RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar a série Licenciosidade dos cinematographos, veiculada pelo jornal A Gazeta, de São Paulo, em 1917. A questão central é observar a relação entre o consumo cinematográfico e o acionamento de medos a partir do lugar de “classe média”. Nosso argumento principal defende o estabelecimento de um modelo ideal de criança que precisava ser protegida para a reprodução material e simbólica da própria “classe média”. O argumento secundário infere como a ida ao cinema poderia se constituir como uma forma de afirmação e de manutenção de um repertório de classe usado para se diferenciar dos segmentos populares; revela-se nas respostas uma retórica racial de afirmação do ideal de branqueamento. A metodologia utilizada é o paradigma indiciário. As fontes são os periódicos e leis do período referentes à competência policial sobre a fiscalização e censura ao cinema. Como resultados, observamos que o jornal A Gazeta auxiliou na perpetuação de uma lógica excludente em termos de gênero, raça e classe.
Palavras-chave:
Cinema; imprensa; modernidade; Primeira República
ABSTRACT
This article intends to analyze the series Licenciosidade dos cinematographos, published by the newspaper A Gazeta, from São Paulo, in 1917. Its main question is to observe the relationship between film consumption and the actioning of fears from the perspective of the “middle class”. Our main argument sustains the establishment of an ideal model of child who needed to be protected for the material and symbolic reproduction of the “middle class” itself. The supporting argument infers the ways that going to the cinema could constitute a form of affirmation and maintenance of a class repertoire mobilized to differentiate themselves from the popular segments; and the responses reveal a racial rhetoric of affirmation of the ideal of whitening. The methodology used is the evidentiary paradigm. The sources are the periodicals and laws of the period regarding the police competence over the inspection and censorship against cinema. As a result, we observe that the newspaper A Gazeta helped to perpetuate an exclusionary logic in terms of gender, race and class.
Keywords:
Cinema; press; modernity; First Republic
Atormentado pelas lembranças da noite anterior, Frederico acorda no meio da madrugada completamente suado. Ainda ouve com pavor as estridentes gargalhadas das senhoras desconhecidas que saíam de um cinema acompanhadas de seus amantes. Desvia rapidamente o olhar da porta do quarto, pois vê vultos perturbados de crianças correndo por ela. Com a boca seca e o coração acelerado, lembra do filho, que ainda não nasceu, e sentencia que ele nunca irá pisar naquele antro onde se projetam imagens lascivas e perniciosas.
Essa relação turbulenta entre filmes, experiência de ir ao cinema e espectadores veio à tona em diversos momentos durante as primeiras décadas de sua disseminação no Brasil, mais precisamente na Primeira República. Embora ficcional, o relato acima poderia ter sido retirado de algum texto produzido na São Paulo da Primeira República, tendo em vista as expectativas de um conjunto significativo de espectadores, os quais percebiam esse consumo com um misto de fascínio, medo e desconfiança.
No caso específico de São Paulo, a cidade vivia então um boom expansionista graças à imigração em massa, à chegada de um contingente populacional de origem rural e à veloz industrialização, o que fez o número de habitantes decuplicar em um intervalo de menos de 30 anos (Fausto, 1984). Adicionado a isso, uma “geografia do prazer” (Rago, 1991, p. 81-89) - que incluía a ida aos cinemas como uma de suas formas de fruição - convivia de modo instável com os desafios impostos por esse rápido crescimento e com as tentativas de afirmação de valores relacionados a uma cultura de “classe média” (Gay, 1989, 2002).
Por outro lado, esse crescimento também produziu um aumento significativo da pobreza e piorou as condições de vida da classe trabalhadora (Fausto, 2016). Conforme ocorriam mudanças no tecido social da cidade, sobretudo quando relacionadas a esse contingente de imigrantes que traziam ideais que contestavam a ordem/exploração dos mais pobres, seu efeito contribuiu para desestabilizar “antigas formas de controle social tuteladas pela Igreja e pelo Estado” (Martins, 2014, p. 187).
Os receios dos setores dominantes de possíveis rupturas dos valores tradicionais impostos por eles fez com que se intensificasse a repressão a essas camadas pelo aparato policial (Martins, 2014), responsável em manter a ordem nas ruas e em estabelecimentos dos mais variados, como os cinemas. O discurso de que a ordem social seria necessária para o desenvolvimento do país foi utilizado nesse momento e cresceu devido à greve de 1917, ocorrida a partir de julho em São Paulo e que se estendeu por outras cidades (Fausto, 2016). Nesse momento, a fiscalização no que acontecia em espaços coletivos passou a canalizar mais a atenção das autoridades.
Tendo em vista esse complexo cenário urbano, nossa proposta é analisar a série Licenciosidade dos cinematographos, veiculada pelo jornal A Gazeta entre os meses de setembro e outubro de 1917. O editorial desse periódico lançou um concurso que tinha como questão principal pensar quais seriam os possíveis perigos que determinados filmes poderiam trazer para as crianças e quais medidas poderiam ser utilizadas a fim de conter essas “ameaças”.
Fundado em 1906 pelo poeta e jornalista Adolfo Campos de Araújo, o jornal A Gazeta se dizia independente politicamente, apesar de ter forte ligação com o Partido Republicano Paulista (PRP), que possuía um viés liberal e era composto por famílias poderosas, dentre as quais grandes cafeicultores. Era vespertino e circulava diariamente, perdendo popularidade a partir de 1918.1
O questionário desse concurso foi composto de quatro perguntas: “é o cinema um fator de educação moral das crianças?”; “quais são os perigos do cinema?”; “quais as fitas que devem ser combatidas?” e “quais as medidas que se podem empregar contra o mau cinema?”. As três melhores respostas escolhidas por um júri ganhariam cada uma um prêmio. Foram veiculadas 26 respostas de cada pergunta, que cumpriam os requisitos solicitados dos participantes. Ao final, foram informados os vencedores e os prêmios a serem recebidos.
Partindo dessas fontes, a questão que lançamos neste artigo é a relação entre o consumo cinematográfico e o acionamento de medos a partir do lugar de “classe média”, reconhecendo que se trata de uma complexa posição de classe, principalmente no contexto de um país periférico do sistema capitalista, onde a reprodução material dessa classe viu-se severamente comprometida em diversos momentos da história republicana (Saes, 1985).
Nosso argumento principal é o de que, ao longo da série analisada, um modelo ideal de criança surge como objeto de proteção, tendo em mente o horizonte de vigilância quanto à reprodução - material e simbólica - da própria “classe média”. Segundo Costa (1979), no século XIX a família brasileira das esferas mais altas e dos setores médios urbanos em formação ganharam novos padrões e valores sociais. Dessa maneira, a criança deveria ser protegida dos perigos do mundo moderno e educada nos valores tradicionais vigentes, além de terem práticas socialmente aceitas (Mauad, 2010). O fator moral seria um dos alicerces fundamentais desse pensamento, que deveria ser implantado ainda no seio familiar (Engel, 1988). Desse modo, as crianças poderiam servir como instrumentos disciplinados para o progresso do país, sendo sujeitos situados centralmente nessa relação entre medo e proteção na modernidade.
Conectados a esse argumento principal, apresentamos dois argumentos secundários. O primeiro é o de que, em sua reflexão sobre o ato de ir ao cinema, a série o expõe como uma forma de afirmação e de manutenção de um repertório de classe usado para se diferenciar dos segmentos populares (Bourdieu, 2006). A circulação desse repertório ocorreria nos planos do cotidiano e do consumo cinematográfico, isto é, na articulação entre o repertório fílmico e outras práticas sociais e seria utilizado na inserção das crianças dentro de uma leitura de mundo que as aproximasse do seu horizonte de classe.
Por sua vez, nosso segundo argumento secundário é o de que uma retórica racial de afirmação do ideal de branqueamento (Schwarcz, 2005) também emerge na veiculação da série. Embora mais sutil e em forma de agressões dissimuladas (Gay, 1995) ou de valores que mascaravam seu dado racial, essa retórica visava a manutenção de um duplo status racial e de classe na fruição da diversão cinematográfica, a saber, branco e de “classe média”, em um uso do consumo para delimitação de fronteiras sociais (Douglas; Isherwood, 2004), e definiria quais grupos de crianças seriam efetivamente alvos do controle e das redes de proteção.
