política linguística (CALVET, 2007CALVET, Louis-Jean. As políticas lingüísticas. Tradução Isabel de Oliveira Duarte, Jonas Tenfen e Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial; IPOL, 2007.). Não apenas evidenciamos uma orientação que prevê a inserção das populações indígenas em práticas de uma cultura escrita em língua portuguesa, mas ainda as suas consequências, que se refletiram nos glotocídios, ou nas restrições de uso das línguas indígenas a espaços específicos. A escolarização, ou seja, a emergência, na América portuguesa, da escola para índios e não de índios, centrada no ensino da doutrina cristã, ignorou as práticas educativas indígenas e executou uma política destinada a desarticular a identidade das etnias, discriminando suas línguas e culturas, que foram desconsideradas pelo processo educativo (APOLINÁRIO, 2013APOLINÁRIO, Juciene Ricarte. Reflexões sobre a história da educação “tradicional” e escolar indígena no Brasil. In: SANTANA, Jocyléia et al. (org.). Resiliências educativas. Goiânia: América, 2013. p. 231-269.).

O decreto do Marquês de Pombal ainda coloca a ênfase na gestão das línguas como “base fundamental da civilidade” que se pretendia alcançar junto às populações indígenas, indo na direção de uma educação como instrumento de ordenamento social, uma educação civilizadora, discussão tão em voga no iluminado século XVIII. Promover a união dos indivíduos em sociedade e disseminar valores e normas de comportamento, integravam as funções atribuídas à ação civilizadora. Feitas as necessárias e devidas ressalvas, o Diretório, como gênero textual, pode, em sua parte inicial, ser inscrito entre os chamados manuais civilizatórios - “manuais de civilidade”, os quais foram veículos importantes do “processo de civilização da Europa”, como descrito na obra clássica do sociólogo alemão Norbert Elias (1994ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. 2v.) -, que passaram a adestrar o comportamento humano nas sociedades modernas europeias e também nos seus domínios coloniais. Nesse contexto, os povos indígenas não deveriam ser excluídos, mas integrados ao novo ordenamento social em construção, de índios aldeados a súditos de Sua Majestade, por meio das colonialistas políticas de assimilação e/ou integração. Essa mudança de status das populações indígenas brasileiras, por seu turno, se inscreve nas questões políticas e territoriais mais amplas nas quais o Império português se encontrava inserido nos idos do século XVIII. Por meio do tratado de Madri, assinado em 13 de janeiro de 1750, entre os reis D. João V, de Portugal, e D. Fernando VI, de Espanha, buscou-se estabelecer os limites territoriais entre as respectivas colônias sul-americanas. A intenção de tornar os ameríndios súditos da Coroa, falantes em potencial da “Lingua do Principe”, mantém também estreita relação com as disputas e a delimitação dos territórios d’além-mar, corroborando com o argumento de que onde há falantes da língua portuguesa há domínio territorial de Portugal.

Para as escolas públicas que deveriam ser abertas nas novas vilas de índios a serem criadas, previa-se um mestre para meninos e uma mestra para meninas, os quais teriam que ser dotados de “bons costumes, prudência, e capacidade”, para que assim pudessem desempenhar bem as suas obrigações. Essas escolas deveriam se distinguir conforme o sexo do educando, já que as meninas, “álem de serem instruidas na Doutrina Christãa, se lhes ensinará a ler, escrever”, também deveriam aprender a “fiar, fazer renda, custura, e todos os mais ministérios proprios daquelle sexo (Directorio, 1758, 7º parágrafo). Já aos meninos seria ensinada a “Doutrina Christãa, a ler, escrever, e contar na fórma, que se pratica em todas as Escólas das Naçoens civilizadas” Directorio, 1758, 7º parágrafo). Os meninos e meninas deveriam ser, portanto, educados separadamente; só na falta de mestras, as meninas, até os 10 anos, poderiam ser ensinadas juntamente com os meninos.

As políticas linguísticas executadas no período colonial, ainda que de forma desigual para os diversos espaços da América portuguesa, deixaram suas marcas na história social linguística do Brasil, dado o fato de que o discurso sobre a suposta cultura do monolinguismo em português continua perdurando, assim como o preconceito linguístico relativo às variantes do português brasileiro mais significativamente marcadas por uma história de contato quer com as línguas indígenas, quer com as línguas africanas. Quanto às apropriações da leitura e da escrita em língua portuguesa pelos povos indígenas, como previsto no Diretório, inúmeras outras questões podem ser levantadas, na medida em que aprender a ler e a escrever o português podia constituir-se como um instrumento para uma participação efetiva na sociedade de cultura escrita nos idos do século XVIII. Sendo assim, no seu processo de reconfiguração identitária, essas populações passaram a utilizar das práticas culturais e políticas lusitanas como forma de resistência e/ou sobrevivência, “integrando-se” à sociedade colonial que se encontrava em formação e, consequentemente, inserindo-se nas práticas de cultura escrita em língua portuguesa, o que contribuiu, significativamente, para a implementação da política linguística pombalina e para os glotocídios testemunhados pelo devir da nossa história, ou mesmo para a redução de espaços de uso das línguas indígenas. Ademais, vale destacar que a documentação também nos fornece indícios da permanência de determinados usos linguísticos, indo de encontro à incisiva política linguística implementada pelo Diretório, deixando evidentes as formas de (re)existir dos povos indígenas e os agenciamentos, a depender da conjuntura local.

A execução dessa política na Bahia setecentista está diretamente relacionada à implementação do alvará de 8 de maio de 1758, por meio do qual o governo josefino estendia o governo temporal dos índios também ao Estado do Brasil, elevando os aldeamentos a vilas, sob administração de autoridades civis, ao passo que o governo espiritual dessas vilas e lugares, ao serem transformadas as missões em vigairarias, deveria ficar sob responsabilidade dos padres do Hábito de São Pedro. Com o objetivo de executar essa ordens régias, instalaram-se, na Capitania da Bahia, sede do Vice-reinado, os tribunais especiais do Conselho Ultramarino, que teria a obrigação de fazer executar as reformas, objetivando o estabelecimento do governo civil com a transformação dos aldeamentos em vilas, e da Mesa da Consciência e Ordens, responsável pela implementação de ações voltadas à transformação das missões das aldeias em freguesias, inclusive a realização de concursos e a nomeação dos novos clérigos como párocos em substituição aos missionários jesuítas.

Em 22 de dezembro de 1758CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. José I, relatando suas atividades e execuções desde a primeira sessão do tribunal em 13 de setembro até o momento. Bahia, 22 de dezembro de 1758. AHU_ACL_CU_005, Cx. 139, D. 10701., quando o tribunal especial do Conselho elabora uma consulta ao rei D. José I, relatando as suas atividades desde a primeira sessão realizada no dia 13 de setembro do mesmo ano, os encaminhamentos para a execução do alvará de 8 de maio de 1758 já haviam sido praticamente definidos, a exemplo das vilas que deveriam ser erigidas, os nomes que deveriam ter, assim como os ministros responsáveis pelos seus estabelecimentos, totalizando 13 novas vilas. No entanto, com as frotas que aportaram na Bahia nos primeiros meses de 1759, outras ordens e avisos chegaram do Reino. Embora os Conselheiros já tivessem definido os procedimentos para a execução das determinações régias, inclusive já tivessem iniciado o processo no aldeamento do Espírito Santo, transformado em Vila Nova de Abrantes, ainda no ano de 1758, o Vice-rei recebeu carta remetida por Tomé Joaquim da Costa Corte Real, então Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, datada de 3 de fevereiro de 1759, na qual informava sobre a confirmação do Diretório formado em 1757 pelo Governador e Capitão General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado5 5 Em relação à autoria do Diretório dos índios, entre 1754-1759, o Bispo Miguel de Bulhões foi Governador interino do Estado do Grão-Pará e Maranhão, em substituição a Mendonça Furtado, que estava envolvido com as delimitações de fronteiras com a Espanha. Embora não tenhamos a intenção de discutir a autoria do Diretório, não podemos deixar de destacar a importância do Bispo Miguel de Bulhões, embora o referido regimento, com data de 3 de maio de 1757, tenha sido assinado por Francisco Xavier de Mendonça Furtado. , para as aldeias de índios das capitanias daquela Colônia portuguesa, sendo ainda estendido ao Estado do Brasil por Sua Majestade Fidelíssima, pelo alvará de 17 de agosto de 1758ALVARÁ de confirmação do “Directorio, que se deve observar nas Povoações dos Indios do Pará, e Maranhaõ, em quanto Sua Magestade naõ ordenar o contrario”. Belém, 17 de agosto de 1758. PORTUGAL. Collecçaõ das leis, decretos, e alvarás, que comprehende o feliz reinado Del Rei fidelissimo D. José o I. Nosso Senhor, desde o anno de 1750 até o de 1760, e Pragmatica do Senhor Rei D. Joaõ o V. do anno de 1749. Tomo I. Lisboa: Oficina de Antonio Rodrigues Galhardo, 1796. Disponível em: Disponível em: http://legislacaoregia.parlamento.pt/Info/about.aspx . Acesso em: 20 maio 2017.
http://legislacaoregia.parlamento.pt/Inf...
.

Em resposta ao despacho do Secretário de Estado, o Conde dos Arcos, D. Marcos de Noronha, na condição de seu presidente, encaminhou ao tribunal especial do Conselho Ultramarino cópia do Diretório dos índios, solicitando-lhe que examinasse “muito atentamente todos os pontos que nele se contêm, [para] se assentar se eram, ou não aplicáveis às povoações dos índios da jurisdição deste Estado [do Brasil]”. Esse atitude do Conde dos Arcos parece corroborar a ideia de que também entendia que nem todos os parágrafos do Diretório dos índios poderiam sem aplicáveis a outra Colônia portuguesa na América, o Estado do Brasil. Com data de 19 de maio de 1759PARECER do Conselho Ultramarino da Bahia sobre os parágrafos do Diretório para o regimento dos índios das aldeias das capitanias do Pará e Maranhão, aprovado pelo alvará régio de 17 de agosto de 1758, e que podia ser aplicado aos índios de todo o Estado do Brasil. Bahia, 19 de maio de 1759. AHU_CU_005-01, Cx. 23, D. 4256., o Parecer do Conselho Ultramarino da Bahia sobre os paragraphos do Directorio para regimen dos Indios das Aldeias das Capitanias do Pará e Maranhão, approvado por Alvará regio de17 de agosto de 1758ALVARÁ de confirmação do “Directorio, que se deve observar nas Povoações dos Indios do Pará, e Maranhaõ, em quanto Sua Magestade naõ ordenar o contrario”. Belém, 17 de agosto de 1758. PORTUGAL. Collecçaõ das leis, decretos, e alvarás, que comprehende o feliz reinado Del Rei fidelissimo D. José o I. Nosso Senhor, desde o anno de 1750 até o de 1760, e Pragmatica do Senhor Rei D. Joaõ o V. do anno de 1749. Tomo I. Lisboa: Oficina de Antonio Rodrigues Galhardo, 1796. Disponível em: Disponível em: http://legislacaoregia.parlamento.pt/Info/about.aspx . Acesso em: 20 maio 2017.
http://legislacaoregia.parlamento.pt/Inf...
e que podiam ser applicaveis aos Indios do Estado do Brazil tornou-se o documento norteador da execução da política indigenista nesta Colônia, iniciando pela Capitania da Bahia.

