RESUMO
Este artigo analisa a agência indígena no Colégio Isabel, fundado em 1871, em Goiás, com o objetivo de produzir intérpretes culturais facilitadores da civilização das populações nativas. Inspirados pela perspectiva da mediação cultural, analisamos documentos oficiais, matérias publicadas em periódicos, relatos de viajantes e mapas de alunos da instituição, constatando que, ao contrário do que afirmam os autores que escreveram sobre esse tema, os estudantes indígenas não perderam sua identidade cultural. Ao contrário, vivenciaram essa experiência em seus próprios termos, enquanto espaços de criação e recriação de identidades, contrariando as expectativas dos fundadores do Colégio Isabel.
Palavras-chave:
Colégio Isabel; agência indígena; intérpretes culturais; Goiás
ABSTRACT
The article analyses indigenous agency at Colégio Isabel, founded in 1871 in Goiás, with the aim of producing cultural interpreters who would facilitate the civilization of native populations. Inspired by the perspective of cultural mediation, we analyzed official documents, articles published in periodicals, traveler reports, and maps from students at the institution, finding that, contrary to what the authors who wrote about this topic claim, indigenous students did not lose their cultural identity. On the contrary, they experienced this experience on their own terms, as spaces for creating and recreating identities, contradicting the expectations of the founders of Colégio Isabel.
Keywords:
Colégio Isabel; indigenous agency; cultural interpreters; Goiás
Um ensaio de civilização
O objetivo deste artigo é analisar a experiência dos estudantes indígenas no Colégio Isabel, fundado em Goiás, em 1871, no contexto posterior à legislação que proibiu o tráfico de escravos africanos para o Brasil, que gerou grande preocupação na elite brasileira com relação à alegada falta de mão de obra. O momento era tenso, pois muitas experiências com imigrantes europeus se mostravam insatisfatórias, deixando os proprietários apreensivos (Lara, 1998; Lima, 2005; Paz, 2020). No caso de Goiás, poucos imigrantes europeus chegaram à região no século XIX e havia falta de mão de obra para as fazendas de criação de gado, açúcar, café e outros gêneros alimentícios em expansão (Karasch, 1992). Desde 1845, com o chamado Regulamento das Missões (Sampaio, 2009), o Império brasileiro tentava executar um projeto de inserção dos indígenas na sociedade nacional, mas a experiência missionária desenvolvida pelos capuchinhos era alvo de grande descontentamento, sendo considerada por muitos como um verdadeiro fracasso (Henrique, 2018).
Além da catequese religiosa, outra estratégia utilizada pelo Império para incorporar e controlar a população indígena era a construção de presídios militares, que deveriam facilitar o desenvolvimento comercial e promover a colonização do espaço físico. Foi exatamente em um desses presídios, chamado Santa Leopoldina (atual Aruanã), no vale do rio Araguaia, Goiás, que o general José Vieira Couto de Magalhães fundou, em 1871, o Colégio Isabel, para a educação de crianças indígenas. O general pretendia contribuir para tornar a navegação no Araguaia elemento fundamental na construção de um grande canal de escoamento da produção agropecuária da província de Goiás (Caume, 1997; Sena, 2021). A partir de 1873 o colégio passou a funcionar em uma fazenda próxima ao presídio, chamada Dumbazinho. Couto de Magalhães permaneceu no cargo de diretor do Colégio Isabel até 1877. Em sua obra O selvagem (1876), ele escreveu:
Em 1871, criou-se neste plano e sob a proteção da sereníssima princesa imperial, o Colégio Isabel. Estão aí representadas hoje todas as tribos do Araguaia, nos 52 alunos que conta. Figurem-se mais dez anos, representemos pela imaginação que em cada uma dessas tribos, algumas das quais são inteiramente bárbaras, o viajante que as tiver de visitar encontre dez ou 12 pessoas que falem a nossa e a língua aborígene, que saibam ler e escrever, que sejam indígenas pela língua e sangue, mas que sejam brasileiros e cristãos pelas ideias, sentimentos e educação: não é muito provável, pergunto, que essa tribo, seguindo as leis naturais da perfectibilidade humana, se transforme, senão em tudo, pelo menos tanto quanto baste para começar a ser útil? Parece que sim. A história da humanidade dá testemunho de que as transformações dos povos só sé hão efetuado aos impulsos de um homem de sua mesma raça. (Magalhães, 1940 [1876], p. 133).
Com a esperada formação de um corpo de intérpretes, falantes de suas próprias línguas e, também, do português, caberia aos indígenas atuar como tradutores culturais, levando os benefícios da civilização aos seus parentes nas mais diversas aldeias. Para os indígenas, “um laboratório de transformação cultural” (Rizzini, 2004, p. 386), um ensaio a mais entre os tantos aos quais eles foram submetidos desde o início da colonização. De todo modo, a política de concentração e aldeamento dos indígenas no Brasil continuou por todo o século XIX (Henrique, 2018). Couto de Magalhães se baseava na crença na perfectibilidade humana para defender a miscigenação, tanto física quanto cultural. Dizia ele que,
A lei da perfectibilidade humana é tão inflexível como a lei física da gravitação dos corpos. Desde que o selvagem possui, com a inteligência da língua, a possibilidade de compreender o que é a civilização, ele a absorve tão necessariamente como uma esponja absorve o líquido que se lhe põe em contato. (Magalhães, 1940 [1876], p. 36).
De sua experiência, Couto de Magalhães percebeu que saber falar a língua dos indígenas significava ganhar sua confiança. Afinal, dizia ele, “para o selvagem, aquele que fala a sua língua é um seu parente, portanto, seu amigo” (Magalhães, 1940 [1876], p. 40). O general acreditava que, com organização e disciplina militar, falando ao mesmo tempo o português e suas próprias línguas, esse corpo de intérpretes seria um auxiliar da civilização, a serviço das colônias militares, das populações das fronteiras e das expedições enviadas ao interior do país. Era, também, uma forma de garantir ao Império a absorção da mão de obra indígena sem os custos de operações bélicas que poderiam onerar o tesouro (Henrique, 2003).
De acordo com a Decisão nº 275, de 21 de setembro de 1870, a criação do Colégio Isabel se daria “atendendo a conveniência de ensaiar um melhor sistema de catequese e civilização dos indígenas”, uma alternativa aos aldeamentos organizados pelos missionários capuchinhos contratados pelo governo imperial a partir do Regulamento das Missões de 1845. Conforme o Artigo 3, “a educação e instrução que se prestarem terão por fim principal habilitar os meninos a serem para o futuro intermediários para com as tribos a que pertençam, atraindo-as aos hábitos sociais” (Brasil, 1870, p. 1). O ensino ministrado no Colégio Isabel era dividido em duas partes. A primeira compreendia a doutrina católica, o curso primário (primeiras letras) e o ensino de música. A segunda era voltada para a instrução em atividades práticas, tais como a agricultura e o aprendizado de algum ofício. Dada a crença estereotipada de que os indígenas eram preguiçosos, um dos principais hábitos sociais que se pretendia incutir entre eles era a ideia do trabalho. Para isso, além das primeiras letras, os meninos indígenas frequentavam aula de metalurgia, ferraria e carpintaria, além de serem envolvidos em atividades pastoris (criação de gado) e de agricultura. Quanto às meninas, frequentavam aulas de corte, costura e eram utilizadas nas atividades domésticas, como cozinhar e lavar roupas.