Para fins de nossa argumentação, filiamo-nos à discussão sobre “classe média” na perspectiva proposta por Saes (1985). Esse autor defende que conceituar “classe média” é problemático, pois ela engloba vários grupos sociais e profissionais de diferentes posições políticas e ideologias. Segundo o mesmo autor, o funcionamento do capitalismo industrial produziu a constituição de grupos médios urbanos dentro do mundo do trabalho, estabelecendo relações por vezes submissas política e ideologicamente com os setores dominantes, mas como braço auxiliar no conflito com as classes populares. Desse modo, utilizaremos “classe média” entre aspas, ou camadas médias urbanas, para nos referirmos a esse grupo social.
Neste artigo utilizaremos como metodologia o paradigma indiciário, proposto por Carlo Ginzburg (2007). Através desse método de análise documental, poderemos perceber certos vestígios, às vezes quase imperceptíveis, deixados nas fontes coletadas, de determinadas estruturas e mudanças sociais que ocorriam no período proposto. Ou seja, no nosso caso, de como frações dos setores médios urbanos viam ou consumiam o cinema para que pudesse servir para a educação moral ou os possíveis perigos que, supostamente, conferiam à ordem imposta.
Repertórios e moralidades em disputa na São Paulo da Primeira República
Numa manhã de setembro de 1917, A Gazeta publicava um editorial com um título bem sugestivo: “A licensiosidade dos cinematógrafos, a depravação precoce da infância, os ‘films’ immoraes” (19 set. 1917, p. 1). Esse texto iniciava sua redação informando que, em momento anterior, o mesmo jornal tinha escrito sobre os “perigos” que fitas “pornographicas e licenciosas” poderiam exercer na sociedade paulistana e, provavelmente por conta de sua boa repercussão, gostaria de saber qual era a opinião de seus leitores sobre o tema.
Não conseguimos localizar a matéria indicada no começo desse editorial. Contudo, essa percepção negativa relacionada a determinados filmes ou cenas especificas - pejorativamente classificados como imorais, obscenos, pornográficos, dentre outros - pode ser verificada em momentos anteriores (Lapera, 2019). Desde a inauguração e expansão de salas pela cidade de São Paulo e em outras capitais, na primeira década do século XX, já eram noticiadas diversas críticas a certos tipos de filmes.2
Essa ideia dos supostos perigosos efeitos que alguns filmes ou cenas poderiam causar em quem os consumia, sobretudo nas crianças, evidencia disputas em torno do cinema, desde o seu público-alvo até o seu conteúdo exibido. Ao analisar a formação do público no Rio de Janeiro, Lapera (2018, p. 27) constatou que os anúncios dos cinematógrafos publicados na imprensa “se dirigiam aos estratos médios e à elite”, devido às altas taxas de analfabetismo, que limitaria a compreensão dos anúncios. Somado a essa justificativa parcial, o autor informa que esses estratos sociais frequentavam as salas como espaço de distinção, além do ingresso, que “tinha um custo acima do poder aquisitivo da maioria da população” (Lapera, 2018, p. 26).
Inferimos que tais circunstâncias eram muito semelhantes às de São Paulo, a partir das análises de Araújo (1981), Moraes (2014, p. 189-242) e de Rago (1991, p. 90-98) sobre os cinemas da cidade durante esse período histórico. Nesse sentido, quando o editorial afirmava que “ha muito tempo que a população reclama medidas energicas contra o perigoso abuso, que se vai generalizando, e que ameaça perverter e depravar completamente a população infantil do nosso Estado” (A Gazeta, 1917, p. 1), estava se referindo a frações dos setores médios e das elites e, mais especificamente, às crianças desses estratos sociais.
Dessa forma, observamos uma estrutura de um circuito exibidor em formação destinado de forma prioritária para frações das “classes médias” e das elites. Para construir o reconhecimento de um espaço social distinto (Bourdieu, 2004) a esses setores, seriam necessários agentes para a sua manifestação e aplicação. Os agentes desse processo seriam principalmente os exibidores, a imprensa e as autoridades policiais.
No entanto, iremos perceber certas contradições entre esses agentes. No editorial, fica evidente o papel de destaque que a imprensa reivindicava para si mesma como “propagadora de ideias e formadora de consenso” (Barbosa, 1997, p. 90), e, nesse caso, como responsável pela luta contra a suposta licenciosidade dos cinemas. Em contraposição, na sua avaliação, estariam os exibidores, que apenas focavam em lucrar ao projetarem esses tipos de fitas, e, por fim, a polícia, que não estaria cumprindo o seu dever em fiscalizar com maior rigor os cinematógrafos.
Não houve por parte das autoridades policiaes o menor movimento de reacção contra a propagação do temeroso mal, pelo que se torna indispensavel um franco e collectivo protesto da imprensa, afim de que possamos ver modificado o actual estado de cousas. [...] E é preciso considerar-se que, para mais segurança do effeito, as fabricas dos “films” não poupam sacrificios pecuniarios, nem perdem um artificio de resultado favoravel, empregando principalmente na manipulação de seus dramas e de suas comedias, em alta dóse, a cantharida dos quadros lúbricos. (A Gazeta, 19 set. 1917, p. 1).
Vale nos determos sobre algumas informações relativas à função policial, devido à importância trazida pelo editorial e pelas respostas. Segundo Mario Brasil Lopes, um dos participantes do concurso, sem fiscalização nas salas essas virariam para as crianças “uma escola onde não existe moral” (A Gazeta, 25 set. 1917, p. 1). Ao nos debruçarmos sobre a pergunta “quais as medidas que se podem empregar contra o mau cinema?”, um ponto confluente se destaca: o papel da segurança pública.
Das 26 respostas veiculadas referentes à pergunta indicada acima, 20 fizeram menção à polícia. S. Carvalho Miranda informou que a principal medida adotada seria “uma iniciativa immediata e energica da policia”, na qual a mesma faria “uma fiscalização rigorosa nos films, obrigando os empresarios a uma exhibição primaria” (Miranda, A Gazeta, 22 set. 1917, p. 1). A solicitação de uma censura prévia, inclusive com a presença da imprensa, como forma de verificar o que poderia e o que não poderia ser exibido, era umas das principais reinvindicações.
Para compreendermos como o cinema foi inserido nas atividades policiais, precisamos verificar a formação e ampliação dessas atividades na cidade de São Paulo através de legislações referentes à inspeção dos divertimentos públicos no recorte temporal analisado. Ainda no período monárquico, o Regulamento n° 120 (Brasil, 1842) informava que competia à parte policial inspecionar os teatros e divertimentos públicos. Segundo Martins (2014, p. 155), a posição que a Repartição Central da Polícia detinha na regulação dessas atividades públicas “refletia o modo como o estado foi alargando o seu controle sobre a cidade”.
Essa competência permaneceu no período republicano, como informa a Lei n° 1.103 (Brasil, 1907), que, em seu artigo 23, indicava que seria exclusividade da polícia fiscalizar os divertimentos públicos. Isso pode ser comprovado pelo fato de que, antes do aparecimento das salas, era obrigatório requerer licença para fazer exibições temporárias, como consta no documento de registro de licenças para a realização de eventos culturais e esportivos, de 1907, na página 94.
O Secretario do Estado dos Negocios da Justiça e da Segurança publica, attendendo ao que requereram Menezes e Cia resolve (...) ceder-lhe licença para fazerem funccionarem um cinematographo em o Salão Progredir da Capital depois de pagar os direitos devidos ao Estado e a Municipalidade sujeitando-se às prescrições policiaes. S. Paulo, 04 de Novembro de 1907.3
Em 1906, foi criada a Secretaria da Justiça e da Segurança Pública, órgão que passou por algumas mudanças na gestão de Washington Luís, que buscou modernizar o aparelho policial. Em 1909, foi criada a 3° delegacia auxiliar, que, dentre várias atribuições, seria responsável por “inspecionar os divertimentos públicos” (Martins, 2014, p. 64). Nesse mesmo ano, saiu o Decreto nº 1.714 (Brasil, 1909), que regulamentava a inspeção, fiscalização e policiamento, ou seja, ampliava a prática já em vigor desde o século anterior. Nessa reformulação, observamos indícios da tentativa de se aperfeiçoar os instrumentos de controle das diversões públicas inserido num processo de longa duração.