Em seu Parecer, o tribunal especial do Conselho Ultramarino atribuiu todas as funções de Diretor de índios aos escrivães das Câmaras, que se tornaram escrivães-diretores, como atestado em expressiva documentação que localizamos no APEB, passando a caber-lhes, inclusive, o papel de instituir o uso da língua portuguesa nas povoações e, para atingir tal fim, não só que “continu[ass]em no ensino dos meninos na forma da sua obrigasam”, mas que também se ocupassem do ensino “edas meninas daVila ate aidade de des anos”. Apoiando-se no argumento da falta de pessoas aptas para ocuparem as diversas funções especificadas no Diretório - Diretor de índios, escrivães das Câmaras e mestres e mestras -, os Conselheiros atribuíram então todas responsabilidades aos escrivães. Vale destacar que a ocupação desse cargo e o acúmulo de responsabilidades relacionam-se com o domínio de leitura e de escrita e o diminuto número de pessoas aptas a desenvolverem tais funções.

Nas próximas seções, definido, como espaço e tempo de discussão, a Capitania da Bahia na segunda metade do século XVIII, estendendo-se a limiares do XIX, voltaremos o nosso olhar para as vilas de índios erigidas nas aldeias administradas pela Companhia de Jesus, assim como as criadas pelos dois primeiros Ouvidores de Porto Seguro. Vale lembrar que as Capitanias de Porto Seguro e de Ilhéus foram incorporadas ao patrimônio da Coroa portuguesa, sendo anexadas à Capitania da Bahia, respectivamente, em 1758 e 1761. Ao mesmo tempo, foram criadas as Comarcas e Ouvidorias dessas antigas Capitanias, com o mesmo nome. Na documentação pesquisada, embora não fossem mais capitanias autônomas, ainda aparece a referência a Ilhéus e a Porto Seguro como capitanias. Por conta disso, utilizamos a expressão “antiga” Capitania para evidenciar a subordinação administrativa desses espaços à Capitania da Bahia, que passou a também incorporar esses territórios do Baixo Sul e Extremo Sul baianos. Ao tratarmos do espaço referente apenas ao território do Norte, ou seja, antes da incorporação de Ilhéus e de Porto Seguro, utilizamos também a designação “antiga” Capitania da Bahia, com vistas a delimitar o território a que nos referimos. Então, a designação Capitania da Bahia (sem o uso do termo “antiga”) abarca também os espaços geográfico-administrativos das antigas Capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro. Em contrapartida, quando nos referirmos à antiga Capitania da Bahia, estamos excluindo os espaços relativos às demais. No Mapa 1, a partir dos limites atuais do Estado da Bahia, representamos uma projeção dos espaços político-administrativos que tomamos como locus da pesquisa, acrescidas ainda a capital do Vice-reinado - Salvador, a Cidade da Bahia -, as Vilas de Ilhéus e de Porto Seguro e também a Aldeia de Almada, onde apenas foi criada a freguesia de Nossa Senhora da Conceição, permanecendo na condição de Aldeia dos índios Grem. Trata-se de uma projeção realizada a partir de informações extraídas das fontes históricas consultadas.

Mapa 1 -
Vilas de índios na Bahia da segunda metade do século XVIII.

“[...] muy poucos, os que sabiaõ ler, eescrever muito mal”: configurações linguísticas nas vilas de índios da antiga Capitania da Bahia

No dia 28 de setembro de 1758, o tribunal especial expediu ordem para que o Desembargador João Ferreira Bittencourt e Sá, Juiz de Fora da Cidade da Bahia, procedesse ao estabelecimento da Vila Nova de Abrantes, realizando a eleição dos membros da Câmara e encaminhando outras ações que garantissem a manutenção e o pleno funcionamento da nova vila, o que serviria como experiência para o estabelecimento das outras vilas. Em 11 de outubro, o Juiz de Fora apresentou sua primeira prestação de contas sobre a criação da Vila Nova de Abrantes, informando que, em 8 de outubro de 1758, teria mandado levantar “pelouros” no meio da praça, como forma de representar o ato oficial de criação da vila. Em seu relato, o ministro chama a atenção para as habilidades de Pedro dos Reis, eleito para o cargo de Juiz Ordinário, “por ser mais apto que se achou para semelhante effeito emrazaõ de saber Ler, eescrever, e se tratar entre os mesmos Indios com mais alguã decência, eabundancia”, bem como para a indicação de Jerônimo Xavier ao cargo de escrivão da Câmara, além de servir “deTabaliaõ denotas e Escrivaõ doJudicial, e Orphaons”, o que nos sugere à primeira vista que teria as habilidades necessárias às funções, incluindo a obrigação de ensinar os meninos a ler e escrever. Além desses dois indígenas, em sua “Discrição dosIndios que Sabem Ler suffeciente mente, eescrever muito mal”, são listados Francisco Xavier, nomeado para escrivão do Alcaide, Antônio Dias, Caetano Lopes, Bernardino de Araújo, Francisco Lopes, nomeado vereador, Jerônimo Peres, nomeado para porteiro, mas que apenas sabia ler. Em 23 de fevereiro de 1759, ocorreu a substituição do escrivão da Câmara Jerônimo Xavier pelo colono Francisco de Lima Pinto, sob o argumento de legalmente estar impedido de assumir o cargo, além de não ter capacidade para elevada responsabilidade na república indígena, inclusive a de ensinar a ler, escrever e contar às crianças.

O reduzido número de índios que “sabiam ler suficientemente e escrever muito mal” pode estar relacionado ao descaso dos jesuítas em se ocupar com o ensino, à resistência dos indígenas em se submeter ao regime escolar imposto pelos missionários, bem como a um possível desencontro entre o conteúdo programático, o calendário escolar e os interesses e ciclos de atividades produtivas dos índios aldeados. Em função da agricultura ser uma atividade familiar, entre enviar as crianças para a escola ou cuidar das roças, provavelmente esta parecia ser a melhor escolha para os indígenas. As fontes documentais consultadas no APEB não nos permitem conclusões sobre essa situação, mas não podemos deixar de destacar, como afirma Brunet (2008BRUNET, Luciano Campos. De aldeados a súditos: viver, trabalhar e resistir em Nova Abrantes do Espírito Santo, Bahia (1758-1760). 2008. 147 f. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008., p. 95-96), que, “[...] em tempos de igualdade civil e de eleições, saber ler e escrever eram ferramentas essenciais para ocupar espaços políticos e decisórios na nova estrutura governamental e poder continuar a luta pela preservação de seus direitos e das terras”. A ocupação de determinados cargos como o de escrivão da Câmara demandava o domínio das capacidades de ler e de escrever pelo ocupante e, nesse caso, não havendo índios hábeis, seria um espaço a menos de participação dos indígenas na sociedade em formação. De toda forma, a situação precária da escolarização dos índios moradores da Aldeia do Espírito Santo, erigida em Vila Nova de Abrantes, pela sua importância e proximidade com a Cidade da Bahia, ou seja, estar numa situação privilegiada em relação à sede do Vice-reinado e Capitania Geral, põe em questão a atuação dos jesuítas e também antecipa a situação que será encontrada pelos ministros nas aldeias mais periféricas, ou seja, aquelas que estão nos sertões ou mais distantes da capital, como veremos nas discussões que se seguem.

O relato do Juiz de Fora João Ferreira Bittencourt e Sá traz informações sobre a situação na qual se encontravam os índios de Abrantes quanto ao processo de escolarização, dando ênfase à urgente necessidade de que fossem tomadas providências para garantir o ensino da leitura e da escrita em língua portuguesa, com vistas à futura atuação dos próprios indígenas nos cargos civis criados: “Hê tambem muito precizo que secuide logo na instrucçaõ dos meninos, erapazes mandando-se Mestres que osensinem aler, eescrever, econtar, eosvaõ facilitando aos exercícios que haõ de ter nos empregos publicos desta Villa”. Ainda sugere que “poderaõ ser alguns ensinados naCidade daBahia para mais facilmente seadientarem tanto na practica deprocessar, como nos officios mecânicos”, concluindo que “parece justo, enecessario aeducaçaõ de alguns Indios moços na cidade para melhor, emais facilmente se instruirem naEscripta, enos estillos Judiciaes, [...] sem cujo ensino será muito difficultozo oconseguir-se ofim que se deseja”.

Além da preocupação expressa pelo Juiz de Fora João Ferreira Bittencourt e Sá, os próprios indígenas encaminharam solicitação ao Rei, destacando que “careciaõ de humEscrivaõ daCamara inteligente, eque saiba bem escrever; circunstancias que senaõ encontravaõ no que seachava servindo, por naõ haver naditta Villa quem soubesse escrever”, além de considerarem que “carecia a dittaVilla de pessoas que ensinasse aler, e escrever aos filhos da terra, para que em poucos annos naõ houvesse necessidade de pessoas para os officios daJustiça”. Na avaliação geral do Juiz de Fora “Era sem duvida que os Indios seachavaõ muy destituídos dedoutrinas, etermos civis, por serem muy poucos, os que sabiaõ ler, eescrever muito mal”. Nesse requerimento, índios da Vila Nova de Abrantes, aqui representados pelo Juiz Ordinário e pelos vereadores, demonstram uma preocupação em relação ao funcionamento e à administração da nova vila, além de evidenciar que, pelo menos no espaço em questão, o ensino jesuítico parece não ter logrado o êxito esperado pelos colonizadores. De toda sorte, nesse momento, trazem à tona o desejo de que a vila possa atender ao modelo de organização político-administrativa proposto pelo decreto de D. José I. No entendimento dos índios vilados, o sucesso dessa empreitada passava pelo domínio da leitura e da escrita pelos sujeitos que seriam responsáveis pela administração e, em específico, pelo escrivão.