O Colégio Isabel foi inaugurado com 21 crianças indígenas de ambos os sexos. As crianças Kayapó1 eram maioria e o número de meninos no colégio foi sempre bastante superior ao de meninas. Em 1878, dos 43 alunos matriculados, 25 eram Kayapó. De acordo com os mapas demonstrativos de alunos do colégio, a instituição recebeu alunos das seguintes etnias: Kayapó (Macro-Jê), Gorotire (Macro-Jê), Xavante (Macro-Jê), Xerente (Macro-Jê), Karajá (Macro-Jê), Tapirapé (Tupi), Guajajara (Tupi), Avá-Canoeiro (Tupi), Guarani (Tupi), Sateré-Mawé (Tupi) e Pivoca (desconhecida). Se a maioria dos alunos pertencia a populações que viviam às margens do rio Araguaia, a presença de crianças pertencentes a grupos situados a uma longa distância do colégio revela a extensão do violento tráfico de crianças indígenas àquela época. Esse é o caso de Uiuaiara Guajajara, 12 anos, batizado como Vicente, oriundo de um povo que, no século XIX, habitava o Estado do Maranhão e de Manoel Antonio Sateré-Mawé, 13 anos, cuja etnia estava localizada entre os Estados do Amazonas e Pará (Mapa..., 1 nov. 1871).2
Alguns desses povos eram rivais entre si, a exemplo dos Kayapó e Gorotire. Em 1876, por exemplo, Wanaô3, “capitão” de um aldeamento Kayapó que ficava próximo ao presídio de Santa Maria, no rio Araguaia, reuniu mais de 100 homens e 30 mulheres para atacar os Gorotire. A expedição foi motivada “por antigas rixas”, mas também porque os Gorotire haviam “furtado ultimamente uns porcos do seu aldeamento”. Vinte dias depois, Wanaô retornou com apenas oito dos mais de 100 companheiros que o acompanharam. Os demais ou morreram ou se tornaram prisioneiros (Catechese..., 9 ago. 1876, p. 1). Certamente essas “antigas rixas” interferiam no cotidiano do Colégio Isabel, onde os alunos indígenas eram obrigados a conviver ao lado de crianças que eles aprenderam a enxergar, desde cedo, como suas rivais.
Jabitu Tapirapé, batizado como Firmo, foi o mais novo aluno matriculado no Colégio Isabel, tendo apenas três anos de idade, em 1 de julho de 1882. O mais velho, Bebycrety Kayapó, tinha 26 anos na data de sua matrícula (20 de dezembro de 1881), sendo batizado como Joaquim (Mapa..., 31 jul. 1885). De todo modo, a maioria dos alunos tinha entre oito e 18 anos. Nessa idade, eles já sabiam falar a língua e conheciam as tradições do seu povo, o que incluía o conhecimento das rivalidades interétnicas. De qualquer maneira, há registros de fugas conjuntas de alunos de etnias diferentes, conforme veremos mais adiante. De acordo com Marin,
dada a prática generalizada do rapto de crianças, esses índios estavam desenraizados de suas aldeias. Como o Colégio tinha sido a única referência de vida e de sociabilidade, eles permaneciam à sombra daquela instituição que, fundamentada na hierarquia, no autoritarismo e em maus-tratos, lhes tolhera todas as possibilidades e iniciativas individuais. A mente e o corpo daqueles índios estavam moldados para a subserviência, de maneira que a perda dos braços não se realizou antes da perda do olhar e da palavra. Corpo e consciência foram colonizados desde a infância, o que marcou profundamente a vida adulta daqueles índios que, destituídos de possibilidades de construção de projetos de autonomia pessoal, permaneceram tutelados pela instituição. (2009, p. 165).
A interpretação de Marin reduz os indígenas a uma condição de total passividade, negando-lhes qualquer possibilidade de ressignificar a vida após a chegada ao Colégio Isabel. Retira deles a condição de sujeitos de sua própria história. O que pretendemos mostrar ao longo deste artigo é que, apesar das violências sofridas, os estudantes indígenas não tinham mente e corpo moldados para a subserviência e que em nenhum momento eles perderam o olhar, a palavra ou a capacidade de traçar projetos de autonomia pessoal. Parafraseando Maria Regina Celestino de Almeida, no Colégio Isabel, os estudantes indígenas “transformaram-se, portanto, mais do que foram transformados” (2013, p. 156). Era um espaço de recriação possível de identidades, não de perda de identidade.
As “Instruções para a organização, direção e regime econômico do Colégio Isabel” determinavam que os professores de primeiras letras soubessem “a língua usada pela mais numerosa das tribos para mais fácil comunicação com os alunos à sua entrada e a fim de servir de intérprete nas relações do estabelecimento com os indígenas” (Brasil, 1870, p. 1). Entretanto, não consta na documentação nenhum registro de que os professores contratados tivessem domínio de qualquer língua indígena da região. Mesmo que fossem falantes de uma língua do tronco linguístico Macro-Jê, os desafios dos professores seriam enormes, considerando que não havia para essa língua a mesma disponibilidade de gramáticas e dicionários existentes para a língua Tupi, elaborados pelos missionários jesuítas desde os anos iniciais da colonização do Brasil.4 Para tornar o quadro ainda mais complexo, a partir de 1879, o Colégio Isabel passou a receber, também, alguns estudantes de famílias não-indígenas, listados nos mapas como “brasileiro” ou “cristão”. Assim, o mais provável é que o ensino fosse feito na língua portuguesa e que os professores não tivessem qualquer domínio das línguas indígenas.
O fracasso do colégio Isabel tem sido explicado pela ganância dos diretores, pelas falhas do seu regulamento, pela violência dos brancos civilizados ou pela retirada de seu fundador (Caume, 1997; Amoroso, 1998; Rizzini, 2004; Marin, 2005, 2009; Balduino, 2013). Um olhar mais crítico sobre a documentação já trabalhada, aliado ao acesso a fontes inéditas, tais como os mapas de alunos matriculados no colégio, nos permite ir além da observação “a voo de pássaro” realizada por Martha Amoroso (1998, p. 1) quando se propôs a analisar o perfil das escolas para indígenas no Brasil do século XIX. A autora citou Paul Ehrenreich, que visitou o colégio em 1888 e afirmou ter visto indígenas tratados como escravos, há tempo “acostumados à servidão e tutela”, realizando seus serviços com “indolência estúpida”. Ao se referir à documentação encontrada por David Caume sobre o colégio Isabel, Amoroso diz que ela “confirma as impressões de Paul Ehrenreich” (1998, p. 10). A saída do diretor Couto de Magalhães teria iniciado, segundo Amoroso, uma “época de terror”, dando início ao tráfico de crianças indígenas para o colégio.
Rizzini (2004), por sua vez, destaca que muitos dos ex-alunos do colégio “eram aliciados através de brindes, tais como calças, camisas, chapéus, machados, foices, facas, canivetes, tesouras, anzóis, linhas de pescar, espelhos, fumo, cachimbos, miçangas, etc., escolhidos à vontade do capitão” (p. 347). À despeito de destacar que as crianças “em parte, não se mostraram facilmente educáveis”, ela atribui o insucesso do colégio a uma “pedagogia inadequada” (2004, p. 348). Dialogando com Rizzini (2004) e Marin (2009), Ana Balduino (2013, p. 87) ressalta, dentre outros aspectos, o não enquadramento dos ex-alunos do colégio ao mundo ocidental e, ao mesmo, tempo a impossibilidade de retornarem “aos seus antigos costumes”. Caume (1997, p. 117) destaca, é verdade, a postura das crianças indígenas diante “novas noções de tempo, de trabalho contínuo, de hierarquia e de submissão”, no entanto, a ênfase do autor recai sobre o funcionamento da instituição.
Os mapas de alunos do colégio Isabel, encontrados no Museu das Bandeiras (MUBAN), em Goiás, nos permitem problematizar essa noção de passividade atribuída aos indígenas. Por certo, todos esses trabalhos contribuíram para dar visibilidade ao tema e dialogaram com os instrumentos teóricos e documentais disponíveis à época, mas a importância dessa experiência que, durante 17 anos, pretendeu formar tradutores culturais indígenas, merece atenção maior. A contribuição original deste artigo é sua ênfase na agência indígena, no modo como os indígenas fizeram a leitura dessa experiência em seus próprios termos. Dialogamos com as contribuições da chamada Nova História Indígena, que desde os anos 1990 têm apresentado críticas à percepção assimilacionista e passiva dos indígenas na história do Brasil, enfatizando sua atuação como agentes históricos guiados por interesses e agências próprios (Cunha, 1992; 2002; Monteiro, 1994; 1999; Almeida, 2003). Em grande medida, a noção de que os indígenas são sujeitos de sua própria história resulta de um salutar diálogo da História com a Antropologia. Experiências tradicionalmente vistas como espaços de aculturação, tais como aldeamentos religiosos e colégios, passaram a ser vistos como espaços de recriação de identidades, de ressignificação cultural, de choque entre horizontes simbólicos diversos e de construção de novos universos de significados negociados (Gow, 1991; 2001; 2003; Pompa, 2006). Apropriando-se de elementos da cultura ocidental e usando-os a seu favor, os indígenas realizam aquilo que Marshall Sahlins chamou de “indigenização da modernidade” (Sahlins, 1997). Ou, como o autor afirma em outro trabalho, “as pessoas organizam seus projetos e dão sentido aos objetos partindo das compreensões preexistentes da ordem cultural” (Sahlins, 1990, p. 7).