Para o nosso objetivo, destaca-se o artigo 6°, que se referia às bases para a concessão de licença para qualquer diversão pública, incluindo os recém surgidos estabelecimentos cinematográficos:
Não será concedida licença para representação de qualquer peça que, por seu enredo, expressão ou forma, offenda, as instituições nacionaes ou de paiz extrangeiro, aos altos poderes e funccionarios do paiz, aos representantes ou agentes de paiz extrangeiro, aos bons costumes e decencia publica, ou que contenha allusões aggressivas a determinadas pessoas, ou que por qualquer forma possa perturbar a ordem publica. (Brasil, 1909, grifos nossos).
Nos pontos elencados, o foco recai sobre proibir assuntos contrários ao status quo do período, além da atenção a questões morais e de “decência pública”. Para Carvalho e Figueiroa (2022), os aspectos censórios na imprensa - e, acrescentamos, do cinema - poderiam se relacionar com a conjuntura, em um processo sintetizado por Kushnir (2001, p. 33): “as origens de uma sociedade baseada no autoritarismo e na exclusão dão a medida do peso e do papel de uma cultura da censura - o esforço de delimitar o legal e o ilegal”.
Essa perspectiva de uma censura prévia, pautada principalmente em três pressupostos (a saber, peças/filmes que ofendessem as instituições nacionais e internacionais, seus representantes e agentes e o que postulavam como bons costumes e decência pública), tinha como função primordial proteger a moral, a ordem social interna e a política externa elaborada pelos setores dominantes. Diante dessa concepção, a intervenção estatal seria fundamental para a manutenção da ordem e o trabalho policial seria de suma importância, pois “lidar com os medos da elite [e, por extensão, dos setores médios] fazia parte da tarefa da polícia” (Bretas, 1997, p. 62).
Para Alfredo Teixeira Graça, o cinema “ensinaria” às mulheres o “caminho da prostituição” e a como “recolher em casa os seus amantes, e, ao mesmo tempo livrar-se dos apuros em que se vir com a chegada do marido, occultando-os ás suas vistas” (Graça, A Gazeta, 21 set. 1917, p. 1). F. Ferreira Gomes indicava praticamente o mesmo “ensinamento”, em que “ás senhoras” aprenderiam “o modo como se podem prostituir enganando assim aquelles que levam os dias mourejando para que nada falte áquellas a quem ligaram o seu nome” (A Gazeta, 26 set. 1917, p. 3).
Essas respostas indicam o receio com o que poderia ser internalizado pelas mulheres ao irem ao cinema, sobretudo aspectos relacionados à traição e à prostituição. Esses pontos demonstram o processo de formulação de um núcleo familiar, ainda no século XIX, regido por padrões, normas de comportamento e valores morais, onde cada indivíduo teria um papel que deveria desempenhar em prol da nação (Costa, 1979). Nesse sentido, no caso da mulher, segundo Rago (1987, p. 62):
A formação de um novo modelo de feminilidade, a esposa-dona-de-casa-mãe-de-família, e uma preocupação especial com a infância, percebida como riqueza em potencial da nação, constituíram as peças mestras deste jogo de agenciamento das relações intrafamiliares.
Caso a mulher rompesse com esse modelo imaginário de família, instituído pelo Estado (e, por conseguinte, pelos setores dominantes), como principais responsáveis pela educação moral das crianças (Mauad, 2010, p. 180), médicos e sanitaristas, com seus estudos suspostamente tidos como científicos, indicariam mecanismos de hierarquização social, em que problemas tidos como morais, sociais e mentais, com destaque para a histeria e a para a honra, seriam utilizados. Nessa perspectiva, como forma de criar um “novo modelo normativo de feminilidade” (Rago, 1987, p. 75), a maternidade seria o principal caminho para a salvação da mulher, pois poderia “curar-se e redimir-se dos desvios que, concebidos ao mesmo tempo como causa e efeito da doença, lançavam-na, muitas vezes, nos lodos do pecado” (Engel, 2004, p. 298).
Nesse cenário, a imoralidade se apresentava como um dos principais fatores para o atraso social. A proteção à honra da mulher deixava de ser vista apenas como um problema na esfera do privado para virar uma questão de estado, ou seja, de “interesse da defesa social” (Alvarez, 1996, p. 186). Não à toa, quando os participantes lançavam suas preocupações em relação às mulheres, o receio de que elas poderiam se corromper com determinados filmes, traziam em seus discursos um forte teor moralista, relacionado ao sentimento de culpa pelo abandono do lar, dos filhos e do marido (Rago, 1987).
Lapera (2020, p. 31) ressalta que o ato de ir ao cinema “representou para as mulheres a possibilidade de novas experiências estéticas, perceptivas e sociais e a ampliação de suas redes de sociabilidade além da esfera privada”. Porém, como destaca Rago (1987, p. 63), o ingresso das mulheres no cenário urbano “não traduz um abrandamento das exigências morais, como atesta a permanência de antigos tabus como o da virgindade”. Como indício disso, na enquete foi divulgada a resposta de uma das três mulheres participantes, Madame de Gize (A Gazeta, 3 out. 1917, p. 1), ao escrever que:
As mães, mais do que aos paes, mais do que aos preceitos scientificos, mais do que ás escolas moralistas, são devidas as bellas organizações moraes que têm traçado para a humanidade o seu caminho através dos tempos. Ora, o cinematographo, principalmente como o temos, é um dissolvente, um perturbador dessa aurora luminosa que o sorriso materno faz desabrochar no coração das crianças.
Josias de Sousa Lima (A Gazeta, 24 set. 1917b, p. 1), em uma de suas respostas, mencionou que um dos maiores problemas do cinema seria “o exaggero da moda”, que influenciava as mulheres a quererem usar “vestidos extremamente curtos, uma blusa exageradamente decotadas” por “espirito de ‘estrangeirismo’”. Nota-se a insegurança na possibilidade de mudança dos padrões morais estabelecidos, a partir do exemplo da vestimenta feminina, assim como os perigos externos que poderiam degenerar os “costumes nacionais”, proporcionados pelo cinema.
Sobre a proteção dos “costumes nacionais”, rastros de um nacionalismo conservador foram identificados em algumas respostas. Para Castro Paes (A Gazeta, 4 out. 1917, p. 1) e outros participantes, as fitas de cunho patriótico não deveriam ser combatidas, e sim exibidas, sobretudo para as crianças. F. Ferreira Gomes (A Gazeta, 26 set. 1917, p. 3) sugeriu as de conteúdo histórico com forte teor ufanista, pois “ensinam-lhes como devem amar aquelles vultos grandiosos que derramaram o seu sangue para que hoje nós, e amanhã elles possamos gosar os beneficios disso advindos”. Por fim, para M. Claro, a melhor opção seria que as crianças não frequentassem os estabelecimentos cinematográficos, posto que “desapprendem a nossa bela língua nas traducções estropiadas de literatos ‘traditores’” (Claro, A Gazeta, 26 set. 1917, p. 3).
Conforme analisou Oliveira (1990, p. 126), com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, “reacendeu-se a necessidade de pensar o Brasil do ponto de vista do brasileiro”. Porém não de qualquer brasileiro, na medida em que essa construção do “nacional” se referia “ao esforço da burguesia emergente, sobretudo economicamente dinâmica, de homogeneizar e dirimir a percepção dos conflitos e contradições de classe” (Neder, 2012, p. 78).
Ainda, é possível situar esse processo dentro de um espectro em que o nacionalismo era ativado a partir de um repertório cultural ligado aos estratos médios em uma escala global (Gay, 1995). Isto é, a ênfase na circulação desses repertórios que cultivassem um sentimento nacionalista em crianças era diretamente relacionada ao lugar de classe destas e do consumo cinematográfico no período.