Quando houve a ereção da Vila Nova de Abrantes, as respostas aos 24 “quesitos” propostos pelo Conselheiro José Mascarenhas Pacheco Coelho de Mello, durante a segunda sessão do tribunal especial do Conselho Ultramarino, em 27 de setembro de 1758PARECER do conselheiro José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo sobre as aldeias de índios que devem se constituir em vilas. Bahia, 27 de setembro de 1758. AHU-Baía, cx. 145, doc. 43, 44/AHU_ACL_CU_005, Cx. 137, D. 10620., quando se deliberou sobre os procedimentos a serem adotados no estabelecimento das novas vilas de índios, permitem-nos refletir sobre a história social das línguas no espaço em questão, na direção de também apresentar alguns elementos para o mapeamento da realidade linguística da Bahia na segunda metade dos Setecentos. Em resposta ao terceiro quesito, o Juiz de Fora João Ferreira Bittencourt e Sá informa-nos de que “Fallaõ todos osIndios bastantemente aLinguaPortugueza, epouco menos asIndias, quenaõ saõ taõ expeditas, edelles sabemLer, eescrever muito mal por falta deapplicaçaõ”. Além disso, na resposta ao 18º, somos informados de que “Compoem-se aAldea deIndios chamados Tupinambas quefallaõ alingoa geral, que sempre tiveraõ desde seuprincipio, edescobrimento daAmerica, eaconservaõ todos os Indios situados na Costa, epancada do mâr”. No que diz respeito aos usos orais da língua portuguesa, o seu avanço entre os homens em detrimento das mulheres dá-nos notícias sobre a importância do contato para que, entre aquele e não este segmento social, tenha iniciado o processo de generalização do português entre os moradores da Vila Nova de Abrantes.

Em inícios de 1794, o ex-capitão do Regimento de Infantaria de Estremoz, escriturário da Contadoria Geral da Junta da Fazenda da Capitania da Bahia, Domingos Alves Branco Muniz Barreto descreve a situação da Vila Nova de Abrantes como uma “villa distante da cidade da Bahia 8 legoas. He huma das mais bem situadas [...]”, destacando que “O numero dos seus habitantes era muito diminuto e não chegava a 100 indios, não só pela diversão que tem feito para as aldêas a Missões de Natuba, sertão muito distante e ainda para fóra da Capitania, mas principalmente para as visinhanças da Aldêa de Massarão-dupio [...]”. Além disso, teria ainda observado “a docilidade e boa inclinação dos pequenos Indios e a sua aptidão para o estudo das primeiras lettras e ainda para muitas sciencias, o que não poderão conseguir, pela falta de diretores capazes, que a maior parte delle tem sido, como o actual que ali reside, não só ignorante, mas de péssimos costumes”. Esse testemunho traz à luz sua avaliação sobre a incapacidade dos diretores para atuarem nas escolas de primeiras letras das vilas de índios, em função da “ignorância” e “péssimos costumes” da maior parte dos que ocupam o referido cargo, situação que parece ser reproduzida nas demais vilas de índios da Bahia setecentista.

O que poderíamos dizer sobre o requerimento dos índios de que “tambem carecia a dittaVilla de pessoas que ensinasse aler, e escrever aos filhos da terra, para que em poucos anos naõ houvesse necessidade de pessoas para os officios daJustiça”? Possivelmente, o desejo de que o cargo fosse ocupado pelos próprios índios parece não ter logrado êxito, embora o mencionado requerimento demonstrasse a consciência daqueles moradores da importância do domínio das práticas de ler e de escrever como estratégia de ocupação dos espaços políticos e decisórios no contexto da nova política indigenista da segunda metade do século XVIII. Infelizmente, não localizamos os textos originais dos requerimentos, mas apenas a consulta realizada pelo tribunal especial do Conselho Ultramarino. Embora não seja possível determinar se foram escritos pelos próprios índios de Vila Nova de Abrantes, já que havia entre eles alguns poucos que sabiam ler e escrever, a forma como lidam com a situação demonstra participação ativa desses sujeitos na cultura escrita, mesmo se tratando de uma escrita delegada (PETRUCCI, 1999PETRUCCI, Armando. Alfabetismo, escritura, sociedad. Barcelona: Gedisa Editorial, 1999.), o que seria mais provável.

Assim como ocorreu na Vila Nova de Abrantes, o estabelecimento da Vila de Nova Soure no sertão da Bahia também foi relativamente documentado pelo ministro indicado pelo tribunal especial do Conselho Ultramarino. O Juiz de Fora José Gomes Ribeiro respondeu integralmente os quesitos que deveriam levantar as informações sobre as novas vilas de índios, conforme documentação que localizamos na BNRJ. Segundo o Juiz de Fora, em Soure, “Falaõ todos osIndios alingoa Portugueza, em mal asmolheres, que uzão mães danascional aque chamaõ Kyrirŷ, enenhũ delles Sabe Ler, nẽ escrever”. Além disso, “Compoem-se a Aldea dosIndios da nasçaõ chamada Kyrirŷ, cuja Lingoa falavaõ, e ainda falaõ oshomẽs, emolheres, sendo entre estas amaes vulgar”. A descrição da situação sociolinguística entre os Kiriri moradores da Aldeia de Natuba, elevada a Vila de Nova Soure, coloca em evidência a dificuldade do Juiz de Fora da Vila de Cachoeira em encontrar índios que pudessem assumir o cargo de escrivão-diretor, conforme havia determinado o tribunal especial do Conselho Ultramarino, para o qual o domínio da leitura e da escrita em língua portuguesa era imprescindível, situação que se mostraria similar à realidade das demais vilas de índios erigidas na então Capitania da Bahia de segunda metade do século XVIII.

Na direção do projeto de civilização expresso no Diretório dos índios, o Juiz de Fora José Gomes Ribeiro, ao informar sobre os meios que considera necessários para “fazer florecer” a Vila de Nova Soure, afirma que “ARusticidade Seevitará com otempo, muito principalmente aos demaes tenra idade, Sefrequentarẽ aescola que lhes ficou estabelecida, eaprender alerẽ eescrever, para oque são dotados de Rara habilidade, porque Só assim Secivilizaraõ, faraõ tractaveis, eaptos para todos osministerios”. Além de nos dar notícias sobre o estabelecimento de escola na vila recém erigida, o ministro destaca a importância da educação escolar junto às crianças para tornar possível a civilização pretendida pelo governo de D. José I, tornando-as “tratáveis” e “aptas”, o que deixa evidente sua posição preconceituosa em relação aos modos de vida e à cultura próprios dos índios moradores da Vila de Nova Soure. O domínio das práticas de leitura e escrita é tomado, portanto, como base da suposta civilidade que se pretende alcançar das populações indígenas, consideradas, numa perspectiva eurocêntrica, como “bárbaras” e “rústicas”.

Diferentemente das mencionadas Vilas de Nova Abrantes e de Nova Soure, a ereção das Vilas de Pombal e de Mirandela apresenta uma lacuna quanto às informações, seja por não termos localizado o “relato” (a resposta aos 24 “quesitos”) do ministro responsável quando do seu estabelecimento, o então Ouvidor e Corregedor da Comarca de Sergipe d’El Rey, Miguel de Ares Lobo de Carvalho, seja pela própria falta de registros. Da mesma forma que Soure, os moradores de Mirandela eram índios Kiriri. Não podemos mensurar a penetração da língua portuguesa nesse espaço quando de sua ereção em vila; supomos, porém, que não seria diferente da situação de Soure e, provavelmente, também da Vila de Pombal, também de índios Kiriri.

Avaliar o avanço da língua portuguesa nas vilas de índios da Capitania da Bahia não parece ser uma tarefa de fácil execução, dadas a opacidade e as limitações das fontes disponíveis. Alguns indícios podem ser entrevistos mesmo nos discursos contraditórios da documentação. Em ofício datado de 23 de janeiro de 1804OFÍCIO do Ouvidor Luiz Tomás Navarro de Campos, ao Governador Francisco da Cunha Menezes, sobre os índios. Bahia, 23 de janeiro de 1804. AHU_CU_005-01, Cx. 133, D. 26331., o Ouvidor da Bahia, Luís Thomás Navarro de Campos, dá-nos notícias sobre o estado de civilização dos índios da Comarca, ressaltando que “Tem aptidaõ para todas as artes, e os poucos que se aplicaõ as primeiras Letras, tem feito progressos, escrevendo e contando bem, e igoalmente chegaõ a ser perfeitos nos Officios aque se aplicaõ”. As referências que Luís Thomás Navarro de Campos faz em relação à fuga das missas pelos índios “e que se commonicaõ ocultamente, praticando as suas seitas Gentilicas”, testemunham a resistência indígena na direção de permanência de suas etnicidades. Nesse relato do Ouvidor, notamos o decréscimo da população indígena nas Vilas de Abrantes e de Soure, a menção às informações recebidas pelos administradores de que, ocultamente, os índios ainda faziam uso de suas línguas, além de poucos se aplicarem às primeiras letras. Quanto a estes, Luís Thomás Navarro de Campos destaca os progressos relativos à capacidade de escrever e de contar. Sobre as outras vilas, nomeadamente, Pombal e Mirandela, não há referência, porque nem todos os administradores, que, na estrutura político-administrativa das vilas, seriam os escrivães-diretores, teriam dado resposta à carta enviada pelo Ouvidor.

“[...] esaber alingua Geral deIndios para melhor saber emsinar”: conflitos e usos linguísticos na antiga Capitania de Ilhéus

Por deliberação do tribunal especial do Conselho Ultramarino, Luís Freire de Veras, Ouvidor e Corregedor da Comarca da Bahia, dedicou-se, no ano de 1759, ao estabelecimento das novas vilas de índios nos aldeamentos administrados pelos jesuítas na antiga Capitania de Ilhéus, nomeadamente as Aldeias de Santo André e São Miguel de Serinhaém, de Nossa Senhora das Candeias de Maraú, de Nossa Senhora da Escada dos Ilhéus e de Nossa Senhora da Conceição dos índios Grem. Em relação a esta última, deveria ser elevado a vila de índios, sob o nome de Vila Nova de Almada, e a missão deveria ser transformada em freguesia. Embora a freguesia tenha sido instituída, Almada permaneceu com status de aldeia.

No ano de 1759, o Ouvidor Luís Freire de Veras, ao apresentar respostas ao “interrogatório” composto por 24 “quesitos” referentes ao que havia nas aldeias erigidas em vilas, traz informações relevantes sobre as Aldeias de Nossa Senhora da Escada, de Nossa Senhora das Candeias e de Santo André e São Miguel do Serinhaém, respectivamente, Vilas de Nova Olivença, de Nova Barcelos e de Nova Santarém. Sobre a situação da Aldeia de Nossa Senhora da Escada, informa que teria “adita Villa 122 cazais, 125 rapazes, 192 raparigas, 3 viuvos, edezaseiz viuvas, que por todos fazem 580 pessoas”. Além disso, “Os que Saõ demayor idade fallaõ aLingoa portuguesa, ealguns delles Saõ bem pouco inteligentes nella, eos Rapazes muito menos pornaõ Serem versados em afallar; ehá 6 daquelles que Sabem Ler, eescrever, mais muito mal”. Sobre a configuração étnica, o Ouvidor registra que “Saõ osIndios dadita Villa denasçaõ Tupis, eaSua Lingoa he achamada Geral”.

