Open-access Ressonâncias do maoísmo na esquerda brasileira: os sentidos do maoísmo na história da Ação Popular (AP)

Resonances of Maoism in the Brazilian Left: The Meanings of Maiosm in the History of Ação Popular (AP)

RESUMO

O presente artigo tem o objetivo de analisar como a organização revolucionária Ação Popular (AP), uma das mais representativas da esquerda brasileira das décadas de 1960 e 1970, incorporou o maoísmo na formulação de seu projeto estratégico e na elaboração de sua identidade. Fundada em congresso realizado em 1963, a AP caracterizou-se, inicialmente, pela proposição de um projeto socialista humanista, aberto a diferentes influências filosóficas, como o marxismo, o cristianismo e o existencialismo. Depois do Golpe de Estado de 1964, na conjuntura da implantação da Ditadura, abriu um processo para a retificação de sua estratégia e redefinição de sua identidade, tendo como eixo norteador o marxismo. Em 1968, a AP aprovou uma estratégia claramente inspirada no legado da Revolução Chinesa e assumiu a identificação com o maoísmo, definido como a terceira etapa do marxismo, o marxismo-leninismo da atualidade. A análise demonstra que esse foi um marco decisório na adesão da AP a uma linha estratégica maoísta, mas não foi o início da história dessa recepção. Da mesma maneira, demonstra que os termos da elaboração então sistematizada foram confrontados e modificados em conjuntura posterior. Embora o período de maior influência do maoísmo ocorresse entre 1968 e 1973, do início ao fim da história da AP, a temática da Revolução Chinesa fez parte do seu universo de referências, sujeitando-se ao escrutínio dos debates internos e das sucessivas redefinições que o projeto da organização sofreu. Por isso, infere-se que não é possível falar em um sentido unívoco da relação da AP com o maoísmo.

Palavras-chave:
Ação Popular Marxista-Leninista; maoísmo; esquerda revolucionária brasileira

ABSTRACT

The present article aims to analyze how the revolutionary organization Ação Popular (AP), one of the most representative groups of the Brazilian left in the 1960s and 1970s, incorporated Maoism into the formulation of its strategic project and the development of its identity. Founded at a congress held in 1963, AP initially characterized itself by proposing a humanist socialist project, open to different philosophical influences such as Marxism, Christianity, and existentialism. After the 1964 coup d´état, in the context of the military dictatorship’s implementation, the organization began a process to rectify its strategy and redefine its identity, with Marxism as the guiding axis. In 1968, AP adopted a strategy clearly inspired by the legacy of the Chinese Revolution and identified itself with Maoism, defined as the third stage of Marxism, the contemporary Marxism-Leninism. The analysis demonstrates that this was a pivotal decision in AP’s adherence to a Maoist strategic line, but it was not the beginning of the story of this reception. Similarly, it shows that the terms of the systematic formulation made at that time were confronted and modified in later contexts. Although the period of greatest Maoist influence occurred between 1968 and 1973, from the beginning to the end of AP’s history, the theme of the Chinese Revolution was part of its reference universe, subject to the scrutiny of internal debates and the successive redefinitions of the organization’s project. Therefore, it can be inferred that it is not possible to speak of a univocal relationship between AP and Maoism.

Keywords:
Ação Popular Marxista-Leninista; Maoism; Brazilian revolutionary left

Preâmbulo

O presente texto1 tem o objetivo de analisar como a organização política Ação Popular (AP), uma das mais representativas da esquerda brasileira das décadas de 1960 e 1970, incorporou o maoísmo, entendido como paradigma internacional revolucionário, na formulação de seu projeto estratégico e na reelaboração de sua identidade.

Segundo a formulação de Eder Sader, a identidade “define um determinado grupo enquanto grupo” (Sader, 1988, p. 43). Sua elaboração depende do “modo como se articulam objetivos práticos a valores que dão sentido à existência do grupo em questão” (Sader, 1988, p. 44). Esse autor sublinha que não se trata de

uma suposta identidade essencial, inerente ao grupo e preexistente às suas práticas, mas derivada da posição que assume. Tal identidade se encontra corporificada em instituições determinadas, onde se elabora uma história comum que lhe dá substância, e onde se regulam as práticas coletivas que a atualizam. (Sader, 1988, p. 44).

Não tendo um sentido imanente e caracterizando-se como um construto coletivo, a identidade de organizações revolucionárias, caso da AP, não é estática. Sujeita-se a um dinâmico exercício de elaboração e reelaboração, em sintonia com a atualização da práxis partidária. A esse respeito, em seu inspirador estudo sobre o Partido Comunista Brasileiro (PCB), Dulce Pandolfi destaca que o projeto político revolucionário, ao estabelecer o objetivo de construção de uma nova sociedade e os meios de atingi-lo, é um componente central da formulação dessa identidade (1995, p. 18). Argumentando que tal operação articula dialeticamente passado, presente e futuro, escreve Pandolfi (1995, p. 18):

Devido a uma concepção teleológica da história, [...] o presente existe em função do futuro, e é o futuro que dá forma ao passado. [...] Diante de novas definições políticas ou ideológicas, ocorre também uma reescritura do seu passado. Isso porque, toda vez que um projeto é reelaborado, essa reelaboração repercute na identidade e provoca uma reorganização da memória.

Tal dialética está densamente presente na história da AP, cuja identidade foi reelaborada, em mais de uma conjuntura, a partir de redefinições de seu projeto político, às quais corresponderam cisões organizativas de impacto e reinterpretação de seu passado. Fundada em um congresso ocorrido em 1963, a AP caracterizou-se, inicialmente, pela proposição de um projeto socialista humanista, aberto a diferentes influências filosóficas, como o cristianismo, o existencialismo e o marxismo. Após 1964, na conjuntura aberta com a implantação da ditadura civil-militar, desencadeou um processo para a retificação de sua estratégia e de sua identidade, tendo como eixo norteador o marxismo. Em 1968, a AP aprovou uma estratégia claramente inspirada no legado da Revolução Chinesa e assumiu a identificação com o maoísmo, definido como a terceira etapa do marxismo, o marxismo da atualidade.

Esse foi o marco decisório na adesão da AP a uma linha estratégica maoísta, mas não se pode dizer, por um lado, que tenha sido um marco zero na história dessa recepção e, por outro lado, que os termos da elaboração então sistematizada não viessem a ser confrontados e modificados em conjuntura posterior. Do início ao fim da história da AP, a temática da Revolução Chinesa fez parte do seu universo de referências, sujeitando-se ao escrutínio dos debates internos e às redefinições que a estratégia da organização sofreu, embora o período de maior identificação com o maoísmo ocorresse entre 1968 e 1973.

Além de abordar o debate intelectual decorrente, o objetivo é escrutinar os documentos que a AP produziu para formular a Linha Geral da revolução brasileira, com as variações presentes no debate interno e na luta entre as suas correntes, como fator de elaboração de sua identidade.

As primeiras ressonâncias

No seio de sua geração, a AP não foi a única organização da esquerda brasileira influenciada pela Revolução Chinesa. Em ensaio publicado na coleção História do Marxismo no Brasil, Daniel Aarão Reis diagnosticou que a vitória da Revolução Chinesa, em outubro de 1949, teve ressonância na elaboração política da esquerda brasileira desde aquela época.

Particularmente com as políticas adotadas pela nova liderança soviética após o XX Congresso do PCUS, o maoísmo ascendeu, em escala internacional, como paradigma revolucionário alternativo, no dizer de Daniel Aarão Reis (2007, p. 183), por “criticar cada vez mais abertamente o ‘revisionismo’ soviético, associando-o à social-democracia e indicando a necessidade de sua exclusão do movimento comunista internacional”. O maoísmo propunha, segundo Aarão Reis (2007, p. 182), “a luta pela manutenção do que entendia serem os princípios essenciais do marxismo-leninismo: a hegemonia proletária na luta revolucionária, a revolução violenta, a aliança prioritária com os camponeses, a ditadura do proletariado no processo de construção socialista”.

No Brasil, ao longo da década de 1960, a influência do maoísmo incidiria, sobretudo, nas organizações revolucionárias que se constituíram em oposição ao PCB, formadas a partir de suas dissidências ou com origem diversa, como foi o caso da AP. Em razão da adoção de uma linha estratégica gradualista e de privilegiar os métodos legais de atuação política, o PCB passou a ser identificado como o emblema do revisionismo soviético no Brasil. Esse fato foi acentuado depois do golpe de Estado de 1964, quando o PCB reafirmou a estratégia gradualista e recusou a hipótese do enfrentamento armado para a derrubada da ditadura então instaurada. Daniel Aarão Reis (2007, p. 184) infere que o maoísmo, na segunda metade da década de 1960, “alcançara seu momento mais importante do ponto de vista do impacto de sua influência na trajetória da esquerda brasileira, transformando-se em referência obrigatória para os marxistas brasileiros, embora a maneira pela qual era apresentado variasse enormemente”.

Se o processo de recepção e assimilação do maoísmo variava de organização para organização, constata-se que também não era estático na elaboração estratégica de um mesmo partido, como se vê na história da AP. Uma breve retrospectiva da história dessa recepção contribui para instruir a apresentação da problemática.

Em sua origem, a AP se distinguia por não esposar uma filiação exclusiva ao marxismo. Impulsionada a partir da radicalização da juventude católica, sua formação também acolheu militantes egressos da juventude evangélica e militantes socialistas não alinhados com os partidos comunistas, muitos dos quais com formação marxista. Tratava-se, apesar da forte presença de cristãos engajados, de um movimento político laico, socialista e alternativo ao partido comunista.