O editorial foi lançado num período de intenso conflito social. Conforme mencionado na introdução, em julho ocorreu a greve geral de 1917, com intensas mobilizações operárias em São Paulo. No decorrer dos meses, a greve recebeu adesão de outros estados (Fausto, 2016). Dentre suas principais motivações estavam as crescentes recessões que aconteciam no país por causa da guerra, a redução salarial, aumento do desemprego e inflação, que atingiram principalmente as classes populares (Tórtima, 1988). Segundo Fausto (2016, p. 151), com o aumento das manifestações não tardou em aparecer a repressão, que veio “acompanhada de uma ofensiva ideológica sistemática na sociedade contra as correntes revolucionárias, em especial o anarquismo”.
Essas correntes ideológicas, na concepção de seus inimigos, vinham de fora e, nesse sentido, o estrangeiro também poderia trazer elementos nocivos para o status quo do período, com destaque naquele momento para o mundo do trabalho. Os setores dominantes, nessa disputa ideológica, elaboravam mecanismos na construção de uma dicotomia entre o estrangeiro como subversivo e o trabalhador brasileiro como ordeiro e pacífico (Neder, 2012).
Ao trazer essas questões para o cinema, Silva (2024) analisou o debate divulgado pela imprensa sobre filmes que continham cenas de roubo e como elas acionavam o medo das elites na possibilidade de invasão de suas propriedades. Na amostragem produzida em sua pesquisa sobre a nacionalidade dos crimes e tendo como base as estatísticas policiais na cidade de São Paulo, Fausto (1984, p. 154) sinalizou que os imigrantes estariam “fortemente associados à prática de subtrações que se destacam pelo valor de seus bens”. Nesse horizonte, foi verificado em nossa análise que censurar filmes com essa temática era algo muito comum para os participantes da enquete produzida pelo A Gazeta.
Edmundo de Lima (A Gazeta, 24 set. 1917a, p. 1), por exemplo, expressava seu receio com fitas que mostravam “as artimanhas em pratica de roubo, acompanhadas de assassinatos”. Por sua vez, S. e Silva (A Gazeta, 29 set. 1917, p. 1) afirmava que “aquelles films em que se passam scenas de roubos, crimes, paixões guerras, etc... predispõem o espirito da criança para o mal e, por vezes, podem desperta-lhe a idéa da imitação”. Já M. Claro (A Gazeta, 26 set. 1917, p. 3) foi mais enfático ao escrever que “todo relato de acção criminosa suggere imitação”.
Ou seja, não era sem motivo que o editorial solicitava que a polícia interviesse no que era projetado nas salas “afim de que possamos ver modificado o actual estado de cousas” (A Gazeta, 19 set. 1917, p. 1). Seu principal foco de preocupação recaía sobre as crianças, ao enfatizar que “o cinema, hoje, é um dos mais serios perigos que ameaçam a infância” (A Gazeta, 19 set. 1917, p. 1), pelo seu “invisivel trabalho de assimilação moral e intelecctual, que se opera nos pequenos cerebros, onde ficam gravadas as mais hediondas noções das torpezas da vida, como germens de futuras indignidades e infâmias”.
Desse modo, as perguntas “o cinema é um fator de educação moral para as crianças?” e “quais fitas devem ser evitadas?” estabelecem as bases para compreendermos o papel que as crianças detinham para os setores dominantes da sociedade brasileira durante a Primeira República e o medo que esses setores tinham em não assegurar a reprodução material e simbólica de classe. Relacionado à primeira questão, 16 respostas foram negativas, sete positivas e três seriam positivas e negativas. O argumento utilizado por L. Rogerio (A Gazeta, 29 set. 1917, p. 1) expressou como o cinema poderia ser educativo:
O cinema póde ser um factor de educação desde que haja perfeitamente escrupulo na escolha dos films que devem ser exibidos. Para uso das crianças os films recommendaveis seriam os que constituiem uma escola de verdadeira educação, á semelhança dos livros adoptados nos estabelecimentos de ensino nos quaes se procura formar o caracter da pequenada com contos que ensinam a bondade, a nobreza, a abnegação, o patriotismo e todos os sentimentos elevados.
Com a reformulação estabelecida dos papeis familiares ainda no Império e que adentrou a República, a criança, que tinha função secundária, passou a “condição de figura central no interior da família, demandando um espaço próprio e atenção especial” (Rago, 1987, p. 117). A educação dos meninos das esferas sociais mais altas, era voltada para uma postura viril e poderosa, enquanto das meninas focava-se no universo doméstico. Dessa maneira, os papeis sociais seriam estabelecidos e “estavam supostamente garantidas a manutenção e reprodução dos ideais propostos para a constituição do mundo adulto” (Mauad, 2010, p. 187).
Mundo adulto esse que se relacionava com o mundo do trabalho, na medida em que o trabalho estaria dentro do processo de distinção social na esfera produtiva do capital. Desenvolver um “‘caráter nacional’ afeito ao trabalho” (Neder, 2012, p. 95) serviria para disciplinar uma sociedade heterogênea e que passava por crescentes embates sociais, como a já referida greve de 1917. Nesse sentido, Rago (1987, p. 121) pondera que o Estado se atribuía a preocupação de “formar o caráter da criança, incutindo-lhe o amor ao trabalho, o respeito pelos superiores em geral, as noções de bem e mal, de ordem e desordem, de civilização e barbárie, enfim, os princípios da moral burguesa”.
Essas medidas deveriam ser colocadas de forma sutil, como premissa para o adestramento do corpo e do espírito, para que as crianças não se corrompessem moralmente, visto que representavam o símbolo do progresso (Rago, 1987, p. 121). O seu disciplinamento, seja por convencimento (geralmente nas classes abastadas) ou coerção (geralmente nas classes populares), seria posto conforme resistências surgissem. Na enquete, a solicitação de sessões especificas para os menores, bem como a exibição de películas instrutivas, morais e patrióticas direcionada, evidencia a tentativa desse adestramento. Odete Brito (A Gazeta, 27 set. 1917, p. 1) ressaltou a importância da projeção de filmes para as crianças que “reproduzam factos historicos de edificante moral e civismo ou sejam scientificos e confeccionados de modo a serem facilmente comprehendidos pelas intelligencias que começam a formar-se”.
Nos argumentos publicados sobre a questão “quais fitas devem ser evitadas?”, nota-se a aproximação com as preocupações que o Estado tinha na formação do caráter da criança e no comportamento das mulheres (Rago, 1987, p. 80). Os filmes com cenas de crime, roubo, nudez etc, ao serem eliminadas “desapparecerão, forçosamente, as irregularidades que perturbam constantemente a ordem social” (Graça, 21 set. 1917, p. 1). Para Edmundo de Lima (A Gazeta, 24 set. 1917a, p. 1), sem a retirada dessas cenas haveria a “completa dissolução da família nacional”.
A preocupação com a proteção dos princípios morais burgueses de um modelo ideal de criança e de mulher, e da reprodução dessa família idealizada, colocou o cinema como um espaço em disputa. Para utilizá-lo como ferramenta educacional e moral pelos setores médios urbanos era preciso controlar o que seria exibido e quem consumiria, como será visto posteriormente. À medida que o consumo cinematográfico se expandiu, o acionamento do medo de classe se fez necessário, uma vez que “a difusão do medo é mecanismo indutor e justificador de políticas autoritárias de controle social” (Batista, 2003, p. 51).
Nesse espectro do medo como um afeto midiaticamente mobilizado por segmentos da “classe média” nesse momento histórico, um fenômeno culturalmente crucial ao momento fez sua aparição de modo muito sutil na série veiculada. Todavia, essa presença quase abafada não retira a sua importância na discussão aqui proposta. A ela, dedicamos a próxima parte.
Imaginações raciais difusas: infância, público e hierarquização racial na ida ao cinema nas primeiras décadas do século XX
Ao discutir os limites e a repressão ao consumo de pornografia durante a Primeira República, Lapera (2019) argumentou que crianças brancas dos setores médios e superiores eram o alvo de um maior controle por parte da imprensa e das autoridades e que esse fato tinha implicações quanto ao ato de ir ao cinema. Por ocasião da análise da série, é possível verificarmos os modos difusos - e ocasionalmente explicitados - em que isso ocorreu.
