Acessibilidade / Reportar erro

À perlaboração da violência traumática da repressão: o caso brasileiro

Working-through the Traumatic Violence of Repression: The Brazilian Case

Resumo

No Brasil, o conjunto de medidas administrativas, judiciais, legais, a aplicação de atividades compensatórias, de ações educativas e de políticas de memória assumidas ao acerto de contas com a violência cometida pelos agentes do Estado durante a ditadura civil-militar (1964-1985) levam em conta ações compensatórias, educativas e políticas de memória e verdade agenciadas por meio dos trabalhos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da Comissão de Anistia e da Comissão Nacional da Verdade. Questiona-se aqui a possibilidade de as representações feitas pelas medidas de justiça de transição implementadas pelas comissões de reparação e de verdade assumirem um sentido terapêutico, condicionando a perlaboração dos traumas decorrentes das atrocidades perpetradas pelos agentes da repressão. Para isso, no contexto no qual o Estado brasileiro implementa medidas ao reconhecimento, à reparação, à reconciliação, ao esclarecimento e à responsabilização dos crimes da repressão, submetem-se as narrativas produzidas pelas comissões de reparação e de verdade a uma análise que leva em conta o processo de perlaboração do trauma dessas experiências. Averiguado que as debilidades do processo transicional brasileiro inibem o debate e o engajamento social, dificultam o reconhecimento da violência, colocam obstáculos à simbolização e à apreensão coletiva de suas representações e conduzem os seus termos ao esquecimento ou à revisão, conclui-se que as representações feitas pelas medidas de justiça transicional não condicionam a perlaboração social dos legados traumáticos da violência cometida pelos agentes da repressão durante a ditadura civil-militar no Brasil. Tais condições seguem dificultando que um trabalho de memória da violência da ditadura se configure em um trabalho de perlaboração dos legados de seus traumas.

Palavras-chave:
Justiça de transição; Ditadura; Brasil; Trauma; Perlaboração

Abstract

In Brazil, the set of administrative, judicial and legal measures, and the application of compensatory activities, educative actions and politics of memory adopted in order to come to terms with the violence perpetrated by the State agents during the civil-military dictatorship (1964-1985) encompass compensating and educational actions, as well as politics of memory and truth carried out through the efforts of the Special Commission for the Dead and Missed Opponents, the Amnesty Commission and the National Truth Commission. What is questioned here is if the measures of transitional justice implemented by the commissions of reparation and truth may assume a therapeutic meaning, promoting the process of working-through the trauma resultant from the atrocities perpetrated by the agents of repression. The narratives produced by the commissions are submitted to an inquiry that takes into account the working-through process of such traumatic experiences in the context in which the Brazilian State puts in place measures for the recognition, reparation, reconciliation, clarification and acknowledgement of the crimes of repression. It is agreed that the deficiencies identified in the Brazilian transitional process inhibit the debate and social commitment, hinder the recognition of violence, hold back the symbolisation and the collective apprehension of its representations and take their terms to oblivion or revision. Therefore, the representations produced by the measures of transitional justice do not promote the social process of working-through the traumatic legacies of the violence committed by the agents of repression during the civil-military dictatorship in Brazil. These conditions keep hindering that the work of memory of such violence emerges as the process of working-through the legacies of its trauma.

Keywords:
Transitional justice; Dictatorship; Brazil; Trauma; Working-through

Bitter tastes the herb of memory.

CLAUS, Hugo, 2004

Durante as últimas décadas, os mecanismos de superação dos legados do passado de violações aos direitos humanos implementados por poderes do Estado nacional, da sociedade civil e por órgãos internacionais que buscam garantir a prosperidade institucional democrática, têm gerado um novo campo normativo das obrigações legais dos Estados. A aplicação desta nova normatização, consubstanciada, de modo geral, em medidas de justiça de transição, visa superar os agravos causados pelas violações aos direitos humanos, almejando reconstruir as relações de confiança entre o Estado e seus cidadãos, assegurando a paz e a estabilidade social depois da transição democrática. Trata-se de mecanismos que, desenvolvidos por diversas jurisdições e tratados supranacionais e nacionais, no contexto da internacionalização dos direitos humanos e das mobilizações coletivas por parte de vítimas e defensores de direitos humanos, consubstanciam o dever da promoção de medidas jurídicas, administrativas, morais e políticas. Desse modo, em síntese, falar de justiça transicional, justiça de transição, ou justiça pós-conflito, é ponderar sobre um determinado inventário de normas, instituições, práticas e diretrizes, de implementação de medidas e de estratégias que devem ser assumidas à superação dos legados de violações de direitos humanos cometidas por regimes autoritários, guerras ou outras situações de prática de violência massiva.

No Brasil, as alternativas nascentes de atividades inseridas no arcabouço da justiça de transição conjecturaram medidas de indenização e reparação pecuniária, administrativa e simbólica aos opositores e dissidentes lesados pela repressão perpetrada pelos agentes do Estado durante a ditadura civil-militar (1964-1985). Os trabalhos agenciados pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e pela Comissão Nacional da Verdade protagonizam medidas transicionais. Tais medidas - ainda que tenham ocorrido de forma lenta e truncada, e apesar da pouca visibilidade de sua atuação, de suas parcialidades e incompletudes, em meio a obstáculos e limitações por falta de tempo, meios e fontes - levam em conta ações educativa e políticas de memória e verdade, almejando a reparação, a reconciliação, o reconhecimento, o esclarecimento e a responsabilização.

Da averiguação das especificidades da justiça de transição no Brasil, suas medidas de concretização, seu modo de aplicação e mecanismos utilizados para tentar remediar as injustiças cometidas em nome do próprio Estado durante a ditadura civil-militar, cabe submeter as narrativas oficiais produzidas pelas comissões de reparação e de verdade a uma análise que leve em conta o processo de perlaboração do trauma da violência perpetrada pelos agentes da repressão durante a ditadura civil-militar. Pensando nas condições traumáticas que a violência sistemática e generalizada dos agentes da repressão imprime na sociedade brasileira, dar-se-á aqui atenção à dimensão social da perlaboração em relação ao contexto no qual o Estado brasileiro implementa tais políticas de reparação material e simbólica. No contexto das soluções que objetivam a restauração da memória através da busca por sentido consubstanciado em medidas de justiça transicional, cumpre submeter as narrativas produzidas pelas comissões de reparação e de verdade a uma análise que leve em conta o processo de perlaboração do trauma da violência do Estado.

Justiça de transição: histórico e definições

Only through the deed of truth can death be annulled, death that has been, death that is to come;

only thus is the somnolent soul to be fully awakened to the perception of the whole,

which grace is inherent in everyone bearing a human face.

BROCH, Hermann, 1995

Na modernidade, a justiça de transição tem suas origens ligadas às duas grandes guerras mundiais e ao Fim da Guerra Fria. As origens da justiça transicional estão ligadas às transições da Alemanha, da Itália e do Japão e aos processos associados à responsabilização criminal dos algozes remanescentes das ditaduras da Grécia (1967-1974), de Portugal (1926-1974), da Espanha (1939-1975) e da Argentina (1976-1983). Genealogicamente, uma primeira fase da justiça de transição, associada à internacionalização do direito, à cooperação entre Estados, à criminalização e aos julgamentos de crimes de guerra e às sanções - que deram fundamentação ao moderno direito humanitário internacional - pode ser traçada neste contexto de pós-Segunda Guerra Mundial, cujos símbolos mais representativos foram os julgamentos de Nuremberg e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A aplicação dada ao reconhecimento das obrigações dos Estados de investigar, de punir e, concomitantemente, de reparar as violações dos direitos humanos, se consumou em organismos como a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). O reconhecimento das obrigações dos Estados também se consumou com a entrada em vigor em 1 de janeiro de 1958 do Tratado de Roma, assinado em 1957 pela Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Holanda e Alemanha Ocidental em defesa da criação de uma organização supranacional que priorizasse superar a destruição provocada pela Segunda Guerra Mundial e promover o desenvolvimento. O Comitê de Direitos Humanos - criado em virtude do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela ONU em 16 de dezembro de 1966, cuja atribuição compete receber e examinar comunicados de não cumprimento das obrigações de direitos humanos previstas pelo PIDCP, constituir comissão de conciliação e emitir relatórios às Nações Unidas sobre a exposição dos fatos em que ocorreram violações de direitos humanos - também foi implementado com o objetivo de controlar a aplicação das obrigações dos Estados de investigar, punir e reparar as violações dos direitos humanos. Com esse objetivo, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) também foi efetivado. Criado em 1959, o TEDH (também denominado de Tribunal de Estrasburgo e Corte Europeia de Direitos Humanos) julga violações dos direitos humanos reconhecidas pela Comissão Europeia de Direitos Humanos. Sob a jurisdição do Conselho da Europa e sediado em Estrasburgo, o Tribunal Europeu é um órgão judicial que tem a competência de verificar o comprometimento e o respeito dos princípios dos direitos humanos dos 47 Estados membros do Conselho da Europa e de julgar suas violações.

As Nações Unidas apresentam inúmeros instrumentos internacionais que consagram tais direitos às vítimas de violações flagrantes das normas internacionais de direitos humanos e de violações do direito internacional humanitário. Entre eles, o supracitado Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (adotado em 1966), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (adotado e aberto à assinatura e ratificação em 1965), a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (adotado em 1984) e a Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder (adotado em 1985). As Nações Unidas salientam que quatro princípios do direito internacional humanitário estruturam a luta contra a impunidade e a justiça de transição. São eles (a) as obrigações dos Estados de investigarem e responsabilizarem criminalmente os perpetradores de violações dos direitos humanos; (b) o direito à verdade sobre o passado de tais atrocidades; (c) o direito a reparações para suas vítimas; (d) e as obrigações dos Estados na prevenção da ressurgência de tais violações. Os mecanismos e medidas criados à efetivação de tais princípios de responsabilização, ao desenvolvimento de direitos econômicos, sociais e culturais, dizem respeito às comissões de investigação e verdade, aos mecanismos judiciais nacionais, internacionais ou híbridos, às reparações e à reforma institucional.

Nesse diapasão de análise, a justiça de transição é entendida como uma área de atividade e investigação multidimensional focada na maneira como as sociedades lidam com seus legados de violações de direitos humanos, atrocidades em massa ou outras formas de trauma social, com vistas à construção de um futuro mais democrático, justo e pacífico. Com instrumentos abrangentes e multidisciplinares que convergem à transformação de um Estado repressivo e à reinstauração de procedimentos e práticas democráticas, as medidas e instituições da justiça transicional visam incorporar a inclusão de processos penais, de pedidos oficiais de perdão, de comissões de investigação e de reconciliação, de reparações e de políticas de memória pública. Para isso, a justiça de transição se alicerça na legislação internacional e em organismos dos direitos humanos, argumentando que países em transição precisam enfrentar certas obrigações legais, administrativas e políticas que proclamam que os abusos dos direitos humanos sejam interrompidos, que os crimes do passado sejam investigados e os responsáveis identificados, processados e punidos, que as vítimas sejam reparadas, que futuras criminalidades sejam prevenidas, que se preserve a paz e que se procure a reconciliação individual e nacional. Trata-se de mecanismos e medidas judiciais e não judiciais complementares que, dito em termos gerais, consubstanciam tanto o reconhecimento de que violações dos direitos humanos foram perpetradas, quanto a atribuição de responsabilidade por tais violações e o reparo das vítimas.

No que diz respeito à responsabilização criminal, cabe destacar que na Alemanha, por exemplo, os processos têm sido contínuos. Na França, o processo do oficial alemão Klaus Barbie, chefe da Gestapo em Lyon, condenado à prisão perpétua em 1987 pela prática de crimes contra a humanidade, foi seguido por outros casos movidos contra colaboradores franceses de alto nível. Ruti Teitel (2000TEITEL, R. G. Transitional Justice. Oxford University Press, 2000., p.39-40 e 48) assinala que a Holanda continua a processar seus colaboradores, que a Austrália e o Canadá viram os processos de colaboradores da Segunda Guerra Mundial residentes nestes países no final dos anos 1980, e que no Reino Unido o Ato de Crimes de Guerra de 1991 foi aprovado para possibilitar a responsabilização criminal de suspeitos colaboradores da época da guerra que residem no país. Outros casos de julgamentos criminais, ainda que acabaram culminando em sentenças suspendidas ou convertidas, são os das juntas gregas e portuguesas. Grécia e Portugal destacam-se por terem sido os primeiros países a responsabilizarem criminalmente seus perpetradores de violações dos direitos humanos, contribuindo para os debates sobre a tortura e os direitos humanos da Organização das Nações Unidas.

Na América Latina, que possui uma notável história de julgamentos por violações dos direitos humanos, a Argentina colocou os seus comandantes militares, bem como outros oficiais das Forças Armadas, perante tribunais de justiça, chamando a atenção internacional para uma torrente de processos judiciais, como política de justiça de transição, que fluiriam por toda a América Latina. A anistia adotada na Guatemala desde a criação pelo Congresso Nacional da Ley de Reconciliación Nacional (adotada mediante Decreto 145-1996 em 27 de dezembro de 1996), por exemplo, ainda que isente o genocídio e os crimes contra a humanidade cometidos durante o período de conflito protagonizado pelos militares e por grupos de guerrilha entre 1960 e 1996, tem sido abreviada em casos específicos. No Chile, o Decreto-Lei nº 2.191, designado como “lei de autoanistia”, editado em abril de 1978, apesar de ainda vigente, foi afastado junto da prescrição a casos reconhecidos como crimes contra a humanidade ou de guerra pela Corte Suprema de Justiça por determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Apesar de Pinochet morrer sem ter sido julgado pelos crimes por que foi acusado, atentando à questão da impunidade por violações dos direitos humanos, com a determinação de que a lei de anistia não pode ser aplicada aos casos que envolvem crimes contra a humanidade, desaparecimentos forçados ou qualquer violação dos direitos humanos, o Chile já condenou e sentenciou centenas de ex-agentes por tais crimes. Esses casos são representativos, num contexto de transição pactuada, da suspensão de mecanismos de expiação de culpas, da suspensão de leis de anistia aos julgamentos dos autores de abusos dos direitos humanos posteriormente ao fim de regimes autoritários e guerras civis. Trata-se de casos de “justiça tardia” (PAYNE, 2009, p.158), em cujos contextos vulneráveis de transição as anistias foram acompanhadas por julgamentos quando o regime democrático se estabilizara.

As anistias que impedem por completo que processos penais sejam interpostos contra agentes executores de violações dos direitos humanos forçaram a jurisprudência regional e nacional de vários países à sua revisão. O dever de investigação e devido processo por parte dos Estados, por exemplo, foi exposto de modo preliminar já em 1949 nas Convenções de Genebra. Os tratados formulados em Genebra, de modo geral, definiram as normas para as leis internacionais relativas ao Direito Humanitário Internacional. A Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, aprovada e proposta para assinatura e ratificação ou adesão em 1948, por ocasião da III Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, e a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Inumanos ou Degradantes, adotada em 1984 pela Resolução 39/46 da Assembleia Geral das ONU, também implicam obrigações para os Estados parte processarem os crimes de tortura e genocídio. Apesar de as Nações Unidas advertirem para as restrições que limitam o alcance da justiça penal, mais recentemente a Convenção Internacional Para a Proteção de Todas as Pessoas Contra os Desaparecimentos Forçados, adotada em 2006 pela Assembleia Geral da ONU, afirmou que os Estados devem criminalizar os desaparecimentos forçados, tomando medidas de responsabilização para a extradição ou processo penal de seus responsáveis.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, criada em 1959 para a promoção e proteção dos direitos humanos nas Américas, reconheceu vários casos nos quais somente fornecer o direito à verdade e à reparação não seria um procedimento adequado à superação da violência de regimes pretéritos. No caso Garay Hermosilla, e outros, vs. Chile, no que diz respeito ao impacto da anistia na investigação sobre o desaparecimento de 70 pessoas durante a ditadura chilena (1973-1990), a Comissão compreendeu que medidas como a implementação de comissões da verdade e de programas de reparação pecuniária e simbólica não seriam suficientes à garantia do respeito aos direitos humanos, já que às vítimas estava sendo negado o direito à justiça.