Cristãos sequestradores de crianças
As instruções do governo imperial para a organização do Colégio Isabel determinavam a criação de um regulamento que orientasse cada serviço, mas esse nunca foi elaborado. A forma de aquisição de crianças, por exemplo, não seguia nenhuma regulamentação específica. A princípio, caberia ao encarregado pela criação do colégio, Couto de Magalhães, estar “em permanente comunicação com os missionários que o Governo enviar para a catequese das tribos que estanciam no vale do Araguaia e suas proximidades, recorrendo à sua influência para chamar ao estabelecimento os meninos que têm de ser instruídos e educados” (Brasil, 1870, Art. 6). O verbo “chamar” sugere que a ida das crianças indígenas para o colégio deveria ser feita com base no convencimento. Em seguida, as instruções fazem referência a “objetos que houverem de ser distribuídos a título de brindes aos indígenas” (Brasil, 1870, Art. 7), o que sugere que, na prática, as crianças eram compradas ou trocadas por objetos ocidentais. Em 1880, João Detsi, major comandante do presídio de Santa Maria, remeteu três crianças indígenas para o Colégio Isabel que foram capturadas à custa de três machados americanos e dois facões. Conforme observou Rizzini, “a compra de crianças para o Colégio constituiu uma estratégia de recrutamento” (2004, p. 344).
Os missionários tinham papel fundamental no “chamado” das crianças indígenas para o Colégio Isabel, que deveriam ser adquiridas durante as viagens catequéticas às aldeias. Aos 5 de agosto de 1871, matéria do Correio Official informava que “do presídio de Santa Maria tem vindo para o Colégio diversos índios menores, enviados pelo missionário Frei Sabino de Rimini” (Catechese..., 5 ago. 1871, p. 1). Em 1883, o cônego capelão do Colégio Isabel, Antonio Marques Santarém, recebeu autorização para acompanhar o bispo diocesano em visita pastoral pelo norte da província de Goiás, região de onde vinha a maioria dos alunos do colégio. Na ocasião, recomendou-se ao “capelão que procure prestar à catequese os seus serviços durante aquela visita, principalmente fazendo aquisição de menores cristãos e indígenas para preencher o número dos que são admitidos no referido colégio” (Officios..., 19 mai. 1883, p. 1).
Otaviano Esselin, que conheceu Couto de Magalhães e trabalhou no Araguaia na mesma época de funcionamento do colégio, fez o seguinte comentário a respeito do convencimento feito junto aos pais para liberarem as crianças indígenas:
Os pais entregavam nas aldeias, para esse destino, sem dificuldades, pois poucas palavras trocava com eles o intérprete cadete Pedro, filho do capitão Manaô, chefe da maior aldeia dos Kayapó (3.000 arcos) da ilha do Bananal, em frente ao rio das Mortes, certos, talvez, do carinho com que seriam tratados, como de fato o foram, pelos professores capitão Felicíssimo do Espírito Santo e sua esposa D. Emerenciana Vicência de Azevedo e certos, também, de que os filhos se tornariam mais úteis às suas aldeias. (apudMagalhães, 1902, p. 24-25).5
O Quadro 1, a seguir, ajuda a refletir sobre a suposta facilidade com que os pais entregavam as crianças indígenas matriculadas no Colégio Isabel.
Note-se que, em 10 anos, o número de alunos matriculados por ano não passou de 53, registrado em 1872. A grande variedade entre o número de matriculados a cada ano evidencia extrema dificuldade tanto em manter quanto em ampliar o número de alunos. O quadro indica, ainda, certa permanência no número de meninas matriculadas, sempre em número bastante inferior ao de meninos. A expectativa do governo era de que o número anual fosse de, pelo menos, 50 crianças matriculadas, mas apenas em 1872 esse número foi alcançado.
Certamente que 53 crianças indígenas, número máximo que o Colégio Isabel conseguiu matricular em 10 anos, significava muito pouco diante da numerosa população indígena de Goiás na segunda metade do século XIX. O próprio Esselin, em fragmento acima citado, estimava a população da maior aldeia Kayapó em três mil arcos. Em O selvagem (1876), Couto de Magalhães afirmava que “a nação que com os nomes de Gradaú, Gorotire, Kayapó, Krahô (falam todos a mesma língua) habita entre o Xingu e o Araguaia não deve ter menos de oito a doze mil indivíduos” (1940 [1876], p. 34). Em que pese a imprecisão e a incerteza quanto a esses números, a insignificância numérica dos alunos matriculados no Colégio Isabel não passou despercebida ao presidente da província Aristides Spíndola. Consta em seu relatório de 1880:
Entre São José e Santa Maria estão estabelecidas as aldeias dos Karajá que, embora completamente selvagens, não nos hostilizam e, ao contrário, vivem em harmonia com a gente civilizada (...). Apesar de ser essa tribo a mais numerosa do alto Araguaia e estar em contato com os cristãos e ter chefes que falam quase todos o nosso idioma, poucos índios a ela pertencentes existem no Colégio Isabel. (Goiás, 1880, p. 2, anexos).
Mesmo os Karajá, que supostamente viviam em “harmonia com a gente civilizada”, não se mostravam convencidos das supostas vantagens de terem seus filhos menores educados como intérpretes linguísticos e culturais no Colégio Isabel. Vale destacar que, àquela altura, eles eram os principais fornecedores de lenhas para os vapores da Empresa de Navegação do rio Araguaia. De fato, o número anual de crianças Karajá matriculadas no Colégio Isabel nunca passou de quatro, como demonstram os mapas de alunos indígenas (Mapa..., 2 jan. 1879).
Se as instruções do governo silenciam, sobram relatos de violências nas formas de aquisição de crianças para o Colégio Isabel. Quando parou em uma aldeia Javaé, em visita pastoral realizada entre 1895 e 1899, D. Eduardo Duarte Silva, bispo de Uberaba, se deparou com indígenas aterrorizados com a chegada de brancos. Dizia o religioso que,
de medo que tomássemos algum menino, os índios fizeram com que os filhos, de dez anos para cima, se escondessem nos matagais vizinhos, o que acontecia em todas as cabildas. A causa desse receio é terem sido tomados anteriormente à força e pela astúcia os filhos dos índios, a fim de fazê-los entrar para o Colégio Isabel. (Uma visita..., 15 jan. 1920, p. 82).
Nesse caso, note-se que anos, após a extinção do Colégio Isabel, os indígenas continuavam aterrorizados com a possibilidade de terem seus filhos raptados. Em outro relato, o bispo narrou o que aconteceu quando sua comitiva desembarcou na aldeia do Capitão Capichan:
Todos saltaram em terra a fim de visitarem aquela maloca. Estava quase despovoada por estarem os homens nas roças e as mulheres ocultas pelos matos. As crianças estavam escondidas debaixo de esteiras feitas de buriti. Esse fato é frequente ao aproximar-se das aldeias uma embarcação de cristãos. Os índios são muito ciosos de seus filhos pequenos, mormente depois que, para povoar o ex-Colégio Isabel, foram pela astúcia e violência arrebatados meninos e meninas Karajá e Kayapó. (Uma visita..., 15 jan. 1920, p. 106).
Para os indígenas que viviam às margens do rio Araguaia, cristão se transformou em sinônimo de sequestrador de crianças. Ao visitar uma aldeia Karajá, em 1880, Aristides de Souza Spínola observou que muitas crianças “tremiam ou agarravam-se às mães pensando que eu queria arrancá-los da aldeia” (Jardim, 1880, p. 43). Em 1881, quando visitou uma aldeia dos Karajá nas proximidades da missão de São José do Araguaia, o presidente da província de Goiás, J. A. Leite Moraes, registrou que, durante a sua chegada, enquanto alguns indígenas o esperavam à porta de suas cabanas, “as crianças correram para o mato” (Leite Moraes, 1995 [1882], p. 147).