Inicialmente, a AP formulou um projeto político cujo conceito norteador era o ‘socialismo como humanismo’, influenciado pelo marxismo, pelo cristianismo e pelo existencialismo. Seu objetivo era forjar uma ideologia e um projeto socialista próprio, para cuja elaboração dialogava criticamente com as experiências revolucionárias históricas. A rigor, a noção de socialismo como humanismo era uma crítica às experiências socialistas pós-revolucionárias, nas quais a AP identificava a formação de novas formas de alienação e dominação, ainda que procurasse contextualizar tais fenômenos nas condições históricas concretamente vividas.

Na resolução de seu congresso de fundação, intitulada como Documento-base, a AP inseriu a referência à Revolução Chinesa no leito mais amplo da expansão do socialismo pelo mundo:

Depois da Revolução Russa e da criação das Repúblicas Populares, os fenômenos mais importantes foram a Revolução Chinesa e, na América Latina, a Revolução Cubana. De 1917 até os nossos dias, o sistema socialista atingiu cerca de 1/3 da humanidade que, ao que tudo indica, mesmo no caso de superar a motivação marxista, continuará a desenvolver-se. (AP, 1963, p. 9).

Em face da diversidade de experiências históricas, entendia que “os caminhos para o socialismo permanecem abertos numa larga frente de possibilidades” (AP, 1963, p. 4). Assim, afirmava que a recente tensão entre a União Soviética e a China acentuava a existência de diversas concepções de passagem ao socialismo. Em resumo, a Revolução Chinesa era inserida no cenário de pluralismo de caminhos e o confirmava, sem se converter em um paradigma.

Contrapondo-se à linha do PCB, a estratégia política da AP recusou a concepção de que deveria haver uma fase de consolidação do capitalismo como etapa necessária à revolução brasileira. Não considerava possível, contudo, uma revolução socialista imediata. Para o Documento-base, não cabia à AP antecipar como ocorreria o processo revolucionário. Nas condições existentes, a AP dispunha-se a desencadear um “processo de preparação revolucionária”, que definiu como “mobilização do povo, na base do desenvolvimento de seus níveis de consciência e organização” (AP, 1963, p. 13). Entretanto, por meio de linguagem grafada com eufemismo, reconhecia que “a história não registra quebra de estruturas sem violências geradas por essas mesmas estruturas, que produzem, em última análise, essa consequência” (AP, 1963, p. 10). Depreende-se que a violência revolucionária teria um sentido defensivo, decorrente da resistência violenta das classes dominantes ao avanço da mobilização social e das transformações estruturais.

Na constelação das organizações de esquerda criadas no início da década de 1960, como oposição e alternativa ao PCB, a AP se distinguiu, conforme Gorender (1987, p. 36), “pela capacidade de atuação no movimento de massas em favor das reformas de base e por sua presença nas mais variadas entidades setoriais e de frente única do imediato pré-64”. Nas palavras de Herbet de Souza (1978, p. 76), seu primeiro coordenador nacional, a AP “nasceu como uma organização de massa avançada, como um movimento”.

A AP liderava a União Nacional dos Estudantes, mantinha vasos comunicantes com o Movimento de Educação de Base e participava da direção da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. Estreitando os laços com setores anti-imperialistas e revolucionários, integrou a Frente de Mobilização Popular, entidade extraparlamentar e suprapartidária organizada para impulsionar a pauta das reformas de base. Explorando as contradições do poder de Estado, não recusou a possibilidade de seus dirigentes e membros participarem das agências governamentais durante o mandato do presidente Goulart, com o qual manteve uma relação de apoio crítico.

Com audiência no movimento de massas e na luta social, a AP experimentou um rápido crescimento em seu pouco tempo de existência, mas esse processo foi interrompido com o golpe de Estado de 1964 e com a instauração da ditadura civil-militar. Conquanto sua estratégia fosse mais ampla, sua práxis não ultrapassou o movimento em favor de reformas estruturais que caracterizou aquela conjuntura.

A transformação política e ideológica da AP

Com a implantação da ditadura civil-militar de 1964, a AP reelaborou progressivamente seus objetivos e sua identidade. Entre 1965 e 1973, viveu três processos de luta interna, informados por disputas acerca da redefinição do projeto político, às quais corresponderam releituras de seu passado, articuladas com o futuro revolucionário.

Na conjuntura imediatamente posterior ao golpe de Estado, a AP passou, a exemplo de outras organizações de esquerda, por um período de desarticulação. Por motivos de segurança, o coordenador nacional da AP, Herbet de Souza, acompanhado pelos dirigentes Aldo Arantes e Jair Ferreira de Sá, exilou-se no Uruguai, onde havia uma comunidade de brasileiros perseguidos pela ditadura. Foi preservada, em São Paulo, uma direção provisória. Em Montevidéu, influenciados por Leonel Brizola, os líderes da AP aproximaram-se da ideia de uma rápida reconquista armada, eco do imaginário irradiado pela Revolução Cubana (Souza, 1978).

No Brasil, a situação da AP era diversificada. Um documento de avaliação inferiu que, no quadro de crise de perspectiva, de desorientação política e de fragilidade organizativa, emergiram tendências que representariam desvios de direita e de esquerda.

Os alegados desvios de direita dividiam-se em três perspectivas. A primeira recomendava uma fase de recuo, dedicada à preparação técnica dos quadros militantes, visando a uma atuação futura, em um prazo que poderia durar 10 anos ou mais. Outra tendência considerava que o movimento da AP estava demasiadamente marcado e não resistiria à repressão, defendendo sua dissolução “em algo mais amplo para definir-se num futuro tão longínquo quanto incerto” (AP, 1966a, p. 7). Um terceiro vetor era favorável ao objetivo de “continuar a luta, mas tão somente no plano institucional, legal, dentro dos limites permitidos pela ditadura” (AP, 1966a, p. 7). No outro polo, identificava-se que fora criado um clima para o ‘aventureirismo esquerdista’, assim caracterizado: “ações isoladas de militantes que preferiam fazer algo, mesmo que errado, a praticar a política da omissão” (AP, 1966a, p. 7).

Em 1965, com a volta dos dirigentes exilados e o avanço na rearticulação interna, a AP realizou um Encontro Nacional Extraordinário para se reestruturar e atualizar seu projeto político. Os resultados foram sistematizados no documento Resolução Política (RP). Em sua abertura, a RP anuncia o objetivo de definir uma política revolucionária para a organização, a ser aplicada sem adiamentos, visando inseri-la em “uma nova etapa de sua existência, rigorosamente popular e revolucionária” (AP, 1965, p.1).

Concretamente, a AP retificou a sua linha política e aderiu ao objetivo de promover a luta armada para derrubar a ditadura e implantar um regime pós-revolucionário. Não se promoveu, porém, a revisão da concepção de socialismo como humanismo, de base teórica eclética. Da mesma forma, reafirmou-se o princípio, assentado no Documento-base, de que o mundo socialista em gestação era complexo e que havia diversidade de experiências e de caminhos ao socialismo (AP, 1965). O documento foi denominado como Resolução Política porque se dirigiu à revisão do plano da ação política, deixando o reexame das demais concepções para um evento posterior, quando tais reflexões estivessem mais maduras.

Mesmo assim, a consequência da nova orientação foi, no dizer do dirigente Duarte Pereira, membro do Comando Nacional constituído em 1965, a primeira grande luta interna da AP: “Fruto disso, houve a primeira cisão, o afastamento de vários dirigentes e militantes que não aceitavam essa perspectiva, que nós chamávamos de necessidade de ‘reopção’, fazer uma nova opção no quadro modificado do país” (Pereira, 2022, p. 98).

Preservava-se a compreensão de que a revolução brasileira não continha uma fase burguesa, mas defendia-se que a estratégia deveria abarcar as tarefas de libertação nacional e as tarefas socialistas (AP, 1965). Recomendando análise atenta das experiências situadas na vasta área chamada de ‘terceiro mundo’, acentua: “A luta pelo socialismo está hoje inevitavelmente ligada à luta pela libertação deste mundo dominado pelo imperialismo” (AP, 1965, p. 5). Na estratégia, portanto, o conceito-chave era o de Revolução Socialista de Libertação Nacional. Tal como formulado, esse conceito absorvia influências das revoluções chinesa e cubana.

Seja como for, na conjuntura dos primeiros anos da ditadura, entre essas duas referências estratégicas internacionais, a AP sofria maior influência da Revolução Cubana. Em documentos elaborados quando havia a hegemonia maoísta, essa fase seria referida como ‘foquista’, adjetivo derivado da ‘teoria do foco revolucionário’.

Diferentemente do que preconizava o marxismo-leninismo, a chamada teoria do foco subordinava o elemento político ao militar e priorizava o foco guerrilheiro sobre o partido de vanguarda (Gorender, 1987, p. 80-81). Conforme Régis Debray ([s.d.], p. 85): “A guerrilha é a vanguarda política ‘In nuce’ e apenas de seu desenvolvimento pode surgir o Partido. Por isso é preciso desenvolver a guerrilha para desenvolver a vanguarda política. [...] O trabalho insurrecional é o trabalho político número um”.

Na fase maoísta da AP, para sublinhar os matizes da forma de recepção da influência cubana, avaliou-se, contudo, que se tratava de um ‘foquismo reinterpretado’:

Entre 1965 e 1967, grande influência exerceram sobre nós as proposições de Che Guevara e de Régis Debray sobre o foco guerrilheiro. Fizemos-lhes restrições na questão do partido. Achávamos que era necessária uma organização política para dirigir a luta e que era necessário combinar a luta de massas com a luta armada, mas no fundamental não rompemos com a concepção foquista. O nosso era um foquismo reinterpretado. (APML, 1971c, p. 24).