Em relação à Vila Nova de Barcelos, quando de sua ereção em 1759, os moradores também eram índios Tupi e falavam a “língua geral”, como atestamos nas palavras de Luís Freire de Veras: Saõ osIndios dadita villa deNasçaõ Tupis eaSua Lingua heachamada geral, deque uzaõ anasçaõ vermelha”. Além disso, teria “adita villa 99 Cazaes, 129 Rapazes, 103 Raparigas, e 15 viuvas que por todos fazem 445 pessoas”. Em relação ao avanço do português, o Ouvidor de clara que “Falam aLingua Portuguesa, ealguns aentendem pouco, e haniso 7 queSabem alguma cousa de ler e escrever”.

Embora os Paiaiá tenham sido os primeiros povoadores da aldeia que viria a ser erigida como Vila Nova de Santarém, o Ouvidor Luís Freire de Veras chama a atenção de que apenas 10 indivíduos desse grupo etnolinguístico continuavam no mesmo espaço. A diminuta população da Vila Nova de Santarém, totalizando, em 1759, apenas 93 pessoas, também era composta por índios que teriam migrado da Vila Nova de Barcelos, da Vila Nova de Olivença e da antiga Capitania de Porto Seguro. Sobre a situação sociolinguística, temos a informação de que todos “Fallam alingua portuguesa eSaõ pouco inteligentes nella, hâ tres que Sabem escrever osSeus nomes eLer alguma cousa”, o que coloca em evidência, assim como nas demais vilas de índios, o problema da nomeação de aptos ao cargo de escrivão-diretor entre os próprios indígenas.

As respostas apresentadas por Luís Freire de Veras dão notícias da situação sociolinguística das vilas de índios quando erigidas na antiga Capitania de Ilhéus. No decorrer da segunda metade do século XVIII, os contatos com não índios, que moravam nos termos das vilas, bem como a mobilidade e a composição demográfica, irão contribuir para o início da reconfiguração da realidade linguística desses espaços. Isso não significa, no entanto, uma mudança brusca e o avanço da língua portuguesa, como podemos entrever nas denúncias e solicitações dos índios de Olivença, relatadas na carta do Juiz Ordinário e Ouvidor interino da Comarca de Ilhéus, Antônio da Costa Camelo, com data de 28 de dezembro de 1794CARTA do Juiz Ordinário e Ouvidor interino da Comarca de Ilhéus, Antônio da Costa Camelo, dando notícias de ter tomado posse e das desordens de um Diretor da Vila de Olivença. Ilhéus, 28 de dezembro de 1794. APEB_Seção Colonial e Provincial, Maço 201-1/19., ou seja, nos estertores do século XVIII, na qual os oficiais da Câmara e repúblicos da Vila Nova de Olivença solicitam que Manuel do Carmo de Jesus fosse provido para o cargo de Diretor de índios, por este saber a “língua geral”.

A situação descrita pelo Ouvidor interino ocorre numa vila que possuía o maior contingente da população indígena da antiga Capitania de Ilhéus. Segundo a informação de Antônio da Costa Camelo, em 1794, havia “nadita villa 144 │cazais constantes da atestasaõ junta do Vigario│atual daquela Freguezia”. A denúncia feita pelos índios ao Ouvidor interino também se relacionava ao fato do então Diretor Francisco Antônio da Silveira não ensinar a ler e escrever aos seus filhos, nem “dar escola”, embora cobrasse para o exercício da referida função. A indicação do substituto justifica-se pelo fato de o mesmo ter sido criado na vila e saber a “língua geral”, o que testemunha ainda seu uso pelos índios de Olivença. Como relatado no documento, “requereraõ os o fficiais daCamera, e-| Respublicos emuozes porem comsubmiçaõ que quiri-| aõ para seu Diretor a Manoel doCarmo deJESUS | aesta grande instancia”. Ao serem questionados sobre as razões para a referida solicitação “Responderaõ | Queo atual não insinaua a seos filhos aler| nem es creuer enumca deu escola conforme adire=| cão dauilla”, deixando evidente a preocupação dos índios moradores da Vila de Olivença com a escolarização das crianças. O substituto, conforme solicitação dos oficiais da Câmara e repúblicos da Vila Nova de Olivença, deveria ser Manuel do Carmo de Jesus, que, segundo os requerentes, “tinha meio desi sus| tentar, eamayorrazaõ [de]s[e]r criado naquella | Villa esaber alingua Geral deIndios para me-| lhor saber emsinar aLem daCapasidade que | nele achauaõ”.

Para os índios da Vila Nova de Olivença, o conhecimento de que Manuel do Carmo de Jesus teria domínio da língua geral apresenta-se como um requisito para a ocupação do cargo, uma vez que facilitaria o cumprimento da obrigação do ensino da doutrina cristã, ler, escrever e contar aos meninos, determinada nas provisões de nomeação dos escrivães-diretores. Embora o Diretório tenha proibido o uso da língua geral e das línguas indígenas dos diversos grupos etnolinguísticos, esse documento testemunha a permanência de usos linguísticos que iam de encontro ao decreto de D. José I, deixando evidente a clara percepção dos indígenas sobre a necessidade de conhecimento da língua usada pelos moradores da Vila Nova de Olivença para facilitar o ensino da língua portuguesa. Além disso, a situação aqui descrita põe em discussão a posição assumida por Rodrigues (1996RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. As línguas gerais sul-americanas. Papia, v. 4, n. 2, p. 6-18, 1996.) de que a presença da língua portuguesa por toda a área da costa central da América portuguesa, do Rio de Janeiro ao Piauí, em virtude das proporções demográficas entre índios e não índios, não teria criado as condições sociolinguísticas favoráveis à emergência de uma língua geral de base indígena.

Na nova ordem político-administrativa instituída, saber ler, escrever e contar tornou-se um instrumento de inserção na sociedade em formação, com vistas à ocupação de espaços decisórios, o que corroborou para a importância dada pelos moradores da Vila de Olivença à abertura de escolas pelos escrivães-diretores. Além do mais, os dados demográficos atestam a significativa quantidade de crianças em idade escolar na vila. Essa percepção sobre a importância da leitura e da escrita parece também estar presente na Memoria sobre a Comarca dos IlhéosOFÍCIO do Juiz Conservador das Matas da Comarca de Ilhéus, Baltazar da Silva Lisboa ao secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, Visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, remetendo memória da Comarca. Valença, 27 de junho de 1802. AHU_CU_005-01, Cx. 122, D. 24.002-24.003., de Baltazar da Silva Lisboa, datada de 1802, ao relatar que os índios de Olivença “Dezejaõ a cultura doespirito dos seus filhos, emuitas vezes merogáraõ que lhesdésse hum Directôr, que os ensinasse”.

É possível, então, avaliar o “estado de civilização” dos índios da antiga Capitania de Ilhéus em inícios do século XIX? Podemos entrever indícios sobre a situação linguística das vilas de índios da antiga Capitania de Ilhéus, bem como sobre a atuação dos escrivães-diretores em relação à abertura de escolas, na análise do ofício do Ouvidor Domingos Ferreira Maciel ao Governador Francisco da Cunha Meneses, datado de 16 de outubro de 1803. Quanto à questão das línguas, o Ouvidor Domingos Ferreira Maciel informa sobre o uso generalizado da língua portuguesa nas Vilas de Olivença, Barcelos e Santarém e a “extinção” da língua geral. No entanto, a caracterização sociolinguística do período em questão põe em discussão as informações apresentadas no ofício do Ouvidor de que “uzaõ geralmente osIndios das trez Villas, Olivença, Barcellos, eSantarem, eos das Aldeas deAlmada, ede S Fidelis desta Commarca do Idioma Portuguez, tendo-se entre elles extinguido ouzo daLinguagem antiga, vulgarmente chamada Lingua geral”. É certo que, embora se possa falar sobre um avanço da língua portuguesa, ainda se trata de uma região caracterizada por um multilinguismo, como apontam outros testemunhos que se contrapõem à declaração do Ouvidor. No caso da Vila de Olivença, com uma população indígena estimada em 742 indivíduos, conforme recenseamento de 1805, não nos parece convincente a informação de Domingos Ferreira Maciel sobre a suposta generalização do uso da língua portuguesa. Vale destacar que, aproximadamente nove anos antes, a carta do Juiz Ordinário e Ouvidor interino da Comarca de Ilhéus, Antônio da Costa Camelo, com data de 28 de dezembro de 1794CARTA do Juiz Ordinário e Ouvidor interino da Comarca de Ilhéus, Antônio da Costa Camelo, dando notícias de ter tomado posse e das desordens de um Diretor da Vila de Olivença. Ilhéus, 28 de dezembro de 1794. APEB_Seção Colonial e Provincial, Maço 201-1/19., já apresentava a solicitação dos oficiais da Câmara e repúblicos da Vila Nova de Olivença de que Manuel do Carmo de Jesus fosse provido no cargo de Diretor de índios, por este saber a “língua geral”. Teria o português se generalizado em tão pouco tempo chegando a extinguir “o ouzo daLinguagem antiga”? Haja vista o curto período de tempo, acreditamos ser improvável.

O ofício de Domingos Ferreira Maciel também nos informa sobre a capacidade dos sujeitos que ocupavam o cargo de escrivães-diretores. Para o Ouvidor, tratava-se de “pessoas menos habeis, equenaõ podem alcançar outras occupaçoens mais uteis”. A justificativa para que a função fosse ocupada por pessoas consideradas “menos hábeis” seria o baixo rendimento e ainda o fato de as mais habilitadas para exercer o cargo não apresentarem interesse em “servir”, o que limitava as opções de escolha. Ademais, as pessoas menos habilitadas, na avaliação do Ouvidor, é que se colocavam para assumir o cargo de escrivão-diretor nas vilas de índios.