Em 1888, Baggi de Araújo narrou a história de um ex-aluno do Colégio Isabel, da etnia Tapirapé, que voltou à sua aldeia. Nessa, o Tapirapé se deparou com uma criança órfã de pai e mãe e resolveu levá-la para ser matriculada no colégio. Dizia ele que “a criança tremia de medo”. Ao contrário do que via nos Tupi, Baggi de Araújo duvidava da disposição dos indígenas do tronco linguístico Macro-Jê para receber os influxos civilizatórios:
Não há Karajá capaz de consentir que filho ou parente seu entre para o colégio, onde poderiam ir visitá-los e onde sabem haver comodidades mui superiores às das aldeias. Ao aproximar-se o vapor de qualquer aldeia, tudo quanto é criança de ambos os sexos em condições de aprender ou foge para o lado da praia oposto ao do desembarque ou escondem-se dentro das cabanas ou tauás. (Araújo, 9 mar. 1888, p. 2).
Conforme demonstrou Henrique (2024), os contatos das populações indígenas com brancos eram vivenciados como experiências aterrorizantes que se expressavam, inclusive, fisicamente. O contato aterrorizante dos indígenas com a branquitude (Bento, 2022) também se expressava através de sensações corporais reveladoras de traumas e dores inscritas no corpo. O ato de fugir para os matos ou se esconder em baixo de esteiras, tremendo de medo, indica o quanto essa experiência se inscrevia de modo doloroso em seus corpos. Baggi de Araújo acreditava que
a instrução abaixo de rudimentar adquirida no colégio por alguns Karajá, que lá se tem educado é, em todo caso, qualquer coisa superior à ignorância do completo selvagem e por isso devia ser pelos pais procurada em benefício dos filhos, se evidencia no fato de serem sempre proclamados capitães (chefes), entre os Karajá, os ex-alunos do Colégio Isabel. (Araújo, 9 mar. 1888, p. 2).
Mesmo reconhecendo que o rapto de crianças Karajá contribuiu para a aversão que esse povo nutria pelo Colégio Isabel, o autor lamentava o fato de que os pais das crianças indígenas não valorizavam os supostos benefícios adquiridos nessa instituição: “tal é a ausência de incentivo ao progresso ou bem estar dos filhos, que persistem os Karajá a reputarem o colégio Isabel uma como Bastilha em que folgam os tores (cristãos) de enclausurar-lhes os filhos, depois de apanhá-los de surpresa” (Araújo, 9 mar. 1888, p. 2). Nota-se, assim, que as perspectivas de indígenas e brancos sobre os benefícios da educação no Colégio Isabel eram completamente distintas. Do ponto de vista dos brancos, ainda que rudimentar, a instrução recebida no colégio os tornaria os indígenas “úteis à sociedade”, o que era considerado superior ao estado de completa ignorância que eles atribuíam a essas populações. Do ponto de vista indígena, ser recolhido ao colégio era como ser colocado em uma prisão, conforme referência feita à Bastilha, a prisão que se tornou símbolo da opressão do Antigo Regime francês. Conforme veremos mais adiante, as crianças indígenas eram raptadas de suas aldeias ou trocadas por objetos, sendo matriculadas forçadamente no colégio. Por isso, as fugas eram comuns, assim como atitudes que contrariavam o comportamento ideal que se esperava delas.
O rapto de mulheres e crianças era prática comum entre muitos povos indígenas, mas as mulheres raptadas nas guerras interétnicas costumavam ser introduzidas no cotidiano do grupo vencedor como esposas, e as crianças como filhos e filhas. Entre os Kayapó, conforme demonstrou Cesar Gordon, a guerra travada contra o estrangeiro, os não-Mebêngôkre, era uma forma de “absorver a diferença do estrangeiro objetivada em sua cultura material, seu conhecimento, seus saberes, sua expressividade técnica e estética” (2006, p. 98, grifos do autor). Desse modo, mulheres e crianças raptadas eram inseridas no mundo social da aldeia mediante um processo de socialização Mebêngôkre, mas esse aprisionamento objetivava fundamentalmente a predação dos conhecimentos de seu grupo. A possibilidade de obter “brindes” dos cristãos serviu de incentivo às guerras interétnicas, mas, a partir disso, o foco dessas guerras passou a ser a obtenção de crianças que não seriam mais criadas como membros do grupo e sim trocadas por ferramentas (Cipolletti, 1995; Moreira, 2020; Roller, 2021; Henrique, 2022; Sena, 2024). Assim, dizia o presidente da província de Goiás, em 1872:
Continua a funcionar e por modo bem lisonjeiro o Colégio Isabel, fundado em Santa Leopoldina, para o qual têm vindo alguns índios menores, principalmente de Santa Maria, onde são resgatados os Kayapó que para ali conduzem os Karajá e outros que vivem em escaramuças com os ditos Kayapó. (Goiás, 1872, p. 29).
Anos mais tarde, Aristides de Souza Spínola se referia à continuidade dessa prática:
É preciso também impedir, quanto for possível, que as diferentes tribos se destruam em lutas, como tem acontecido. Infelizmente, tem-se animado essas lutas compreendendo as crianças que umas furtam ou roubam às outras. (Collegio..., 31 jan. 1880, p. 4).
Aristides Spínola apresentou várias críticas ao Colégio Isabel. A conclusão do presidente da província de Goiás era de que se tratava de um “ensaio mal-feito”. Dentre as críticas, Spínola citava a ausência de estatutos internos, a não regularização das relações da diretoria com os aldeamentos, a não regulação dos meios para a obtenção de crianças destinadas ao colégio e a pouca atenção dada à catequese. O presidente concluía afirmando que “[a]busos nos fornecimentos, falta de inspeção no procedimento dos encarregados, irregularidades no pagamento, pessoal desnecessário, aquisição de crianças por violência ou por meio de tráfico reprovado, foram outros tantos que vieram prejudicar a instituição” (Collegio..., 31 jan. 1880, p. 3).
Em 1888, Baggi de Araújo afirmava que
salvo honrosas exceções, os diretores do Colégio Isabel ou seus próximos parentes, hão timbrado em plantar pelas margens do Araguaia o descrédito daquele internato, desvirginando as educandas como se foram suas odaliscas, quando, em matéria de moralidade do lar, nada tem o Karajá que aprender, antes, está no caso de ensiná-la à maior parte dos torys que entram em contato com membros de sua tribo. (Araújo, 9 mar. 1888, p. 2).
No mesmo ano, no relato de sua viagem pelo rio Araguaia, Ehrenreich afirmou que:
o diretor tratava os índios como escravos, mandando-os trabalhar para ele. Desamparados, eles estavam entregues às brutalidades dele e dos amigos dele. As moças estavam à mercê dos instintos de todos esses opressores. A maioria delas já havia dado à luz o filho ou aguardava o momento. Havia muito tempo que não chegavam índios novos, pois as violências dos civilizados brancos afugentavam os selvagens cada vez mais. (Ehrenreich apudBaldus, 1970, p. 44).
Pouco tempo depois da extinção do colégio Isabel, um ofício do Ministério da Agricultura, datado de 3 de agosto de 1889, avaliava que
É igualmente impróprio, a experiência tem demonstrado, o meio tentado pelo doutor Couto de Magalhães ao preparar, pela educação, um colégio de índios tomados pequenos das tribos intermediárias que atraíssem depois os selvagens da sua raça ao comércio da gente civilizada. O Colégio Isabel fundado para esse fim em Leopoldina, foi pelo governo informado que esse estabelecimento havia sido transformado pelos professores em casa de especulação e de opressão para os índios que dele fugiam horrorizados. Transmitindo aos seus a má impressão que levavam das suas primeiras relações com a gente civilizada. (apudCasas Mendoza, 2005, p. 134).