Eleito coordenador da AP em 1965, Aldo Arantes abordou a questão em livro de memórias. Reportando-se ao Encontro Extraordinário daquele ano, anotou: “O caminho da luta armada adotado pela AP, naquele momento, foi influenciado pela concepção ‘foquista’. No entanto, se diferenciava por combinar a luta armada com a luta de massas” (Arantes, 2013, p. 136). Duarte Pereira salientou que, no leque das ações elencadas pela Resolução Política, priorizava-se a retomada da luta de massas, e não o desencadeamento imediato de ações armadas, que eram subordinadas a uma série de etapas preparatórias:

Achávamos que havia a necessidade de ter um partido à frente da luta e por isso estávamos empenhados em reorganizar a AP como uma organização revolucionária. Achávamos necessário que se retomasse, se ampliasse e se aprofundasse o trabalho de massas. Estávamos empenhados na reorganização da União Nacional dos Estudantes, na reorganização da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas e iríamos logo nos envolver com a reorganização do movimento sindical e operário, com o trabalho no campo. E achávamos que, paralelamente, deveríamos começar uma fase de preparação de quadros, de mais estudos estratégicos do país, para, mais à frente, quando as condições políticas, partidárias e as organizações de massa estivessem mais maduras, então aí se colocariam, na ordem do dia, ações armadas propriamente ditas. (Pereira, 2022, p.101).

Esse conjunto de ressalvas e nuanças caracteriza o que veio a ser chamado, nos documentos internos de reavaliação, de ‘foquismo reinterpretado’. Em outras palavras, a influência e a recepção da Revolução Cubana foram limitadas pela tradição de luta de massas que a AP sedimentara antes de 1964 e pela identificação da necessidade de um partido de vanguarda, tema pautado em seguida.

Logo após o Encontro Nacional Extraordinário de 1965, como subsídio ao processo de reorganização, foi realizada uma pesquisa sociológica para aferir o perfil dos militantes. A despeito da fragilidade decorrente da aplicação de uma metodologia no contexto de relativa clandestinidade, os indicadores aferidos são ilustrativos. Entre os membros que responderam, 68% haviam ingressado no pós-64. Havia, portanto, significativa renovação de membros no período da ditadura. A militância com origem na Ação Católica persistia relevante, mas não era o caminho principal. O movimento estudantil ainda era o mais efetivo canal de recrutamento (AP, 1966b).

Remanescia a influência de pensadores cristãos progressistas, mas se constatava crescente interesse pelo marxismo. O estilo de militância e a compreensão dos contornos da luta armada eram considerados débeis. A ampla maioria não identificava a necessidade de um partido de vanguarda para a condução da revolução. O veredito era duro: “Pode-se afirmar que a maior parte dos nossos militantes não são quadros revolucionários com formação teórica correspondente. A organização, por sua vez, ainda não definiu como se constrói uma organização revolucionária” (AP, 1966b, p. 13).

Desde 1965, em face da reformulação em curso e dos desafios descortinados, a direção da AP editou um conjunto de textos visando ao aprofundamento da formação teórica e política dos militantes. Na série intitulada ‘Textos para debates’, a maioria dos subsídios tematizava os desafios da estratégia revolucionária por meio das variações da luta armada. Localizam-se textos sobre a teoria do foco revolucionário, envolvendo suas dimensões conceituais e sua aplicação prática. Da mesma forma, havia materiais a respeito da Revolução Chinesa, abarcando as noções da guerra popular (Dias, 2021).

Enquanto não havia uma definição clara por uma das novas referências internacionais paradigmáticas, a AP manteve relações com a Revolução Cubana por algum tempo. Evidência disso é o fato de a AP ter sido representada na reunião da criação da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), em agosto de 1967, em Havana. Naquele momento, contudo, era ascendente a concorrência da influência da Revolução Chinesa, que se tornaria hegemônica em 1968.

Representando a AP na OLAS e tendo permanecido por vários meses em Cuba, o dirigente Herbet de Souza relatou como se deparou com o deslocamento de orientação ao retornar ao Brasil: “Quando eu volto, depois de uma crise geral da direção, a organização está todinha com o olhinho apertado, como dizia um amigo meu, só encontro Mao Tsé-Tung, Chu En-Lai, Lin Piao, todo mundo se trata de camarada” (Souza, 1978, p. 82).

Na periodização da história da AP, o ano de 1967 é referido como uma encruzilhada, uma fronteira de transformação orgânica e ideológica que impulsiona o seu processo de proletarização. Segundo o dirigente Duarte Pereira (2022, p. 319), a AP viveria a escolha de consolidar-se como um partido democrático revolucionário, característica que assumira a partir do Encontro Extraordinário de 1965, ou transformar-se em partido revolucionário proletário.

Tal processo foi impulsionado pela aprovação de dois documentos pelo Comitê Nacional. Um deles versava sobre o partido de vanguarda, necessário para dirigir a revolução brasileira. Em sua origem, a AP definiu-se como um movimento e não como partido. À medida que priorizou o aprofundamento do debate sobre o marxismo, entrou em pauta a questão do partido de vanguarda. O outro documento convocou o Debate Teórico e Ideológico (DTI), com vistas ao estudo e ao debate organizado do marxismo.

Ao escrutinar a evolução histórica da AP, a resolução que convocou o DTI sustentou que o Documento-base atribuía uma importância decisiva ao marxismo, mas alertou que não ocorrera um estudo sistemático a seu respeito. Atestou que a AP tinha uma definição socialista, consignada no Documento-base e reiterada na Resolução Política. Faltava-lhe, no entanto, uma teoria científica, sem a qual a sua definição ideológica restava vulnerável às deformações da ideologia dominante. A teoria de base científica seria o marxismo: “Na etapa atual, para que se possa chegar a resultados coerentes e inclusive preparar etapas futuras, é necessário considerar o estudo crítico do marxismo como eixo e princípio ordenador da discussão” (AP, 1967, p. 14). Em passagem-chave, diagnosticou que a AP quase teria caído “na pretensão de forjar uma teoria revolucionária à margem da tradição revolucionária contemporânea e não a partir das aquisições do marxismo” (AP, 1967, p.5).

No processo de definição pelo marxismo, há uma fase de influência do pensamento do filósofo francês Louis Althusser, introduzida por militantes que se encontravam em Paris. O documento que convocou o DTI é o que registra essa ressonância de forma mais pronunciada. Trata-se de uma referência que a AP utilizou para romper com o humanismo teórico, predominante em sua origem e subjacente na fase de transição ao marxismo. O pensamento católico progressista que inspirou a formulação teórica da AP tivera seu contato com o marxismo mediante a interlocução com os textos do ‘jovem Marx’. Althusser foi um dos principais críticos do ‘jovem Marx’ e defendeu a tese de que havia um corte epistemológico entre esse período e sua obra posterior. Enquanto no ‘jovem Marx’ estariam em evidência as questões da alienação e da autorrealização humana, no Marx da maturidade encontrar-se-ia a ciência do materialismo histórico, com suas determinações de estruturas e de classes.

De acordo com Duarte Pereira (2022, p. 337), “sob a influência do pensamento de Mao, o althusserianismo começou a ser criticado na AP, especialmente sua tendência teoricista (manifestada no conceito de ‘prática teórica’) e suas discutíveis distinções entre teoria e ideologia e entre filosofia e ciência”. Assim, “a influência althusseriana logo seria submergida pelo ‘marxismo-leninismo-maoísmo’ e, mais do que isso, pelo empirismo da política de ‘integração na produção’ - para ‘aprender o marxismo na prática’” (Pereira, 2022, p. 336).

Em mapeamento feito por documento do Comando Nacional, lê-se que havia, no início do DTI, cinco alas internas na AP. Nessa clivagem, duas alas foram caracterizadas como tributárias de uma visão antimarxista e reformista, suposta herança da primeira fase da AP, enquanto as outras variavam em sua assimilação do marxismo. A contradição principal seria entre reformistas e revolucionários (AP, 1968a). Na sequência, mediante defecções, exclusões,2 depuração de posições e simplificação de alinhamentos, houve a polarização entre duas alas, nomeadas no debate interno como Corrente 1 e Corrente 2, ambas reivindicando o marxismo, cada qual da sua maneira. Foi na conclusão desse processo que a AP aderiu ao maoísmo.

A adesão ao maoísmo

Em 1968, no final da I Reunião Ampliada da Direção Nacional (RADN) da AP, prevaleceram as teses da Corrente 1, flagrantemente identificadas com o maoísmo. Em documento por meio do qual narra a sua própria história, essa corrente atribuiu a sua formação ao núcleo dirigente constituído por “companheiros que fizeram a viagem à China. Estes companheiros puderam assimilar o marxismo-leninismo na sua etapa atual, o pensamento de Mao Tsé-Tung” (AP, 1969c, p. 10).

Mais amplamente, o estreitamento das relações da AP com a China pode ser discriminado em três momentos. Depois do golpe de Estado de 1964, a China convidou uma delegação da Frente de Mobilização Popular a uma visita àquele país. Tratava-se de um gesto de reciprocidade ao apoio recebido no constrangedor episódio em que altos funcionários chineses, membros de uma missão comercial, foram detidos no Brasil logo após a queda do presidente João Goulart (Guedes; Melo, 2014).