O domínio das capacidades de ler e de escrever também é um tema tratado no ofício enviado ao Governador, uma vez que o esperado “estado de civilização” das populações indígenas, como previsto na política linguística definida no âmbito do Diretório dos índios, passava pelo uso da língua portuguesa e pela abertura de escolas de primeiras letras para alcançar tal fim. Os escrivães-diretores, na condição de mestres de ler e escrever, apresentaram ao Ouvidor a razão pela qual o conhecimento das primeiras letras era precário nas vilas de índios: ausência dos meninos às escolas por conta de os pais levarem seus filhos para o trabalho nas roças e a família de modo geral para os lugares onde vão. De certa forma, essa informação testemunha que havia um esforço dos escrivães-diretores quanto à abertura de escolas, mas que eram pouco frequentadas, dada a “desculpa” apresentada ao Ouvidor. Acreditamos que a situação descrita ao Governador da Bahia, em 16 de outubro de 1803, não tenha sido diferente nos anos subsequentes, mas a ausência de fontes documentais não nos permite avançar nessa discussão. De modo geral, essa parece ter sido a realidade das vilas de índios da Comarca e Ouvidoria de Ilhéus até, possivelmente, 1830, último ano em que ainda temos notícia de provisão de nomeação de escrivão-diretor para a Vila de Santarém.

“[...] não lhes permitindo pronunciarem, nem huma só palavra na lingua barbara”: escola para índios e reforma dos costumes na antiga Capitania de Porto Seguro

Por deliberação do tribunal especial do Conselho Ultramarino, no espaço da antiga Capitania de Porto Seguro, foram erigidas duas vilas de índios: Vila Nova de Trancoso e Vila Verde, a Nova. O estabelecimento da Vila Nova de Trancoso ocorreu no dia 15 de março de 1759CARTA de aplicação da Provisão Régia que mandou criar a Nova Vila Trancoso. Porto Seguro, 15 de março de 1759. APEB_Seção Colonial e Provincial, Maço 603, Cad. 35. e, segundo informado pelos ministros responsáveis, de início, publicou-se o alvará de 8 de maio de 1758, com vistas a informar aos habitantes da decisão da Coroa portuguesa de fundar a referida vila, destituindo a administração dos jesuítas e restituindo a liberdade aos índios. Prosseguindo, passaram a formar o governo civil da nova povoação, com participação dos índios nos cargos de procurador do conselho, vereadores, juiz ordinário, porteiro e alcaide. Para o lugar de escrivão, indicou-se um português, “por não haver índio nacional com a necessária inteligência e notícia de processar”. Depois, transformaram a antiga casa dos jesuítas na Câmara e erigiram o pelourinho no centro da praça, símbolo da presença do poder local e evidência da nova condição da povoação. As “reformas jesuíticas” na antiga Capitania de Porto Seguro estavam concretizadas em março de 1759, incluindo aí também a elevação de Vila Verde, a Nova.

Em 2 de abril de 1763DECRETO do rei D. José, ao Conselho Ultramarino, nomeando o Corregedor da Comarca de Tomar, Tomé Couceiro de Abreu, para Ouvidor da nova Ouvidoria da Capitania de Porto Seguro. Lisboa, 2 de abril de 1763. AHU-Baía, cx.157, doc. 27/AHU_ACL_CU_005, Cx. 150, D. 11510., D. José I criou a Ouvidoria de Porto Seguro, abrindo o caminho para a reorganização político-administrativa da antiga Capitania. Coube ao primeiro Ouvidor, Tomé Couceiro de Abreu, iniciar essa reorganização ao criar as Vilas de São Mateus (1764), de Prado (1764) e de Belmonte (1765). Em inícios do século XIX, apenas as Vilas de Prado e de Belmonte ainda eram consideradas vilas de índios. Em relação a São Mateus, considerando seu crescimento populacional, caracterizado pelo maior contingente de luso-brasileiros, aos poucos, deixou de ser identificada como uma vila de índios.

Por meio do ofício de 16 de junho de 1764OFÍCIO do Ouvidor de Porto Seguro, Tomé Couceiro de Abreu, ao Ministro dos Negócios do Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, sobre povoações, rios, população e madeiras da sua capitania. Porto Seguro, 16 de junho de 1764. AHU_CU_005-01, Cx. 35, D. 6508., o Ouvidor informa-nos sobre sua atuação na abertura de escolas nas duas vilas de índios, Trancoso e Verde, e o quantitativo de meninos que passaram a frequentar as aulas, especificamente, “noventa etantos divididos porambas”. Esses dados, provavelmente, devem ter sido encaminhados pelos escrivães-diretores dessas vilas, uma vez que no mesmo ofício o Ouvidor destaca a atuação desses sujeitos na distribuição de ferramentas entre os índios e outras ações. Em relação às mestras para meninas, destaca a dificuldade de encontrar mulheres dispostas a morar nas vilas e que, para a Vila de Verde, tinha “catequisado” uma que iria “entrar a ensignar logo depoes do Espirito Santo”. Não localizamos outras fontes que pudessem corroborar as informações apresentadas pelo Ouvidor sobre a abertura das referidas escolas ou mesmo o número de meninos que as frequentavam, assim como sobre a mulher que atuaria como mestra das meninas de Vila de Verde, a Nova. Os esforços de Ouvidor Tomé Couceiro de Abreu para estabelecer a nova Ouvidoria de Porto Seguro acabaram por ser interrompidos com sua morte, em 1765.

A partir da atuação do segundo Ouvidor, José Xavier Machado Monteiro, nomeado para dar continuidade à criação da nova Ouvidoria de Porto Seguro, há informações mais sistemáticas sobre as “escolas para índios” no período em que aquele esteve no exercício do cargo. Além das vilas de índios já existentes quando nomeado, o novo Ouvidor ainda criou mais três: Viçosa (1768), Porto Alegre (1769) e Alcobaça (1772). Elaboradas por José Xavier Machado Monteiro, as “Instrucçoẽs para o governo dos Indios dacapitania de Porto seguro, que os seos Directores haõ de praticar emtudo aquillo, que senaõ incontrar com o Directorio dos Indios do Gram Pará, ou emquanto Sua Magestade naõ mandar ocontrario” serviriam como documento norteador para executar a política indigenista na antiga Capitania de Porto Seguro. Com 54 instruções para os Diretores de índios, complementares ao Diretório, as Instruções para o governo dos índios de Porto SeguroINSTRUÇOẼS para o governo dos Índios da Capitania de Porto Seguro, que os seus Diretores haõ de praticar em tudo aquilo, que se naõ encontrar com o Diretório dos Índios do Grão-Pará, ou enquanto Sua Majestade não mandar o contrário. Porto Seguro, ant. 1777. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 51, D. 9494. devem ser analisadas à luz das tentativas de implementação do decreto pombalino nesse espaço político-administrativo. Para o Ouvidor, a “reforma dos costumes”, tão necessária aos índios, só seria possível por meio da educação das crianças indígenas quanto mais cedo fossem retiradas dos pais e passassem a conviver com brancos. Entrevemos, nesse posicionamento de atuar sobre as crianças indígenas, a retomada da prática dos jesuítas, que, desde meados do século XVI, percebendo a difícil tarefa de evangelização dos ameríndios, usaram dessa estratégia para a formação de uma “nova cristandade”.

Das 54 instruções elaboradas pelo Ouvidor José Xavier Machado Monteiro, seis (da 3ª à 8ª instrução) tratam, especificamente, de questões relativas à educação dos meninos e das meninas das vilas de índios da antiga Capitania de Porto Seguro. Concebidas pelo Diretório como instituições fundamentais para garantir a “civilidade dos índios”, as escolas deveriam ser instaladas em todas as novas vilas, possibilitando às crianças indígenas não apenas o aprendizado da língua portuguesa, como também dos bons costumes ocidentais e cristãos. Corroborando essa estratégia de civilização, nas Instruções para o governo dos índios de Porto SeguroINSTRUÇOẼS para o governo dos Índios da Capitania de Porto Seguro, que os seus Diretores haõ de praticar em tudo aquilo, que se naõ encontrar com o Diretório dos Índios do Grão-Pará, ou enquanto Sua Majestade não mandar o contrário. Porto Seguro, ant. 1777. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 51, D. 9494., o Ouvidor estabeleceu uma política de regulamentação do funcionamento das escolas, ao orientar a uniformização do currículo e a organização de sua hierarquia institucional. As orientações para os Diretores de índios, relativas à “idade e de que modo […] hão de puxar [os meninos e as meninas] para a eschola e como nella os hão de ensinar a tractar” traduzem o “modelo” de educação projetado pelo Ouvidor José Xavier Machado Monteiro para as vilas de índios da Comarca de Porto Seguro, as quais, ao ser nomeado em 1766, eram cinco e, até o ano de 1772, já eram oito. Na terceira instrução, vemos a orientação quanto à elaboração de listas dos índios da vila, indicando aqueles que já sabiam falar e, consequentemente, estariam aptos a ir à escola. Os Diretores são orientados a obrigarem os pais a mandar seus filhos à escola e, quanto aos faltosos, caberia ao guarda ou ao meirinho ir buscá-los. Essa instrução ainda chama a atenção para o fato de que, quanto mais novas fossem as crianças, melhor seria o resultado, mesmo que apenas se limitassem a ouvir e praticar a língua portuguesa.

Na oitava instrução, o Ouvidor orienta sobre a presença de brancos e pardos nas vilas de índios e a obrigação dos Diretores de também assumirem o ensino das crianças desses contingentes, sem provimento a mais, além do que já recebiam da Fazenda Real, no valor de 70$000 réis anuais. Quanto a essa convivência na escola, os Diretores são orientados a tratarem os índios da mesma forma que os brancos, não fazendo distinção em qualquer atividade na classe e fazendo com que todos se tratassem com respeito. Dessa forma, a instrução é um testemunho da realidade multiétnica das vilas de índios da antiga Capitania de Porto Seguro.