Determinações similares foram feitas pela Comissão nos casos relativos às comissões de verdade da Argentina (Alicia Consuelo Herrera, e outros, vs. Argentina) e de El Salvador (Lucio Parada Cea, e outros, vs. El Salvador). Em 2001, a Corte Interamericana também declarou que a lei de anistia peruana (Lei n. 26.479, editada em 1995) era contraditória com a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos. A obrigação para que a justiça fosse fornecida foi abordada pela Corte Interamericana no emblemático caso peruano de Barrios Altos vs. Peru, onde a anistia havia sido aplicada na investigação do massacre de 15 pessoas em 1991 no distrito de Barrios Altos de Lima por um grupo de extermínio composto por membros do exército. No caso Velásquez-Rodríguez vs. Honduras, que diz respeito ao desaparecimento e à morte presumida do hondurenho Ángel Manfredo Velásquez-Rodríguez pelas Forças Armadas de Honduras em 1980, a Corte Interamericana sustentou que o Estado tem o dever de evitar, investigar e punir as violações de direitos humanos garantidos pela convenção e de garantir compensação moral e material às vítimas. Desse modo, inobstante ao dever de investigação e de devido processo por parte do Estado hondurenho, por toda a América Latina, da decisão unânime da Comissão Interamericana, o significado do caso Velásquez-Rodrigues foi o de que, quando a justiça criminal é ineficaz, outras responsabilidades legais são devidas às vítimas.

Ruti Teitel (2000TEITEL, R. G. Transitional Justice. Oxford University Press, 2000., 52-53) observa que o início das transições europeias e durante as transições americanas, o espírito da anistia foi precursor da mudança política, da regulação da paz e da reconciliação. Leslie Vinjamuri (2011VINJAMURI, L. Anistia, consequencialismo e julgamentos protelados. In: A anistia na era da responsabilização: o Brasil em perspectiva internacional e comparada. Brasília: Ministério da justice, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American Centre, 2011., p.177) nota serem numerosos os casos em que a ausência de responsabilização criminal esteve associada com a manutenção da paz e da reconciliação por meio da implementação de leis de anistia. Caso representativo em um contexto transicional é o da Espanha pós-Franco, que, com a aprovação da lei pelo Parlamento em 15 de outubro de 1977, evitou a responsabilização criminal das violações de direitos humanos do regime ditatorial e consolidou o regime democrático. As transições da América Latina também se deram sob o impacto da política de anistia da Espanha, cujo modelo de transição pactuada, que eliminava do cenário político qualquer demanda por responsabilização criminal imediata, era, como ressalta Eduardo González Cueva (2011GONZÁLEZ CUEVA, Eduardo. Até onde vão as comissões da verdade? In: REÁTEGUI, Félix (Org). Justiça de transição: manual para a América Latina. Brasília: Comissão de Anistia , Ministério da Justiça; Nova Iorque: Centro Internacional para a Justiça de Transição, 2011.. p.341), “a única referência comparativa disponível para os democratas civis que dirigiam as transições”.

Deve-se observar, contudo, que o julgamento do crime de guerra e do crime contra a humanidade limita e condena o passado de perseguição política do Estado. Codificados pela primeira vez após a Segunda Guerra Mundial no Estatuto do Tribunal Internacional de Nuremberg, tais crimes abrangem graves ofensas, tais como assassinato, deportação e tortura, historicamente proscritas onde quer que cometidas em tempo de guerra contra a população civil. Tal debate efetivou-se em 1970 com o decreto da Convenção das Nações Unidas sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade, reiterado pelos Princípios de cooperação internacional da identificação, detenção, extradição e castigo dos culpados de crimes de guerra ou de crimes de lesa-humanidade, contidos na resolução 3074 (XXVIII) de 3 de dezembro de 1973 da ONU e em padrões de jurisdição incorporados ao direito nacional. Aqui, a não limitação de tempo se justifica na excepcionalidade da gravidade desses crimes, na preservação da dignidade das vítimas e na manutenção do Estado de Direito.

A par disso - na excepcionalidade de deliberações à segurança jurídica, à regulação (e preservação) da paz e da reconciliação e pacificação nacional através da suspensão acordada de processos judiciais -, frise-se que, para os países em transição, os princípios de combate à impunidade propostos em instrumentos internacionais e por convenções regionais de proteção aos direitos humanos (como assegurados pela Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, aprovada em 1994, e pela Convenção Europeia sobre a Imprescritibilidade dos Crimes contra a Humanidade e dos Crimes de Guerra, adotada em 1974), mantêm a posição de que anistias não podem ser concedidas às violações dos direitos humanos.

Alertando para o fato de as judicializações de violações dos direitos humanos serem fundamentais para a justiça transicional, as Nações Unidas destacam a necessidade da incorporação de medidas complementares na busca por justiça e reconciliação, e recomendam a criação de comissões de investigação para o estabelecimento dos fatos que envolveram violações de direitos humanos. Dezenas de comissões foram instituídas ao redor do mundo (África do Sul, Argentina, Alemanha, Timor Leste, Gana, Coreia do Norte, entre muitas outras). Estabelecidas como órgãos temporários, oficializados pelo Estado ou por uma organização governamental internacional, as comissões de verdade têm sido dispostas à investigação e à compilação de relatórios sobre violações dos direitos humanos em um determinado país, conflito e período do passado. Na América Latina, a criação de comissões de verdade para a investigação de violações de direitos humanos é fenômeno conhecido.

Na Argentina, em 15 de dezembro de 1983, o Presidente Raúl Afonsín (1983-1989) criou por Decreto (número 187) a Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas (CONADEP), cujos trabalhos investigaram as violações de direitos humanos levadas a cabo pela última ditadura civil-militar argentina (chamada de Proceso de Reorganización Nacional pela primeira junta militar) entre 1976 e 1983. O relatório da Comissão (Nunca Más), entregue em setembro de 1984, registrou os assassinatos, os sequestros, os desaparecimentos, a apropriação de crianças e as torturas perpetradas entre 1976 e 1983, além de prestar recomendações à prevenção e à reparação dos acometidos. No Peru, uma Comisión Investigadora, composta por parlamentares, foi instituída pelo Congresso Nacional em agosto de 1986, em meio ao conflito armado interno, para a investigação da execução sumária de mais de 250 prisioneiros políticos entre 18 e 19 de junho de 1986 nas prisões de San Juan de Lurigancho, de El Frontón e de Santa Barbara. Dois relatórios finais foram entregues pela Comissão em 1988: um aceito pelo governo, desenvolvido por seus comissionados, que negou a responsabilidade do governo e dos militares envolvidos; e outro, desenvolvido pela oposição (liderada pelo então Senador Rolando Ames Cobián), que responsabilizou o presidente da República Alan García Pérez (1985-1990 e 2006-2011) e o Concelho de Ministros pela morte de 246 presos. A Comisión de la Verdad y Reconciliación (CVR), por sua vez, instaurada mediante Decreto Supremo em 2 de junho de 2001 pelo então governo de transição de Valentín Paniagua (2000-2001), foi responsável pela investigação dos crimes e violações de direitos humanos cometidos durante o conflito armado interno entre 1980 e o final do governo de Alberto Fujimori (2000). Seu Informe Final estimou uma cifra de dezenas de milhares de pessoas que foram mortas ou estavam desaparecidas durante as décadas do conflito, apresentando as origens, o desenvolvimento e as consequências dos anos de conflito, e recomendando que o governo peruano respondesse à defesa persistente por julgamentos judiciais.

No Chile, os relatórios das duas Comissões instauradas também recomendaram medidas jurídicas, como a adequação do ordenamento jurídico nacional chileno ao direito humanitário internacional, a penalização por ocultamento de informação no que diz respeito às violações, a continuação das investigações sobre o paradeiro dos desaparecidos e a ratificação dos tratados internacionais sobre os direitos humanos. A Comisión Nacional de la Verdad y Reconciliación (chamada de Comissão Rettig), criada em 1990 pelo presidente Patricio Aylwin (1990-1994) e instaurada para investigar as violações de direitos humanos cometidas entre 1973 e 1990 - ainda que não tenha considerado como vítimas os sobreviventes de prisão política e tortura, e apesar das críticas por não ter sido capaz de dar respostas às demandas judiciais, apresentando somente os nomes das vítimas de desaparecimento ou execução -, deu lugar a políticas de reparação econômica e simbólica. Com o fortalecimento do regime democrático e a criação em 2003 da Comisión Nacional sobre la Prisión Política y Tortura (chamada de Comissão Valech), as medidas de reparação assumidas pelo Estado chileno, apesar das críticas para sua insuficiência, se estenderam à atenção da saúde e moradia das vítimas, à reparação pública de sua dignidade, ao subsídio de seus filhos e netos e ao reconhecimento das vítimas e de que a violência era política de Estado do regime ditatorial. A Comissão também apresentou recomendações para que o ordenamento jurídico nacional fosse adequado à Declaração Interamericana de Direitos Humanos e para que tratados internacionais sobre direitos humanos fossem ratificados, propondo medidas para a reforma do Judiciário e das Forças Armadas e para que se desse continuidade às investigações sobre o paradeiro dos desaparecidos.

No caso de El Salvador, a Comisión de la Verdad (cujo informe foi denominado De la locura a la esperanza: la guerra de 12 años en El Salvador), aprovada em cumprimento do estabelecido nos Acordos de Chapultepec em 1992, se ocupou do esclarecimento das violações de direitos humanos cometidas durante os anos de ditadura e de guerra civil. Seu relatório, entregue em 15 de março de 1993, nomeou os perpetradores dos crimes do regime ditatorial salvadorenho, levando o governo a responder com a promulgação de uma lei de anistia para proteger os mencionados no relatório. A Comissão de El Salvador, que resultou dos Acordos de Paz negociados em mais de três anos entre o movimento guerrilheiro Frente Farabundo Martír para a Liberação Nacional e o governo, fez recomendações de ordem legal, administrativa e política destinadas à depuração das forças armadas, policiais e da administração pública, à inelegibilidade dos envolvidos em violações de direitos humanos, à prevenção da repetição da violência, e orientadas à reparação material e moral e à reconciliação nacional.

A Comisión para el Esclarecimiento Histórico (CEH) da Guatemala, criada em 1994, mediante o Acordo de Oslo, para investigar os crimes da guerra civil guatemalteca (1960-1996), elaborou um informe (Memoria del Silencio, apresentado em 1999) que contém uma série de conclusões sobre as violações de direitos humanos e recomendações de medidas à preservação da memória das vítimas, à reparação pecuniária e ao fortalecimento democrático. No Equador, a Comisión Verdady Justicia, criada por Acordo Ministerial nº 12 em 1996, foi estabelecida ao recolhimento de denúncias sobre os desaparecimentos, torturas e demais violações de direitos humanos cometidas no Equador de 1979 até a data de sua promulgação. Particularmente em decorrência de torturas, de privações ilegais de liberdade, de execuções extrajudiciais e desparecimentos forçados sistemáticos e generalizados cometidos por agentes estatais durante o governo de León Febres Cordeno (1984-1988) e durante os governos que o sucederam, em 2007 foi criada mediante decreto presidencial a Comisión de la Verdad. Seu informe final (Sin verdade no hay justicia), publicado em 2010, inclui 155 recomendações agrupadas em medidas que visam, de modo geral, a pedidos públicos de perdão por parte do Estado, revelação pública da verdade e a busca dos mortos e desaparecidos políticos.

De modo geral, o sucesso de boa parte das comissões da verdade baseia-se em suas habilidades para o esclarecimento da verdade dos crimes perpetrados e para a promoção da justiça restaurativa e da reconciliação nacional. Logo, as comissões de verdade se fazem críveis como alternativa à estabilidade democrática, ao reconhecimento das violações de direitos humanos, à reabilitação das vítimas, à responsabilização, e à restauração da dignidade das vítimas e dos sobreviventes. As comissões de verdade se encontram entre os enfoques que enfatizam a promoção de prestação de contas por meio judicial e o apoio irrestrito às anistias, documentando e condenando as violações dos direitos humanos. Apesar de as anistias evitarem que os perpetradores sejam punidos, nomeá-los expõe a verdade - abrindo espaço para uma política de memória, em prol da concretização do direito à memória e à verdade - e os responsabiliza por suas ações, encorajando a transparência e a responsabilização, contribuindo para a erradicação da impunidade, na luta contra a impunidade, no fortalecimento da democracia e na prevenção da repetição de tais violações em oposição a formas organizadas de esquecimento e silenciamento que são cúmplices da impunidade.

Na correlação de forças que impede que processos transicionais se efetivem à responsabilização criminal, e no reconhecimento de que os julgamentos só podem ser, como observa Paul Van Zyl (2009, p.35), uma “resposta parcial”, ainda que fundamental, no processo de superação das violações sistemáticas dos direitos humanos, evidencia-se que tais violações forçam o próprio Estado a assumir uma atitude complementar proativa que se comprometa primordialmente com o reparo de seus danos. Nesse contexto, o termo reparação abarca, de modo genérico, uma variedade de ações políticas em favor de vítimas que tiveram os seus direitos violados.

No contexto jurídico, particularmente do direito internacional, quatro formas de políticas reparatórias comumente aceitas por Estados que enfrentam seus legados de injustiça foram reconhecidas pela Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 29 de novembro de 1985, pelo estabelecimento em 2001 da Responsabilidade Internacional dos Estados por Ato Internacionalmente Ilícito da Comissão de Direito Internacional da ONU, e pelos Princípios e Diretrizes Básicas sobre o Direito a Recurso e Reparação para Vítimas de Violações Flagrantes das Normas Internacionais de Direitos Humanos e de Violações Graves do Direito Internacional Humanitário, adotados pelas ONU em 16 de dezembro de 2005. São elas a restituição plena, a compensação, a reabilitação e a satisfação e garantia de não repetição das violações de direitos humanos praticadas no passado.