Em 1965, a AP foi representada na comitiva por Vinicius Caldeira Brant, integrante de sua base de Paris. Desse contato surgiu o convite para que um dirigente nacional da AP visitasse a China. Em 1966, essa agenda foi realizada por Aldo Arantes, coordenador nacional da organização. De volta ao Brasil, o dirigente sistematizou um conjunto de palestras a que teve acesso por meio de um documento intitulado A teoria da revolução chinesa, conhecido, por causa da cor de sua capa, como ‘Documento Amarelo’. Conforme anotações de seu livro de memórias: “Nele estavam sintetizados os temas discutidos durante a viagem: marxismo-leninismo, pensamento de Mao Tsé-Tung, partido de vanguarda, movimento operário, movimento camponês, Frente Única, luta armada e Revolução Cultural” (Arantes, 2013, p. 143).

Aldo Arantes acrescenta que, nas tratativas que manteve, “[...] ficou acertado o envio de militantes da organização para fazerem cursos político-militares” (2013, p. 143). Em 1967, inaugurando essa nova fase de relacionamento, ocorreu a viagem da primeira delegação de dirigentes e militantes da AP para os cursos político-militares. O contato direto com a experiência chinesa, que vivia o período da Revolução Cultural, foi decisivo para influenciar a formação da Corrente 1.

As teses da Corrente 1 foram veiculadas pelo documento intitulado Os seis pontos. O primeiro dos seis pontos atualizou o debate sobre o partido de vanguarda. O princípio básico foi assim enunciado: “Para fazer a revolução, é necessário um partido revolucionário próprio da classe operária, guiado pela teoria marxista-leninista, que pratica a crítica e a autocrítica e se mantém ligado às massas populares” (AP, 1968d, p. 1). Mediante rápida incursão na experiência histórica, inferiu-se que já existira um partido do proletariado no país, o PCB, fundado em 1922 por influência da Revolução Russa, mas concluiu-se que entrara em degenerescência, um vazio que teria ensejado a emergência de várias pequenas organizações, entre as quais a AP.

Defendeu-se a tese de reconstrução do partido operário, que não deveria ser confundida com o prolongamento do anterior. Aos revolucionários se apresentava a tarefa de constituir núcleos proletários dentro e fora da AP, tendo como base o pensamento de Mao Tsé-Tung. Internamente, a formação desse núcleo exigia que houvesse a ruptura com a ‘velha AP’ e que fosse forjado, por meio da articulação da corrente proletária, “um partido com a base teórica e o estilo de trabalho marxista-leninista, integrado com as massas populares” (AP, 1968d, p. 2). O desfecho da reconstrução poderia ocorrer com a prevalência de um núcleo sobre os demais ou pela fusão deles.

No segundo ponto, em que podem ser identificados ecos de dinâmicas da Revolução Cultural Chinesa, foram detalhadas as questões relativas à integração com as massas, subdividida em três níveis simultâneos: integração com as massas, integração na luta e integração na produção. A fase superior seria a integração na produção, a qual implicava que a militância de origem pequeno-burguesa vivesse e trabalhasse com e como os operários e os camponeses. O terceiro ponto dizia respeito à base teórica. Após descrever sumariamente as suas características, o texto sentencia que o pensamento de Mao Tsé-Tung era a nova etapa do marxismo-leninismo, a síntese da revolução mundial. As duas etapas anteriores foram regidas pela liderança de Marx e Engels e de Lenin.

O quarto ponto abordava a Linha Geral da revolução brasileira. Na tese incorporada, promovendo uma guinada de formulação, a sociedade brasileira passava a ser entendida como semifeudal e semicolonial. Por conseguinte, concebeu-se a revolução brasileira em duas etapas ininterruptas: uma nacional-democrática e outra socialista. Em consonância com a ortodoxia marxista, o proletariado era tido como a força dirigente, mas a força principal, em decorrência da forma como eram interpretadas as estruturas econômicas e sociais, compunha-se do campesinato e dos assalariados agrícolas.

Na linha militar, tema do quinto ponto, o maoísmo se faz presente pela definição da guerra popular prolongada, com o cerco das cidades a partir do campo. Foram criticados o caminho pacífico e a teoria do foco. Como é regra na estratégia da guerra popular, o partido seria a instância dirigente. O sexto ponto exigia a mudança do eixo de trabalho, com o deslocamento da base social da pequena-burguesia para a base operária e camponesa e a constituição do campo como arena revolucionária por excelência.

No âmbito internacional, a AP deveria se inclinar ao campo revolucionário composto por China, Albânia, Vietnã do Norte e Coreia do Norte, excluindo Cuba, referida como representante do desvio foquista.

Em contraste, a Corrente 2 veiculou o documento Duas posições, subscrito pelos autodenominados comunistas da AP. Essa tese interpretava o Brasil como um país capitalista e defendia que a revolução teria um caráter imediatamente socialista (AP, 1968c). Referindo-se a si própria como marxista-leninista, essa corrente era tachada de foquista por seus adversários maoístas, alusão à influência da Revolução Cubana sobre a sua linha militar. Os maoístas também lhe atribuíam o desvio teoricista, suposta sobrevivência da influência de Althusser. A Corrente 2 era particularmente crítica da política de integração na produção. Qualificando-a como “perspectiva individualista do autoaperfeiçoamento de si” (AP, 1968c, p.9), interpretava que havia um sentido religioso remanescente da origem da AP.

No desfecho da I RADN, a vitória das teses da Corrente 1, amplamente majoritárias, teve como consequência a expulsão dos líderes da Corrente 2.3 A despeito dos termos veiculados e da intensidade da disputa, não resta dúvida de que a AP, no final desse processo, posicionou-se diante de tendências marxistas.

Se a prevalência da Corrente 1 representava a adesão da AP ao maoísmo, entendido como a terceira etapa do marxismo, o significado sistêmico dessa mudança restava a ser mais bem definido, visto que o documento Os seis pontos não era uma tese analítica. Tratava-se de uma sequência esquemática de pontos que fundariam a nova estratégia, permeados por breves apontamentos. Não por acaso, ficou conhecido como ‘Esquema dos seis pontos’, uma denominação mais fiel à sua estrutura.

Essas limitações ficam explícitas na exposição da Linha Geral. Na delimitação de um tema fulcral como a natureza da sociedade brasileira, do qual derivariam a definição do caráter da revolução, as alianças e as ações táticas e estratégicas, o texto indica a ressalva de que havia hipóteses a pesquisar. Assume, portanto, a insuficiência analítica e deixa entrever a existência de divergências.

Com efeito, a união contra as teses da Corrente 2 não encobria a heterogeneidade da Corrente 1. É representativa a indicação feita por um texto que a corrente majoritária divulgou para justificar a exclusão de seus oponentes e desqualificar as suas teses, logo depois da I RADN, a respeito de divergências internas entre seus dirigentes acerca da caracterização da sociedade brasileira:

Dentro da Corrente 1 havia vários membros que sustentavam o caráter predominantemente capitalista da nossa sociedade, embora defendam igualmente a existência de um modo de produção feudal subordinado, e existe até mesmo um companheiro que sustenta o caráter capitalista dominante de nossa sociedade e nega a existência de feudalismo no Brasil. (AP, 1968b, p. 33).

Em sua origem, conforme pode ser verificado no Documento-base de 1963, ainda que suas reflexões fossem orientadas por influências diversas, a AP era crítica da noção de Revolução Nacional-Democrática, característica da estratégia do PCB, como primeira etapa da revolução brasileira.

No período de identificação com o maoísmo, o principal documento que formulou sistematicamente a nova linha da AP viria a ser aprovado somente em 1971, intitulado como Programa Básico. Em 1969, ocorreu uma etapa intermediária desse processo, por ocasião da II Reunião Ampliada da Direção Nacional.

A que tradição se filiar?

No documento Os seis pontos, constava o objetivo de destruição da ‘velha AP’ para a sua reconstrução em novas bases. A dinâmica da morte e recriação da AP foi sistematizada em diretriz aprovada na II RADN: “Ao mesmo tempo em que começava a morrer a velha Ação Popular, começava a nascer uma nova Ação Popular, marxista-leninista, proletária; o processo de crise combinava-se com o processo de transformação e proletarização do partido” (AP, 1969a, p. 3). A transformação da AP deveria ser acompanhada de drástica autocrítica de seu passado, de suas ideias e de suas práticas.

A ruptura com a história da AP foi detalhada na formulação de 12 tarefas para a reconstrução do partido operário, dirigidas à revisão do passado da organização e à retificação de seu projeto revolucionário. A segunda das 12 tarefas, norteadora e transversal às demais, preconizava “o estudo e a aplicação viva do marxismo-leninismo-pensamento de Mao Tsé-Tung” (AP, 1969a, p. 83-84).

Ao declarar a morte da ‘velha AP’ e o nascimento da ‘nova AP’, o documento da II RADN procura fundá-la na tradição marxista, procedendo a um extenso exercício de exame da história do movimento socialista, desde a época de Marx e Engels até o período então vivido, em que pontificava o pensamento de Mao Tsé-Tung. O fio condutor da análise era a permanente luta do marxismo contra as ideologias pequeno-burguesas existentes no movimento socialista e contra os desvios, oportunismos e revisionismos surgidos em seu interior (AP, 1969a). Sem usar diretamente esse vocabulário, o exercício foi conduzido pela reflexão: ‘A que herança renunciamos e a que tradição nos filiamos?’ A AP procurava filiar-se, nos termos do documento que abriu o Debate Teórico e Ideológico, ao que considerava ser a tradição revolucionária contemporânea.

Em seguida, o documento imergiu na história da esquerda brasileira, focalizando a tradição do marxismo-leninismo nacional, constituída a partir da Internacional Comunista e de sua seção brasileira, o PCB. O ponto central da análise era a degenerescência do partido da classe operária e a sua transformação em um partido revisionista (AP, 1969a, p. 42). Esse marco impôs o objetivo de reconstruir o partido da classe operária no Brasil.