Respondendo de modo sarcástico à pergunta sobre os perigos dos cinemas às crianças, o leitor Bruno Chaves assim descreveu uma espectadora:
Perigos propriamente não há. Inconvenientes é que há. Como é desagradável, por exemplo, estar a gente assistindo à sua sessãozinha, muito quietamente, tendo ao lado uma adiposíssima senhora de côr, que, innocentemente, nos entrava a respiração e perverte o olfacto! (Chaves, A Gazeta, 5 out. 1917, p. 5, grifos nossos).
Sendo o único momento de veiculação da série em que uma caracterização de cunho racista foi enunciada, a fonte remete a um quadro mais amplo sobre qual tipo de público o cinema deveria atingir. Inserida nas reformas urbanas que, durante o início do século XX, ocorreram em várias cidades brasileiras, a expansão dos cinematógrafos não apenas acompanhou a mesma lógica excludente, como também a aperfeiçoou em alguns níveis, a ponto de o próprio público de cinema ser percebido como branco e dos estratos médios e superiores em sua autoimagem e também por parte das autoridades e dos exibidores (Lapera, 2020). Ao acionar um estereótipo racista e evidenciando o incômodo com a presença da senhora negra na plateia, o leitor faz remissão direta a essa visão a respeito do público de cinema nas grandes cidades durante a Primeira República.
Na série, a perturbação a essa autoimagem aparece em outro momento: um dos leitores que responde ao chamado do jornal responsabiliza os próprios espectadores ao narrar sobre os perigos dos cinemas às crianças. Em suas palavras:
[...] Ha no cinematographo um grande e gravissimo perigo: o perigo da assistencia... Quem tem frequentado os cinemas da capital deve saber quem são os “habitués” dessas casas... É no cinematographo por uma serie de circumstancias propicias, que esses individuos, da mais baixa extracção social, costumam dar largas aos seus instinctos. (Santangelo, A Gazeta, 2 out. 1917, p. 1).
É nítida a preocupação do leitor com a necessidade de relacionar a proteção à infância à imposição de barreiras simbólicas contra a presença de sujeitos “indesejáveis”4 nas casas de diversão cinematográfica. Apesar de implícita, é possível relacionar sua retórica à imaginação racial do período, na medida em que termos como “da mais baixa extracção social” e “dar largas aos seus instinctos” remetem ao mesmo tropos racializado, isto é, ao horizonte do debate entre intelectuais como Sílvio Romero, Olavo Bilac e Coelho Neto, que pregavam publicamente o ideal de branqueamento à época através de colunas e artigos em periódicos de grande circulação e também na literatura, como detectou as análises de Broca (2005) e de Skidmore (2012).
Simultaneamente, ao se valer da frase “Quem tem frequentado os cinemas da capital deve saber quem são os ‘habitués’ dessas casas” (grifos nossos), o missivista chama atenção para essa autoimagem do público de cinema naquele momento histórico, pois se dirige implicitamente a quem considera como iguais. Embora situada no enquadramento imposto pelas batalhas em torno da obtenção de lucros por parte dos exibidores cinematográficos (Miller, 1987), é necessário reconhecer que o potencial de comunicação da empreitada moral (Becker, 2008) consegue ultrapassar a vontade desses empresários. Além das críticas a eles publicadas ao longo da série de A Gazeta, os leitores do jornal conseguem dirigir-se a outros espectadores - embora apenas momentaneamente -, no sentido de tentar engajá-los em sua rede de valores e de ação.
Dentro desse horizonte de valores, a proteção a crianças contra o universo do crime ganhou um considerável destaque. Além de o tema ligado a fait divers criminais ser considerado impróprio por boa parte dos cronistas, um leitor apontou um curioso fato ocorrido no interior de São Paulo:
[...] Em Campinas, também não há muitos mezes, a polícia descobriu uma quadrilha de gatunos-menores, subordinados a um chefe, também menor; não disseram os jornaes positivamente onde esses menores apprenderam essa criminosa profissão, mas por palavras sinuosas acabavam apontando o cinema como única fonte, onde poderiam ter obtido inspiração para tanto. (Miranda, A Gazeta, 22 set. 1917).
Mesmo que o dado racial não seja explicitado, é possível fazer algumas considerações a partir desse trecho. No momento histórico abordado, a imaginação das “classes médias” e superiores sobre os criminosos era bastante racializada (Fausto, 1984; Cunha, 2005) e, no caso dos menores, essa racialização fazia parte da ação encampada pelo Estado na perseguição e no encarceramento deles (Vianna, 1997).
Ao analisar a construção social da categoria “menor” nesse período histórico, Vianna (1997, p. 26) pondera que “o termo menor pode ser visto como uma espécie de status principal de sua identidade social”, alertando em outro momento que esse processo era retroalimentado pela polícia e pela imprensa no contexto do imediato pós-abolição e da chegada de imigrantes a partir de fins do século XIX a então Capital Federal (Vianna, 1997).
Ao se deter sobre o caso de São Paulo, Moura (1999, 2010) acrescentou a esse quadro das crianças imigrantes que viviam nas ruas dessa cidade ou que enfrentavam longas e duras jornadas de trabalho, que seriam difíceis até mesmo para jovens adultos e que resultavam em acidentes fatais ou que geravam lesões incapacitantes, mais uma camada de exclusão das crianças pobres do domínio do lazer como cinemas e teatros.
Contudo, isso não significava uma exclusão absoluta de crianças negras, imigrantes e/ou pobres do consumo da diversão cinematográfica. Apenas apontamos que elementos como cor, renda, nacionalidade e classe eram mobilizados na já mencionada autoimagem do público de cinema veiculada pela imprensa à época e também na possibilidade de acesso a esse meio, uma vez que tempo e valores do ingresso precisam ser considerados em nossos argumentos.
Nesse ponto, é importante retomar a intervenção do leitor S. e Silva na edição de 29 de outubro de 1917 do referido jornal. Depois de alertar para os perigos do cinema para as crianças, enumera casos de jovens criminosos, tais como uma quadrilha de três menores que se valeram das representações veiculadas pelo cinema no auxílio de seus roubos e outro caso de um menino de cinco anos ter assassinado outro da mesma idade após testemunhar um assassinato em um filme.
Nas fontes acima, os cronistas mobilizaram essa identidade social para demarcar o cinema como uma fonte de repertório para as visões de mundo desses menores. Nesse sentido, o consumo de imagens por parte desses sujeitos é apontado na resposta dos leitores como algo a ser combatido pelas forças policiais, uma espécie de “intervenção sobre o futuro” (Vianna, 1997, p. 156), na qual certas práticas pedagógicas e de lazer deveriam ser preteridas em nome de outras a serem valorizadas.5 Ao mesmo tempo, os cronistas reconheceram que esses menores tinham acesso em algum nível, mesmo que precário, limitado e rejeitado pelo senso comum partilhado por eles próprios e pela imprensa, a filmes e ao ato de ir ao cinema.
Essa imaginação sobre os sujeitos criminosos assumia alguns tropos racializados na veiculação de estereótipos, muitas vezes de modo mais sutil. Ao abordar fitas que deveriam ser evitadas pelas crianças, um leitor agraciado com o segundo lugar no concurso fez a seguinte observação:
Além das fitas immoraes, há as de crimes, de Mão Negra, de Máscara Negra etc cujos perniciosissimos effeitos apparecem todos os dias. [...] Acho que á policia compete a campanha contra os maus cinemas, contra as fitas immoraes que são diariamente exhibidas nas matinées de domingo: uma prohibição expressa dessas fitas de Grã-Gignol, de Mysterios, de Máscara Negra, etc. (Ávila, A Gazeta, 28 set. 1917, p. 1).
Apesar de remeterem a artefatos, os termos “mão negra” e “máscara negra” podem ser interpretados como assumindo uma emulação de sujeitos negros, o que, somado aos estereótipos que relacionavam a população Afro-brasileira à criminalidade extremamente fortalecidos na propagação do ideal de branqueamento (Schwarcz, 2005) - uma variante nacional de um processo global caro ao sistema capitalista, a superioridade racial aventada pelos europeus em razão do colonialismo da África e da Ásia (Gay, 2002) - é mais um vestígio da barreira simbólica pretendida no ato de ir ao cinema tanto por parte do jornal quanto dos espectadores. Dessa forma, o fato de se apelar à interdição de que crianças consumam esses filmes passava por esse imaginário racializado que ligava criminalidade, sujeitos negros e perigo.