Pela análise das referidas Instruções para o governo dos índios de Porto SeguroINSTRUÇOẼS para o governo dos Índios da Capitania de Porto Seguro, que os seus Diretores haõ de praticar em tudo aquilo, que se naõ encontrar com o Diretório dos Índios do Grão-Pará, ou enquanto Sua Majestade não mandar o contrário. Porto Seguro, ant. 1777. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 51, D. 9494., entrevemos algumas práticas correntes nas vilas de índios da antiga Capitania, refletidas num projeto que tinha como objetivo a “reforma dos costumes” das populações indígenas, sendo necessário investigar, em contrapartida, até que ponto as instruções foram postas em execução. Em repetidas correspondências às autoridades reinóis, tanto ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco de Mendonça Furtado, quanto ao próprio Rei D. José I, ou à Rainha D. Maria, o Ouvidor José Xavier Machado Monteiro apresentava notícias sobre medidas tomadas para a civilização dos índios e o progresso de sua Capitania. Da situação quando do início de sua atuação como Ouvidor, caracterizada pelo estado de “incivilidade” em que os índios ainda se encontravam sob a perspectiva do colonizador, José Xavier Machado Monteiro passa a destacar os supostos “progressos” que se manifestaram também na aplicação de alguns às escolas e no uso, pela maioria, da língua portuguesa. Considerando difícil ainda os índios mais velhos deixarem seus “hábitos”, o Ouvidor confirma sua posição de que a “reforma dos costumes”, como já proposto nas suas Instruções para o governo dos índios de Porto SeguroINSTRUÇOẼS para o governo dos Índios da Capitania de Porto Seguro, que os seus Diretores haõ de praticar em tudo aquilo, que se naõ encontrar com o Diretório dos Índios do Grão-Pará, ou enquanto Sua Majestade não mandar o contrário. Porto Seguro, ant. 1777. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 51, D. 9494., seria mais eficiente atuando sobre as crianças indígenas e retirando-as do convívio com o seus. Diante disso, a preocupação com a “civilização” dos índios será uma constante na atuação do Ouvidor, como podemos observar nas notícias dadas sobre a antiga Capitania de Porto Seguro. No conjunto das correspondências, o ofício de 8 de maio de 1770OFÍCIO do Desembargador Ouvidor do Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco de Mendonça Furtado, referente às medidas que tomou relativamente aos índios mais jovens, às vilas que erigiu e ao pedido de sucessor. Porto Seguro, 8 de maio de 1770. AHU-Baia, cx. 169, doc. 41/AHU_ACL_ CU_005, Cx. 164, D. 12457. ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco de Mendonça Furtado, cujo trecho reproduzimos a seguir, é bastante elucidativo das decisões tomadas com vistas à civilização dos índios:

Naõ sossego no disvello de civilizar osIndios, sem meser possivel arrancar dos Pais, como mais inveterados na sua barbara lingua, o uso della no tracto domestico, eainda no publico de hũs com outro em odeixarem de estarem sempre á perpender para os mais vicios, que nelles saõ quazi congenitos, einseparaveis [...]. Nos filhos porem lhes vay aproveitando muito, eao publico oarbitrio, que tomey detirar os maiores dacompanhia dos Pais, que taõ mal os educavaõ, para os por com os Brancos áofficios eásoldada, deque tem utilizado andarem mais bem vestidos, eadquirido muito gado vacum de criaçaõ, emque por maõ deseus Directores lhes faço empregar odinheiro das mesmas soldadas: Deixolhes na sua companhia os menores, mas nenhũ deidade de sinco annos para sima fora das escholas publicas, decapitandolhes avadiaçaõ emque os traziaõ: Emquanto as filhas deixandolhes pelo contrario na sua companhia as maiores para as acautelarem | que naõ acautelaõ | dos perigos na sua honra lhes vou distribuindo as menores por cazas de mulheres Brancas, ehonestas, quesequerem obrigar aensignalas áfiar, cozer erendilhar, outecer, eátrazelas sempre bem vestidas por este serviço, epor mais algũ que lhes fazem; pois que nestas terras naõ haMestras publicas, com quem aprendaõ tais ministerios. A experiencia mevay mostrando, que assim estas, como aquelles primeiros filhos pella convivencia domestica com os Brancos naõ so se vaõ esquecendo dos vocabulos dasualingua, mas cultivando nos milhores costumes destes, tanto espirituais, como temporaes para; seassim continuarem por mais annos; ficarem inteiramente civilizados; oque aliaz paresse impossivel na companhia dos Pais, que sempre os vaõ criando com omesmo leite dos vicios herdados deseus primogenitores.

Nesse ofício, José Xavier Machado Monteiro destaca, no processo de civilização dos índios, a prática de retirá-los do convívio de seus pais, para assim garantir que não fossem influenciados por seus quase “congênitos vícios”, demonstrando assim seu olhar etnocêntrico e preconceituoso em relação aos modos de vida e à cultura dos povos indígenas. Enquanto os maiores, na companhia dos brancos, eram direcionados à aprendizagem de ofícios e à “soldada”, os menores ficavam na companhia dos pais, mas nenhum com mais de cinco anos fora da escola. As meninas, por sua vez, eram distribuídas pelas casas de mulheres brancas “honestas”, a fim de que pudessem aprender as “atividades próprias daquele sexo”. O Ouvidor informa ainda sobre a inexistência de mestras na Comarca de Porto Seguro, sendo essa, portanto, a solução encontrada para suprir essa ausência. A partir da convivência com os brancos, os meninos e as meninas iriam se afastando do uso das línguas próprias de suas etnias, adquirindo os “melhores costumes”, sob a perspectiva do colonizador, e, com a continuidade dessa prática, estariam inteiramente civilizados dentro de mais alguns anos, desde que não continuassem na companhia de seus respectivos pais. Com isso, José Xavier Machado Monteiro considerava conseguir o sucesso na “reforma dos costumes”.

Os relatos dos avanços do processo de civilização dos índios, embora devam ser analisados à luz da situação em que foram produzidos, ou seja, como relatos das ações do governo do Ouvidor José Xavier Machado Monteiro para as autoridades reinóis, não deixam de apontar indícios sobre a política implementada no espaço geográfico-administrativo da antiga Capitania de Porto Seguro para a “civilidade” das populações indígenas que se desejava alcançar, que envolvia então práticas relativas à escolarização dos meninos índios, às formas de civilização por meio do trabalho compulsório e às estratégias usadas para suprir a ausência de mestras para as meninas. Num contexto que demandava mão de obra, em que tanto a escola quanto o trabalho compulsório eram instrumentos de civilização, a opção por este parece incidir sobre o baixo número de índios na escola.

Em inícios do século XIX, uma solicitação do Governador da Bahia, Francisco da Cunha Menezes, ao Ouvidor interino da Comarca de Porto Seguro, Francisco Dantas Barbosa, de que informasse os progressos sobre a “importantíssima civilizaçaõ dos índios”, satisfazendo às ordens do Príncipe Regente, D. João, trazem informações bastante elucidativas sobre a configuração linguística das vilas de índios. O testemunho do colono João José de Medeiro, homem branco, viúvo, natural da Ilha de São Miguel, dado ao Juiz Ordinário da Vila de Alcobaça, Pedro Antunes Guerra, em data de 18 de outubro de 1803AUTO de inquirição de testemunhas a que procedeu o Juiz Ordinário da Vila de Alcobaça, Pedro Antunes Guerra. Vila de Alcobaça, 18 de outubro de 1803. AHU_CU_005-01, Cx. 133, D. 26335., no auto de inquirição de testemunhas para averiguar o estágio do progresso da civilização dos índios, revela a permanência do uso das línguas de suas respectivas etnias entre os próprios índios, embora ateste o domínio cada vez maior da língua portuguesa. O depoimento também atesta os conflitos entre os últimos Ouvidores e os Diretores de índios, além do comportamento dos pais, que iam para as suas roças e não deixavam alimentação para seus filhos, nem recursos para se sustentarem, refletindo assim na frequência das crianças às escolas, que iam “mariscar para comerem, hum dia para lavarem acamiza; que se tem huma, outro dia para irem buscar farinha; edesta sorte naõ chegam na semana adarem quatro liçoens”. Entre as questões apresentadas, destacamos a referência à falta de material para os alunos praticarem a leitura e a escrita, limitando-se à escola. Nas palavras do colono, “no ler, escrever bem pouco saõ os aproveitados, porque somente lem emquanto andam na Escolla, esó escrevem na meza do Mestre, com atinta, opapel, que o Escrivam lhes-da, porque na caza delles naõ ha banco nem meza”. Além disso, o depoente destaca que não havia outra atividade “nem outro exercício senaõ devadiaçaõ, os meninos naturalmente naõ querem aprender, os Pais naõ querem que elles aprendam, pois dizem que Indio naõ tem necessidade de saber ler, nem escrever”. Essa postura difere da situação descrita para a Vila Nova de Abrantes, que solicitou ao Rei professores de língua portuguesa, e de Olivença, que solicitou substituição do Diretor por não cumprir com a obrigação de “dar escola” às crianças, o que demonstra formas diferentes de recepção da política indigenista vigente. Não podemos deixar de pontuar que as motivações desse alegado insucesso da escola, sob a perspectiva do colonizador, se relacionam com os conflitos decorrentes da divergência entre a visão de mundo do depoente, um homem branco, da governança da Vila de Alcobaça e natural da Ilha de São Miguel, e os modos de vida e a cultura indígenas.

Os depoimentos arrolados no auto de inquirição da Vila de Alcobaça revelam que a resistência dos índios à educação escolar proposta e a manutenção de suas etnicidades também se constituiriam como fatores relevantes para explicar a baixa frequência de meninos aptos à escola. Essa resistência também precisa ser compreendida à luz das diferenças entre a chamada educação escolar indígena e a educação indígena. O uso de estratégias legais para a não inclusão dos nomes de seus filhos nas listas de aptos à escola, como o casamento de índios menores de 14 anos, revela o papel ativo das populações indígenas no jogo de negociações e resistências que marcaram seu contato com os brancos. Não podemos deixar ainda de considerar as condições de subsistência como outro fator importante, já que, pelo fato de seus pais ficarem longos períodos afastados das vilas, seja realizando serviços particulares e públicos, seja em suas próprias roças, as crianças indígenas se viam obrigadas a buscar formas de garantir suas sobrevivências. Daí as referências feitas pelos depoentes quanto aos meninos dedicarem seu tempo a mariscar, buscar farinha, ao invés de frequentarem a escola.

As informações enviadas ao Ouvidor Francisco Dantas Barbosa pelos moradores da Vila de Prado, por meio de correspondência datada de 16 de outubro de 1803 e assinada por Manuel de Faria, João Soares Gonçalves, João do Espírito Santo, Manuel Domingues Monteiro e Lourenço Gomes, revelam que “A lingua Geral do uso natural nunca a perderaõ, porque aprenderam logo no berço”. Embora se reconheça que, no período em que o Ouvidor José Xavier Machado Monteiro estava no cargo (1766-1780), houvesse esforços no sentido de que os indígenas fossem “como osPortuguezes [...] sivilizados nonosso idioma”, ou seja, na língua portuguesa, o uso da “língua geral” ainda era falada na Vila de Prado em inícios do século XIX.

No auto de inquirição realizada pelo então Ouvidor interino e Sargento-mor Francisco Dantas Barbosa na Vila de Porto Seguro, em 19 de setembro de 1803, os depoentes trazem informações sobre a atuação da escola na civilização dos índios da antiga Capitania de Porto Seguro, “Sabendo muitos delles Ler eescrever ainda que com imperfeissaõ porfalta dehuzo”, e a permanência do uso das línguas “naturais”, principalmente pelos mais velhos, além do testemunho da língua geral na Vila de Belmonte. Embora não possamos avaliar a que se refere o uso desse termo “língua geral” pelo depoente Ignácio Rodrigues da Pena, não podemos deixar de atentar para a percepção do mesmo sobre o uso de uma língua diferente da portuguesa entre os índios vilados. Interessante ainda destacarmos a percepção de João Félix de Uzeda quanto ao governo do Ouvidor José Xavier Machado Monteiro, que teria desempenhado um importante papel na civilização dos índios no período, em função da maior frequência às escolas pelos meninos e, consequentemente, da aprendizagem da leitura e da escrita. Pela “falta de uso” da escrita, resultaria o estado em que se encontravam alguns dos índios que teriam frequentado essas escolas, ou seja, lendo e escrevendo com “imperfeição”, sendo ainda capazes de assinarem seus nomes de “próprio punho”, sobretudo aqueles que estavam ocupando os cargos públicos, os chamados “repúblicos” ou “republicanos”.