O tema predominante nessa II RADN foi o do partido de vanguarda, eixo ordenador dos debates realizados. A resolução da reunião informa, na exposição da quinta das 12 tarefas para a reconstrução do partido, qual era o estágio do debate para o aprimoramento da Linha Geral:

Uma comissão interna na II RADN tratou do problema da linha geral. Foi feita por esta comissão uma sistematização do quanto já avançamos nesta questão. O documento não foi apreciado em plenário por falta de tempo e por não ser o tema principal da reunião. No entanto, deverá descer às bases dentro do processo de preparação do II congresso, quando será retomado como tema principal. (AP, 1969a, p. 115-116).

A principal resolução da II RADN foi a de reconstruir, na luta, o partido unificado do proletariado do Brasil. A transformação da AP visava convertê-la em um núcleo constituinte desse partido. Ao estabelecer as condições em que deveria ser reconstruído o partido, a II RADN destacou dois pré-requisitos: o estágio de luta de classes no Brasil e a luta contra o revisionismo internacional. Compreendia-se que a AP e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) eram dois partidos criados em 1962, aptos a desempenhar as tarefas exigidas pela terceira etapa do marxismo.

A prioridade ao PCdoB era explicada pela proximidade das duas organizações com a Revolução Chinesa e seu legado estratégico: revolução nacional-democrática, a deflagração da guerra popular para conquistar o poder, combate ao revisionismo contemporâneo. Em razão dessas afinidades, dirigentes chineses estimulavam eventual união das duas forças. A unificação poderia ocorrer por meio de fusão, do surgimento de um terceiro partido ou de um polo aglutinador. Entretanto, debates puseram em dúvida se o PCdoB havia sido criado em 1962, resultado de uma dissidência do PCB, ou era o antigo partido comunista, fundado em 1922 e depurado do revisionismo, como afirmavam os documentos dessa agremiação (AP, 1969a).4 A reunião deixou a polêmica aberta, para posterior aprofundamento. Essa definição influenciaria as decisões futuras.

A relação entre a AP e o maoísmo é um tema que se salienta desde o início da produção bibliográfica relacionada à sua história. Destacou-se, inicialmente, um veio interpretativo que explica a adesão ao maoísmo a partir de alegadas afinidades eletivas com o cristianismo de esquerda que orientava a maioria dos fundadores da AP, na primeira fase de sua história (Gorender, 1987; Reis, 2007; Ridenti, 2002). Inspirada em práticas presentes na Revolução Cultural Chinesa, a política de integração na produção, adotada em 1968 como critério obrigatório de militância, tinha pontos de interseção com a noção de política como serviço ao povo, cara à esquerda cristã.

Não se trata de uma inferência elaborada exclusivamente por pesquisadores e intérpretes, descolada dos debates internos da AP. Nos embates de 1968, esse tema estava presente na forma como a Corrente 2 desqualificava a política de integração na produção, uma das mais características da tese da Corrente 1. Por seu turno, defendendo-se das críticas, os dirigentes da Corrente 1 replicavam que o documento Os seis pontos, divulgado antes da redação da tese de seus oponentes, esclarecia o caráter amplo da política de integração. Ressaltam que, no decorrer da I RADN, foram discutidos e fixados critérios e um plano de prioridades para a integração com as massas “em função e condução da luta de classes” (AP, 1968b, p. 3).

Como regra, tal política consistiria em um trinômio: “Integração com as massas, integração entre teoria e prática, crítica e autocrítica” (AP, 1968b, p. 14). Não há dúvida, contudo, de que as questões relacionadas ao estilo de trabalho e de vida tinham centralidade. Em documento sistematizado em 1969, destinado a preparar a II RADN, os dirigentes da AP rememoraram o desfecho da luta interna anterior e foram didáticos na exposição das limitações que atribuíam aos membros da Corrente 2:

Eram os interesses de classe refletidos na vida diária (estilo de vida e de trabalho) que impediam, preliminarmente, a assimilação da ideologia proletária. Claro que se integrar com as massas não é só um aspecto prático, pois há que se dar um sentido político claro a essa integração. Claro que assimilar a ideologia proletária supõe assimilar, necessariamente, a teoria científica que é o marxismo-leninismo. Mas como este tem um caráter de classe claro - de servir ao proletariado - para assimilar a teoria é preciso romper com os entraves práticos que impedem a assimilação e o principal é a integração com as massas populares. (AP, 1969b, p. 36).

Na época, esses critérios de militância eram vistos como mais avançados do que os vigentes no PCdoB, com o qual se almejava aproximação. Ainda assim, seriam escrutinados por um processo de crítica interna até serem finalmente retificados na III Reunião Ampliada da Direção Nacional, quando foi aprovado o novo estatuto. Neste, preserva-se a ideia fundante da integração com as massas, mas não há referência à integração na produção (APML, 1971b, p. 18). A autocrítica então promovida qualificou os critérios definidos na I RADN como ‘esquerdistas e burocráticos’. Retrospectivamente, avaliou-se que, dada a formação religiosa anterior da maioria, “a concepção proletária de mundo” era reduzida ao problema de morar e de viver para “servir ao povo” (APML, 1971c, p. 31).

Embora tenha aderido à Corrente 1 em 1968, Herbet de Souza talvez tenha sido o dirigente que foi mais longe na formulação da tese que vinculava o passado cristão da maioria dos fundadores da AP com a adesão ao maoísmo, elaborando o ponto de vista de que teria havido uma ressignificação da formação original (Souza, 1978).

Seja pela reverberação nos debates e documentos internos, seja pela formulação posterior de ex-dirigentes e de pesquisadores não vinculados, esse veio interpretativo, consideradas as especificidades das formas por meio das quais foi enunciado, tem o mérito de convidar a refletir sobre a relação entre a nova opção e uma cultura política anterior. As inferências não eram fortuitas nem artificiais. Deve-se avaliar, entretanto, que a realidade fática era mais ampla. Compreender esse complexo processo em sua inteireza demanda atenção a outras dimensões.

Assinale-se que havia ocorrido renovação da militância da AP no pós-64. No levantamento sociológico de 1966, aferiu-se que 2/3 dos militantes haviam ingressado após a instauração da ditadura, na fase de reorganização da AP. Por um lado, houve evasão de muitos quadros formados pela esquerda católica, que não se identificavam com os novos parâmetros. Por outro lado, ingressaram outros que não se reconheciam naquele passado. Para os novos integrantes, não se tratava de uma ressignificação, mas da tomada de partido em face de opções revolucionárias.

Deve-se lembrar de que a Corrente 2 da AP, que desqualificava a ‘integração na produção’, tinha entre seus líderes dirigentes com passado na Juventude Universitária Católica (JUC) e até mesmo um ex-padre (Alípio de Freitas). Não havia, portanto, uma relação de causalidade direta, visto que nem todos os que aderiram ao maoísmo haviam sido cristãos e nem todos os militantes com passado cristão aderiram ao maoísmo.

Como escreveu Mônica de Oliveira, autora de vigorosa pesquisa acadêmica sobre a ‘integração na produção’ no cinturão operário de São Paulo, se não se pode minimizar a importância das raízes cristãs dos fundadores da AP como variável para a análise, deve-se entender que “se trata de um dos elementos constitutivos dessa experiência”, mas “ele, por si só, é insuficiente para abordar as trajetórias dos militantes e as suas escolhas individuais, incluindo a leitura que a AP fez do maoísmo” (Oliveira, 2005, p. 71).

Uma variável importante diz respeito à questão da linha de massas como fator de recusa do foquismo e de opção pelo maoísmo. A tradição de luta de massas, existente desde a origem da AP, moldou até mesmo o período de maior influência da Revolução Cubana e tinha ressonância como fator de limitação da atração da linha militar identificada ou assemelhada ao foquismo. Referindo-se à luta interna de 1968, o dirigente Paulo Wright (1970, p. 41-42) sublinhou: “A unidade formada na Corrente 1 era em torno da linha militar dos princípios da Guerra Popular, já que sobre a linha política era difícil alcançar mais do que uma unidade precária e temporária”.

Em pesquisa acadêmica realizada sobre a AP no estado do Paraná, cuja composição foi drasticamente alterada depois de 1964, depoimentos de dirigentes que haviam ingressado naquela fase vocalizaram que a opção pela Corrente 1 decorria da recusa do foquismo atribuído à Corrente 2 (Dias, 2003). Mônica de Oliveira (2005, p. 87) identificou situações comparáveis:

Através da documentação pesquisada e dos depoimentos, constatamos que há na AP uma ‘certa’ má vontade por parte de alguns membros em relação ao foquismo cubano, e um encantamento com o maoísmo, principalmente no que diz respeito à chamada linha de massas, ou seja, para que a AP se tornasse um partido proletário marxista-leninista-maoísta, era imprescindível o envolvimento com as classes trabalhadoras.

Em sua irradiação internacional, a Revolução Cultural projetava uma imagem libertária de renovação do projeto socialista. As principais características de sua recepção no Ocidente foram elencadas por Perry Anderson (1984, p. 84-85):

No exterior, a política externa chinesa atacou a conivência diplomática com os poderes imperialistas, convocando uma solidariedade ativa com os povos oprimidos do Terceiro Mundo. Internamente, enfatizava-se a ação espontânea das massas, vinda de baixo, contra os privilégios burocráticos, ao invés das reformas previdentes vindas de cima; ao invés de maior espaço para o mercado, exaltava-se o igualitarismo. Além das divisões de classe, a Revolução Cultural anunciou como meta a superação da divisão entre o trabalho manual e intelectual, assim como a velha divisão entre campo e cidade. Tudo isso se realizaria através da administração popular direta, no espírito da Comuna de Paris, e da energia e entusiasmo desencadeados pela geração mais jovem.