Além do fator racializado dos criminosos no imaginário dos setores médios e dominantes, outro elemento era a influência da criminologia, principalmente francesa e italiana, no campo jurídico e social naquele momento, e que se expressava sutilmente nas respostas da enquete do A Gazeta. Mota Junior (25 set. 1917, p. 1), ao responder quais fitas deveriam ser combatidas, indicava que “o cinematographo não póde ser um factor moral das crianças, e mesmo adultos, porque só serve para illudir os cerebros fracos, concorrendo para a sua perversão”. Mario Brasil Lopes (25 set. 1917, p. 1), na mesma questão, rechaçava os filmes:
Que offendam a moral: quer aquellas em que as artistas semi-nuas se expôem aos olhos ingenuos, levando as crianças ao mau caminho, quer as que ensinam os vicios, suggerindo, a devassidão, o crime e o adulterio. Sendo o espirito da criança fragil, é, assim, facil a impressionar-se tornando-a inutil á sociedade.
Ambos pontuaram as crianças como seres fracos, facilmente influenciáveis e propensos a degenerações devido à sugestão observada em tela de cenas de crimes, adultério, nudez, etc. Essa concepção de sugestão e imitação deriva de categorias elaboradas por autores da “Escola Positiva”, tais como Cesare Lombroso e Enrico Ferri, que analisavam o crime a partir de características relacionadas ao criminoso. Dessa maneira, buscavam traçar o perfil dos criminosos, que poderiam vir de fatores biológicos, do meio, de impulsos, de paixões, dentre outros (Alvarez, 1996).
A criminologia, segundo Alvarez (1996, p. 41), teve “um papel de legitimar a nova composição entre os campos da lei e da norma no interior do saber jurídico, ao mesmo tempo que abriu novas possibilidades de intervenção normalizadora”. Quando Mario Brasil Lopes demonstrou receio que as crianças “fracas” aprendessem o “mau caminho” e se tornassem “inúteis” para a sociedade pela sugestão de certas cenas fílmicas, estava indicando que os cinemas poderiam ser um ambiente inóspito, que as levaria à degeneração, podendo transformá-las em futuros criminosos.
Essa concepção de degeneração social - e, podemos adicionar, dos costumes - não se referia exclusivamente ao receio dos setores médios e altos em torno das crianças, mas, também, do papel das classes mais pobres, que seriam, em suas visões, as principais responsáveis pelos limites do progresso brasileiro de se chegar à civilização nos moldes europeus (Napolitano, 2016). Segundo Martins (2014, p. 278), “a criminalização dos pobres foi a forma da elite paulista lidar com as transformações sobre as quais ela não tinha controle”. Desse modo, o Estado precisaria intervir para “controlar as classes populares, impor medidas sanitárias e higiênicas por decreto e, no longo prazo, estimular o ‘branqueamento’ da população brasileira” (Napolitano, 2016, p. 53).
Tal ponto nos remete a outro argumento: a retórica complementar entre degeneração/regeneração acionada ao longo de toda a série veiculada por A Gazeta encontra-se num horizonte muito próximo ao da retórica racial que balizava esse ideal de branqueamento. Por ocasião da escolha do vencedor do concurso, ele assim se refere aos esforços para proteger as crianças:
Aos chefes de familia, sobretudo, deve ser patenteado até á evidencia o perigo a que estão expostos, maximé do ponto de vista psychologico. os sêres que lhe são caros enquanto não se conseguir a moralidade do cinema. E quando, conjugados os esforços do municipio com a acção da policia e a boa vontade do publico tivermos obtido esse resultado, então teremos dado um grande passo para a regeneração da raça e para a conquista de melhores ideaes. (M.A.V. A Gazeta, 2 out. 1917, p. 1, grifos nossos).
Esse apelo direcionado aos chefes de família na fonte se refere à centralidade ocupada pela figura masculina no projeto de família nuclear da Primeira República, sobretudo à visão de que caberia ao homem o resguardo moral de todos os seus integrantes (Caulfield, 2005). Somado a isso, há a ligação entre uma possível e futura “regeneração da raça”, formulação de uma pedagogia pelo cinema e a veiculação de conteúdos moralmente vistos como edificantes pelos sujeitos, no interior de um horizonte intelectual em que “a vinculação entre nação e corpo se fez em uma série de discursos de caráter prescritivo, orientados por um poder de autoridade singular” (Cunha, 2005, p. 238, grifos do original).
Assim, a escolha dessa resposta como a vencedora do concurso por parte dos jurados escolhidos por A Gazeta conferia status de legitimidade à ideia bastante difundida de que fatores culturais - ideias, comportamentos individuais e coletivos no ato de ir ao cinema, valorização de certos repertórios em detrimento de outros - poderiam ser aperfeiçoados dentro de uma lógica racial e etnicamente estruturada que operava na distribuição dos bens simbólicos (Barth, 2000), mais precisamente sugerindo quem deveria ou não ter acesso a esse tipo de consumo.
Em diversos momentos da série houve a exposição de argumentos que remetiam à ideia de degeneração dos costumes para enfatizar que as crianças como grupo social deveriam ser protegidas dela. Além do artigo inicial exposto na parte anterior usar termos como “salubridade moral”, “remedios” e “chagas da dissolução”, outras intervenções se valem desse vocabulário importado das ciências biológicas, em um movimento semelhante ao detectado por Schwarcz (2005) a respeito da invasão da noção de raça e de seu léxico para outros campos. Acrescentamos aqui que essa difusão se deu para além dos próprios espaços de produção da ciência, migrando para o cotidiano, tal como demonstra a série analisada.
Em outra edição, A Gazeta veiculou uma carta posteriormente escolhida pelo júri como o terceiro lugar. Encontramos nela uma retórica muito ancourada em categorias biológicas que indiretamente remetem ao debate sobre raça à época:
[...] a cinematographia hodierna é a escola da immoralidade e do vicio. É o cancro que mina as sociedades! É o verme nocivo que roe as consciencias, educando-as na escola da conspurcação e do crime; a lepra que as devora, o pus que as cobre (...); “Rasguemos, com o ‘bisturi’ dos sãos princípios, as carnes putrefactas do cinematographo corrompido! Appliquemos-lhe um lachante eficaz” [...] E assim teremos regenerado o temperamento do nosso povo, tornando-o apto a grandiosas concepções! (Lima, 24 set. 1917a, p. 1, grifos nossos).
Mais uma vez, a ligação entre biologia, comportamento e raça - aparecendo aqui no termo “povo”, utilizado como seu sinônimo - é apresentada no sentido de justificar a interdição ao consumo de conteúdos considerados impróprios às crianças. Em termos bem próximos aos usados por Gobineau, Agassiz e Sílvio Romero nas décadas anteriores e por João Batista de Lacerda e Renato Kehl contemporaneamente (Schwarcz, 2005) para descrever suas teorias de supremacia racial, o cronista descreve a degeneração que certas representações e gêneros de filmes trariam às crianças pelo cinema. Mais uma vez, o fato de duas das três respostas premiadas enfatizarem a “regeneração da raça” como um dos objetivos dessa proteção à infância é reveladora não apenas da legitimidade e da difusão pelo tecido social desse discurso, mas também dos modos muitas vezes sutis em que essa retórica racial informava as práticas dos sujeitos historicamente posicionados.
Essa ideia de regeneração apareceu de outra forma na resposta de outro leitor, que mostrou preocupação com essa proteção às crianças como algo maior, um problema de formação geracional. Ao ponderar sobre um possível uso do cinema como instrumento pedagógico, assentiu em linha próxima aos defensores do pensamento eugênico: “Taes processos de ensino materialmente objectivo serviriam para preparar individuos de capacidade profissional, mas não seriam capazes de preparar uma geração viril, forte e mentalmente bem formada” (Claro, 26 set. 1917, p. 3, grifos nossos), em uma linha utilizada na perseguição e na higienização de diversos elementos caros às culturas populares no período e em um uso positivado das categorias raciais como instrumentos de avaliação em diferentes campos culturais (Sevcenko, 1983).