De acordo com as disposições dos Princípios e Diretrizes Básicas adotadas em 2005 pelas Nações Unidas, a restituição objetiva o restabelecimento, na medida do possível, da identidade, da liberdade, do acesso aos direitos humanos, à vida em família e à cidadania, do regresso ao local de residência, da reintegração ao trabalho e da devolução de propriedade usurpada. Ela diz respeito ao restabelecimento de uma situação original em que a vítima se encontrava antes da ocorrência das graves violações das normas internacionais de direitos humanos. A compensação, ou indenização, por sua vez, está relacionada aos danos economicamente avaliáveis resultantes das violações perpetradas. A satisfação compreende medidas que dizem respeito à interrupção de violações contínuas, à verificação dos fatos e à revelação pública da verdade, à busca do paradeiro e identificação dos desaparecidos, ao restabelecimento da dignidade, da reputação e dos direitos das vítimas, aos pedidos oficiais de perdão, às sanções judiciais e administrativas e à comemoração e à atualização nos materiais didáticos sobre as violações ocorridas e sobre as normas de direitos humanos. Já as garantias de não repetição devem, de modo geral, dar conta de garantir o controle das forças militares e de segurança, assegurando as normas relativas às garantias processuais, à equidade e à imparcialidade. Além disso, as garantias de não repetição devem reforçar a independência do Judiciário, prestar educação sobre os direitos humanos e sobre o direito internacional humanitário e rever as leis que contribuam ou permitam as violações das normas internacionais de direitos humanos e as violações do direito humanitário internacional.

Em um contexto no qual as políticas reparatórias abarcam medidas que objetivam prover reparos individuais e coletivos às vítimas de injustiças, insta destacar duas distinções feitas: a de reparação material e simbólica. A reparação material se dá de forma compensatória, pecuniária, podendo incluir a provisão à educação, à saúde e à habitação das vítimas. Já a reparação simbólica diz respeito aos pedidos oficiais de perdão oferecidos pelos que perpetraram uma injustiça (ou por seus descendentes), à reabilitação das vítimas, à mudança de nomes de espaços públicos, à criação de dias comemorativos, de museus e lugares dedicados à memória das vítimas, e à promoção de transformação cultural objetivando o reconhecimento das vítimas e das violências perpetradas, a promoção da verdade e possibilidades de reconciliação e consolidação democrática. Tem-se que, de modo geral, o direito à reparação se refere a um princípio do direito internacional que diz respeito ao fato de que qualquer violação dos direitos humanos deve envolver a incumbência de um reparo adequado, efetivo e rápido, destinado à promoção da justiça. Trata-se de um modelo que dá ênfase ao dano, à necessidade de se reparar os relacionamentos e de superar os legados da violência perpetrada.

Na Argentina, por exemplo, as primeiras medidas reparatórias implementadas disseram respeito à identificação das vítimas de desaparecimento forçado pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas e ao pagamento de pensões aos familiares. Concomitante à promulgação de reformas institucionais, promoveu-se espaços para o debate público, para a divulgação de acervos, de sítios de memória, além de intervenções artísticas, mostras de filmes e edições de livros sobre o tema da ditadura e da busca por reparações. Também no Peru, apesar da lentidão, da falta de clareza e de vontade política, da falta de reformas institucionais e de infraestrutura adequada para a implementação integral das medidas adotadas, com as recomendações da Comisión de la Verdad y Reconciliación e a regulamentação em 2005 da Lei nº 28.592, o Estado criou em 2006 um Plan Integral de Reparaciones composto de medidas de reparo individual e coletivo às vítimas da ditadura peruana (1980-2000).

No caso do Chile, a política reparatória incluiu o reconhecimento pela Comisión Nacional de la Verdad y Reconciliación das vítimas de desaparecimento forçado e morte (e de seus familiares) e a criação de um Programa de Reparación y Atención Integral de Salud (1991), um Programa de Reconocimiento al Exonerado Político (1993) e um Programa de Reparación para los Camesino Exonerados de la Tierra (1995). Além disso, medidas foram tomadas à criação (Lei 19.123) da Corporación Nacional de Reparación y Reconciliación, que coordena, implementa e promove o cumprimento das reparações contidas no relatório final da Comissão Rettig. O processo de reconhecimento da verdade e o fornecimento de reparações foram ainda expandidos às vítimas de detenção política e de tortura com a criação da segunda Comissão Valech e com a criação da Lei nº 19.980, que possibilitou que os direitos de reparação econômica fossem ampliados aos sobreviventes da ditadura chilena incluídos nos relatórios da Comissão. Os direitos à reparação também foram ampliados com a criação em 1991 da Fundación Memorial del Detenido Desaparecido e del Ejecutado Político, com a construção do Museu de la Memoria y los Derechos Humanos, inaugurado em 2010, com o estabelecimento, também em 2010, de uma “Comissão assessora para a classificação de presos políticos, executados políticos e vítimas de prisão política e tortura” entre 1973 e 1990 e, como mostra Elizabeth Lira (2011LIRA, E. Verdad, Reparación y Justicia: el pasado que sigue vivo en el presente. In: Instituto Interamericano de Derechos Humanos. Contribución de las políticas de verda, justicia y reparación a las democracias en América Latina. São José, C.R.: IIDH, 2011., p.113), com a multiplicação de centenas de espaços de memória, de construção de mausoléus, de placas comemorativas e de monumentos por todo país.

Na Guatemala, para facilitar a reconciliação, a Comisión para el Esclarecimiento Histórico, criada em 1994 em resposta aos acordos de paz, também recomendou reparações individuais e coletivas às vítimas do conflito armado protagonizado pelos militares entre 1960 e 1996. O caso guatemalteco Plan de Sánchez Massacre vs. Guatemala é referência, de acordo com as Nações Unidas, no que diz respeito à incorporação de reparações dos direitos econômicos, sociais e culturais. Nesse caso, que se refere ao massacre de centenas de indígenas em 1982, a Corte Interamericana de Direitos Humanos recomendou, em sentença de 2004, que o Estado guatemalteco assumisse medidas individuais e coletivas de reparo pecuniário e simbólico. De acordo com o panorama da Justiça de Transição apresentado em 2015 pela Rede Latino-Americana de Justiça de Transição (2016. p.121), a Guatemala vem desde 2003, quando da criação do Programa Nacional de Resarcimiento às vítimas do período de repressão (1960-1996), implementando medidas, definidas por uma Comisión Nacional de Resarcimiento, que dizem respeito à dignificação das vítimas, à reparação cultural, à reabilitação psicossocial, à restituição material e à reparação econômica.

Em El Salvador, apesar de a Lei de Anistia para a Consolidação da Paz continuar a impedir que processos penais sejam interpostos, iniciativas que visam superar os legados de violações de direitos humanos perpetradas durante os anos de ditadura (1931-1979) e de guerra civil (1980-1992) foram implementadas por iniciativas da Comisión de Trabajo en Derechos Humanos Pro Memoria Histórica de El Salvador, da Coordinadora Nacional de Comités de Víctimas de Violaciones de los Derechos Humanos en el Conflicto Armado, do Comité Pro Monumento de las Víctimas Civiles de violaciones de Derechos Humanos e do Instituto de Derechos Humanos de la Universidad Centro Americana. No Uruguai, por sua vez, no momento da transição política, em 1985, também foram adotados mecanismos reparatórios, cujos esforços se consubstanciaram na criação de duas comissões de investigação dos crimes da ditadura cometidos entre 1972 e 1985. Outros esforços destinados ao registro das violações de direitos humanos cometidas no país durante a ditadura foram o relatório Uruguay nunca más, publicado em 1989 pelo Servicio de Paz y Justicia, e a criação pelo Presidente Jorge Battle (2000-2005) da Comisión para la Paz, destinada à investigação do paradeiro dos desaparecidos políticos.

De modo geral, as dificuldades para a implementação de medidas reparatórias são diversas. Elas dizem respeito à inadequação na individualização de compensações; à ausência do reconhecimento por parte dos responsáveis pela violação perpetrada; à inabilidade de determinação adequada do beneficiário de reparo; à geração de novos conflitos por má distribuição de recursos; e, como adverte Vladimir Jankélévitch (1996JANKÉLÉVITCH, V. Should We Pardon Them? Critical Inquiry, v.22, n.3, 1996.), à negligência da culpa quando de manifestações públicas de remorso. Marcos Zilli (2014ZILLI, M. Punir or not punir? Qual é o verdadeiro dilema? Revista Anistia Política e Justiça de Transição, n. 9, p. 340-367, 2014.) ressalta que os problemas se estendem à composição de interesses conflituosos entre justiça e paz; e as Nações Unidas (2004NAÇÕES UNIDAS. The rule of law and transitional justice in conflict and post-conflict societies. Report of the Secretary-General (S/2004/616), 2004.) salientam para as dificuldades concernentes aos tipos de prejuízos que devem ser indenizados e para a distribuição indenizatória, considerada “dinheiro de sangue”. Pablo de Greiff (2010DE GREIFF, P. Justiça e reparações. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, n.3, p. 42-71, 2010., p.50-53) nota que as dificuldades para a implementação de medidas reparatórias também dizem respeito à impossibilidade da quantificação do dano e da “plena restituição”, à escassez de recursos para compensação, às disparidades compensatórias e aos comportamentos fraudulentos, e às limitações dos efeitos psicológicos quando da reconstrução social com relação à reparação coletiva.

Contudo, seja projetado sobre uma esfera individual ou pensado para um plano coletivo, reconhece-se que o ato de reparação pecuniária ou moral à compensação, restituição, reabilitação e às garantias de não repetição traz consigo a ideia de um esforço de ressarcimento às vítimas que tiveram os seus direitos violados, promovendo o aumento da integração social como forma de contribuir com o aprofundamento democrático. Consubstanciadas no reconhecimento das vítimas e das injustiças pretéritas, tais providências conduzem à implicação de cumplicidade entre a justiça, a história e a política, e enfatizam a busca por uma reconstrução reflexiva da memória e da verdade. Postas em prática por meio de medidas de distribuição socioeconômica e por políticas de memória, tais iniciativas e ações, levadas a cabo pela pressão da sociedade civil e por exigência da comunidade internacional, procuram assegurar o direito à indenização e ajudam a criar um espaço de resgate e elaboração da memória, de rememoração, de recusa ao esquecimento e da negação de tais injustiças pretéritas.

Diferentes exemplos, circunstâncias políticas e necessidades acabaram orientando os caminhos, as decisões e abordagens tomadas pelos governos de transição. Na grande maioria dos países latino-americanos mencionados - com características nada previsíveis ou unidirecionais, em meio ao impacto da difusão de normas de direitos humanos, do apoio político, da habilidade de advogados, promotores e juízes -, multiplicam-se estratégias de responsabilização criminal pelas violações de direitos humanos. As ênfases, em meio às vulnerabilidades, combinam aspectos políticos e jurídicos, recaem sobre a paz e a dissuasão, sobre as persecuções penais, a busca por justiça simbólica e/ou a procura de se proporcionar verdade e justiça às vítimas de violações de direitos humanos. Os legados políticos e sociais, as circunstâncias políticas da transição, os mecanismos de responsabilização criminal e outros mecanismos domésticos e internacionais à promoção dos direitos humanos e à responsabilização das violações dos direitos humanos, acabaram dando forma às diferentes abordagens adotadas à implementação da justiça de transição.

Justiça de transição no Brasil: direito à reparação, à verdade, à memória e à justiça

Is it possible that the antonym of “forgetting” is not “remembering”, but justice?

(YERUSHALMI, Yosef, 1989)

Primeiro marco jurídico do processo de redemocratização no Brasil, na Lei de Anistia (no 6.683BRASIL. Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979.), aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro em 28 de agosto de 1979, ainda sob a vigência do regime militar, encontram-se as origens do atual programa de reparação aos anistiados políticos brasileiros. Inobstante, o projeto de lei (nº 14/1979), apresentado ao Congresso em 27 de junho de 1979, aprovado por 206 votos contra 201, possibilitou uma interpretação que considerasse como beneficiários da lei os algozes do regime, impondo à sociedade uma anistia “aos crimes políticos ou conexos a estes” (§1º, art. 1º). Ou seja, o projeto aprovado possibilitou a anistia para todos os crimes cometidos por motivação estritamente política, rejeitando, todavia, os delitos cuja execução provocou o derramamento de sangue, os ditos “crimes de sangue” perpetrados pela resistência. Desse modo, a lei aprovada em 1979 recusou beneficiar os condenados pelas práticas de “crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”, não considerados, naquele contexto, crimes de motivação política. A lei permitiu que a tortura, o assassinato e os desaparecimentos forçados de militantes fossem considerados crimes conexos aos crimes políticos praticados pela resistência. Neste cenário, tem-se a imposição de uma anistia parcial e restrita conveniente ao regime.

Edson Teles (2007TELES, E. Brasil e África do Sul: os paradoxos da democracia. Memória política em democracias com herança autoritária. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, 2007., p.19-20) assinala que esse marco transitório de impunidade e frustração da ditadura brasileira para um Estado democrático - embora significativo para o processo de redemocratização do país, possibilitando que a questão da repressão e da luta armada fosse tratada - visava, mais do que superar, silenciar as violências cometidas pelo Estado brasileiro, privando suas vítimas de qualquer forma de reconhecimento e reparação. Para sair de cena protegidos judicialmente e para que nenhum grupo reivindicasse “bravuras” ou denunciasse os “desmandos do regime”, foi necessário, como nota Maria Celina D’Araujo (2012ARAÚJO, M. P. Marcas da Memória: história oral da anistia no Brasil. Construir acervos de fontes primárias e refletir sobre a memória. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, n. 6, 2012., p.577), o comprometimento “em torno de um duradouro pacto de silêncio, envolto em um cinturão de segurança jurídica que, paradoxalmente, protegesse a impunidade”. Desse modo, a aplicação da anistia virou “lugar-comum” à não atribuição de devida responsabilização dos agentes do Estado acusados de violações dos direitos humanos, mostrando-se eficaz aos integrantes da repressão.

Por outro lado, e apesar de se evidenciarem protestos sobre as injustiças decorrentes da impunidade que se instauraria com a implementação da Lei de Anistia, considerada ilegítima por se tratar de caso de autoanistia, tem-se alterada a coexistência de forças sociais que compeliu o regime a promulgar uma Lei de Anistia. Desse modo, de acordo com o ex-presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, e de seu ex-Coordenador-Geral de Memória Histórica, Marcelo Torelly (2012ABRÃO, P.; TORELLY, M. Mutações do conceito de anistia na justiça de transição brasileira: a terceira fase luta pela anistia. In: ARAÚJO, M. P.; et al. (Orgs.). Violência na história: Memória, trauma e reparação. Rio de Janeiro: Ponteio, 2012., p.179), mesmo sendo parcial, ilegítima e injusta, a Lei de Anistia teve sua eficácia social por permitir que responsabilizações criminais de acusados de “subversão” fossem paralisadas, que direitos políticos fossem recompostos, que presos políticos fossem libertados, que exilados retornassem à sua pátria, que servidores públicos fossem readmitidos, que clandestinos recuperassem sua liberdade, e que a defesa dos direitos humanos, o fim da violência estatal e as reivindicações pela volta da democracia fossem intensificadas1 1 Insta ressaltar, todavia, que nesta aparente via beneficiária de mão dupla, de recomposição cívica por esquecimento e impunidade, os anistiados perseguidos políticos estiveram expostos à investigação, julgamento e condenação, para então serem anistiados. Já os agentes da repressão, por sua vez, obtiveram uma “anistia em branco”, por sua ocorrência à margem de qualquer verificação sobre o que de fato se está anistiando. Trata-se de uma anistia “em abstrato”, ao completo abandono de qualquer procedimento ou processo, e ao impedimento de qualquer investigação ou punição, tirando a responsabilidade dos agentes da repressão por qualquer crime perpetrado durante a ditadura. Deste modo, funcional como regente da transição, propiciando, como nota Glenda Mezarobba (2003, p. 56), que se avançasse “em um terreno minado pela dúvida, por informações desencontradas e, por que não dizer, pela má fé deliberada”, a Lei de Anistia frustra-se como proporcionadora da responsabilização, servindo à impunidade jurídica dos crimes do Estado e à legitimação do estigma da indignação como terrorismo, da resistência como crime. .