Tais características tinham potencial de exercer poder de atração como referência revolucionária no Brasil, como ocorreu na conjuntura internacional. O livro de memórias do dirigente Ricardo de Azevedo oferece um parâmetro da recepção do maoísmo pelos jovens militantes que, assim como ele, ingressaram na AP entre 1968 e 1969:

A Revolução Cultural Chinesa em curso naquele momento - tal como a entendíamos e não como o que de fato foi - me parecia bastante atraente. Era para nós o mais extraordinário fenômeno, porque questionava a burocracia socialista, e nos parecia como algo que apontava para um modelo de participação das bases, das massas e, ao mesmo tempo, mexia não só com a política, com a economia, mas com a cultura, com toda a ideologia burguesa. (Azevedo, 2010, p. 25).

Considere-se, ainda, que havia, na história da AP, o lastro de críticas à burocratização do regime instituído pela revolução soviética e por seus países satélites do Leste Europeu. A esse respeito, Duarte Pereira sustentou que, desde a sua origem,

[...] a AP pretendeu fazer uma crítica dos erros de Stalin e da experiência soviética sem renunciar à perspectiva socialista, como pode verificar-se no Documento-base de 1963. Chegando ao campo do marxismo, não abandonou essa pretensão de uma crítica de esquerda das experiências socialistas. Via no pensamento de Mao Tsé-Tung a possibilidade de fazer essa crítica. (Pereira, 2022, p. 305).

De mais a mais, para além das dimensões eventualmente subjacentes às escolhas do caminho estratégico, a maneira como as teses da AP foram formuladas colocou em evidência a necessidade de filiação à tradição revolucionária marxista e, com um sentido dialético, às suas traduções contemporâneas. O documento Os seis pontos, apresentado na I RADN, era apenas um esquema, mas continha um ensaio desse exercício. A resolução da II RADN aprofundou a elaboração do rito de morte da ‘velha AP’ e das bases em que a ‘nova AP’ deveria nascer.

Tal como os documentos consignaram, os dirigentes não promoveram a destruição da ‘velha AP’ para aderirem a uma corrente específica, mas a um conjunto de tradições a que não pertenciam e à expressão contemporânea do marxismo-leninismo. Com isso, como enunciara em 1967, na abertura do Debate Teórico Ideológico, a AP procurava corrigir sua pretensão de ter tentado forjar uma estratégia ‘fora da tradição revolucionária contemporânea’. No desenvolvimento desse processo, porém, a relação com o maoísmo assumiria feições complexas na elaboração política da AP.

As variações do maoísmo

A III Reunião Ampliada da Direção Nacional, datada de maio de 1971, foi um marco histórico porque, além de sistematizar a linha política maoísta por intermédio da aprovação do Programa Básico, definiu que a AP deveria estruturar-se em moldes leninistas, alterando seu nome para Ação Popular Marxista-Leninista (APML). Houve, então, a constituição de seu primeiro Comitê Central e do Bureau Político.

Entretanto, no período que antecedeu essa reunião, a heterogeneidade da antiga Corrente 1 ficou explícita e vicejaram questionamentos à interpretação do Brasil como um país semifeudal e semicolonial e à concepção da revolução nacional-democrática. Porta-voz dessa divergência, o dirigente Paulo Wright aqueceu o debate, em 1970, por meio de seu documento Cinco pontos de luta interna.

Para Paulo Wright, a caracterização da sociedade brasileira como semifeudal era um transplante mecânico do modelo chinês para a realidade local. Influenciado pelas teses dos autores da teoria marxista da dependência, expôs a divergência frontal: “A minha compreensão do caráter da sociedade, [...] considero ser uma sociedade capitalista dependente” (Wright, 1970, p. 19). Retroagindo ao passado colonial, avaliou: “Do ponto de vista histórico, considero que a sociedade brasileira teve seu início intimamente integrado no seio do capitalismo mundial em formação” (Wright, 1970, p. 21). Voltando a focalizar o tempo presente, afirmou: “O Estado brasileiro é já há algum tempo um estado burguês moderno, dominando uma sociedade capitalista dependente do imperialismo, em múltiplas formas ou em graus variáveis” (Wright, 1970, p. 28).

Baseado nesse diagnóstico, Wright defendia uma revolução diretamente socialista. Em adição, propôs a rejeição da tese da reconstrução do partido operário, defendendo a construção de um ‘partido de tipo inteiramente novo’. Argumentou: “Necessitamos de um partido de tipo inteiramente novo porque estamos vivendo uma etapa inteiramente nova na revolução mundial e em nosso país” (Wright, 1970, p. 1).

Se a conversão ao maoísmo havia sido assentada no ‘Esquema dos Seis Pontos’, o Programa Básico foi elaborado com o suporte do esboço de um alentado documento, sustentado pela maioria do Bureau Político, intitulado Contribuição ao estudo científico da sociedade brasileira. Não se conhece o esboço que serviu de subsídio aos debates da III RADN. Há duas edições posteriores desse documento, publicadas com a intensificação da luta interna. Seja como for, é possível identificar algumas das suas interpretações no Programa Básico, fundamentando a ideia de que o país ainda vivia a temporalidade da Revolução Nacional-Democrática.

O estudo aborda a modernização da economia, o peso relativo de cada setor, a expansão do capitalismo e o processo de urbanização em curso. Conclui que o Brasil tinha uma formação social complexa, combinando relações capitalistas, semifeudais e feudais, com a predominância das primeiras. O capitalismo era predominante, mas restos feudais sobreviveriam com destacada importância. Assim, “a tarefa democrática principal da revolução brasileira é de extirpar todo o sistema latifundiário, o monopólio da propriedade da terra e o cortejo de suas sobrevivências feudais. A revolução nacional e democrática é assim anti-imperialista e agrária” (AP, 1973a, p. 78).

Na época de preparação da III RADN, conforme o documento que anunciou seus resultados, havia cinco tendências no debate. Mediante a convergência entre elas, o cenário das divergências foi dividido em dois campos (APML, 1971a). Para a aprovação do Programa Básico, chegou-se a uma solução de compromisso entre as posições que polarizavam o debate no interior da AP, uma fórmula de transição que permitisse a reabertura do debate. O II Congresso seria convocado para dar solução às divergências.

O Programa Básico estabeleceu que a APML tinha como base teórica os ‘princípios científicos e universais do marxismo-leninismo-maoísmo’. Compreendeu-se que o maoísmo era, ao mesmo tempo, uma continuação e uma nova etapa do marxismo-leninismo. Em outras palavras, era “o marxismo-leninismo da nossa época, da nova época revolucionária em que o imperialismo caminha para sua ruína completa e o socialismo avança para a vitória em escala mundial” (APML, 1971b, p. 1). O significado da nova etapa foi assim explicado: “A teoria da revolução sob a ditadura do proletariado para prevenir a restauração do capitalismo e levar a revolução socialista até o fim é a contribuição mais importante do camarada Mao Tsé-Tung e o marco da nova etapa do marxismo-leninismo” (APML, 1971b, p. 1-2).

O programa afirmou que a estratégia se orientava pelo conceito de ‘Revolução Nacional-Democrática de tipo de novo’, pois o Brasil teria, apesar da sobrevivência de relações feudais e semifeudais, uma formação predominantemente capitalista. A principal tarefa seria a preparação imediata e ativa da guerra popular, com “a justa combinação entre a ampliação e a radicalização das ações de massas no campo e nas cidades, e a imediata preparação ideológica, política, orgânica, técnica e material da nova Ação Popular e do povo para a luta armada, no campo e nas cidades” (APML, 1971b, p. 14).

No plano organizativo, definiu que o objetivo era construir um ‘partido de tipo inteiramente novo’, marxista-leninista-maoísta. Diagnosticando que havia, no Brasil, um partido marxista-leninista, o PCdoB, e outras forças marxistas-leninistas, o Programa Básico formulou um apelo para que houvesse o máximo esforço para encontrar, mediante a luta comum e o debate fraternal, “o caminho através do qual o proletariado do Brasil poderá acelerar e levar a revolução brasileira até a vitória, com a arma indispensável de um partido proletário de tipo inteiramente novo, marxista-leninista-maoísta, correto, unificado e poderoso” (APML, 1971b, p. 15).

O compromisso traduzido no Programa Básico foi precário, pois a polarização de perspectivas políticas logo se acentuou. Em julho de 1971, uma reunião extraordinária do Bureau Político aprovou a proposta de que o PCdoB deveria ser o polo da unificação. A decisão se pautava no princípio, oriundo da tradição da III Internacional, de que, onde houvesse um partido marxista-leninista, a tarefa dos comunistas era fortalecê-lo e renová-lo. Em novembro de 1971, o CC aprovou a proposta de unificação em torno do PCdoB e convocou o II Congresso da AP para tomar a decisão em última instância. A resolução avaliou que o PCdoB era o partido histórico do proletariado brasileiro e que também era, no fundamental, um partido marxista-leninista-maoísta (APML, 1971c). Nos dois episódios, houve a resistência dos dirigentes que tinham compreensão diferente. Restavam, porém, questões programáticas e orgânicas a superar.

Principal alvo do apelo elaborado no Programa Básico, o PCdoB repeliu a proposta de unificação da APML e advogou a tese de que o reagrupamento das forças revolucionárias deveria favorecer o verdadeiro partido marxista-leninista do país, ele próprio, o PCdoB. Nesses termos, conclamou a adesão dos militantes da APML que tivessem chegado a essa compreensão. Nessa exortação, havia um acento que merece ser explicitado: não se tratava simplesmente de os membros da APML aderirem às posições daquele partido, mas de chegarem às mesmas conclusões que ele acerca de sua condição de vanguarda e sobre os temas fundamentais da estratégia revolucionária.