Da documentação oficial, sobressai a visão dos indígenas como domesticados, aptos para “trabalhos úteis” após a formação recebida ou como uma esponja que absorveria facilmente os supostos benefícios da civilização. Em parte, essa visão foi absorvida pelos autores que se dedicaram à análise do Colégio Isabel (Caume, 1997; Amoroso, 1998; Rizzini, 2004; Marin, 2005; 2009; Balduino, 2013). Para Marin, por exemplo, “os índios adultos dificilmente se adequavam às condições impostas pelos colonizadores, ao passo que as crianças facilmente eram submetidas ao novo modo de vida” (2009, p. 155). Essa percepção reproduz de forma acrítica os discursos das autoridades da época, mas é possível fazer outra leitura dessa documentação. Partindo do referencial teórico da “aculturação”, Marin afirma que a análise das práticas pedagógicas do Colégio Isabel revela que “os estudantes indígenas eram domesticados e submetidos aos propósitos dos colonizadores” (2009, p. 162) e que, “depois de alienados e sujeitados, os indígenas eram incorporados como instrumentos nos serviços das fazendas, da navegação ou da catequese, ação que fortalecia as frentes de conquista” (2009, p. 162).
As críticas feitas ao Colégio Isabel consideravam apenas os fatores externos aos indígenas como responsáveis pelo fracasso do colégio. Citava-se a ausência de estatutos internos, a falta de compromisso dos diretores, a ausência de regulação dos meios para obtenção de crianças, o descaso com a catequese, a opressão dos professores sobre os alunos, mas não se fazia referência à agência indígena como fator determinante do referido fracasso. E essa agência pode ser percebida quando a documentação revela as fugas de alunos, a recusa dos pais em ceder seus filhos ou mesmo na ressignificação que os estudantes indígenas faziam do que aprendiam no colégio. Diversos documentos nos permitem uma aproximação dos modos como os estudantes indígenas vivenciaram essa experiência em seus próprios termos, determinando, em grande medida, o fracasso do colégio que pretendia civilizá-los aos moldes ocidentais. É o que veremos no tópico seguinte.
A agência indígena
Uma das formas de se perceber a agência ou o protagonismo indígena no Colégio Isabel é através das fugas. Em 1875, o presidente da província de Goiás informava que “evadiram-se do colégio dois índios, um Kayapó e outro Tapirapé, tendo sido o primeiro logo encontrado, continuando-se nas diligências para descobrir-se o segundo, o que se não pôde conseguir” (Goiás, 1875, p. 40). Tendo em vista o fato de que os dois indígenas fugidos eram adultos, o presidente da província complementava que “o encarregado interino reconhece não convir ao Colégio aquisição de índios já adultos como são os que se evadiram porque dificilmente adotam os nossos costumes, ao passo que os menores com muita facilidade os abraçam” (Goiás, 1875, p. 40-41).
Nos mapas de alunos do Colégio Isabel é possível acompanhar a trajetória de alguns desses estudantes. No mapa referente ao 2º trimestre de 1880, consta que Ecrocrê Tapirapé foi “eliminado a 14 de maio por se ter evadido” (Mapa..., 1 jul. 1880). Ecrocrê tinha sete anos de idade quando foi matriculado, em 1871, sem ter nenhum grau de instrução. Por ocasião de sua fuga, nove anos depois, sabia ler sílabas. Na mesma data e condição quanto ao grau de instrução fugiram Tonicam Kayapó, que entrou no colégio aos seis anos de idade, em 1872, e Abononam Tapirapé, matriculado aos 13 anos, em 1877 (Mapa..., 1 jul. 1880). O fato de essas três fugas terem ocorrido no mesmo dia sugere uma ação em grupo. Cerca de um mês depois, o Correio Official noticiava
estarem em duas aldeias, à margem do Araguaia, os índios que fugiram em (ilegível) do mês próximo passado do Colégio Isabel, recomendando-lhe que expedisse ordem para serem os mesmos indígenas recolhidos e transportados para o Colégio, devendo V. S. continuar a empregar todos os esforços para que eles voltem ao Colégio. (Ao encarregado..., 21 jul. 1880, p. 3).
Nos mapas consultados não verificamos o registro de fugas de mulheres, mas as observações que acompanham os nomes de algumas delas nos dão ideia acerca de seu comportamento no colégio. Assim, o mapa do 2º trimestre de 1880 definia as estudantes indígenas da seguinte forma: Vycroyti Kayapó, matriculada aos sete anos de idade, em 1871, e batizada como Itelvina, “goza saúde, ardilosa e muito vadia, próprio de sua idade” (Mapa..., 1 jul. 1880). Thyró Kayapó, matriculada aos 12 anos de idade, em 1874, e batizada como Joaquina, era definida como alguém que “goza de saúde, robusta, gênio arrebatado e mau. Não aprecia nossos costumes” (Mapa..., 1 jul. 1880). Rosária Xavante, matriculada aos sete anos de idade, em 1879, “goza boa saúde, manhosa e má” (Mapa..., 1 jul. 1880). No mapa de dezembro de 1887, consta que Senhorinha Xavante, matriculada aos 15 anos de idade, em 1881, “nunca foi aplicada ao ensino” e “costura mal por ser muito rebelde” (Mapa..., 1 jan. 1888). No mapa do mês seguinte, registrava-se o grau de instrução de Senhorinha: “nada sabe pela negação que tem de aprender tudo quanto é preciso a uma senhora saber” (Mapa..., 1 fev. 1888). Assim, se as mulheres não fugiam ou se fugiam menos que os homens, nem de longe isso significava passividade.
Os mapas demonstram que poucos alunos aprendiam a ler, escrever e fazer contas. É o caso de Corojorê Kayapó, batizado como Aristides, matriculado no colégio em 1882. Nesse ano, o mapa indicava que ele chegou ao colégio sem nenhuma instrução (Mapa..., 1 mai. 1882). Em janeiro de 1884, constava que ele “lê e escreve” (Mapa..., 1 fev. 1884). Mas, entre 1885 e 1888, os mapas registram que ele não tinha nenhuma instrução, “nada sabe” ou “nunca foi aplicado ao ensino” (Mapa..., 1 fev. 1888). Em 1888, com toda a experiência acumulada no Colégio Isabel, dos 12 alunos matriculados, apenas dois deles sabiam ler, escrever o alfabeto e fazer contas. Sete não tinham nenhum grau de instrução. As informações dos mapas são imprecisas, sendo que um aluno que aparecia em um ano como sabendo ler e escrever consta em outro ano como quem nada sabe. Isso pode ser resultado de falhas dos professores no registro ou da diferença de avaliação entre professores diferentes. Ou, ainda, resultado da necessidade de demonstrar às autoridades que o colégio estava cumprindo sua função, falseando dados a respeito da aprendizagem dos estudantes.
Em 1881, o presidente da província de Goiás, J. A Leite Moraes visitou o colégio, registrando impressões pouco lisonjeiras.
O Colégio Isabel tem alguns indígenas; funciona numa casa pequena, mal conservada, sem as precisas acomodações. Em torno da casa não há sinal de enxada, isto é, o mato é o jardim, o pomar e a horta daquela casa de educação! Examinamos alguns alunos; pouco ou nada sabem; soletram balbuciando e repetindo. Dirige o colégio o cônego Santarém, capelão do 20° batalhão; são professores filha e genro. (Leite Moraes, 1995 [1882], p. 128).
Em 1886 o número de alunos matriculados no Colégio Isabel tinha baixado para 17, atendidos por 10 funcionários, fato que levou o ministro da Agricultura a criticar o “pouco ou nenhum aproveitamento apresentado por seus alunos” (Karasch, 1992, p. 407). Em grande medida, a diminuição no número de estudantes indígenas se deu em função de doenças e morte. Nos meses de maio e junho de 1881 uma epidemia de sarampo matou vários estudantes indígenas. No mês de maio morreram Afonso (menor Kayapó que havia entrado para o colégio em 1 de fevereiro de 1879, com seis anos, nome indígena não mencionado), Matheó (menor Kayapó que havia entrado para o colégio em 14 de janeiro de 1880, com sete anos, batizado como Mathias), Luiz (menor Tapirapé entrado para o colégio no dia 20 de janeiro de 1881, aos sete anos de idade, nome indígena não mencionado), Becuecuety (Kayapó que havia entrado para o colégio em 21 de outubro de 1873, aos 10 anos de idade, batizada como Rita) e Hilda (menor Kayapó que entrou para o colégio no dia 30 de abril de 1881, aos seis anos de idade, nome indígena não citado) (Mapa..., 1 a 31 mai. 1881a).