Em função do componente de frustração da Lei de Anistia, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça promoveu, em 31 de julho de 2008, uma audiência pública para que os ministros, juristas e representantes da sociedade civil fossem ouvidos sobre o tema da anistia. Tal evento, intitulado “Limites e Possibilidades para a Responsabilização Jurídica dos Agentes Violadores de Direitos Humanos durante o Estado de Exceção no Brasil”, determinou que uma possível punição aos torturadores fosse discutida. Nesta circunstância, a Ordem dos Advogados do Brasil recomendou ao Supremo Tribunal Federal uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (doravante ADPF no153/2008BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153-6. Brasília, 29 de abril de 2010d.). A base da argumentação da ação contesta a legalidade da Lei de Anistia, sustentando ser inaceitável a extensão de crimes conexos que, constitucionalmente, não seriam susceptíveis de anistia.

Na ADPF, a OAB questionou a validade da lei e requereu a firmação de uma interpretação restrita do Art.1o da Lei de Anistia, que dissesse que a anistia não deve ser estendida aos agentes públicos que cometeram crimes de lesa-humanidade. Neste contexto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos solicitou a responsabilização internacional do Estado brasileiro em sentença sobre o episódio da Guerrilha do Araguaia (Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil), por inadimplência diante de diversas obrigações, e ao dever estatal de investigar e punir as violações de direitos humanos. De todo modo, a ação foi indeferida. Seguindo o voto do relator, em abril de 2010, por sete votos a dois, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se contra a revisão da Lei nº 6.683/1979, às vésperas do julgamento demandado contra o Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, contrariando a jurisprudência da referida Corte e de organismos domésticos e internacionais de defesa de direitos humanos, que inadmitem a autoanistia para os responsáveis por, entre outros crimes, homicídio, desaparecimento forçado, estupro e atentado violento ao pudor.

Ainda que no início da transição para o regime democrático o Brasil não tenha dado passos significativos em direção do reconhecimento dos crimes cometidos pelo regime antecessor, os poucos avanços que dizem respeito à questão dos desaparecidos políticos foram se consolidando na em medida que o perfil essencialmente conservador da transição perdia força, os militares saiam de cena, a democracia era fortalecida e os parâmetros dos direitos humanos eram incorporados na agenda nacional. Com a gradativa horizontalização e autonomia do processo transicional brasileiro, no contexto de aprofundamento do processo de internacionalização dos direitos humanos - apesar da timidez das decisões políticas e iniciativas assumidas pelo Estado à implementação de mecanismos de justiça de transição, e da nulidade das elucidações dos casos de morte e desaparecimentos e da responsabilização de seus algozes - os que buscavam o paradeiro de seus familiares e amigos mortos e desaparecidos tiveram suas esperanças reacendidas no ano da primeira eleição direta para a presidência da República em 1990, com o descobrimento de uma vala comum no cemitério Dom Bosco, na periferia da cidade de São Paulo, em Perus.

Nesse contexto, a questão dos mortos e desaparecidos políticos do regime militar seria novamente destacada em 1991 no Legislativo federal, quando da apresentação de requerimento que propunha a criação de uma Comissão de Representação Externa de Busca dos Desaparecidos Políticos. Nesse momento, ainda que os valores democráticos da transição brasileira estivessem fragilizados pelo “fracasso econômico” e pelos “escândalos políticos” que tomaram conta da agenda do mandado de Fernando Collor de Mello, foram abertos, entre outros, alguns arquivos do Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, de São Paulo, arquivos da repressão política de Pernambuco e do Paraná, e do DOPS do Rio de Janeiro. Desta feita, ainda que muitos outros arquivos permanecessem fechados, que documentos tenham “desaparecidos” e que muitos outros disponibilizados para consulta tenham sido alterados, o acesso ao que foi disposto foi de grande utilidade para obtenção de novas provas e para complementação de informações preexistentes.

Além dessas iniciativas, em 1995, um projeto do então deputado federal Nilmário Miranda instituiu uma Comissão Permanente de Direitos Humanos na Câmara Federal, cuja bandeira seria “o reconhecimento pelo Estado Brasileiro de sua responsabilidade quanto às torturas e assassinatos de opositores ao regime de 1964” (BRASIL, 2007BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à verdade e à memória. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007., p. 32-33)2 2 Neste contexto, como mostra o relatório da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (2007, p.32-33), os familiares de mortos e desaparecidos, organizados em torno da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, e do Grupo Tortura Nunca Mais, divulgaram uma Carta Compromisso redigida aos candidatos à presidência da República (os principais candidatos eram Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva). A Carta reivindicou que o Estado brasileiro reconhecesse pública e oficialmente as mortes de 144 opositores do regime que constava em um dossiê que a comissão de familiares de mortos e desaparecidos políticos do Comitê Brasileiro pela Anistia do Rio Grande do Sul entregara ao senador Teotônio Vilela. Além disso, a Carta Compromisso requereu que o Estado brasileiro assumisse a responsabilidade por tais práticas e imediatamente criasse uma comissão de investigação e reparação que esclarecesse os casos de mortos e desaparecidos políticos ocorridos no Brasil de 1964 a 1985. . De modo geral, contudo, a satisfação com a anistia, com a redemocratização e com a nova constituição, para além das reivindicações mais pontuais de familiares de mortos e desaparecidos políticos, acabou por dar fundamentação à até então baixa demanda social por justiça de transição no Brasil. Dez anos após a mudança de regime político, é somente a partir de 1995, com a aprovação da Lei dos Desaparecidos e a criação da Comissão Especial sobre Mortes e Desaparecidos Políticos, que se verificam alguns avanços no sentido de se romper com o silencio institucionalizado acerca dos legados da violência estatal.

Dezesseis anos depois de ter entrado em vigor a Lei da Anistia, o Projeto de Lei nº 869/95 - cuja ementa “dispõe sobre o reconhecimento como mortas de pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação em atividades políticas, no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1970, e da outras providências” (CÂMARA, 2007, p.36) - foi apresentado pelo Poder Executivo em 29 de agosto de 1995 e encaminhado para apreciação no Congresso Nacional. Não tendo sido emendada, até porque foi pouco debatida por dever tramitar com urgência, algumas de suas demandas foram cautelosamente processadas para garantir aos militares que a proposta não era revanchista, que ela não provocaria investigações e responsabilizações, e para não deixar os que prezavam pelo pacto da anistia descontentes. A edição da Lei de Reconhecimento dos Mortos e Desaparecidos Políticos, no 9.140/1995BRASIL. Lei nº 9.140, de 04 de dezembro de 1995. (Lei dos Desaparecidos), decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 4 de dezembro de 1995, reconhece a disposição do Projeto de Lei nº 869/95 e conjectura, em geral, o dever de que os restos mortais dos desaparecidos políticos durante o regime militar sejam localizados e identificados. A Lei determinou o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelas mortes e desaparecimentos de 136 pessoas, cujos nomes foram anexados à Lei nº 9.140, listadas em dossiê que resultou do trabalho de familiares de mortos e desaparecidos.

Com a Lei nº 9.140, foi então criada a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Funcionando inicialmente junto ao Ministério da Justiça, os trabalhos desta Comissão, que tiveram início em 8 de janeiro de 1996, tinham a competência de reconhecer a morte ou o desaparecimento dos perseguidos políticos no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 (conforme previsto pela Lei de Anistia), e indenizar monetariamente seus familiares.3 3 A alteração da data de abrangência para o reconhecimento dos mortos e desaparecidos para 15 de outubro de 1988, “em razão de participação, ou de acusação de participação, em atividades políticas”, se deu em 2002 pela Lei n.10.536. Outra ampliação da Lei n° 9.140 adveio como resultado da Medida Provisória 176/2004, transformada na Lei n° 10.875/04, que passou a dar abrangência aos casos de mortes em consequência de “repressão policial sofrida em manifestações públicas ou em conflitos armados com agentes do poder público”, e aos suicídios cometidos “na iminência de serem presas ou em decorrência de sequelas psicológicas resultantes de atos de tortura praticados por agentes do poder público”. Com a alteração na Lei dos Desaparecidos da data de abrangência para o reconhecimento dos mortos e desaparecidos e, tendo sido considerados os familiares de vítimas cujas mortes decorreram de confronto com a polícia ou durante manifestações públicas, bem como os casos de suicídio que decorreram da perseguição política cometida durante a repressão, 73 requerimentos foram deferidos e 353 mortos e desaparecidos foram oficialmente reconhecidos pelo Estado brasileiro. Dos onze anos de trabalho da Comissão, 475 processos foram avaliados. Destes, 64 correspondem aos desaparecimentos na região do rio Araguaia. Dos casos apreciados pela Comissão, que desde 2003 segue desenvolvendo projetos, junto à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República de busca, localização e identificação dos mortos e desaparecidos pela ditadura, 362 foram oficialmente reconhecidos e 118 indeferidos.4 4 Em decorrência de onze anos de atividades da Comissão Especial, o livro-relatório “Direito à Memória e à Verdade” foi publicado em agosto de 2007 sob a coordenação de Paulo Vannuchi, Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Este livro relata a conclusão de uma primeira fase de análise e julgamento dos processos de 339 casos de mortos e desaparecidos apresentados para decisão da Comissão, que se somaram aos outros 136 casos, constantes no Dossiê dos Mortes e Desaparecidos organizado pelos familiares e militantes dos direitos humanos, já reconhecidos pela própria Lei 9.140. Ao final desta primeira fase, outros dois procedimentos são elencados pelo Relatório: a coleta de amostras de sangue dos parentes consanguíneos dos mortos ou desaparecidos cujos corpos não foram entregues aos familiares, objetivando organizar um banco de dados dos perfis genéticos para comparação e identificação dos restos mortais, e a sistematização de informações sobre a localização de possíveis covas clandestinas de sepultamento de militantes. (BRASIL, 2007, p.17)

Apesar dos avanços para o tratamento da questão dos mortos e desaparecidos políticos, com a Lei dos Desaparecidos, o ônus da prova sobre o paradeiro das vítimas para efeito das indenizações acabou ficando sob responsabilidade dos próprios familiares, muitas vezes impossibilitados de examinar as circunstâncias das mortes. Deve-se ainda notar que a aprovação da Lei eximiu o Estado da identificação e responsabilização dos agentes envolvidos nas atrocidades cometidas, negando ainda o caráter público da questão ao excluir a possibilidade de outros interessados ingressarem com o pedido de reconhecimento das mortes e/ou desaparecimentos. Além disso, deve-se atentar para o fato de a Comissão Especial não ter contemplado a recuperação dos restos mortais de muitas das vítimas da ditadura civil-militar pela resistência do Exército às buscas de desaparecidos na região do Araguaia, pela falta de recursos financeiros e pelo fato de muitos documentos sobre as mortes, os desaparecimentos e sobre eventuais torturas perpetradas durante a guerrilha do Araguaia terem sido incinerados junto de suas respectivas ordens. (ALMEIDA, 2009ALMEIDA, C. S. de; et al. (Orgs). Dossiê Ditadura: mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009., p.33-34; PRADO, 2004PRADO, L. B. B. Estado democrático e políticas de reparação no Brasil: tortura, desaparecimentos e mortes no regime militar. Dissertação (Mestrado) - Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2004., p.106-107; MEZAROBBA, 2007MEZAROBBA, G. O preço do esquecimento: as reparações pagas às vítimas do regime militar (uma comparação entre Brasil, Argentina e Chile). Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007., p.90-91; BRASIL, 2010aBRASIL. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Habeas Corpus: que se apresente o corpo: a busca dos desaparecidos políticos no Brasil. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2010a., p.137)

Até a publicação do livro-relatório “Direito à memória e à verdade”, após 20 anos de vigência da democracia sacramentada pela Constituição, apenas três corpos foram encontrados e sepultados por seus familiares. Com a constatação das atrocidades cometidas pelo livro-relatório da Comissão, a maioria dos agentes ligados a violações de direitos humanos durante a ditadura não foi afastada de posições de autoridade, e dos órgãos relacionados à prática da lei, comprovando a ausência substancial de depurações. E, com a publicação do livro-relatório “Direito à Memória e à Verdade” e com as medidas até então assumidas pelo Estado à implementação de mecanismos de justiça transicional à superação dos crimes da ditadura, os arquivos da repressão não foram irrestritamente abertos à elucidação dos fatos, nem os autores das violações de direitos humanos identificados e criminalmente responsabilizados pelos seus crimes. Contudo, foi a primeira vez que o Estado brasileiro revelou oficialmente as reiteradas arbitrariedades da ditadura e declarou publicamente que esta foi responsável por esquartejamentos, estupros, torturas, decapitações, ocultação de cadáveres e execuções de opositores da ditadura.

Com a entrada em vigor da Lei nº 10.559 e com a instalação de mais uma comissão de reparação criada pelo Estado brasileiro para lidar com as atrocidades cometidas entre 1946 e 1988 - a Comissão de Anistia, criada pela Medida Provisória n° 2.151 e abrigada pelo Ministério da Justiça em 28 de agosto de 2001 -, o processo de acerto de contas com o passado é ampliado. A Lei n° 10.559 (BRASIL, 2002BRASIL. Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002c.) assegura, de modo geral, o direito à condição de anistiado político; à reparação econômica de caráter indenizatório; à contagem do tempo em que o anistiado foi compelido a afastar-se de suas atividades profissionais, devido à punição ou ameaça de punição; à conclusão de curso interrompido; e à reintegração dos servidores e dos empregados públicos punidos.

A Comissão de Anistia, visando executar os objetivos da Lei de Reparação e atender à necessidade de regulamentação prevista no artigo 8o do ADCT, tem a função de analisar os pedidos de indenização formulados pelos cidadãos impedidos de exercerem atividades econômicas por motivação exclusivamente política, e reconhecer, através da declaração de anistiado político, os atos de exceção perpetrados entre 1946 e 1988. Até o início de 2017, 75 mil casos de anistia já haviam sido protocolados pela Comissão. Destes, foram apreciados mais de 60 mil casos. A integração de mecanismos de reparação simbólica, que levam em consideração o potencial do reconhecimento das vítimas e das injustiças perpetradas, materializou-se em alguns projetos da Comissão de Anistia, como as Caravanas da Anistia, o Memorial da Anistia Política do Brasil, o projeto Marcas da Memória e o Clínicas do Testemunho.