Esses episódios aprofundaram a divisão interna. Os dirigentes que defendiam a unificação com o PCdoB assimilaram as suas críticas e as suas condições, caminhando para a incorporação a seus quadros, com base na afinidade de programas e no reconhecimento de que se tratava do partido histórico da classe operária brasileira. Em contrapartida, consolidou-se a corrente que defendia a concepção de revolução diretamente socialista e a constituição do ‘partido de tipo inteiramente novo’, condizente com a compreensão de que era vivida a terceira etapa do marxismo. Foi a esse setor que o maoísmo restou associado na conjuntura da nova cisão.

Formou-se uma situação paradoxal. A AP estreitou relações com o PCdoB visando à unificação organizativa por causa das afinidades programáticas e pela proximidade de ambas as instituições com a Revolução Chinesa. A aproximação com o PCdoB implicava, porém, a revisão da tese de que o maoísmo correspondia a um novo período do marxismo, a terceira etapa. Apesar das relações privilegiadas que mantinha com o PC chinês, o PCdoB não se declarava maoísta. Em compensação, o programa político que ensejava essa aproximação guardava flagrante identidade com a linha estratégica que fora vitoriosa na China, assumida pelo PCdoB na década de 1960: o caráter nacional e democrático da primeira fase da revolução, a deflagração da guerra popular como estratégia de conquista do poder, o protagonismo dos camponeses, o primado do campo sobre a cidade (Mota, 2023, p. 259).

Os membros da corrente que defendia a revolução imediatamente socialista, sem identidade com o programa da Revolução Chinesa, persistiam na defesa do maoísmo como a nova etapa do marxismo. Argumentavam que, em vez de promover um transplante mecânico da linha chinesa, era preciso se inspirar no método utilizado por Mao Tsé-Tung. Paulo Wright (1970, p. 50) ponderou que esse método levava “a descobrir resultados diferentes, na medida em que as características históricas e atuais da sociedade brasileira são inteiramente diferentes da sociedade chinesa”. Desse parâmetro derivava a tese da construção de um ‘partido unificado de tipo inteiramente novo’, necessário para conduzir a “luta contra o revisionismo e o dogmatismo até as suas últimas consequências” (APML, 1972a, p. 59-60). Procuravam deslegitimar tanto os seus adversários na luta interna quanto o PCdoB, aproximando-os da herança da concepção de revolução do PCB.

A divisão estava espelhada no Bureau Político: Aldo Arantes, Haroldo Lima, Duarte Pereira e Renato Rabelo representavam a linha majoritária. Jair Ferreira de Sá e Paulo Wright eram os líderes da minoria. Havia, contudo, diferenças de percurso entre os dois. Wright, ao abrir a divergência, atualizava seus pontos de vista, pois nunca defendera a tese, presente no documento Os seis pontos, de que o Brasil era um país semicolonial e semifeudal. Jair Ferreira de Sá, principal líder da corrente maoísta em 1968, promovia uma guinada de posições, aderindo às teses de uma revolução diretamente socialista.

Na tensão da luta interna, foi comum a troca de anátemas entre os dois campos. Atribuindo a si mesma a condição de esquerda da APML, a ala que assumiu a defesa da revolução imediatamente socialista divulgou o documento Combater o dogmatismo de direita e isolar os liquidacionistas nas fileiras do partido (APML, 1972a). Na análise estrutural, sob a influência da teoria marxista da dependência, reiterou:

Com segurança, a base econômica da sociedade brasileira em toda sua história, suas relações de produção, jamais tiveram um caráter feudal ou escravista. Apesar do emprego de relações de trabalho pré-capitalistas, o sistema de plantações no Brasil foi regido pelas leis capitalistas de produção. (APML, 1972a, p. 29).

No período recente, tais traços teriam ficado mais evidentes. A economia agrícola era regida pelas leis básicas do sistema capitalista e suas áreas vitais estariam empregando principalmente mão de obra assalariada. Conclui que “será pela insurreição urbana que a revolução triunfará” e que “o proletariado brasileiro é a força principal da revolução brasileira” (APML, 1972a, p. 44).

Em contrapartida, malgrado o fato de evocarem o maoísmo como terceira etapa do marxismo, as teses da ala que defendia a revolução diretamente socialista eram tachadas, por seus adversários, como ‘trotsquizantes’. Sabia-se que esses membros da APML não eram seguidores de Leon Trotsky, mas eles eram acusados de desenvolver suas teses por influência de autores trotskistas ou ‘trotsquizantes’. No caso, foram citados autores da teoria marxista da dependência, como Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos (Lima; Arantes, 1984, p. 148).

Para combater essas teses, a ala majoritária consolidou e fez circular o documento Contribuição ao estudo científico da sociedade brasileira. Segundo Haroldo Lima e Aldo Arantes, dois de seus autores, esse estudo “desmascarou os devaneios trotsquizantes que exibiam um país hipotético, fantástico, fruto de elucubrações estatísticas” (1984, p. 148). Argumentaram que o documento deixou patente que, “neste país, gravemente dependente e com sério problema agrário a resolver, a revolução que brota das exigências concretas tem um aspecto nacional e outro democrático, anti-imperialista e agrário” (1984, p. 148).

Em setembro de 1972, no acirramento da disputa entre essas perspectivas tão contrastantes, houve a fratura. O Bureau Político destituiu os líderes da corrente minoritária - Jair Ferreira de Sá e Paulo Wright - de seus postos dirigentes, acusando-os de fracionismo. Em seguida, a sanção foi agravada: ambos foram expulsos dos quadros da organização (APML, 1972b). Em maio de 1973, houve o desfecho desse litígio, quando o Bureau Político “divulgou a sua última circular, indicando o procedimento acertado entre as duas direções para o ingresso no PC do Brasil” (Lima; Arantes, 1984, p. 158).

No seio da maioria também havia divergências. O dirigente Duarte Pereira, apesar de ter exercido papel destacado na abertura e na condução do debate em favor da aproximação e unificação com o PCdoB, divergiu dos termos em que ocorreu a finalização do processo. Por isso, não se incorporou ao PCdoB.

Duarte Pereira discordava, por exemplo, da caracterização da sociedade brasileira que fundamentava a incorporação. Na apresentação da segunda edição do documento Contribuição ao estudo científico da sociedade brasileira, escreveu que considerava errado afirmar que “a sociedade brasileira é semifeudal e semicolonial, embora nela já prevaleçam as relações capitalistas” (APML, 1973a, p. 2). Para ele, era preciso avançar na formulação de que o Brasil era um país de tipo dependente e subdesenvolvido. Além disso, não concordava com a revisão unilateral das teses da AP, sobretudo daquelas que faziam a crítica pela esquerda das experiências socialistas, em favor das teses do PCdoB (Pereira, 2022, p. 266). Em consequência de sua opção, viveu uma fase de isolamento político, mas voltaria a ter protagonismo, na segunda metade da década, como âncora do jornal Movimento, um dos mais representativos da imprensa alternativa.

Não houve unificação de organizações, mas o ingresso da maioria dos militantes e dirigentes da APML no PCdoB. Para esses, houve a extinção da APML e o fim de seu ciclo histórico. Por um período, até que se consumasse a incorporação efetiva da ala majoritária ao PCdoB, os dois coletivos da APML reivindicaram o uso da sigla.

Mantendo-se organizados, os membros da corrente minoritária referiram-se aos episódios de destituição e exclusão dos dirigentes como a ‘cisão de setembro e outubro de 1972’ e procuraram preservar a APML a partir da estratégia que defendiam (APML, 1973b). Primeiramente, tiveram de enfrentar a crise orgânica decorrente da cisão e também o impacto da ação repressiva do Estado, que abateu sete de seus expoentes entre setembro de 1973 e fevereiro de 1974 (Dias, 2020), um dos quais era o influente dirigente Paulo Wright. Perseverando no esforço de reorganização, os dirigentes consideraram a APML reestruturada em 1977 (Azevedo, 2010).

O ocaso do maoísmo

Depois do desenlace da luta interna que culminou na adesão dos membros da ala majoritária da APML ao PCdoB e no engajamento da ala minoritária para reestruturar a organização segundo os parâmetros do projeto estratégico que defendia, a relação de cada parte com o maoísmo foi regida pelas escolhas então efetivadas.

Ingressar no PCdoB implicava aceitar sua história, seu programa, sua estratégia e suas relações internacionais. No final da década de 1960, o PCdoB era reconhecido como representante autorizado do PC da China no Brasil (Reis, 2007). Todavia, houve uma reviravolta no fim da década de 1970, quando se abandonou a China como referência (Mota, 2023). Conforme Jean Sales (2000, p. 114), procedeu-se, a partir dessa cisão, a “uma crítica retrospectiva ao modelo chinês, na qual se procura mostrar que o partido já demonstrava discordância com este modelo pelo menos desde 1963”.

Na reestruturação da APML, a relação com o maoísmo sujeitou-se às progressivas atualizações de seu projeto político. No início de 1976, Jair Ferreira de Sá, usando um de seus pseudônimos, sistematizou um documento de ampla avaliação do período. Considerando que era vivido o momento de retomada nacional da organização, declara que eles eram “herdeiros do processo de luta política e ideológica travado nos anos 1971 e 1972, como do processo que lhe seguiu, antes e posterior às quedas” (APML, 1976, p. 4). Além de fazer autocrítica pela assimilação mecânica do maoísmo, propôs um exame profundo da recepção do marxismo e das ideias da ‘terceira etapa do marxismo’ e do ‘partido de tipo inteiramente novo’ que corresponderia a essa fase.