Nos testemunhos, podemos entrever uma reconfiguração sociolinguística que se definia nas vilas de índios da Comarca de Porto Seguro, em inícios do século XIX, nestes termos: em Trancoso e Verde, “parte delles chegaraõ aSaber Ler eescrever mas porfalta deExerçiçio lem eescrevem com imperfeissão”, “asmossas principalmente as [índias] que tem andado nacompanhia dos brancos falaõ bem Portuguez naõ falaõ alingoa natural nem aSabem”; a Vila de Belmonte é povoada por “alguns Portuguezes e Indios dalingoa geral”; nas vilas de índios em geral, aqueles que “andarão nas Escollas eaSoldadados falamanossa bem [a portuguesa] ealguns naõ Sabem aquella [a “natural”], sendo, em contrapartida, “publico enotorio queainda principalmente nas rossas huzaõ huns com os outros principalmente os mais Velhos dalingoa natural”. Esses depoimentos evidenciam a resistência e a manutenção das etnicidades no que se refere ao uso da língua indígena, identificada nos relatos como “língua geral” ou “língua natural”. Embora seja possível atestar o avanço da língua portuguesa nas vilas de índios mencionadas pelos depoentes, ainda observamos a resistência dos índios vilados e a manutenção das suas etnicidades quanto ao uso das línguas (“lingoa natural”), o que nos revela o caráter inter- e multilíngue dessas vilas em inícios do século XIX.

“[...] falando a Lingoa Portugueza mas nunca esquecidos dasua natural”: a título de conclusão

As questões discutidas a partir da documentação apontam para diferentes formas de recepção e de implementação da política linguística do governo josefino, o que nos permite considerar que a aplicação dos parágrafos do Diretório dos índios não foi apenas distinta entre as diversas capitanias da América portuguesa, mas também esteve condicionada às dinâmicas próprias de cada vila de índios e às suas formas de recepção e de tradução pelos respectivos moradores, que se distinguiam em termos etnolinguísticos e culturais.

A escolarização das crianças indígenas, embora não tenha atingido todos os meninos aptos à escola, capacitando-os para a leitura e para a escrita em língua portuguesa, como se esperava no âmbito da política indigenista expressa no Diretório, teve impactos no avanço do uso oral dessa língua, como testemunhamos nos glotocídios das línguas indígenas ao longo dos anos, ou mesmo na redução dos seus espaços de uso e de circulação entre os membros da comunidade, como nos cantos, cerimônias e rituais. A análise da documentação coloca em debate a alegada extinção das línguas indígenas e a vitória da língua portuguesa nas vilas de índios da Capitania da Bahia, em fins do século XVIII e inícios do XIX, abrindo alguns caminhos para a escrita de uma história que considere o agenciamento indígena, as etnicidades e a ressignificação dos usos linguísticos e não simplesmente a adoção do glotocídio como viés explicativo para um suposto caráter monolíngue das populações indígenas do atual Estado da Bahia.

Para os poucos indígenas que ainda frequentaram as escolas e, assim, se apropriaram das práticas de ler e de escrever, mesmo de forma “imperfeita”, as mudanças culturais e as formas de participação na sociedade colonial abriram espaços para uma maior atuação na tomada de decisões e na política em vigor, apesar de a rejeição do modelo escolar pelos índios mais velhos, no caso da antiga Capitania de Porto Seguro, deixar transparecer uma ideia equivocada de que estes não atentavam para o papel estratégico da educação escolar na luta por melhores condições de vida e de mobilidade social, já que as capacidades de ler e escrever não eram por eles consideradas necessárias.

As motivações para a rejeição dos índios às escolas refletem que as sociedades indígenas têm “diferentes formas de transmitir seus conhecimentos tradicionais que não precisam estar vinculados a nenhum método cartesiano de educação, como durante séculos vem sendo, filosoficamente, pensado e aplicado na sociedade ocidental”, como destaca Apolinário (2013APOLINÁRIO, Juciene Ricarte. Reflexões sobre a história da educação “tradicional” e escolar indígena no Brasil. In: SANTANA, Jocyléia et al. (org.). Resiliências educativas. Goiânia: América, 2013. p. 231-269., p. 231). Trata-se de um modelo de educação que perpassa diferentes nortes comportamentais, tanto para o indivíduo quanto para o grupo, com transmissão de códigos culturais por meio da tradição oral, apreendidos pela experiência, vivências dos anciões, sendo estes os “guardiões da memória e da cultura indígena” (APOLINÁRIO, 2013APOLINÁRIO, Juciene Ricarte. Reflexões sobre a história da educação “tradicional” e escolar indígena no Brasil. In: SANTANA, Jocyléia et al. (org.). Resiliências educativas. Goiânia: América, 2013. p. 231-269., p. 232). Não é por acaso que os inquiridos nas Vilas de Porto Seguro e de Alcobaça destacam a manutenção dos usos da língua indígena justamente pelos mais velhos e nas roças.

Independentemente das diferentes formas como a política indigenista teria sido apropriada nas vilas de índios, quer por meio da solicitação de professores de língua portuguesa para garantir a formação dos próprios índios que poderiam assumir a governança, como no caso de Vila Nova de Abrantes, quer por meio da resistência às escolas, criando estratégias para a não inclusão das crianças nas listas de matrícula, como na Vila de Prado, numa sociedade que se caracterizava pelo uso da escrita na arte de governar, o domínio dessa tecnologia garantia uma posição menos marginalizada para alguns indígenas, sendo difícil mensurar essa questão, uma vez que, com nomes portugueses, muitos possíveis índios “se perderam” na documentação produzida no período.

Referências

  • APOLINÁRIO, Juciene Ricarte. Reflexões sobre a história da educação “tradicional” e escolar indígena no Brasil. In: SANTANA, Jocyléia et al. (org.). Resiliências educativas Goiânia: América, 2013. p. 231-269.
  • BARROS, Maria Cândida D. M.; BORGES, Luiz C.; MEIRA, Márcio. A língua geral como identidade construída. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, v. 39, n. 1, p. 191-219, 1996.
  • CALVET, Louis-Jean. As políticas lingüísticas Tradução Isabel de Oliveira Duarte, Jonas Tenfen e Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial; IPOL, 2007.
  • CANCELA, Francisco Eduardo Torres. De projeto a processo colonial: índios, colonos e autoridades régias na colonização reformista da antiga capitania de Porto Seguro (1763-1808). 2012. 337 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.
  • COELHO, Mauro Cezar. Do sertão para o mar: um estudo sobre a experiência portuguesa na América, a partir da Colônia: o caso do Diretório dos índios (1757-1798). 2005. 433 f. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
  • DOMINGUES, Ângela. A educação dos meninos índios do Norte do Brasil na segunda metade do século XVIII. In: NIZZA DA SILVA, Maria Beatriz (Coord.). Cultura portuguesa na Terra de Santa Cruz Lisboa: Editorial Estampa, 1995. p. 67-77.
  • ELIAS, Norbert. O processo civilizador Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. 2v.
  • FREIRE, José Ribamar Bessa. Rio Babel: a história das línguas na Amazônia. Rio de Janeiro: EdUERJ; Atlântica, 2004.
  • MARCIS, Teresinha. A integração dos índios como súditos do rei de Portugal: uma análise do projeto, dos autores e da implementação na Capitania de Ilhéus, 1758-1822. 2013. 309 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.
  • MARIANI, Bethania. Colonização lingüística: línguas, políticas e religião no Brasil (séculos XVI a XVIII) e nos Estados Unidos (século XVIII). Campinas, SP: Pontes, 2004.
  • MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Português brasileiro: raízes e trajetórias. In: MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro São Paulo: Parábola Editorial, 2004. p. 11-28.
  • MONTEIRO, John M. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. 2001. 233 f. Tese (Livre Docência) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.
  • NEBRIJA, Antonio de. Gramática castellana Salamanca: [Juan de Porras], [1492] 1960.
  • NOBRE, Wagner Carvalho de Argolo. História linguística do Sul da Bahia (1534-1940) 2015. 307 f. Tese (Doutorado em Língua e Cultura) - Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.
  • NOBRE, Wagner Carvalho de Argolo. Introdução à história das línguas gerais no Brasil: processos distintos de formação no período colonial. 2011. 229 f. Dissertação (Mestrado em Letras e Linguística) - Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.
  • ORLANDI, Eni Puccinelli. Terra à vista: discurso do confronto: Velho e Novo Mundo. 2. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2008.
  • PETRUCCI, Armando. Alfabetismo, escritura, sociedad Barcelona: Gedisa Editorial, 1999.
  • RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. As línguas gerais sul-americanas. Papia, v. 4, n. 2, p. 6-18, 1996.
  • SANTOS, Fabricio Lyrio. Da catequese à civilização: colonização e povos indígenas na Bahia (1750-1800). 2012. 315 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.
  • SANTOS, Fabricio Lyrio. Da catequese à civilização: colonização e povos indígenas na Bahia. Cruz das Almas, BA: Editora UFRB, 2014.