No mês de julho de 1881 morreram Mencoêco Gorotire, chegado ao colégio em janeiro de 1871, batizada como Maria Cândida; Merencrache Kayapó, chegada ao colégio em junho de 1872, aos 10 anos de idade, batizada como Diolinda; Elisa, menor Kayapó chegada ao colégio em janeiro de 1881, aos seis anos, nome indígena não mencionado; Pyjocram Kayapó, batizado com o nome de José, e que chegou ao colégio em julho de 1872, e Sebastião Xavante, chegado ao colégio em setembro de 1879, nome indígena não mencionado (Mapa..., 1 a 30 jun. 1881b). As consequências da epidemia de sarampo foram tão grandes entre os alunos do colégio que no mês seguinte havia somente 13 indígenas matriculados.
Teriam os indígenas que estudaram no Colégio Isabel se tornado “mais úteis às suas aldeias”, conforme sugeriu Esselin? Tudo indica que grande parte deles sequer conseguia retornar para a aldeia de seus pais. Depois que aprendiam o português, alguns alunos eram designados para colônias militares na região, onde serviam de intérpretes. Foi o que aconteceu em 1874 com o indígena Wadjurema, que foi matriculado no colégio em 30 de março de 1871, quando tinha nove anos de idade, e logo aprendeu a ler e escrever. Quatro anos depois, foi encaminhado para servir de intérprete Karajá no aldeamento dos Xambioá (Goiás, 1875, p. 41), mas sua “utilidade” não duraria muito. Em 1877, o presidente da província informava que “durante o ano próximo passado faleceram 3 alunos, entres estes o de nome Wadjurema, Karajá que servia de intérprete no aldeamento Xambioá” (Goiás, 1877, p. 29).
Em alguns casos, os estudantes indígenas do Colégio Isabel manifestavam má vontade em atuar como intérpretes. Foi o que registrou Aristides de Souza Spínola ao viajar pelo rio Araguaia, em 1879. Dizia ele que
meu intérprete Karajá era um índio de nome Jurivé, educado no Colégio Isabel. A princípio manifestava muita repugnância em ir às aldeias e conversar com os índios. Era com dificuldade que fazia-o desempenhar o papel de intérprete. Parece que se sentia humilhado ao observar o estado dos filhos de sua nação. (Souza Spínola, 2 ago. 1880, p. 8).
Logo em seguida, Aristides de Souza Spínola afirma que, ao encontrar uma velha tia em uma das aldeias, Jurivé foi coberto de demonstrações de afeição. Entre lágrimas, sua tia o abraçou repetidas vezes, dando-lhe notícias de seu pai e de outros parentes. Esse encontro mexeu tanto com Jurivé que ele pediu permissão para passar alguns dias na aldeia. De acordo com Spínola, “pela grande afeição que dedicam aos filhos, tratados com muito carinho, não consentem que eles sejam levados para o Colégio Isabel” e bastou o rapto de algumas crianças Karajá para serem educadas no colégio “para que eles escondessem as crianças da vista dos cristãos” (Souza Spínola, 2 ago. 1880, p. 8). Assim, a suposta repugnância de Jurivé em ir à aldeia conversar com seus parentes parece estar mais relacionada ao desejo de livrar seus parentes de atos de violência do que por se sentir “humilhado ao observar o estado dos filhos de sua nação”.
Em muitos documentos é possível perceber os limites da tradução cultural tal qual desejada pelos administradores do Colégio Isabel. Na obra Viagem ao Araguaia, Couto de Magalhães relatou um fato curioso ocorrido na localidade de Amaro Leite, na província de Goiás. Conta ele que, na década de 40 do século XIX, o povo de Amaro Leite costumava reunir-se na igreja matriz da povoação juntamente com seu pároco, ocasião em que rezavam a ladainha. Certo dia, os devotos perceberam que, enquanto rezavam a ladainha dentro da igreja, ouviam-se vozes respondendo de fora o “ora pro nobis!”. Espantados, alguns decidiram verificar a situação fora da igreja, a fim de descobrir que vozes eram aquelas. Mais espantados ficaram quando perceberam que “eram os Canoeiro que, depois de haver cercado a igreja, se divertiam em acudir a reza tirada pelos cristãos”. Para Couto de Magalhães isso era uma prova do “pouco caso com que por vezes nos tratam”. É interessante perceber que, neste caso, os Canoeiro se apropriaram da própria linguagem dos brancos para manifestar seu desprezo ou seu “pouco caso” pela religiosidade cristã. Em outras ocasiões, os índios dirigiam “motejos aos viajantes e isso, senão em português, pelo menos em português inteligível”. Por fim, os Canoeiro se recusavam a pronunciar corretamente ou até mesmo a sequer pronunciar os vocábulos de sua língua, “visto que entre eles é crime capital ensinar-nos a língua” (Magalhães, 1863, p. 92).
Falar a mesma língua que outra pessoa é uma maneira eficiente de construir laços de solidariedade, haja vista que a língua é uma das manifestações mais importantes da identidade coletiva. Mas, ao mesmo tempo em que pode servir como indicativo de solidariedade, pode também ser utilizada como elemento de distinção entre pessoas ou grupos, atuando no sentido de ajudar a definir ou reafirmar a identidade coletiva, tanto pela exclusão de não-membros do grupo, como por ataques simbólicos a cultura do “outro”, como vimos no caso dos gracejos dirigidos pelos indígenas aos cristãos.6 Em outras palavras, a língua pode se constituir em importante meio através do qual “indivíduos e grupos controlam outros grupos ou resistem a esse controle, um meio para mudar a sociedade ou para impedir a mudança, para afirmar ou suprimir as identidades culturais” (Burke, 1995, p. 41).
As atitudes de confronto direto ou indireto assumidas pelos indígenas demonstram que eles estavam interpretando o comportamento dos não-indígenas, pautando seu próprio comportamento a partir desta interpretação. De fato, no tocante aos Canoeiro, Couto de Magalhães não atentou para o “pouco caso” com que esses indígenas vinham sendo tratados desde o século XVIII. A pressão da frente de expansão em Goiás, ameaçando a autonomia das sociedades indígenas, levou os Canoeiro a não aceitarem, por todo o século XIX, “receber missionários ou se converterem e resistiram a todas as tentativas de conquista, continuando a atacar e matar colonos. Em 1880, o governador de Goiás os considerava a gente ‘mais feroz da província’” (Karasch, 1992, p. 400).
Semelhante atitude de “pouco caso” diante da fé cristã foi registrada quando um grupo de Kayapó atacou o distrito goiano de São José de Mossamedes, em 1887. Nessa ocasião,
a viúva de Manoel Leite ficou só com uma filhinha, vendo sua casa toda circulada de selvagens. Como apelasse, voz em grita, pelo “Divino Espírito Santo”, repetiam os selvagens de fora, em tom de mofa: “Divino, divino, divino”. Exclamava a pobre: Valha-me N. Sª da Abadia e, em gargalhadas, repetiam: “Badia, badia, badia”. (Araújo, 9 mar 1888, p. 1).
Outro episódio indicativo dos limites da tradução cultural ocorreu por ocasião da visita do bispo D. Eduardo Duarte Silva, bispo de Uberaba, à aldeia dos Karajá. Com a ajuda de um intérprete Javaé, o bispo ia percorrendo as casas dos indígenas e fazendo perguntas acerca das crenças Karajá. Dessas conversas, o religioso descobriu que
todos reconhecem um espírito mau chamado Canachivé, o qual habita a cachoeira de Itaboca. Dizem que esse ser é o pai das tribos inimigas. Possuem lendas que não são mais do que tradição acerca da criação do mundo, da queda dos anjos, do pecado original e do dilúvio, de que fala a Bíblia. (Uma visita..., 15 fev. 1920, p. 82).
Canachivé seria, então, uma espécie de deus criador. Reunindo algumas crianças Karajá em torno de si, o bispo as acariciava e as enfeitava com colares e miçangas. Mas,
os Karajá muito se empenharam no intuito de alcançar de S. Ex. Revma a cruz peitoral. Disse-lhes o prelado que era a imagem do Canachivé dos cristãos. Ora, como esses selvagens têm uma ideia falsa de Deus, a quem atribuem males, cessaram de pedir o crucifixo. (Uma visita..., 15 fev. 1920, p. 95).