Recuando até a segunda metade da década anterior, salientou: “Nossa O. seguiu uma via muito particular no processo de assimilação do marxismo. A crítica ao pensamento de base idealista como base teórica [...] se fez já a partir do ‘maoísmo’” (APML, 1976, p. 4). Mais especificamente, do maoísmo irradiado pela Revolução Cultural. Sentenciou: “Somos, portanto, ‘filhos da Revolução Cultural’, até mesmo no sentido de seus desvios” (APML, 1976, p. 4).

Em aprofundamento ao movimento autocrítico, amadurecido na luta interna que provocou a cisão e nas duras condições dos anos seguintes, propôs que o eixo da formação, corrigindo o “desvio apontado”, retornasse “às fontes fundamentais da teoria marxista”, Marx, Engels e Lenin, o que já vinha “sendo parcialmente feito pela corrente de esquerda desde a luta contra a direita” (APML, 1976, p. 4). Por outro lado, reconheceu que deveriam ser mantidos “os estudos das obras de Mao Tsé-Tung, tanto pelo que elas têm de aplicação criadora desta doutrina [...] como pelo que trazem de especificamente novo à teoria marxista” (APML, 1976, p. 4). Tais estudos serviriam de base para o reexame formal de concepções, com as quais ele pessoalmente já havia rompido, da ‘terceira etapa do marxismo’ e do ‘partido de tipo inteiramente novo’.

Nesse novo período, a APML interagiu com o processo de abertura política que culminaria no fim da ditadura. Criticando o militarismo que tomara conta da esquerda revolucionária no auge da ditadura, a APML elaborou pautas de intervenção conjuntural. Sem abdicar dos objetivos revolucionários, também participou dos processos eleitorais, chegando a apresentar candidatos e a eleger parlamentares pela legenda legal do Movimento Democrático Brasileiro.

A APML investiu, ainda, na formação da Tendência Proletária com outras organizações que também promoviam essa autocrítica. A Tendência Proletária seria o embrião do partido de vanguarda do proletariado. Com esse objetivo, manteve relações com as organizações Política Operária (PO), Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e Movimento de Emancipação Proletária (MEP). A relação mais estreita da APML foi com o MR-8, com o qual se cogitou um projeto de fusão, mas as diferenças de perspectivas se acentuaram e inviabilizaram essa hipótese.

Na fase de reestruturação e redefinição política, a relação com o maoísmo foi reexaminada. Se a identificação com o programa da revolução nacional-democrática havia sido rejeitada desde a época da atuação unificada da APML, os vínculos com o princípio de que o maoísmo era a terceira etapa do marxismo sofreram corrosão com o tempo. Os termos dessa progressiva revisão foram formalmente incorporados apenas em 1979, quando ocorreu a IV Reunião Nacional Ampliada (RNA). Embora a documentação registre evidências dessa autocrítica em conjunturas anteriores, a fragilidade organizativa não recomendava a aprovação de documentos sistêmicos e estratégicos.

Na IV RNA, a APML revogou o Programa Básico. Tratava-se de um ato formal, pois o documento deixara de ser referência para a orientação prática havia alguns anos. Aprofundando a revisão, concluiu que teria sido cometido o erro de considerar o maoísmo a terceira etapa do marxismo. O marxismo-leninismo continuaria sendo a base teórica fundamental sobre a qual deveria se sustentar o desenvolvimento da APML

Preservado o objetivo estratégico de constituir o partido de vanguarda do proletariado, a APML também propôs, no plano tático, a formação de um partido político legalizado. O objetivo era promover a convergência da vanguarda ideológica, representada pelas organizações da esquerda revolucionária, com a vanguarda social forjada pelos novos movimentos sociais. Em outubro de 1979, como tradução dessa diretriz, decidiu integrar-se ao movimento de criação do Partido dos Trabalhadores (PT).

Foi com a identidade de pertencer ao campo da esquerda revolucionária marxista-leninista que a APML se incorporou ao processo de formação do PT. Sua concepção estratégica ia além do PT, visto como uma legenda institucional que ensejava uma frente política popular contra a ditadura. No entanto, ainda vivendo uma crise orgânica e de perspectiva, a APML extinguiu-se em 1981 (Dias, 2021).

Considerações Finais

Embora o período de inequívoca identificação da AP com o maoísmo ocorresse de 1968 a 1973, a experiência da Revolução Chinesa mereceu, do início ao fim da história dessa organização, a atenção de seus principais documentos. Na origem da AP, a Revolução Chinesa era uma das principais referências a comprovar, por um lado, a expansão do campo socialista e, por outro, que “os caminhos para o socialismo permanecem abertos numa larga frente de possibilidades”. Essa interpretação legitimava o objetivo, presente no Documento-base, aprovado no congresso de formação da AP, de formular ideologia e caminhos próprios ao socialismo.

Depois de 1964, quando a AP retificou sua linha política em favor da deflagração da luta armada para a derrubada da ditadura, além de persistir como referência da diversidade de caminhos, a Revolução Chinesa foi uma das inspirações para a noção de Revolução Socialista de Libertação Nacional, aprovada na Resolução Política de 1965.

Em 1967, no aprofundamento das redefinições, a AP deflagrou o processo do Debate Teórico e Ideológico, cujo eixo norteador era o marxismo, como forma de retificar sua “pretensão de forjar uma teoria revolucionária à margem da tradição revolucionária contemporânea”. Foi em 1968, como desfecho desse processo, que a AP, por ocasião da I Reunião Ampliada da Direção Nacional, definiu-se pelo maoísmo, aprovando o documento Os seis pontos, defendido pela Corrente 1. A depuração de quadros dirigentes e da linha política provocou a exclusão dos líderes da corrente adversária. A nova linha reconhecia o maoísmo como a terceira etapa do marxismo, o marxismo dos tempos atuais, e propunha uma estratégia a partir do legado da Revolução Chinesa.

Não obstante a convergência de pontos de vista a respeito do significado da ruptura com a origem da AP e da necessidade da transformação orientada pelo marxismo em sua alegada nova etapa, o maoísmo, havia acúmulo de divergências internas acerca de dimensões estruturantes da estratégia revolucionária. A Corrente 1 era bastante heterogênea e o esquemático documento Os Seis Pontos exigia aprofundamento e melhor sistematização. Aliado aos impasses da condução da linha revolucionária e à releitura das características das estruturas econômicas, sociais e políticas a transformar, o avanço do debate fez emergir diferenças.

O documento que elaborou, de forma mais acabada, a linha chinesa é o Programa Básico, aprovado na III Reunião Ampliada da Direção Nacional, realizada em 1971. Todavia, a aprovação do Programa Básico já se fez em uma conjuntura em que as diferenças internas da corrente maoísta ficaram explícitas, gerando a polarização que culminaria na terceira luta interna e em nova cisão.

Nessa polarização, o maoísmo inspirou tanto a aproximação e a unificação com o PCdoB, com base na afinidade de programa, ainda que a decisão final tenha implicado a revisão de que se tratava da terceira etapa do marxismo, quanto a recusa desse caminho em nome da defesa do método de Mao Tsé-Tung aplicado à realidade brasileira. Nesse caso, a defesa do maoísmo combinou-se com a influência da teoria marxista da dependência para interpretar a natureza das estruturas materiais do Brasil.

Aos que ingressaram no PCdoB, a relação com o maoísmo passou a ser balizada pelas diretrizes de seu novo partido. Aos que reorganizaram a APML, a relação sujeitou-se às atualizações de seu projeto político, em face da cambiante conjuntura nacional da segunda metade da década de 1970 e da mudança no comando do Estado chinês.

Infere-se que não se pode falar que a relação da AP com o maoísmo tenha sido regida por um sentido unívoco. Na linha diacrônica, constata-se que houve mudanças nessa relação, variando de período para período. Em conjunturas cruciais, a recepção se sujeitou a acentuadas divergências internas, que se resolveram, não raro, por processos de cisões e exclusões. O próprio período de assumida identificação com o maoísmo foi permeado por nuanças relevantes, sustentadas por correntes que disputavam a definição da estratégia revolucionária, em decorrência da forma como interpretavam as características da realidade a transformar. Por isso, as vicissitudes da influência do maoísmo não devem ser vistas somente como limitações de uma dada teoria, mas como vicissitudes da práxis revolucionária da Ação Popular.

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Notas

  • 1
    Este texto é a versão expandida de trabalho apresentado ao I Congresso Internacional Historia Global del Maoísmo en América Latina y el Caribe, realizado de 5 a 7 de maio de 2022.
  • 2
    Em maio de 1968, após a intervenção do Comando Nacional no Comando Regional da Guanabara, um setor da militância desse estado, tachado de esquerdista pela direção, desligou-se da AP e anunciou ingresso no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (Dias, 2021).
  • 3
    Os líderes da Corrente 2 viriam a participar, em 1969, da formação de outra organização política, o Partido Revolucionário dos Trabalhadores - PRT.
  • 4
    O PCdoB foi formado, em 1962, por um setor dissidente do PCB, que havia sido expulso por divergir da mudança da linha política. Os dissidentes, porém, consideram que reorganizaram o partido comunista histórico, fundado em 1922 (Sales, 2000).
  • Declaração de disponibilidade de dados:
    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Editado por

  • Editoras-chefe:
    Ana Carolina de Carvalho Viotti e Karina Anhezini de Araujo.
  • Editor Associado:
    Pedro Parga Rodrigues.

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2025
  • Aceito
    04 Ago 2025
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