Complementadas por atividades culturais e educativas (exibições de filmes, exposições, lançamentos de livros e peças de teatro), as Caravanas da Anistia são iniciativas que se efetivam na execução itinerante de sessões/audiências públicas de julgamentos in loco dos requerimentos de reparação dos perseguidos políticos. Com essas medidas, o Estado absolve os que insurgiram contra a ditadura e pede perdão por todas as injustiças perpetradas.5 5 Até o início de 2017 foram realizadas mais de 90 Caravanas da Anistia. São vários os parceiros das Caravanas, como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Confederação Nacional de Bispos do Brasil, a União Nacional dos Estudantes, a Associação Brasileira de Imprensa, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, universidades, governos estaduais e municipais, entidades de direitos humanos e grupos de ex-presos e perseguidos políticos. A primeira Caravana ocorreu na Associação Brasileira de Imprensa, em abril de 2008, na cidade do Rio de Janeiro. Em Relatório publicado em 2010, a Comissão de Anistia salienta para o cuidado que se deve tomar para que as Caravanas não burocratizem ou impeçam que o momento do julgamento administrativo seja um espaço de encontro, olhares, escuta e compreensões mútuas entre a sociedade brasileira a ser reparada, representada pelos perseguidos políticos e pelo público presente, e o Estado que pede perdão pelas atrocidades perpetradas, representado pela Comissão de Anistia. Neste aspecto, o Relatório da Comissão sugere ser do encontro e do resgate público da memória das vítimas, nesse processo de escuta coletiva em que o cidadão vitimado perdoa o Estado pelas violências pretéritas cometidas contra ele, que se efetiva o direito à reparação nos níveis individual, coletivo, material e simbólico. Deste modo, o Relatório da Comissão afirma que no encontro intergeracional promovido pelas Caravanas, tem-se intensificado o sentimento de solidariedade, de um protagonismo construtor do reconhecimento e valorização das vivências e dos ideais das experiências políticas e sociais dos ex-perseguidos políticos. (BRASIL, 2010c, p.29-30) Com enfoque no resgate da memória, tornada pública por meio de testemunhos nas ações promovidas pela Comissão de Anistia, o Memorial da Anistia Política passa a ter a função de materializar o acervo de dossiês e documentos de áudio e vídeo que resgatam, além das injustiças cometidas aos perseguidos políticos, a história do Brasil da perspectiva das vítimas do arbítrio das violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado durante a ditadura civil-militar.6 6 A inauguração do Memorial, contudo, já deveria ter ocorrido em 2010, tendo sido remarcada para outubro de 2013, junho de 2014 e dezembro de 2015. Em meados de 2017, prevê-se que sua inauguração aconteça em 2018, com sede na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. O projeto Marcas da Memória, criado em 2008, por sua vez, procura mobilizar recursos para ações que são organizadas e executadas por grupos da própria sociedade civil. No reconhecimento da perpetuação dos traumas das violências cometidas entre 1946 e 1988, com maior atenção dada às marcas deixadas pelas graves violações de direitos humanos do período da ditadura civil-militar, as Clínicas de Testemunho, criadas em 2012, visam oferecer reparação psíquica aos indivíduos, às famílias e aos grupos de pessoas que sofreram direta e indiretamente a violência neste período. O projeto envolve ainda a pesquisa sobre os impactos psíquicos da violência da repressão, e vem ofertando capacitação e formação para profissionais e atores sociais que lidam com o impacto psíquico da violência de Estado.7 7 Até dezembro de 2015, tais ações de reparação simbólica por meio de atenção psíquica agenciadas pelo Estado - ações que encontraram respaldo em recomendação (de número 15) do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (2014, p.970), e cuja pertinência já havia sido afirmada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos - realizaram mais de 4 mil atendimentos diretos. Ademais, no projeto das Clínicas denominado Conversas Públicas, a sociedade tem sido informada - por meio de mesas redondas, debates e conferências abertas - sobre as consequências da ditadura militar e seus métodos, destacando o papel do testemunho na consolidação do reconhecimento da verdade, da memória histórica e no combate à violência.

De modo geral, os trabalhos de enunciação e recuperação do direito à dissensão das políticas públicas de reparação desenvolvidas pelo Estado brasileiro, produzidas pelos projetos de reparação desenvolvidos pela Comissão de Anistia, contribuem significativamente para a construção de estratégias de implementação de medidas transicionais rumo ao estabelecimento de novas compreensões valorativas sobre as injustiças cometidas. Trata-se de medidas que, apesar da demora da Comissão em tomar decisões e na pouca visibilidade de sua atuação, se realizam por meio de um esforço de compreensão e de esclarecimento, que tem criado alicerces para a responsabilização abstrata do Estado e para uma discussão mais substantiva acerca do reconhecimento das violações do regime autoritário.

Importante na constituição dos elementos que cercam a justiça transicional, os princípios que recomendam que se assegurem às vítimas os direitos à justiça e à verdade enfatizam a necessidade de instauração de comissões de investigação ao estabelecimento da verdade sobre a violência pretérita, necessidade de as vítimas e da sociedade saberem a verdade sobre as violações de direitos humanos, contribuindo para a justiça e para a responsabilização. A ideia de estabelecer uma comissão da verdade no Brasil se consolidou com a ampliação do rol de atores sociais atuantes na articulação de novos movimentos junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos8 8 No que diz respeito ao caso Júlia Gomes Lund e outros vs. Brasil (caso Araguaia). (CIDH, 2010) ; com a posição da Câmara Criminal do Ministério Público Federal9 9 Referente ao Documento no 02/2011, da 2a Câmara de Coordenação e Revisão Criminal, quando da realização do “Workshop Internacional sobre Justiça de Transição: os efeitos domésticos da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil e as atribuições do Ministério Público Federal”. O evento foi realizado em Brasília, nos dias 12 e 13 de setembro de 2011. ; com a aprovação da Lei de Acesso à Informação (nº 12.527, de 2011BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011b.); e com as diretrizes do terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH III, Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009BRASIL. Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009.), que de modo geral estabelece como orientação de seu programa o “reconhecimento da memória e da verdade como Direito Humano da cidadania e dever do Estado” (Diretriz 23).10 10 O Objetivo Estratégico I do PNDH III diz respeito à promoção da “apuração e esclarecimento público das violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política ocorrida no Brasil no período fixado pelo artigo 8o do ADCT da Constituição” (BRASIL, 2010b). As diretrizes do Programa visam “incentivar iniciativas de preservação da memória histórica e de construção pública da verdade sobre períodos autoritários”, modernizar a legislação “relacionada com a promoção do direito à memória e à verdade, fortalecendo a democracia”, e “suprimir do ordenamento jurídico brasileiro eventuais normas remanescentes de períodos de exceção que afrontem os compromissos internacionais e os preceitos constitucionais sobre Direitos Humanos” (Diretriz 25). (Idem) Consta no Decreto que aprovou o PNDH (Diretriz 23) a criação de uma Comissão Nacional da Verdade “composta de forma plural e suprapartidária, com mandato e prazo definidos, para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política” (BRASIL, 2009).

Postergado o assunto, ainda que frequente o debate político e jurídico sobre os rumos a serem tomados pela justiça de transição no Brasil, quase 50 anos depois do golpe de 64 e quase 30 anos depois do fim da ditadura civil-militar, o Projeto de Lei nº 7.376/2010, que instituiria a Comissão Nacional da Verdade, foi entregue ao então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva em abril de 2010 e encaminhado ao Congresso Nacional em maio do mesmo ano. Após tramitar no Congresso Nacional, em novembro de 2011 foi então criada a Comissão Nacional da Verdade (CNV), composta por sete membros indicados pela Presidência da República, identificados pela defesa da democracia e dos direitos humanos.

De modo conciso, a finalidade específica e os objetivos da CNV, declarados respectivamente no artigo 1o e 3o (incisos II, III, IV, V, VI e VII) da lei que a criou (Lei no 12.528), dizem respeito a) ao exame e ao esclarecimento dos fatos e circunstâncias das violações de direitos humanos cometidas de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988 (mesmo âmbito cronológico de atuação da Comissão de Anistia e quinze anos a mais do que o previsto para a CEMDP); b) ao esclarecimento, de modo circunstanciado, dos casos de mortes, torturas, desaparecimentos forçados, ocultações de cadáveres e suas autorias; c) à identificação e publicidade dos acontecimentos relacionados com tais práticas; d) ao encaminhamento de todas as informações que possam contribuir na localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos; e) à colaboração com o poder público no que diz respeito à apuração das violações de direitos humanos; f) à recomendação de que medidas e políticas públicas de prevenção às violações dos direitos humanos sejam adotadas; e g) à promoção da reconstrução da história dos casos de violações dos direitos humanos, colaborando com a prestação de assistência às vítimas de tais violações. (BRASIL, 2011aBRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº12.528, de 18 de novembro de 2011a.)

As conclusões do Relatório Final da CNV, entregue à Presidência da República em 10 de dezembro de 2014, comprovam a ocorrência planejada e sistemática de graves violações dos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, especialmente nos anos que correspondem ao regime ditatorial instaurado em 1964. Da revisão de centenas de denúncias e relatos de violações de direitos humanos, a Comissão confirmou a morte e o desaparecimento forçado de 434 vítimas da ditadura e salientou a constituição dos atos praticados pelo regime, como crimes contra a humanidade, refutando integralmente “a explicação que até hoje tem sido adotada pelas Forças Armadas, de que as graves violações de direitos humanos se constituíram em alguns poucos atos isolados ou excessos, gerados pelo voluntarismo de alguns poucos militares” (BRASIL, 2014BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Volume I. Dezembro de 2014., p.963). Além disso, e apesar de não atualizar uma estimativa do número de vítimas de prisões arbitrárias e torturas, compilando e atualizando apenas o número de mortes e desaparecidos políticos anteriormente apresentados pelo Relatório da CEMDP, o Relatório final da CNV, composto de três volumes e mais de 4.000 páginas, apontou a permanência de violações de direitos humanos na atual realidade brasileira, observando que o cometimento de tais práticas se consubstanciam à inadequação da devida responsabilização criminal dos agentes da repressão.

As medidas de recomendações apresentadas pelo Relatório Final da CNV revelam o compromisso da Comissão com a garantia de não repetição das atrocidades cometidas. Elas reforçam a promoção por justiça, por reformas institucionais, pela garantia de direitos humanos, pela revelação da verdade, pela reparação material e imaterial e pela preservação da memória das vítimas das injustiças cometidas pelo Estado durante a ditadura civil-militar. Comissões de verdade, como a instituída no Brasil, procuram, de modo geral, equacionar atividades investigativas, humanitárias e prospectivas indispensáveis para o esclarecimento de fatos históricos (direito à verdade), com a elaboração de novas narrativas sociais justificadas e autorizadas (direito à memória) e o enfrentamento das circunstâncias políticas dos processos transicionais. Com a atribuição de responsabilização histórica aos que perpetraram violações dos direitos humanos (alternativa à persecução penal), com uma abordagem que parcialize a concessão de anistia, com políticas de reparação moral, simbólica e psicológica, com uma mobilização política e social que seja capaz de dar edificação a elas e com a promoção de esclarecimento público dos crimes, o Brasil estará no caminho do seu imprescindível processo de superação da violência perpetrada pelos agentes da repressão durante a ditadura, dispondo a Comissão Nacional da Verdade de força que, pela relevância e legalidade de suas conclusões e recomendações, poderá se converter em sólida mudança social.

Se o propósito de uma comissão da verdade é dar conta do esclarecimento circunstanciado e do reconhecimento das violências do Estado, se ocupando particularmente das vítimas, expondo publicamente o que ocorreu, identificando perpetradores, recomendando reparações e reformas, afirmando que a violência não se justifica, que os assassinados eram cidadãos comuns, e não terroristas, no esforço de satisfazer o direito ao conhecimento dos fatos e à promoção da prevenção da repetição da prática de violações de direitos humanos, a CNV, em meio a obstáculos e limitações, parece ter cumprido o seu papel. Mesmo que algumas questões tenham ficado mal resolvidas por falta de tempo, meios e fontes, em meio a mentiras e negações por parte dos algozes da ditadura ou, ainda, que se considere que a CNV não tenha estimulado ou motivado uma ampla discussão social das injustiças cometidas, ela pode, por meio de seus questionamentos e reflexões, preparar o terreno para futuras discussões sobre o assunto. E, mesmo que a Comissão não tenha atribuição judicial, a verificação e confirmação das atrocidades perpetradas e a identificação de autoria das violações de direitos humanos por ela consolidada podem ser apropriadas para gerar subsídios ao esclarecimento dos crimes para a persecução de algozes do regime.

São importantíssimas as conclusões e recomendações apresentadas pela Comissão Nacional da Verdade. A verificação circunstanciada das atrocidades cometidas pelos agentes do Estado durante a ditadura, a identificação dos responsáveis por tais crimes, a recomendação de estes deverem ser criminalmente responsabilizados pelas atrocidades perpetradas, promovendo a justiça restaurativa, e as recomendações que visam à não repetição da violência cometida, estão entre os principais legados dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. Além disso, e não menos importante, as conclusões e recomendações da CNV formulam respostas proativas às reformas legais e administrativas necessárias ao devido processo de justiça transicional, procurando coibir novas violações de direitos humanos, ajudando a estabilizar padrões internacionais com relação à promoção de valores morais universais, à atribuição de justiça e transparência e à restauração da dignidade das vítimas e dos sobreviventes, não eximindo da responsabilidade criminal os agentes estatais responsáveis pelas violações cometidas.

É complicado, como nota Mezarobba (2010MEZAROBBA, G. O processo de acerto de contas e a lógica do arbítrio. In: TELES, E.; SAFATLE, V. (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: BoiTempo , 2010., p.117), que as vítimas da repressão ainda precisem recorrer a um pedido de anistia - justificando o estigma da contestação à ditadura como ato de terrorismo, do direito à oposição contra os delitos dos agentes do Estado ditatorial como crime - junto ao Ministério da Justiça para terem reconhecidas as injustiças perpetradas pelo Estado brasileiro durante a ditadura civil-militar. Setores como as Forças Armadas continuam negando o fornecimento de informações ou documentos que comprovem os abusos cometidos durante a ditadura, continuam negando o fornecimento de informações sobre o paradeiro dos desaparecidos políticos. Ao Estado brasileiro restam obrigações que dizem respeito à investigação, ao processo e à punição dos agentes do Estado que perpetraram graves violações de direitos humanos durante a ditadura civil-militar. Persiste o dever de revelação da verdade por parte dos algozes da ditadura para as vítimas e para a sociedade, e a obrigação de afastamento dos perpetradores de posições de autoridade e dos órgãos relacionados à prática da lei.

Contudo, apesar das críticas, do sentimento de injustiça e da indignação com relação à responsabilização dos agentes da repressão, e ainda que no Brasil as medidas de justiça de transição tenham de fato ocorrido de forma lenta e truncada - ou quando da observação de que muitos dos corpos dos que morreram nas mãos das Forças Armadas continuam, como notam Edson Teles e Vladmir Safatle (2010TELES, E.; SAFATLE, V. (Orgs.). O que resta da ditadura. São Paulo: Boitempo , 2010., p.09-10), sem ser “acolhidos pela memória”, e alguns dos algozes do regime militar continuam em atividade, fazendo, inclusive, apologia à ditadura -, isso não destitui a adoção de tais medidas. Desse modo, e a despeito de ser sintomática a impressão de que a sociedade brasileira nunca conseguiu se livrar da tendência totalitária - ou quando da crítica de que o sistema reparatório instituído está reduzido à questão econômica, o que motiva o menosprezo com relação às conquistas transicionais até aqui conquistadas e o desrespeito com os perseguidos políticos que passam a ser considerados “caçadores de tesouros” às custas da verba pública -, a luta política pela memória em curso no Brasil tem procurado renunciar à observação fria e neutra, dando lugar à observação empática e ao relato das vítimas, ou de seus descendentes, recompondo uma realidade negada e possibilitando um trabalho de reparação, esclarecimento e reconhecimento.

Reconciliação, reparação, reconhecimento, esclarecimento e responsabilização: condições à perlaboração?