Note-se que a comparação entre a imagem do Cristo crucificado e Canachivé foi feita pelo próprio bispo. Jesus Cristo seria o “Canachivé dos cristãos”. Ocorre que os Karajá traduziram essa imagem em seus próprios termos, tornando o crucifixo desinteressante aos olhos indígenas, não porque “esses selvagens têm uma ideia falsa de Deus”, mas porque eles têm uma ideia própria acerca de seus entes sobrenaturais. Nesse sentido, D. Eduardo Duarte Silva registrou “uma lenda Karajá” que ouviu do cacique Pedro Dijeroina:
No princípio só havia homens e mulheres no mundo. Canachivé, cujos pais não se conhecem, ora é velho, ora é moço, ora é menino. Uma vez, vindo ele ao mundo, visitou aldeia por aldeia e ia perguntando aos índios se queriam continuar homens. Alguns responderam com orgulho e outros humildemente. Aos humildes ele manteve na espécie humana. Aos orgulhosos ele transformou em animais de várias espécies. No ano seguinte, regressando às aldeias, Canachivé encontrou alguns homens orgulhosos. Em castigo de sua soberba transformou-os em ciganos, que são pássaros cor de terra vermelha. Mais tarde visitou as tribos Karajá, entre as quais viu homens maus. Estes passaram por vontade de Canachivé a ser camaleões. Esses lagartos trazem na cabeça os sinais característicos dos Karajá. Tendo as águas baixado muito em consequência da grande seca, Canachivé baixou das nuvens, entrou no elemento úmido. As águas iam canalizando nos lugares por onde ele passava. As antas são Karajá que perderam a inocência e enganaram seus pais. (Uma visita..., 15 fev. 1920, p. 95).
De acordo com a narrativa Karajá, Canachivé reúne todas as características de um deus criador. Depois de narrar a “lenda”, o bispo concluiu que “pelo que fica dito se vê que para o Karajá é onipotente o Canachivé” (Uma visita..., 15 fev. 1920, p. 106). Trata-se, de fato, de uma narrativa mítica, situada em um tempo indefinido, “no princípio” de tudo. Canachivé é uma figura sobrenatural que tem o poder de se transformar (“ora é velho, ora é moço, ora é menino”) e de transformar as coisas do mundo, como os humanos orgulhosos que ele transformou em animais. Há, de fato, certas semelhanças com narrativas bíblicas, com referências à criação do mundo, ao dilúvio (as águas que baixaram muito) e ao pecado original (os Karajá que perderam a inocência e enganaram seus pais, sendo transformados em antas).
De todo modo, se há influência de elementos bíblicos sobre a crença em Canachivé, a estrutura narrativa segue uma lógica completamente indígena. Assim, Canachivé não se apresenta como um Deus de bondade a ser seguido e seus poderes são ambíguos, pois ele valoriza a humildade entre os humanos, mas também tem o poder de transformá-los em animais como forma de punição às atitudes soberbas. Essa noção de um mundo habitado por diferentes espécies de sujeitos ou pessoas, humanas e não humanas, é parte constituinte do pensamento ameríndio, que Eduardo Viveiros de Castro (2002) define como “perspectivismo”. Ao contrário da narrativa do Gênesis na tradição judaico-cristã, a punição dada aos homens pelo pecado original não é o fato de ter que sobreviver à custa do suor do seu trabalho, mas sim ser transformado em camaleões, pássaros e antas.
Se é verdade que a narrativa Karajá acerca de Canachivé incorporou elementos bíblicos, se é uma versão cristianizada de um mito, isso não significa que esses indígenas tinham “uma ideia falsa de Deus”. Ao contrário, ela revela como a elaboração mítica dos Karajá se abriu para a alteridade. Trata-se da “elaboração de uma linguagem de mediação, uma linguagem simbólica negociada, inteligível dos dois lados do encontro” (Pompa, 2006, p. 123). Se a narrativa Karajá revela ao bispo que eles acreditavam em alguma coisa, essa crença não correspondia exatamente ao que o bispo esperava, ela não retorna ao bispo tal como foi apresentada aos indígenas, pois estes faziam a leitura da mensagem cristã em seus próprios termos. Conforme Cristina Pompa, episódios como esse revelam como “a cosmologia cristã é reinterpretada do ponto de vista nativo, ou, melhor, a mitologia indígena se ‘abre’ à incorporação de elementos novos, que possam dar conta da nova realidade dos brancos” (2006, p. 132). Revelam, ainda, que as relações entre indígenas e missionários foi um trabalho de tradução recíproca. Acima de tudo, esses relatos deixam claro que, ao contrário do que pensava o general Couto de Magalhães, os indígenas que compreendiam o que é a civilização não a absorviam como uma esponja que absorve o líquido que se lhe põe em contato. Os supostos benefícios da civilização eram processados pelos indígenas, ganhando novos significados (Henrique, 2017).
Outro exemplo bastante significativo da forma como os indígenas ressignificavam os valores da civilização ocidental está relacionado ao batismo. Em 1883, o missionário dominicano frei Michel Berthet visitou o Colégio Isabel em companhia do bispo de Goiás. O missionário registrou que, ao retornarem para suas aldeias, os meninos indígenas egressos do colégio retomavam “os hábitos de vida selvagem”. Dizia ele que “casados com índios e vivendo no meio dos pagãos, não conservam de cristãos mais que o nome. E, se, por vezes, desejam que seus filhos sejam batizados, é a fim de que o padrinho dê a seu afilhado uma roupa bonita e, ao pai da criança, um machado ou um fuzil” (Berthet, 1982, p. 123).7 Nesse sentido, a busca pelo batismo fazia parte de uma atitude performática dos indígenas, visando satisfazer necessidades práticas, tais como o acesso às cobiçadas mercadorias ocidentais e à possível proteção e apoio de seus compadres. O explorador francês Henri Coudreau registrou, a respeito dos ex-alunos do colégio Isabel, que “uma vez educados, não demoraram a retomar o caminho das malocas onde eles esqueceram seu rudimento de instrução e o uso da roupa” (Coudreau, 1897, p. 180).
Em 1882, J. A. Leite Moraes, presidente da província de Goiás, relatou que, durante sua viagem pelo rio Araguaia, se deparou com “um índio Karajá triste e abatido, mostrando nas costas e no peito largas feridas abertas pela frecha do inimigo”. Depois, ele soube pelo comandante do presídio de Santa Maria que “na praia fronteira estava situada uma pequena aldeia de Karajá pacíficos. Há poucos dias fora assaltada pelos Kayapó, que aí fizeram uma carnificina horrorosa, matando mulheres, crianças e os seus chefes. Escapara somente o pobre índio que ali se achava” (Leite Moraes, 1995 [1882], p. 173). Mais adiante, o presidente informou que essa aldeia de Kayapó era
comandada por dois índios educados no Colégio Isabel. Depois que estes tomaram o comando, frequentemente fazem eles as suas correrias pela margem direita, já assaltando os Karajá e já os poucos fazendeiros de Santa Maria. Depois que destruíram a pequena aldeia da praia fronteira, foram a uma fazenda e mataram um ou dois camaradas. (Leite Moraes, 1995 [1882], p. 174).