Em suma, a série veiculada pelo jornal A Gazeta auxiliou a perpetuação de uma lógica excludente em termos raciais e de classe em três níveis: no primeiro, reforçando as barreiras simbólicas que atuavam na escolha do público de cinema entre os setores médios e superiores e consideravelmente brancos ou que se percebiam em vias de embranquecimento. Em um segundo nível, apelou a estereótipos sobre menores e criminalidade muito próximos aos veiculados pela imprensa a respeito de uma população empobrecida jogada no mercado de trabalho após o fim da escravidão e com a leva de imigrantes de países europeus e asiáticos. Por fim, em um terceiro nível, articulou a defesa de uma regeneração das crianças - e do futuro da nação - em uma retórica muito contígua à ideia de degeneração/regeneração racial defendida por intelectuais e partilhada no senso comum do momento histórico abordado.
Considerações finais
Ao se debruçar sobre a cultura de classe média europeia, Gay (1989) considerou que sua vida sensual era mais complexa do que o retrato feito por seus detratores. Apesar de não possuirmos registros como os de Mabel Todd trabalhados pelo autor (Gay, 1989), no caso da circulação dos filmes “alegres” pelo mercado cinematográfico nacional das primeiras décadas do século XX, o sucesso comercial atestado pela ocupação de muitas salas de cinema em diferentes cidades brasileiras indicava que uma parcela considerável do público não se identificava com as cruzadas morais (Becker, 2008) encampadas por certos sujeitos vinculados à mesma classe e dava vazão a seus prazeres sexuais, ignorando-os ou ao menos desconsiderando seu alarde na hora de ir ao cinema.
A campanha analisada ao longo deste artigo encontra como limites não apenas a vontade dos exibidores cinematográficos em obter lucro com filmes de diversos gêneros, mas também na disposição de outros segmentos médios e superiores em consumir os conteúdos rejeitados por eles, ilustrado pelas idas e vindas desse tipo de cruzada moral ao longo da primeira metade do século XX no Brasil.
Mesmo assim, algumas pequenas vitórias foram obtidas pela série. Na edição de 30 de outubro de 1917, o jornal A Província (30 out 1917, p. 1), de Recife, relatou uma reunião realizada alguns dias antes entre o delegado-chefe da 3ª Delegacia Auxiliar da Polícia de São Paulo e os exibidores cinematográficos da cidade com o intuito de combater as “fitas licenciosas”, sendo essa notícia veiculada em um jornal de outra capital um vestígio da circularidade do tema.
Sobre essa reunião, a própria Gazeta (26 out. 1917, p. 1) fez questão de noticiar suas conquistas. Na edição de 26 de outubro de 1917, o jornal veiculou a negociação feita com os exibidores paulistanos em criar programas de matinées com conteúdo voltado às crianças de modo bastante cuidadoso, forçando-os inclusive a renegociar os termos de suas atividades com os distribuidores e os estúdios. Ainda, garantiu-se nela a censura prévia por parte do 3º delegado auxiliar,6 que deveria atestar a idoneidade moral das fitas. Esse tom de contentamento e aprovação do trabalho policial no campo da censura foi acompanhado por outros periódicos de São Paulo que relataram essa reunião, tais como o Correio Paulistano (26 out. 1917, p. 6) e O Combate (25 out. 1917, p. 2).
Ironicamente, um dos jurados do concurso pela moralidade das fitas cinematográficas escolhidos pela editoria de A Gazeta envolveu-se em um escândalo sexual de grandes proporções para a provinciana São Paulo das primeiras décadas do século XX. Após um malsucedido caso com a prostituta de ascendência italiana Nenê Romano, bastante conhecida nos círculos da elite paulistana, o advogado Moacyr Piza - que ajudou a eleger as melhores respostas em prol da salvaguarda moral da infância - a assassinou com vários tiros dentro de seu automóvel, em uma rua de um bairro nobre da cidade e se matou em seguida (Rago, 1991).
Tendo sido noticiado nas semanas seguintes ao lado das homenagens dos amigos ao ilustre assassino, tal fato histriônico e notório mostra que, às vezes, as concepções de moralidade podem ser mobilizadas pelos sujeitos de modo bem mais fluido em suas ações que em suas palavras e intenções.
Referências
- A LICENSIOSIDADE dos cinematógrafos, a depravação precoce da infância, os 'films' immoraes. In: A Gazeta, São Paulo, 19 set. 1917, p. 1.
- A POLÍCIA e os cinemas, em São Paulo. A Província, Recife, 30 out 1917, p. 1.
- ALVAREZ, Marcos César. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil (1889-1930). 1996. Tese (Doutorado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Estadual de São Paulo, São Paulo, 1996.
- ARAÚJO, Vicente de Paula. Salões, circos e cinema de São Paulo São Paulo: Perspectiva, 1981.
- ÁVILA, Prof. José V. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta]. A Gazeta, São Paulo, 28 set. 1917, p. 1.
- BARBOSA, Marialva. Impresso, poder e público: os diários do Rio de Janeiro (1880-1920). Intercom, São Paulo, v. XX, n. 2, p. 87-102, jul-dez, 1997.
- BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas Rio de Janeiro: Contracampo, 2000.
- BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma História. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
- BECKER, Howard. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
- BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Zouk, 2006.
- BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas São Paulo: Brasiliense, 2004.
-
BRASIL. Decreto nº 1.714, de 18 de março de 1909 Dá regulamento para os divertimentos publicos, nos termos do artigo 28 da lei n. 1.103, de 26 de novembro de 1907 e mais disposições em vigor. São Paulo. 1909. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1909/decreto-1714-18.03.1909.html Acesso em: 13 dez. 2024.
» https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1909/decreto-1714-18.03.1909.html -
BRASIL. Lei nº 1.103, de 26 de novembro de 1907 Modifica a Lei n. 1038, de 19 de dezembro de 1906, sobre a organização municipal e dá outras providencias. São Paulo. 1907. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1907/lei-1103-26.11.1907.html Acesso em: 13 dez. 2024.
» https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1907/lei-1103-26.11.1907.html -
BRASIL. Regulamento nº 120, de 31 de janeiro de 1842 Regula a execução da parte policial e criminal da Lei nº 261 de 3 de dezembro de 1841. Constituição do Império, Rio de Janeiro. 1842. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Regulamentos/R120.htm Acesso em: 13 dez. 2024.
» https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Regulamentos/R120.htm - BRETAS, Marcos Luiz. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro: 1907-1930. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
- BRITO, Odete. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta]. A Gazeta, São Paulo, 27 set. 1917, p. 1.
- BROCA, Brito. A vida literária no Brasil - 1900 Rio de Janeiro: José Olympio, ABL, 2005.
- CARVALHO, Guilherme; FIGUEIROA, João. Historiografia da censura à imprensa brasileira: tradição, permanência e particularidades. Tempo, Niterói, v. 28, n. 3, 199-219, set.-dez, 2022.
- CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940). Campinas: Editora da UNICAMP, 2005.
- CHAVES, Bruno. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta]. A Gazeta, São Paulo, 5 out. 1917, p. 1.
- CLARO, M. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta]. A Gazeta, São Paulo, 26 set. 1917, p. 3.
- COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar Rio de Janeiro: Graal, 1979.
- CUNHA, Olívia. Intenção e gesto: pessoa, cor e a produção cotidiana da (in)diferença no Rio de Janeiro, 1927-1942. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005.
- DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2004.
- EMELEN, Amaro Van. Brado de Alarma. Correio Paulistano, São Paulo, 15 out 1915, p. 3.
- ENGEL, Magali. Meretrizes e doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). São Paulo: Brasiliense , 1988.
- ENGEL, Magali. Psiquiatria e feminilidade. In: PRIORE, Mary del (org.). Coordenação de textos: Carla Bassanesi. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004. p. 270-303.
- FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo: Brasiliense , 1984.
- FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e conflito social (1890-1920) São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
- FISCALIZAÇÃO dos cinemas. O Combate, São Paulo, 25 out. 1917, p. 2.
- GAY, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud: a educação dos sentidos. São Paulo: Companhia das Letras , 1989.
- GAY, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud: o cultivo do ódio. São Paulo: Companhia das Letras , 1995.
- GAY, Peter. O século de Schnitzler: a formação da cultura de classe média (1815-1914). São Paulo: Companhia das Letras , 2002.
- GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras , 2007.
- GIZE, Madame de. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta]. A Gazeta, São Paulo, 3 out. 1917, p. 1.
- GOMES, F. Ferreira. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta]. A Gazeta, São Paulo, 26 set. 1917, p. 3.
- GRAÇA, Alfredo Teixeira. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta]. A Gazeta, São Paulo, 21 set. 1917, p. 1.
- KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. 2001. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-graduação em História, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001.
-
LAPERA, Pedro Vinicius Asterito. A encenação da discórdia: consumo cinematográfico e a formação de uma cultura de classe média na Belle Époque carioca.Tempo, Niterói, v. 24, n. 1, p. 21-40, jan.-abr. 2018. Disponível em:Disponível em:https://www.scielo.br/j/tem/a/MtXqhQw6RJND55TvN5bTHtD/?lang=pt Acesso em: 15 dez. 2024.
» https://www.scielo.br/j/tem/a/MtXqhQw6RJND55TvN5bTHtD/?lang=pt -
LAPERA, Pedro Vinicius Asterito. De “bom exemplo” em “bom exemplo”: consumo cinematográfico e presença das mulheres no espaço urbano da Belle Époque carioca.Cadernos Pagu, v. 60, p. 1-35, 2020. Disponível em:Disponível em:https://www.scielo.br/j/cpa/a/MsBDVXcD74hq4fn388bdVKx/?lang=pt Acesso em: 10 dez. 2024.
» https://www.scielo.br/j/cpa/a/MsBDVXcD74hq4fn388bdVKx/?lang=pt -
LAPERA, Pedro Vinicius Asterito. Entre “alegres” e “livres”: prazer e repressão à pornografia nos cinemas do Rio de Janeiro (1907-1916).E-compós, v. 22, n. 1, p. 1-24, 2019. Disponível em:Disponível em:https://www.e-compos.org.br/e-compos/article/view/1623/1951 Acesso em: 05 jan. 2025.
» https://www.e-compos.org.br/e-compos/article/view/1623/1951 - LIMA, Edmundo de. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta ]. A Gazeta , São Paulo, 24 set. 1917a, p. 1.
- LIMA, Josias de Sousa. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta ]. A Gazeta , São Paulo, 24 set. 1917b, p. 1.
- LOPES, Mário Brasil. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta ]. A Gazeta , São Paulo, 25 set. 1917, p. 1.
- LUIZ, Washington. Registro de licenças para realização de eventos culturais e esportivos (1905-1908). Grupo 12G2, Secretária da Segurança Pública do Estado de São Paulo (1906 -) (Arquivo Público do Estado de São Paulo). 1907, p. 94.
- M.A.V. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta ]. A Gazeta , São Paulo, 2 out. 1917, p. 1.
- MARTINS, Marcelo Thadeu Quintanilha A civilização do delegado: Modernidade, polícia e sociedade em São Paulo nas primeiras décadas da República, 1889-1930. São Paulo: Alameda, 2014.
- MAUAD, Ana Maria. A vida das crianças de elite durante o império. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das crianças no Brasil São Paulo: Contexto , 2010. p. 165-210.
- MENEZES, Lená Medeiros de. Os indesejáveis: desclassificados da modernidade. Protesto, crime e expulsão na Capital Federal (1890-1930), Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 1996.
- MILLER, Daniel. Mass culture and material consumption Oxford, Cambridge: Blackwell, 1987.
- MIRANDA, S. Carvalho. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta ]. A Gazeta , São Paulo, 22 set. 1917, p. 1.
- MORAES, Julio Lucchesi. Sociedades culturais, sociedades anônimas: distinção e massificação na Economia da Cultura Brasileira (Rio de Janeiro e São Paulo, 1890-1922). 2014. Tese (Doutorado em História Econômica) - Programa de Pós-Graduação em História Econômica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
- MOTA JUNIOR. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta ]. A Gazeta , São Paulo, 25 set. 1917, p. 1.
- MOURA, Esmeralda. Crianças operárias na recém-industrializada São Paulo. In: Priore, Mary Del (org.). História das crianças no Brasil São Paulo: Contexto , 2010. p. 309-343.
-
MOURA, Esmeralda. Meninos e meninas na rua: impasse e dissonância na construção da identidade da criança e do adolescente na República Velha. Revista Brasileira de História, v. 19 n. 37, set. 1999. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/8VRmw4qKHcp4VxGHPBsLpPG/?lang=pt Acesso em: 02 dez. 2024.
» https://www.scielo.br/j/rbh/a/8VRmw4qKHcp4VxGHPBsLpPG/?lang=pt - NAPOLITANO, Marcos. História do Brasil República: da queda da monarquia ao fim do Estado Novo. São Paulo: Contexto , 2016.
- NEDER, Gizlene. Discurso jurídico e ordem burguesa no Brasil: criminalidade, justiça e constituição do mercado de trabalho (1890-1927). Niterói: Editora da UFF, 2012.
- O CINEMA e a Polícia. Correio Paulistano, São Paulo, 26 out. 1917, p. 6.
- O MAU Cinematographo: o Quarto Delegado Auxiliar cuida de cohibir os abusos dessas casas de diversões. A Gazeta , São Paulo, 26 out. 1917, p. 1.
- OS PERIGOS do cinema. O Pirralho, São Paulo, 1911, p. 8.
- OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A questão nacional da Primeira República São Paulo: Brasiliense , 1990.
- PAES, Castro. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta ]. A Gazeta , São Paulo, 4 out. 1917, p. 1.
- RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. Brasil: 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
- RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo (1890-1930). Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1991.
- ROGERIO, L. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta ]. A Gazeta , São Paulo, 29 set. 1917, p. 1.
- SAES, Décio. Classe média e sistema político no Brasil São Paulo: T. A. Queiroz, LTDA, 1985.
- SANTANGELO, Frederico. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta ]. A Gazeta , São Paulo, 2 out. 1917, p. 1.
- SATO, Eduardo Tadafuni. Mário de Andrade n' A Gazeta (1918-1919): um “plumitivo incipiente?”. 2016. Dissertação (Mestrado em Estudos Brasileiros) - Programa de Pós-graduação em Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.
- SCHWARCZ, Lilia. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras , 2005.
- SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense , 1983.
- SILVA, Felipe Davson Pereira da. “Façamos do cinematographo um meio de cultura e civilização, e não um elemento de perversão individual e social”: o caso do “cinema alegre” no Recife (1915). 2024. Tese (Doutorado em Cinema e Audiovisual) - Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2024.
- SILVA, S. e. [Resposta à enquete promovida por A Gazeta ]. A Gazeta , São Paulo, 29 set. 1917, p. 1.
- SKIDMORE, Thomas. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras , 2012.
- TÓRTIMA, Pedro. Polícia e Justiça de Mãos Dadas: a Conferência Judiciária Policial de 1917 (uma contribuição aos estudos sobre o enfrentamento da “Questão Operária” pelas classes dominantes e pelo Estado, 1900-1925). 1988. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1988.
- VIANNA, Adriana. O mal que se adivinha: polícia e menoridade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional , 1997.
-
1
As informações sobre o perfil e a circulação do jornal foram extraídas de Sato (2016).
-
2
Para citar algumas: OS PERIGOS do cinema. O Pirralho, São Paulo, 1911, p. 8; EMELEN, Amaro Van. Brado de Alarma. Correio Paulistano, São Paulo, 15 out 1915, p. 3.
-
3
Luíz (1907, p. 94).
-
4
Utilizamos esse termo no sentido atribuído por Menezes (1996).
-
5
Em seu livro, Vianna (1997) traz o exemplo do trabalho nas colônias correcionais agrícolas, recomendado à época pelas autoridades policiais e judiciais para a inserção social desses sujeitos.
-
6
A fonte faz referência à 4ª Delegacia Auxiliar, mas se trata de um erro, uma vez que essa competência era da 3ª Delegacia Auxiliar, como expusemos na primeira parte de nosso artigo.
-
Declaração de disponibilidade de dados:
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Disponibilidade de dados
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Dez 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
03 Jun 2025 -
Aceito
19 Ago 2025