Eras a minha morte:

a ti eu podia reter

quando tudo me desertava.

CELAN, Paul, 2011

A repressão estatal exercida no Brasil é uma realidade cujas mortes e sofrimentos, cujos assassinatos, estupros, esquartejamentos, torturas, violências sexuais, desaparecimentos forçados, ocultações de cadáveres, execuções sumárias e crimes de lesa-humanidade perpetrados pelos agentes do Estado durante a ditadura civil-militar envolveram experiências de traumatização psíquica e social. A ditadura civil-militar explicitou a violência, disseminou o medo, produziu terror, silenciou, rompeu laços de solidariedade, massacrou a resistência, torturou, assassinou e executou sumariamente, naturalizou a violência e, para subjugar subjetividades, legitimou o tratamento desumano e o extermínio, extrapolando as fronteiras dos que foram diretamente afetados pela violência. Sua dimensão psíquica, indissociável da relação com o outro, do social, se evidencia nas centenas de relatos daqueles que tiveram suas vidas irremediavelmente atingidas pelo aparelho repressivo; se revela nas informações desveladas por testemunhos de vítimas e de familiares de mortos e desaparecidos políticos acolhidos pelas comissões de reparação e de verdade e nas investigações assumidas ao longo do processo de justiça de transição implementado pelo próprio Estado.

No contexto em que o Estado brasileiro implementa medidas de justiça de transição ao reparo, ao esclarecimento, à reconciliação, ao reconhecimento e à responsabilização pelas atrocidades cometida por agentes públicos durante a ditadura civil-militar, milhares de depoimentos foram concedidos às comissões de reparação e de verdade, cujos relatórios comprovaram a prática massiva e sistemática de graves violações de direitos humanos perpetradas pelos agentes da repressão e testemunharam o sofrimento do outro como ato de rememoração, de co-memoração, em nome dos que sofreram ou ainda sofrem. Entre os mais de 1.000 depoimentos de vítimas e testemunhas que foram convidadas ou que se apresentaram voluntariamente à CNV (bem como às comissões estaduais e setoriais), a memória da violência exercida pelos algozes da repressão se desvela nas denúncias de práticas sistemáticas de tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes. Depoimentos que a CNV reconheceu em seu relatório final ilustrarem “a dimensão sistêmica alcançada pela ação violadora da estrutura estatal, seja por seus agentes, seja por terceiros agindo com sua aquiescência ou conivência” (BRASIL, 2014BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Volume I. Dezembro de 2014., p.40).

O Estado reconheceu a necessidade que as sequelas traumáticas e físicas destes crimes - sequelas provocadas pelo “medo, vergonha, ansiedade, angústia e tristeza experimentados à época dos crimes e depois” (idem), pelas marcas permanentes de crimes cujas vítimas restaram “mutiladas, cegas, surdas, estéreis, com danos cerebrais e paralisias” (ibidem, p.384) - demandam atendimento médico e psicossocial contínuo aos indivíduos, às famílias e aos grupos de pessoas que sofreram direta e indiretamente a violência do Estado. O Relatório Final da CNV reconheceu e afirmou que os danos perpetrados em decorrência das brutalidades da violência sistemática cometida pelos agentes do poder público durante a ditadura seguem comprometendo a atribuição de sentido e a orientação prática presente das vítimas da repressão. A dimensão individual e social da memória da repressão exercida pelos algozes da ditadura civil-militar no Brasil - tendo em vista que o núcleo e as consequências das experiências individuais de violência são predominantemente sociais - é uma realidade que pode ser ainda identificada no fato de tais atrocidades terem sido perpetradas contra diversos grupos sociais (como populações indígenas e camponesas) em um contexto reconhecido pela CNV de “atos desumanos”, de ataque estatal massivo, sistemático, contínuo e generalizado contra a população civil.

Note-se ainda que tão importante quanto tais observações mais evidentes, no que diz respeito ao fato de a brutalidade exercida pelos algozes da ditadura civil-militar no Brasil ser uma realidade cujo dano envolveu experiências de traumatização psíquica e social, e cujas sequelas necessitam de apoio à superação de seus legados, é perceber que a repressão exercida é uma realidade revigorada. A própria CNV reconheceu em seu Relatório Final (2014BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Volume I. Dezembro de 2014., p.964) que, embora não mais em um contexto de repressão política, “a prática de detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e mesmo ocultação de cadáveres não é estranha à realidade brasileira contemporânea”. A herança traumática das atrocidades perpetradas pelos algozes da repressão - no reconhecimento da comissão que reafirmou a ocorrência planejada, sistemática e generalizada dos crimes da ditadura, e reviu denúncias e relatos à confirmação de mortes e desaparecimentos forçados, à atribuição de responsabilidades e à identificação de perpetradores - “não apenas sobrevive, como vem sendo transmitida às novas gerações” (ibidem, p.426).

O impacto desorientador da repressão é uma realidade revigorada ainda em restos que deixaram de ser simbolizados pela equiparação dos crimes do Estado com os da oposição, como representado pelo efeito da decisão do STF em sentença atribuída à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 (ADPF 153) , que expressa a visão de que há possibilidade de reconciliação na legitimação do reconhecimento da ditadura, como se esta fosse Estado de Direito, sem que as vítimas tenham acesso à verdade (histórica e processual) e à justiça. Nesse contexto, o impacto desorientador da repressão exercida é uma realidade revigorada em restos que deixaram de ser simbolizados pela expressão silenciada na anulação jurídica do direito à memória. Restos que desrespeitam o sofrimento e deslegitimam o reconhecimento, que dificultam a redefinição de normas e valores que respondam aos anseios das vítimas, colocando obstáculos ao esclarecimento, ao conhecimento e à formação, absolvendo o engajamento social perante as responsabilidades do Estado e comprometendo a orientação, a atribuição de sentido à experiência pretérita.

Além disso, o impacto desorientador da repressão é uma realidade que se desvela, no reemprego dos termos de Edson Teles (2007TELES, E. Brasil e África do Sul: os paradoxos da democracia. Memória política em democracias com herança autoritária. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, 2007., p.20-22), em argumentos de que a violência cometida por agentes da repressão ocorrera em casos pontuais e por força da atuação isolada de alguns indivíduos, em versões que se consubstanciam no protecionismo da vitória na luta contra os “comunistas subversivos” que tentavam arruinar com a democracia e instituir uma ditadura. Essa realidade - revigorada ainda, como visto com Glenda Mezarroba (2010MEZAROBBA, G. O processo de acerto de contas e a lógica do arbítrio. In: TELES, E.; SAFATLE, V. (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: BoiTempo , 2010., p.117), na designação dos próprios programas de reparação, que demandam que as vítimas da ditadura recorram a um pedido de anistia para terem reconhecidas as injustiças perpetradas pelo Estado brasileiro durante a ditadura civil-militar - reconhece que crimes foram cometidos, mas questiona a repressão, considerando os atos de violência perpetrados pelo Estado o resultado da atuação de grupos minoritários do regime. Tal realidade faz com que os sobreviventes dos crimes da ditadura ainda hoje padeçam com a indiferença - ou “simpatia prática”, pra usar uma expressão do psicanalista Tales Ab’ Sáber (2010SÁBER, T. Ab’. Brasil, a ausência significante política (uma comunicação). In: TELES, E.; SAFATLE, V. (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010., p.188) - de boa parte da sociedade. No entendimento da própria CNV (2014BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Volume I. Dezembro de 2014., p.964), “esse quadro resulta em grande parte do fato de que o cometimento de graves violações de direitos humanos verificado no passado não foi adequadamente denunciado, nem seus autores responsabilizados, criando-se as condições para sua perpetuação”.

É dessa mentalidade negada à memória social dos crimes do Estado que se pode recorrer aos argumentos de Dominick LaCapra (2016LACAPRA, D. Trauma, History, Memory, Identity: what remains? History and Theory, v.55, p.375-400. Wesleyan University, 2016., 2011LACAPRA, D. Historical and literary approaches to the “Final Solution”: Saul Friedländer and Jonathan Little. History and Theory, n. 50. Wesleyan University, 2011., 2001LACAPRA, D. Writing history, writing trauma. Baltimore, Maryland: The Johns Hopkins University Press, 2001., 1998LACAPRA, D. History and memory after Auschwitz. U.S.A.: Cornell University Press, 1998., 1987LACAPRA, D. History, Politics, and the Novel. Cornell University Press, 1987.), Jörn Rüsen (2014RÜSEN, J. Cultura faz sentido: orientações entre o ontem e o amanhã. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014., 2011RÜSEN, J. Using History: The Struggle over Traumatic Experiences of the Past in Historical Culture. Historein, v.11. 2011., 2009RÜSEN, J. Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história. História da historiografia, n.2, p.163-209, 2009., 2006RÜSEN, J. (ed.). Meaning and Representation in History. New York - Oxford: Berghahn Books, 2006., 2003aRÜSEN, J. Mourning by History. Ideas of a New Element in Historical Thinking. Historiography East and West, v.1, n1. Koninklijke Brill NV: Leiden, 2003a., 2003bRÜSEN, J. Kann gestern besser werden? Zum Bedenken der Geschichte. Berlin: Kulturverlag Kadmos, 2003b., 2002RÜSEN, J. (Org.). Western Historical Thinking. An Intercultural Debate. New York, Oxford: Berghahn Books, 2002., 1998RÜSEN, J; STRAUB, J. (Org.). Die dunkle Spur der Vergangenheit: Psychoanalytische Zugänge zum Geschichtsbewusstsein. Erinnerung, Geschichte, Identität. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998.) e Saul Friedländer (1993FRIEDLÄNDER, S. Memory, History, and the Extermination of the Jews of Europe. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press, 1993., 1992FRIEDLÄNDER, S. (Org.) Probing the Limits of Representation. Nazism and the “Final Solution”. Cambridge, Massachusetts, London, England: Harvard University Press, 1992.), que elucidam para a importância da intermediação entre a história e a memória, entre a consciência histórica e a memória histórica, entre tempos diferentes admitidos e ajustados à consciência (histórica). Consciência presente como “comunidade afetiva” (HARTMAN, 2000HARTMAN, G. H. Holocausto, testemunho, arte e trauma. In: NESTROVSKI, A.; SELIGMANN-SILVA, M. (Orgs.). Catástrofe e Representação. São Paulo: Escuta, 2000., p.211), empática, como “instância moderadora e disciplinadora”, para reempregar os termos de Hermann Lübbe (2016LÜBBE, H. Esquecimento e historicização da memoria. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.29, n.57, p.285-300. 2016., p.292). Consciência de um presente que precisaria ser compartilhado à criação de uma experiência de tempo descontínua, cuja condição perlaboradora se evidencia como instância terapêutica constantemente mediada e integrada à compreensão. Condição que se faz presente, nas palavras de Paul Ricoeur (2010RICOEUR, P. Tempo e narrativa. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010b.a, p.49), “à reconquista do poder de narrar (...), do poder de continuar infatigavelmente a conferir a forma de uma história à reflexão sobre si mesmo”. Condição perlaboradora definida como um tipo de memória cultural à superação do dano, à atribuição de sentido à experiência, à formação identitária, à construção de novos relacionamentos que orientam o agir presente.

Jeanne Marie Gagnebin (2011GAGNEBIN, J. M. Walter Benjamin. “Esquecer o passado?”. In: MEIRA DOTTO, K.; et al. (Orgs.). Psicologia, violência e direitos humanos. São Paulo: CRP SP, 2011., p.241) nota que o reconhecimento da violência pretérita, fundado por instituições como as que visam ao reconhecimento da violência cometida durante da ditadura brasileira, permite que um “processo de elaboração do trauma histórico comparável ao luto coletivo” se realize em nível social. A violência cometida pelos agentes da repressão constitui delitos e crimes cujas feridas exigem um trabalho cujo desafio, como observa Elisabeth Jelin (2003JELIN, E. State repression and the labours of memory. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2003., p.07), “é superar as repetições, vencer os silêncios e os abusos políticos, estar simultaneamente apto à se distanciar do passado e à promover um debate ativo e reflexivo sobre ele e seus significados para o presente/futuro”. Deste modo, o simbolismo rememorativo (de compreensão e esclarecimento sobre a verdade do passado) e comemorativo (de adaptação às necessidades do presente) das representações que as comissões de reparação e de verdade fazem acerca da violência traumática perpetrada pelos agentes da repressão durante a ditadura civil-militar no Brasil, são ferramentas fundamentais ao reconhecimento intersubjetivo, à identificação social e à deslegitimação da violência.

Como anteriormente referido, o resgate e a ressignificação que os esforços de representação que as medidas de justiça transicional agenciadas pelo Estado fazem acerca da violência perpetrada pelos agentes da repressão durante a ditadura civil-militar brasileira equacionam atividades ao esclarecimento dos fatos, à reparação, à responsabilização, às reformas legais e administrativas, e à promoção de valores de direitos humanos. Os esforços de representação de tais medidas fornecem os termos à deslegitimação do regime civil-militar e ao reconhecimento das experiências de violência perpetrada por seus agentes. Contudo, está de acordo que os problemas caracterizados na marca da transição controlada e gradual, na manutenção institucional e de prerrogativas e valores políticos, jurídicos e sociais, bem como na violência simbólica resultante da dissimulação, no trauma social resultante da anulação jurídica do direito à memória, dificultam a desmoralização e a deslegitimação da ditadura e da violência. Tais problemas impedem que as representações das medidas de justiça de transição implementadas pelo Estado brasileiro sejam socialmente associadas; colocam obstáculos ao compartilhamento de que um dano intencional, injusto e imoral foi perpetrado, e cujas consequências persistem; dificultam a simbolização e a apreensão coletiva da experiência ao estigma que desempenha um papel de integração, de inscrição social, de formação identitária, e se configura em um problema de sentido, de consciência histórica à perlaboração social de seus legados traumáticos.

Tais problemas dificultam o debate, a simbolização e a apreensão coletiva da experiência à integração; dificultam que a experiência seja conduzida à consciência coletiva, que uma representação mediada de sentido ao dano, como ensina Jeffrey Alexander (2004ALEXANDER, J. C. Toward a Theory of Cultural Trauma. In: ALEXANDER, J. C.; et al. (Orgs.). Cultural Trauma and Collective Identity. Berkeley, CA: University of California Press, 2004., p.26-27), seja persuasiva de modo que os agentes da violência perpetrada sejam responsabilizados, que de tais eventos lições sejam rememoradas, que a solidariedade seja ampliada e que a coletividade vitimada redefina o curso das ações normativas e políticas. Tais problemas impedem que o resgate da história possibilite a configuração do que Tania Kolker denomina de “novas formações subjetivas” politicamente “mais potentes” e “abertas à criação de outros mundos possíveis” (KOLKER, 2010KOLKER, T. Tortura e impunidade - danos psicológicos e efeitos de subjetivação. In: Coordenação Geral de combate à Tortura (Org.). Tortura. Brasil. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos , 2010., p.189-190). Insta dizer que as representações feitas pelas práticas institucionais que viabilizam o processo de justiça transicional no Brasil não têm despertado a afetividade necessária para que a violência seja admitida e ajustada à consciência (histórica), à “consciência exposta à eficiência da história”, como ressalta Ricoeur (2010RICOEUR, P. Escritos e conferências 1 em torno da psicanálise. São Paulo: Edições Loyola, 2010a.b, p.374), como um dano ameaçador de suas pressuposições culturais e de seus princípios fundamentais.