Fontes primárias

  • ALVARÁ de confirmação do “Directorio, que se deve observar nas Povoações dos Indios do Pará, e Maranhaõ, em quanto Sua Magestade naõ ordenar o contrario”. Belém, 17 de agosto de 1758. PORTUGAL. Collecçaõ das leis, decretos, e alvarás, que comprehende o feliz reinado Del Rei fidelissimo D. José o I. Nosso Senhor, desde o anno de 1750 até o de 1760, e Pragmatica do Senhor Rei D. Joaõ o V. do anno de 1749 Tomo I. Lisboa: Oficina de Antonio Rodrigues Galhardo, 1796. Disponível em: Disponível em: http://legislacaoregia.parlamento.pt/Info/about.aspx Acesso em: 20 maio 2017.
    » http://legislacaoregia.parlamento.pt/Info/about.aspx
  • ALVARÁ do rei D. Pedro II, sobre os índios: liberdade, casamento com portugueses e aprendizagem da língua portuguesa. Posterior a 26 de abril de 1688. AHU_CU_009, Cx. 7, D. 795.
  • AUTO de inquirição de testemunhas a que procedeu o Juiz Ordinário da Vila de Alcobaça, Pedro Antunes Guerra. Vila de Alcobaça, 18 de outubro de 1803. AHU_CU_005-01, Cx. 133, D. 26335.
  • BRUNET, Luciano Campos. De aldeados a súditos: viver, trabalhar e resistir em Nova Abrantes do Espírito Santo, Bahia (1758-1760). 2008. 147 f. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.
  • CARTA de aplicação da Provisão Régia que mandou criar a Nova Vila Trancoso. Porto Seguro, 15 de março de 1759. APEB_Seção Colonial e Provincial, Maço 603, Cad. 35.
  • CARTA de João Ferreira Bittencourt e Sá, comunicando a eleição do novo Escrivão da Câmara de Abrantes. Salvador, 10 de março de 1759. APEB_Seção Colonial e Provincial, Maço 483-2, Senado da Câmara de Abrantes.
  • CARTA do Juiz Ordinário e Ouvidor interino da Comarca de Ilhéus, Antônio da Costa Camelo, dando notícias de ter tomado posse e das desordens de um Diretor da Vila de Olivença. Ilhéus, 28 de dezembro de 1794. APEB_Seção Colonial e Provincial, Maço 201-1/19.
  • CARTA régia de 12 de maio de 1798 sobre a civilização dos índios. In: OLIVEIRA, José Joaquim Machado de. Notas e apontamentos e notícias para a história da província do Espírito Santo. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo XIX, n. 22, p. 161-335, 1856, p. 313-325.
  • CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. José I, relatando suas atividades e execuções desde a primeira sessão do tribunal em 13 de setembro até o momento. Bahia, 22 de dezembro de 1758. AHU_ACL_CU_005, Cx. 139, D. 10701.
  • CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. José sobre os requerimentos dos índios moradores da vila da Nova Abrantes. Bahia, 9 de dezembro de 1758. AHU_ACL_CU_005, Cx. 138, D. 10675.
  • CORRESPONDÊNCIAS diversas recebidas de autoridades diversas (1766-1811). Vila de Barcelos, 24 de maio de 1809. APEB_Seção Colonial e Provincial, Maço 215, Filme 09, Flash 2, Cad. 6, doc. 09, 140.
  • DECRETO do rei D. José, ao Conselho Ultramarino, nomeando o Corregedor da Comarca de Tomar, Tomé Couceiro de Abreu, para Ouvidor da nova Ouvidoria da Capitania de Porto Seguro. Lisboa, 2 de abril de 1763. AHU-Baía, cx.157, doc. 27/AHU_ACL_CU_005, Cx. 150, D. 11510.
  • INFORMAÇÃO de alguns moradores da Vila do Prado, dirigida ao Ouvidor Francisco Dantas Barbosa, sobre os índios. Vila do Prado, 16 de outubro de 1803. Anexo: AHU_CU_005-01, Cx. 133, D. 26333.
  • INSTRUÇOẼS para o governo dos Índios da Capitania de Porto Seguro, que os seus Diretores haõ de praticar em tudo aquilo, que se naõ encontrar com o Diretório dos Índios do Grão-Pará, ou enquanto Sua Majestade não mandar o contrário. Porto Seguro, ant. 1777. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 51, D. 9494.
  • INVENTÁRIO dos móveis encontrados no Hospício dos Missionários da Aldeia do Espírito Santo, elevada a Vila de Abrantes - Inventário dos bens pertencentes à Igreja de Abrantes (Caderno 2). S/D. APEB_Seção Colonial e Provincial, Maço 603.
  • MAPA dos habitantes da Vila de Nossa Senhora da Escada de Olivença. Ano: 1805. APEB_Seção Colonial e Provincial, Maço 596, Caderno 11, Recenseamento.
  • OFÍCIO do Desembargador Ouvidor do Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco de Mendonça Furtado, referente às medidas que tomou relativamente aos índios mais jovens, às vilas que erigiu e ao pedido de sucessor. Porto Seguro, 8 de maio de 1770. AHU-Baia, cx. 169, doc. 41/AHU_ACL_ CU_005, Cx. 164, D. 12457.
  • OFÍCIO do Juiz Conservador das Matas da Comarca de Ilhéus, Baltazar da Silva Lisboa ao secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, Visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, remetendo memória da Comarca. Valença, 27 de junho de 1802. AHU_CU_005-01, Cx. 122, D. 24.002-24.003.
  • OFÍCIO do Ouvidor da Comarca de Ilhéus, Domingos Ferreira Maciel, ao Governador Francisco da Cunha Menezes, sobre os índios da sua comarca. Cairu, 16 de outubro de 1803. AHU_CU_005-01, Cx. 133, D. 26330.
  • OFÍCIO do Ouvidor de Porto Seguro, Tomé Couceiro de Abreu, ao Ministro dos Negócios do Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, sobre povoações, rios, população e madeiras da sua capitania. Porto Seguro, 16 de junho de 1764. AHU_CU_005-01, Cx. 35, D. 6508.
  • OFÍCIO do Ouvidor interino da Comarca de Porto Seguro, Francisco Dantas Barbosa, ao Governador Francisco da Cunha Menezes, sobre os índios da sua Comarca. Porto Seguro, 20 de dezembro de 1803. AHU_CU_005-01, Cx. 133, D. 26332.
  • OFÍCIO do Ouvidor Luiz Tomás Navarro de Campos, ao Governador Francisco da Cunha Menezes, sobre os índios. Bahia, 23 de janeiro de 1804. AHU_CU_005-01, Cx. 133, D. 26331.
  • OFÍCIO do Vice-rei, Conde dos Arcos, ao Tomé Joaquim da Costa Corte Real, sobre o parecer do Conselho Ultramarino. Bahia, 1º de junho de 1759. AHU_CU_005-01, Cx. 23, D. 4255.
  • PARECER do conselheiro José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo sobre as aldeias de índios que devem se constituir em vilas. Bahia, 27 de setembro de 1758. AHU-Baía, cx. 145, doc. 43, 44/AHU_ACL_CU_005, Cx. 137, D. 10620.
  • PARECER do Conselho Ultramarino da Bahia sobre os parágrafos do Diretório para o regimento dos índios das aldeias das capitanias do Pará e Maranhão, aprovado pelo alvará régio de 17 de agosto de 1758, e que podia ser aplicado aos índios de todo o Estado do Brasil. Bahia, 19 de maio de 1759. AHU_CU_005-01, Cx. 23, D. 4256.
  • PLANTA da Vila de Abrantes, pertencente à Comarca do Norte. AHU_CU_005-01, Cx. 81, D. 15799.
  • RESPOSTA aos quesitos das informações que se desejam conseguir pelo que respeita a Vila da Nova Soure, que até agora se denominou aldeia da Natuba, na Bahia. Cachoeira (BA): [s.n.], 22/04/1759. 22 p., Orig. BNRJ - Cod. DCCXCII (15-69) - 07,02,013.
  • RESPOSTAS aos quesitos relativos às aldeias de N. Sra. da Escada, de N. Sra. das Candeias e de Santo André e São Miguel do Serinhaem - hoje, respectivamente, vilas de Nova Olivença, Nova Barcelos e Santarém. [S.l.: s.n.], 1768. 32 p., Orig. BNRJ - Cod. CCCLXII (18-14) - 07,03,019.

Notas

  • 1
    Formado, em 1757, por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Governador e Capitão General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, o Directorio, por meio do alvará de 17 de agosto de 1758, foi confirmado e estendido para o Estado do Brasil até sua revogação por meio da Carta régia de 12 de maio de 1798CARTA régia de 12 de maio de 1798 sobre a civilização dos índios. In: OLIVEIRA, José Joaquim Machado de. Notas e apontamentos e notícias para a história da província do Espírito Santo. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, tomo XIX, n. 22, p. 161-335, 1856, p. 313-325.. Lei colonial que se tornou conhecida como Diretório pombalino ou Diretório dos índios, em seus 95 parágrafos, trata da política indigenista implementada pelo governo de D. José I (1750-1777). Sobre a formulação desta lei, indicamos a tese de Mauro Cezar Coelho (2005COELHO, Mauro Cezar. Do sertão para o mar: um estudo sobre a experiência portuguesa na América, a partir da Colônia: o caso do Diretório dos índios (1757-1798). 2005. 433 f. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.).
  • 2
    Para definir o perfil dos estudos, realizamos uma busca no banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por meio do site http://bancodeteses.capes.gov.br/banco-teses/#!/, utilizando as seguintes chaves de busca: “Diretório”, “Diretório pombalino”, “Diretório dos índios”, “vilas”, “vilas de índios”, “vilas de índios no século XVIII”, “educação escolar indígena”, “educação indígena” e “educação indígena no século XVIII”. Em seguida, fizemos a leitura dos resumos das dissertações e teses identificadas, com vistas a localizar aquelas que tratariam da temática relativa à aplicação do Diretório dos índios, independentemente de focalizarem a questão educativa, o que nos permitiu caracterizar os trabalhos realizados até o momento sobre a temática em questão.
  • 3
    Nos trechos da documentação citada ao longo do trabalho, optamos por uma transcrição conservadora, na direção de uma edição semidiplomática das fontes, mantendo as características linguísticas. Nas citações dos trechos, utilizamos o itálico para desenvolver as abreviaturas, com vistas a garantir uma leitura mais fluida do texto.
  • 4
    Em “De quão pouca civilidade sejam capazes os índios”, Santos (2014SANTOS, Fabricio Lyrio. Da catequese à civilização: colonização e povos indígenas na Bahia. Cruz das Almas, BA: Editora UFRB, 2014., p. 215-262) faz uma discussão detalhada sobre a emergência do termo “civilização” no século XVIII e suas relações como os termos “civilidade”, “civilizar”, “civilizado”, refletindo, inclusive, a sua adoção no âmbito da legislação portuguesa do período.
  • 5
    Em relação à autoria do Diretório dos índios, entre 1754-1759, o Bispo Miguel de Bulhões foi Governador interino do Estado do Grão-Pará e Maranhão, em substituição a Mendonça Furtado, que estava envolvido com as delimitações de fronteiras com a Espanha. Embora não tenhamos a intenção de discutir a autoria do Diretório, não podemos deixar de destacar a importância do Bispo Miguel de Bulhões, embora o referido regimento, com data de 3 de maio de 1757, tenha sido assinado por Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento da FAPESB (Bol. nº 1500/2015).
  • Organizadoras:

    Juciene Ricarte Apolinário e Maria Adelina Amorim

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2020
  • Aceito
    25 Jun 2021
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Campus de Assis, 19 806-900 - Assis - São Paulo - Brasil, Tel: (55 18) 3302-5861, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, Campus de Franca, 14409-160 - Franca - São Paulo - Brasil, Tel: (55 16) 3706-8700 - Assis/Franca - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@unesp.br