As representações assimiladas pela memória coletiva e nela integrada geram identificação e, como nota Jeffrey Blustein (2008BLUSTEIN, J. The moral demands of memory. New York: Cambridge, 2008., p.202), podem se tornar ingredientes constitutivos à interação para a construção de significados e símbolos que são compartilhados. Este testemunhar “em virtude de nossa humanidade comum com as vítimas”, para reempregar uma expressão de Blustein (Ibidem, p.353), esta “necessidade para um deslocamento empático”, nos termos de La Capra (2001LACAPRA, D. Writing history, writing trauma. Baltimore, Maryland: The Johns Hopkins University Press, 2001., p.xi), ou este auxílio de “um outro corpo” capaz de nortear um “esquema corporal” destroçado, como nota Paulo Endo (2010ENDO, P. Elaboração onírica e representação na literatura de testemunho pós-ditadura no Brasil. In: Tortura. Brasil. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Coordenação Geral de combate à Tortura (Org.) Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2010., p.226), é fundamental como prática cultural de memória coletiva à (co)produção de sentido necessária à perlaboração social da violência acometida. Desse modo, na esteira das experiências autoritárias e violentas herdadas, consubstanciou-se no Brasil uma sequência de traumas sociais constitutivos que precisam ser integrados como “condição histórica” elevada “à categoria de consciência histórica”. (RICOEUR, 2010RICOEUR, P. Tempo e narrativa. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010b.b, p.173)

Logo, ainda que as representações feitas pelas medidas de justiça de transição implementadas pelo Estado brasileiro forneçam os termos à deslegitimação da ditadura e ao reconhecimento das experiências de violência, elas não assumem um sentido terapêutico à perlaboração social dos traumas da repressão. E isto justamente pelo fato de os problemas caracterizados na marca da transição controlada e gradual - problemas consolidados na retórica do perdão e da reconciliação, no caráter permanente da violência, na impunidade sentenciada pela leitura imputada pelos tribunais à anistia, na apreensão de uma “reciprocidade” que impede a responsabilização, no autoritarismo contínuo das instituições do governo civil, na resistência e na desconfiança no comprometimento das medidas implementas pelo Estado e no desrespeito pelos direitos humanos - seguirem produzindo valores autoritários, dificultando o debate, a simbolização e a apreensão coletiva da experiência, não permitindo que seus termos sejam canalizados ao engajamento social, à revisão e à objetivação da identidade coletiva e da memória como parte de um registro coletivo.

O traço significativo dos problemas caracterizados nos valores autoritários produzidos pela transição brasileira, de uma aparente normalidade e remissão, sopesada à “eficácia” da ditadura no Brasil, à inadequação de denúncias dos crimes praticados pelos agentes da repressão, inibindo o debate e o engajamento social perante a proposta de reabertura das discussões sobre as atrocidades cometidas, impossibilitando a condução de seus termos à revisão e à objetivação da identidade, dificultando a simbolização e a apreensão da experiência, dificultam o reconhecimento coletivo da arbitrariedade e da exceção do regime. Tais problemas dificultam que se reconheça que os crimes da ditadura brasileira foram, como reafirmado pela própria Comissão da Verdade (2014BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Volume I. Dezembro de 2014., p.963), “resultado de uma ação generalizada e sistemática do Estado” que “mobilizou agentes públicos para a prática sistemática de detenções ilegais, arbitrárias e torturas, que se abateu sobre milhares de brasileiros, e para o cometimento de desaparecimentos forçados, execuções e ocultação de cadáveres”.

As representações feitas pelas comissões de reparação e de verdade no Brasil têm dado lugar a uma observação empática ao relato das vítimas, que buscam na memória os transtornos enraizados nas experiências históricas traumáticas, à dinâmica do reconhecimento de certos eventos traumáticos. Contudo, para a história recente brasileira ser contemplada como traumática, como o que La Capra (2016LACAPRA, D. Trauma, History, Memory, Identity: what remains? History and Theory, v.55, p.375-400. Wesleyan University, 2016., p.377) denomina de um problema sentido no “excesso e na desorientação”, a perlaboração, no reemprego do que informa Jörn Rüsen (2014RÜSEN, J. Cultura faz sentido: orientações entre o ontem e o amanhã. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014., p.156), deve se dar por meio de um trabalho de memória rememorativo, performático, de compreensão da verdade do passado, cuja força simbólica tencione versões hegemônicas imperantes de uma determinada ordem social, que condicione possibilidades à “construção de saberes, afetos e identidades” (PIPER-SHAFIR, 2013PIPER-SHAFIR, I.; et al. Psicología Social de la Memoria: Espacios y Políticas del Recuerdo. Psykhe. v.22, p.19-31, 2013., p.23-24), que possibilite a aquisição de uma perspectiva social crítica que conduza a identidade lesada à consciência histórica.

Desse modo, para que se inscrevam socialmente tais atrocidades à possível superação de seus legados, para que se fale da perlaboração social do trauma decorrente de tal violência, faz-se necessário que esta representação estigmatizadora do dano, feita ao esclarecimento, ao reconhecimento, à responsabilização e à comemoração, desempenhe um papel de formação identitária e se configure em um problema de consciência histórica. Para que o trauma social seja perlaborado, faz-se necessário que a representação do dano possibilite a apreensão, e não a remissão coletiva da experiência. Uma representação mediada de sentido, deste modo, como feita pelas medidas de justiça de transição agenciadas pelo Estado brasileiro, deve ser persuasiva de modo que delas lições sejam apreendidas e rememoradas, reponsabilidades morais sejam definidas e a solidariedade social seja ampliada. Esse processo de “fabricação identitária” (ANTZE; LAMBEK, 1996ANTZE, P.; LAMBEK, M. (Orgs.). Tense Past: Cultural Essays on Memory and Trauma. London: Routledge, 1996., p.07), de representação à apreensão social, de interpretação que apresenta as experiências como passado, que atribui significado a este passado presente e que, em virtude da “dependência de um ponto de referencia social” (FEINDT; et al, 2014FEINDT, G.; et al. Entangled Memory: Toward a Third Wave in Memory Studies. History and Theory, v.53. Wesleyan University, 2014., p.43) cria, nos termos de Paul Antzee Michael Lambek (1996ANTZE, P.; LAMBEK, M. (Orgs.). Tense Past: Cultural Essays on Memory and Trauma. London: Routledge, 1996., p.07), uma narrativa contemplativa, guia à terapia, à perlaboração. A construção sociocultural de sentido mediada pelo evento e pela representação do dano, de significação desta vitimização, de conformação das experiências de violência com as experiências históricas, deste modo, conforme mostra Jörn Rüsen (2009RÜSEN, J. Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história. História da historiografia, n.2, p.163-209, 2009., p.29-30), se faz com as reivindicações discursivas críticas por reconhecimento, por atribuição de responsabilidades e identificação, por reparo e pelo que Jeffrey Alexander (2004ALEXANDER, J. C. Toward a Theory of Cultural Trauma. In: ALEXANDER, J. C.; et al. (Orgs.). Cultural Trauma and Collective Identity. Berkeley, CA: University of California Press, 2004., p.10-15) chama de “reconstituição emocional, institucional e simbólica”.

As representações feitas pelas medidas de justiça transicional implementadas pelas comissões de reparação e de verdade fornecem os termos ao reconhecimento das experiências de violência, à reparação de seus danos, ao esclarecimento de suas circunstâncias e à responsabilização de seus algozes. O resgate e a ressignificação que as representações das medidas de justiça transicional implementadas pelo Estado brasileiro fazem acerca das injustiças da repressão, ao deslocarem relações, instituições e funções sociais no reconhecimento dos crimes e de suas vítimas, no reparo pecuniário e simbólico de seus danos, no esclarecimento circunstanciado da violência do Estado e na identificação dos responsáveis por seu cometimento, têm alicerçado uma discussão mais substancial acerca da violência perpetrada pelo regime autoritário. Na representação que as medidas de justiça transicional fazem no presente acerca da violência traumática perpetrada pelos agentes da repressão durante a ditadura civil-militar no Brasil, o desprazer da vivência da violência tem sido reconhecido como reflexo coerente do passado, visando motivar uma melhor compreensão das atrocidades em questão, e estabelecer novas compreensões valorativas sobre as injustiças cometidas. Deste modo, o resgate e a ressignificação que as representações, que as comissões de reparação e de verdade fazem acerca das atrocidades perpetradas pelos agentes da repressão durante a ditadura civil-militar no Brasil, se configuram em vetor fundamental à possível deslegitimação do regime e da violência por ele agenciada.

No Brasil, entretanto, é notável que os esforços de implementação de mecanismos à superação das práticas autoritárias esbarraram em entraves impostos pela transição acordada em meio a continuadas práticas de violência e arbitrariedade. A característica principal da transição política e da “consolidação democrática” se apresentou - em meio ao reiterado silêncio institucionalizado pela anulação jurídica do direito à memória e à verdade e ao persistente marco simbólico da vitória na luta contra o terrorismo subversivo - mediante a continuidade dissimulada de práticas autoritárias, asseguradas pela ilegalidade e arbítrio da violência institucionalizada e por direitos civis deslegitimados. Está-se de acordo que este cenário de angústia não apenas desrespeita direitos, como reforça as debilidades do Estado em lidar com as atrocidades da repressão, dificulta o esclarecimento e o conhecimento das práticas repressivas, e coloca obstáculos para que a violência e seus valores sejam desmoralizados e deslegitimados, e para que as consequências traumáticas dos danos perpetrados sejam simbolizadas, associadas e compartilhadas em ambiente social.

É evidente e inegável o desenvolvimento de um movimento institucional estatal amplo à reparação, à reconciliação, ao esclarecimento, ao reconhecimento e à responsabilização. Contudo, a permanência da impunidade, da violência, da arbitrariedade, do autoritarismo contínuo das instituições do governo civil, o desrespeito aos direitos como norma institucional, a manutenção de prerrogativas e a conservação de concepções doutrinárias que prevaleceram durante a ditadura civil-militar geram uma sequência de traumas sociais que se reforçam e dificultam que um trabalho de memória, como representado pelos trabalhos das comissões de reparação e de verdade, se consubstancie em um ethos que configure a violência como elemento compartilhado à sua perlaboração social. O esquecimento democrático institucionalizado imposto pela reafirmação dada à anistia política - ou evidenciado na política governamental para a abertura dos arquivos públicos - frustra, ressente, dificulta a incorporação de símbolos à reflexão do sofrimento e de suas implicações; e coíbe a representação social e a comunicação, a associação que dá possibilidade de integração e de sentido à experiência da violência traumática. Neste cenário, a caracterização pública negada à memória social dos crimes da repressão dificulta que o resgate e a ressignificação que as representações que as comissões de reparação e de verdade fazem acerca das atrocidades perpetradas pelos agentes da repressão durante a ditadura civil-militar no Brasil se configure em um trabalho de perlaboração social dos legados de seus traumas.

Considerações finais

Yesterday upon the stair,

I met a man who wasn’t there.

He wasn’t there again today,

Oh how I wish he’d go away.

MEARNS, William Hughes, 1899

Ao não despertar uma mudança representativa de perspectiva afetiva, empática, intersubjetiva, da experiência de violência, o resgate e a ressignificação que as representações que as comissões de reparação e de verdade fazem acerca das atrocidades perpetradas pelos agentes da repressão durante a ditadura civil-militar no Brasil se configuram sob duas condições interdependentes indispensáveis à perlaboração social dos traumas da repressão: uma necessária para que a violência seja admitida e ajustada à consciência crítica coletiva (e histórica) como um dano ameaçador de suas pressuposições culturais e de seus princípios fundamentais democráticos e de direitos humanos; e outra fundamental ao deslocamento mediado e persuasivo de suas representações como força social à coprodução de sentido. Logo, tais condições, ligadas à expressão silenciada, a restos não simbolizados que impossibilitam que a experiência histórica se realize, à remissão, ou à má consciência coletiva ligada à falta de reconhecimento social, seguem dificultando que um trabalho de resgate da memória, como representado pelos trabalhos das comissões de reparação e de verdade, condicione a perlaboração social dos legados traumáticos da violência cometida pelos agentes da repressão durante a ditadura civil-militar no Brasil.

Referências

  • ABRÃO, P.; TORELLY, M. Mutações do conceito de anistia na justiça de transição brasileira: a terceira fase luta pela anistia. In: ARAÚJO, M. P.; et al (Orgs.). Violência na história: Memória, trauma e reparação Rio de Janeiro: Ponteio, 2012.
  • ALEXANDER, J. C. Toward a Theory of Cultural Trauma. In: ALEXANDER, J. C.; et al (Orgs.). Cultural Trauma and Collective Identity Berkeley, CA: University of California Press, 2004.
  • ALMEIDA, C. S. de; et al (Orgs). Dossiê Ditadura: mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985) São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.
  • AMBOS, K. O Marco Jurídico da Justiça de Transição. In: AMBOS, K.; et al (Orgs.). Anistia, justiça e impunidade: reflexões sobre a justiça de transição no Brasil Belo Horizonte: Fórum, 2010.
  • ANTZE, P.; LAMBEK, M. (Orgs.). Tense Past: Cultural Essays on Memory and Trauma London: Routledge, 1996.
  • ARAÚJO, M. P. Marcas da Memória: história oral da anistia no Brasil. Construir acervos de fontes primárias e refletir sobre a memória. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, n. 6, 2012.
  • BLUSTEIN, J. The moral demands of memory New York: Cambridge, 2008.
  • BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Volume I Dezembro de 2014.
  • BRASIL. Constituição (1988). Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 1988.
  • BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº12.528, de 18 de novembro de 2011a.
  • BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011b.
  • BRASIL. Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009.
  • BRASIL. Lei n° 10.875, de 1 de junho de 2004.
  • BRASIL. Lei nº 10.536, de 14 de agosto de 2002b.
  • BRASIL. Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002c.
  • BRASIL. Lei nº 9.140, de 04 de dezembro de 1995.
  • BRASIL. Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979.
  • BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Habeas Corpus: que se apresente o corpo: a busca dos desaparecidos políticos no Brasil. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2010a.
  • BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-III). Brasília: SDH/PR, 2010b.
  • BRASIL. Ministério da Justiça. Comissão de Anistia. Relatório Anual da Comissão de Anistia 2010. Brasília: Comissão de Anistia, 2010c.
  • BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153-6. Brasília, 29 de abril de 2010d.
  • BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à verdade e à memória. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007.
  • CÂMARA dos deputados. Projetos de Lei e Outras Proposições. PL 869/1995. Disponível em: <Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=183709 > Acesso em 28 de maio de 2017.
    » http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=183709
  • CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH). Caso Gomes Lund e Outros vs. Brasil Sentença de 24 de novembro de 2010.
  • GONZÁLEZ CUEVA, Eduardo. Até onde vão as comissões da verdade? In: REÁTEGUI, Félix (Org). Justiça de transição: manual para a América Latina Brasília: Comissão de Anistia , Ministério da Justiça; Nova Iorque: Centro Internacional para a Justiça de Transição, 2011.
  • D’ARAUJO, M. C. O estável poder de veto das Forças Armadas sobre o tema da anistia política no Brasil. Varia Historia, v.28, n.48, p.573-597, 2012.
  • ENDO, P. Elaboração onírica e representação na literatura de testemunho pós-ditadura no Brasil. In: Tortura Brasil. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Coordenação Geral de combate à Tortura (Org.) Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2010.
  • FEINDT, G.; et al Entangled Memory: Toward a Third Wave in Memory Studies. History and Theory, v.53. Wesleyan University, 2014.
  • FRIEDLÄNDER, S. Memory, History, and the Extermination of the Jews of Europe Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press, 1993.
  • FRIEDLÄNDER, S. (Org.) Probing the Limits of Representation. Nazism and the “Final Solution” Cambridge, Massachusetts, London, England: Harvard University Press, 1992.
  • GAGNEBIN, J. M. Walter Benjamin. “Esquecer o passado?”. In: MEIRA DOTTO, K.; et al (Orgs.). Psicologia, violência e direitos humanos São Paulo: CRP SP, 2011.
  • DE GREIFF, P. Justiça e reparações. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, n.3, p. 42-71, 2010.
  • HARTMAN, G. H. Holocausto, testemunho, arte e trauma. In: NESTROVSKI, A.; SELIGMANN-SILVA, M. (Orgs.). Catástrofe e Representação São Paulo: Escuta, 2000.
  • JANKÉLÉVITCH, V. Should We Pardon Them? Critical Inquiry, v.22, n.3, 1996.
  • JELIN, E. State repression and the labours of memory Minneapolis: University of Minnesota Press, 2003.
  • KEHL, M. R. Tortura e Sintoma Social. In: TELES, E.; SAFATLE, V. (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira São Paulo: BoiTempo, 2010.
  • KOLKER, T. Tortura e impunidade - danos psicológicos e efeitos de subjetivação. In: Coordenação Geral de combate à Tortura (Org.). Tortura Brasil. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos , 2010.
  • LACAPRA, D. Trauma, History, Memory, Identity: what remains? History and Theory, v.55, p.375-400. Wesleyan University, 2016.
  • LACAPRA, D. Historical and literary approaches to the “Final Solution”: Saul Friedländer and Jonathan Little. History and Theory, n. 50. Wesleyan University, 2011.
  • LACAPRA, D. Writing history, writing trauma Baltimore, Maryland: The Johns Hopkins University Press, 2001.
  • LACAPRA, D. History and memory after Auschwitz U.S.A.: Cornell University Press, 1998.
  • LACAPRA, D. History, Politics, and the Novel Cornell University Press, 1987.
  • LIRA, E. Verdad, Reparación y Justicia: el pasado que sigue vivo en el presente. In: Instituto Interamericano de Derechos Humanos. Contribución de las políticas de verda, justicia y reparación a las democracias en América Latina São José, C.R.: IIDH, 2011.
  • LÜBBE, H. Esquecimento e historicização da memoria. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.29, n.57, p.285-300. 2016.
  • MEZAROBBA, G. Um acerto de contas com o futuro: anistia e suas consequências. Um estudo do caso brasileiro Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. 2003.
  • MEZAROBBA, G. O preço do esquecimento: as reparações pagas às vítimas do regime militar (uma comparação entre Brasil, Argentina e Chile) Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
  • MEZAROBBA, G. O processo de acerto de contas e a lógica do arbítrio. In: TELES, E.; SAFATLE, V. (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira São Paulo: BoiTempo , 2010.
  • NAÇÕES UNIDAS. The rule of law and transitional justice in conflict and post-conflict societies Report of the Secretary-General (S/2004/616), 2004.
  • PASSOS, N. Parentes de vítimas da ditadura tentam mudar Comissão da Verdade. Carta Maior Setembro de 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Parentes-de-vitimas-da-ditadura-tentam-mudar-Comissao-da-Verdade-/4/17588 >. Acesso em 23 de fevereiro de 2013.
    » https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Parentes-de-vitimas-da-ditadura-tentam-mudar-Comissao-da-Verdade-/4/17588
  • PIPER-SHAFIR, I.; et al Psicología Social de la Memoria: Espacios y Políticas del Recuerdo. Psykhe v.22, p.19-31, 2013.
  • PRADO, L. B. B. Estado democrático e políticas de reparação no Brasil: tortura, desaparecimentos e mortes no regime militar Dissertação (Mestrado) - Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2004.
  • RICOEUR, P. Escritos e conferências 1 em torno da psicanálise São Paulo: Edições Loyola, 2010a.
  • RICOEUR, P. Tempo e narrativa São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010b.
  • RÜSEN, J. Cultura faz sentido: orientações entre o ontem e o amanhã Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
  • RÜSEN, J. Using History: The Struggle over Traumatic Experiences of the Past in Historical Culture. Historein, v.11. 2011.
  • RÜSEN, J. Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história. História da historiografia, n.2, p.163-209, 2009.
  • RÜSEN, J. (ed.). Meaning and Representation in History New York - Oxford: Berghahn Books, 2006.
  • RÜSEN, J. Mourning by History. Ideas of a New Element in Historical Thinking. Historiography East and West, v.1, n1. Koninklijke Brill NV: Leiden, 2003a.
  • RÜSEN, J. Kann gestern besser werden? Zum Bedenken der Geschichte Berlin: Kulturverlag Kadmos, 2003b.
  • RÜSEN, J. (Org.). Western Historical Thinking. An Intercultural Debate New York, Oxford: Berghahn Books, 2002.
  • RÜSEN, J; STRAUB, J. (Org.). Die dunkle Spur der Vergangenheit: Psychoanalytische Zugänge zum Geschichtsbewusstsein. Erinnerung, Geschichte, Identität Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998.
  • SÁBER, T. Ab’. Brasil, a ausência significante política (uma comunicação). In: TELES, E.; SAFATLE, V. (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira São Paulo: Boitempo, 2010.
  • TEITEL, R. G. Transitional Justice Oxford University Press, 2000.
  • TELES, E. Brasil e África do Sul: os paradoxos da democracia. Memória política em democracias com herança autoritária Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, 2007.
  • TELES, E.; SAFATLE, V. (Orgs.). O que resta da ditadura São Paulo: Boitempo , 2010.
  • WEICHERT, M. A. O Relatório da Comissão Nacional da Verdade: conquistas e desafios Projeto História, n. 50, p.86-137, 2014.
  • VINJAMURI, L. Anistia, consequencialismo e julgamentos protelados. In: A anistia na era da responsabilização: o Brasil em perspectiva internacional e comparada Brasília: Ministério da justice, Comissão de Anistia; Oxford: Oxford University, Latin American Centre, 2011.
  • ZILLI, M. Punir or not punir? Qual é o verdadeiro dilema? Revista Anistia Política e Justiça de Transição, n. 9, p. 340-367, 2014.

Notas

  • Declaração de financiamento

    A pesquisa que deu origem a este artigo contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), proc. 13/06039-6, projeto "A elaboração e perlaboração de um passado traumático: sobre as políticas públicas de reparação no Brasil".
  • 1
    Insta ressaltar, todavia, que nesta aparente via beneficiária de mão dupla, de recomposição cívica por esquecimento e impunidade, os anistiados perseguidos políticos estiveram expostos à investigação, julgamento e condenação, para então serem anistiados. Já os agentes da repressão, por sua vez, obtiveram uma “anistia em branco”, por sua ocorrência à margem de qualquer verificação sobre o que de fato se está anistiando. Trata-se de uma anistia “em abstrato”, ao completo abandono de qualquer procedimento ou processo, e ao impedimento de qualquer investigação ou punição, tirando a responsabilidade dos agentes da repressão por qualquer crime perpetrado durante a ditadura. Deste modo, funcional como regente da transição, propiciando, como nota Glenda Mezarobba (2003MEZAROBBA, G. Um acerto de contas com o futuro: anistia e suas consequências. Um estudo do caso brasileiro. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. 2003., p. 56), que se avançasse “em um terreno minado pela dúvida, por informações desencontradas e, por que não dizer, pela má fé deliberada”, a Lei de Anistia frustra-se como proporcionadora da responsabilização, servindo à impunidade jurídica dos crimes do Estado e à legitimação do estigma da indignação como terrorismo, da resistência como crime.
  • 2
    Neste contexto, como mostra o relatório da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (2007BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à verdade e à memória. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007., p.32-33), os familiares de mortos e desaparecidos, organizados em torno da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, e do Grupo Tortura Nunca Mais, divulgaram uma Carta Compromisso redigida aos candidatos à presidência da República (os principais candidatos eram Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva). A Carta reivindicou que o Estado brasileiro reconhecesse pública e oficialmente as mortes de 144 opositores do regime que constava em um dossiê que a comissão de familiares de mortos e desaparecidos políticos do Comitê Brasileiro pela Anistia do Rio Grande do Sul entregara ao senador Teotônio Vilela. Além disso, a Carta Compromisso requereu que o Estado brasileiro assumisse a responsabilidade por tais práticas e imediatamente criasse uma comissão de investigação e reparação que esclarecesse os casos de mortos e desaparecidos políticos ocorridos no Brasil de 1964 a 1985.
  • 3
    A alteração da data de abrangência para o reconhecimento dos mortos e desaparecidos para 15 de outubro de 1988, “em razão de participação, ou de acusação de participação, em atividades políticas”, se deu em 2002BRASIL. Lei nº 10.536, de 14 de agosto de 2002b. pela Lei n.10.536. Outra ampliação da Lei n° 9.140BRASIL. Lei nº 9.140, de 04 de dezembro de 1995. adveio como resultado da Medida Provisória 176/2004, transformada na Lei n° 10.875/04BRASIL. Lei n° 10.875, de 1 de junho de 2004., que passou a dar abrangência aos casos de mortes em consequência de “repressão policial sofrida em manifestações públicas ou em conflitos armados com agentes do poder público”, e aos suicídios cometidos “na iminência de serem presas ou em decorrência de sequelas psicológicas resultantes de atos de tortura praticados por agentes do poder público”.
  • 4
    Em decorrência de onze anos de atividades da Comissão Especial, o livro-relatório “Direito à Memória e à Verdade” foi publicado em agosto de 2007 sob a coordenação de Paulo Vannuchi, Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Este livro relata a conclusão de uma primeira fase de análise e julgamento dos processos de 339 casos de mortos e desaparecidos apresentados para decisão da Comissão, que se somaram aos outros 136 casos, constantes no Dossiê dos Mortes e Desaparecidos organizado pelos familiares e militantes dos direitos humanos, já reconhecidos pela própria Lei 9.140. Ao final desta primeira fase, outros dois procedimentos são elencados pelo Relatório: a coleta de amostras de sangue dos parentes consanguíneos dos mortos ou desaparecidos cujos corpos não foram entregues aos familiares, objetivando organizar um banco de dados dos perfis genéticos para comparação e identificação dos restos mortais, e a sistematização de informações sobre a localização de possíveis covas clandestinas de sepultamento de militantes. (BRASIL, 2007BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à verdade e à memória. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007., p.17)
  • 5
    Até o início de 2017 foram realizadas mais de 90 Caravanas da Anistia. São vários os parceiros das Caravanas, como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Confederação Nacional de Bispos do Brasil, a União Nacional dos Estudantes, a Associação Brasileira de Imprensa, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, universidades, governos estaduais e municipais, entidades de direitos humanos e grupos de ex-presos e perseguidos políticos. A primeira Caravana ocorreu na Associação Brasileira de Imprensa, em abril de 2008, na cidade do Rio de Janeiro. Em Relatório publicado em 2010, a Comissão de Anistia salienta para o cuidado que se deve tomar para que as Caravanas não burocratizem ou impeçam que o momento do julgamento administrativo seja um espaço de encontro, olhares, escuta e compreensões mútuas entre a sociedade brasileira a ser reparada, representada pelos perseguidos políticos e pelo público presente, e o Estado que pede perdão pelas atrocidades perpetradas, representado pela Comissão de Anistia. Neste aspecto, o Relatório da Comissão sugere ser do encontro e do resgate público da memória das vítimas, nesse processo de escuta coletiva em que o cidadão vitimado perdoa o Estado pelas violências pretéritas cometidas contra ele, que se efetiva o direito à reparação nos níveis individual, coletivo, material e simbólico. Deste modo, o Relatório da Comissão afirma que no encontro intergeracional promovido pelas Caravanas, tem-se intensificado o sentimento de solidariedade, de um protagonismo construtor do reconhecimento e valorização das vivências e dos ideais das experiências políticas e sociais dos ex-perseguidos políticos. (BRASIL, 2010cBRASIL. Ministério da Justiça. Comissão de Anistia. Relatório Anual da Comissão de Anistia 2010. Brasília: Comissão de Anistia, 2010c., p.29-30)
  • 6
    A inauguração do Memorial, contudo, já deveria ter ocorrido em 2010, tendo sido remarcada para outubro de 2013, junho de 2014 e dezembro de 2015. Em meados de 2017, prevê-se que sua inauguração aconteça em 2018, com sede na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais.
  • 7
    Até dezembro de 2015, tais ações de reparação simbólica por meio de atenção psíquica agenciadas pelo Estado - ações que encontraram respaldo em recomendação (de número 15) do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (2014BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Volume I. Dezembro de 2014., p.970), e cuja pertinência já havia sido afirmada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos - realizaram mais de 4 mil atendimentos diretos. Ademais, no projeto das Clínicas denominado Conversas Públicas, a sociedade tem sido informada - por meio de mesas redondas, debates e conferências abertas - sobre as consequências da ditadura militar e seus métodos, destacando o papel do testemunho na consolidação do reconhecimento da verdade, da memória histórica e no combate à violência.
  • 8
    No que diz respeito ao caso Júlia Gomes Lund e outros vs. Brasil (caso Araguaia). (CIDH, 2010CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH). Caso Gomes Lund e Outros vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010.)
  • 9
    Referente ao Documento no 02/2011, da 2a Câmara de Coordenação e Revisão Criminal, quando da realização do “Workshop Internacional sobre Justiça de Transição: os efeitos domésticos da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil e as atribuições do Ministério Público Federal”. O evento foi realizado em Brasília, nos dias 12 e 13 de setembro de 2011.
  • 10
    O Objetivo Estratégico I do PNDH III diz respeito à promoção da “apuração e esclarecimento público das violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política ocorrida no Brasil no período fixado pelo artigo 8o do ADCT da ConstituiçãoBRASIL. Constituição (1988). Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 1988.” (BRASIL, 2010bBRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-III). Brasília: SDH/PR, 2010b.). As diretrizes do Programa visam “incentivar iniciativas de preservação da memória histórica e de construção pública da verdade sobre períodos autoritários”, modernizar a legislação “relacionada com a promoção do direito à memória e à verdade, fortalecendo a democracia”, e “suprimir do ordenamento jurídico brasileiro eventuais normas remanescentes de períodos de exceção que afrontem os compromissos internacionais e os preceitos constitucionais sobre Direitos Humanos” (Diretriz 25). (Idem) Consta no Decreto que aprovou o PNDH (Diretriz 23) a criação de uma Comissão Nacional da Verdade “composta de forma plural e suprapartidária, com mandato e prazo definidos, para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política” (BRASIL, 2009BRASIL. Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2018
  • Aceito
    03 Jul 2019
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Campus de Assis, 19 806-900 - Assis - São Paulo - Brasil, Tel: (55 18) 3302-5861, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, Campus de Franca, 14409-160 - Franca - São Paulo - Brasil, Tel: (55 16) 3706-8700 - Assis/Franca - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@unesp.br