Os líderes desses ataques foram João Pecaranti e João Longry, cujos nomes aparecem listados no mapa de alunos do Colégio Isabel, em 1878. Infelizmente, até o presente momento, o único mapa encontrado dos anos iniciais do colégio foi o do período de julho a dezembro de 1871 (Mapa..., 2 mar. 1872, p. 4). Mas, nesse período, os nomes dos dois ainda não aparecem. Segundo o mapa de 1878, Pecaranti era da etnia Kayapó e tinha 15 anos de idade quando foi matriculado no Colégio Isabel, aos 8 de março de 1872, sendo batizado como João. Ele estava empregado na fazenda Dumbazinho e não sabia ler nem escrever. Longry pertencia à mesma etnia e tinha 14 anos quando foi matriculado, aos 13 de abril de 1872. Também estava empregado na fazenda Dumbazinho, mas sabia ler e escrever. O mapa não indicou seu nome cristão, talvez por ainda não ter sido batizado (Mapa..., 2 jan. 1879). A fuga de Longry foi noticiada em 1878, ano em que o Correio Official fez referências a um ofício enviado ao encarregado do serviço da catequese no vale do Araguaia “dizendo ficar ciente de haverem-se ausentado de bordo do vapor Mineiro, em sua última viagem a Santa Maria, os índios alunos do Colégio Isabel, João Longry e Pedro Cocoira, o primeiro da tribo Kayapó e o segundo da Gorotire” (Ao encarregado..., 19 jan. 1878, p. 1). Portanto, Longry esteve no Colégio Isabel pelo período de cinco anos, posto que sua fuga ocorreu aos 27 de novembro de 1877. De todo modo, os dois eram bastante jovens quando lideraram a “correria” contra a aldeia dos Karajá e os ataques a fazendas da região. Em 1882, Pecaranty tinha 25 anos; Longry, 24.
Esse episódio, em que dois Kayapó egressos do Colégio Isabel lideraram correrias contra os Karajá e atacaram fazendeiros da região contraria o relato de Aristides Espínola, presidente da província de Goiás, para quem “o colégio tem a vantagem de fazer desaparecer os ódios e as dissensões das tribos, ligando-as entre si” (Goiás, 1880, p. 6, anexos). Segundo o padre Gallais, missionário dominicano francês, Pecaranti e Longry aprenderam a língua portuguesa e reproduziam a atitude performática de “vestir sem muita repugnância uma calça e uma camisa quando aparecem diante dos missionários” (1903, p. 44). Da mesma forma, ataques liderados por dois ex-alunos do Colégio Isabel contrariam o argumento de Marin, para quem “os uniformes, além de descaracterizarem aquelas crianças que, em suas aldeias, andavam nuas, destruíam a identidade de cada um dos alunos, cujas etnias e referências culturais eram diferenciadas” (2009, p. 156). As identidades indígenas das crianças matriculadas no Colégio Isabel não eram destruídas, mas ressignificadas a partir do contato com novos códigos culturais. Não à toa, os dois líderes indígenas só vestiam calça e camisa quando apareciam diante dos missionários, o que revela que eles perceberam o simbolismo da vestimenta aos olhos dos brancos.
Mais do que atacar os Karajá e fazendeiros da região, havia boatos mais assustadores com relação a movimentação dos Kayapó. Em 1884, dois anos após os ataques liderados por Pecaranti e Longry, matéria publicada no jornal O Apóstolo, do Rio de Janeiro, informava que
Pessoas fidedignas, vindas de Araguaia, dizem que o colégio do Dumbazinho (Colégio Isabel) havia mais de 20 dias estava ameaçado pelos Kayapó, que pretendem investi-lo. Diversos amigos, vindos da freguesia da Barra, chegados há dois dias, estiveram em perigo de ser atacados pelos índios nas imediações daquele arraial. Foram vistos diversos selvagens.
O pânico torna-se geral. Muitos fazendeiros, com enormes prejuízos, vão mudar-se para pontos menos perigosos. (Correspondência..., 1884, p. 3).
A ameaça Kayapó de investir contra o Colégio Isabel se deu nesse contexto marcado pela morte de diversas crianças indígenas, além dos frequentes raptos de crianças destinadas ao colégio. Pecaranti e Longry retornaram para suas aldeias, organizando ações que estavam muito distantes do papel de intérpretes culturais que o governo esperava deles. Ao agir por conta própria, guiados por seus próprios interesses, os Kayapó evidenciaram que o general Couto de Magalhães estava equivocado ao acreditar que os indígenas seriam como esponjas que absorveriam o líquido da civilização que se lhes põe em contato.
Um caminho inteiro, à guisa de conclusão
Ao contrário da conclusão de Marin, não se pode afirmar que os egressos do Colégio Isabel “já não eram mais índios, mas também não eram brancos, mas meio-índios, meio-brancos, estranhos e excluídos, tanto das sociedades tribais quanto da sociedade dominada pelos homens brancos” (2009, p. 166). A identidade de Pecaranty e Longry, assim como a dos demais egressos do colégio, não pode ser dividida ao meio. Eles eram sujeitos indígenas completos, uma unidade ressignificada pelo aprendizado de novos códigos culturais, a partir de escolhas feitas por eles próprios, como sujeitos de vontade. Foi com esses dois ex-alunos do Colégio Isabel que os padres Frei Gil de Villanova e Frei Angelo Dargaignaratz, da Ordem dominicana, negociaram o estabelecimento de uma missão no sul do Pará, fundada em 1897 com o nome de Nossa Senhora de Conceição do Araguaia, ocasião em que eles garantiram que “abandonariam a sua vida de vagabundagem e de correrias” e que confiariam algumas das suas crianças aos missionários. De todo modo, dizia Gallais (1903, p. 44), “as negociações só se conseguiram à custa de largas distribuições de brindes”. É verdade que Gongry (sic) e Pacaranty (sic) atuaram como intérpretes diante de Frei Gil, fato que facilitou o estabelecimento da missão. Mas, mais uma vez, nota-se que eles agiam de acordo com interesses próprios. Conforme Manuela Carneiro da Cunha,
Nenhuma sociedade, desde que consiga sobreviver, pode deixar de capturar e transfigurar em seus próprios termos culturais tudo que lhe é proposto ou imposto, até nas mais extremas condições de violência e sujeição, independentemente de qualquer confronto político (guerra, rebelião ou protesto). (2002, p. 15).
O mesmo pode-se dizer de Lauri, aluno egresso do Colégio Isabel que recebeu frei Berthet em sua canoa, “meio vestido”, protegendo-se dos raios do sol com uma sombrinha e utilizando um remo enfeitado com desenhos indígenas (Berthet, 1982, p. 123). Disso, Marin concluiu que “Lauri não era índio e nem branco, mas um meio caminho entre índio e branco” (2009, p. 165). Mesmo vivendo em sua aldeia, junto com seus parentes, fazendo uso da canoa e do remo com motivos tradicionais indígenas, Lauri tem sua identidade indígena negada por conta da presença de objetos exteriores à sua cultura, como se ele não fosse capaz de realizar a abertura para códigos da alteridade sem deixar de ser o que era.
O que a experiência dos alunos egressos do Colégio Isabel demonstra não é a produção de “um meio caminho entre índio e branco” ou de alguém que podia ser definido apenas pelo que não era, nem “índio”, nem branco, conforme afirmou Marin. Matriculados no colégio após a alfabetização em suas próprias línguas, eles seguiam convivendo com outros indígenas, com os quais compartilhavam experiências, viagens, conhecimentos e o choque entre horizontes simbólicos diversos permitia a construção de novos universos de significados negociados, que faziam sentido em ambos os lados, muito embora sujeitos à confusão de horizontes devido à utilização de uma linguagem comum. Muitos deles mantinham contato com seus familiares.
Por outro lado, várias crianças brancas estudaram no Colégio Isabel. Sobre essas não se costuma dizer que já não eram mais brancas, mas também não eram indígenas. Também não se diz que eram meio-brancas, meio-indígenas, um meio caminho entre uma coisa e outra. O reconhecimento da identidade das crianças brancas permanece garantido: elas são vistas como brancas do início ao fim do processo, muito embora tenham interagido com dezenas de crianças indígenas e igualmente alargado suas concepções de mundo e seus aprendizados. A pecha de “um meio caminho” só recai sobre as pessoas indígenas, como o fez Ronaldo Vainfas com Antonio, o líder da santidade ameríndia do recôncavo baiano, definido pelo autor como um caraíba catequisado, “meio cristão, meio Tupi” (Vainfas, 1995, p. 77). Assim, os indígenas que vivenciaram a experiência da catequese ou da escolarização carregariam a marca da “ambiguidade”, enquanto os brancos, muito embora marcados de múltiplas formas pelas culturas indígenas, seriam exemplos de exatidão e de nitidez.
O historiador John Monteiro chamou nossa atenção para a importância de não se pensar as sociedades indígenas como sempre exteriores e radicalmente opostas à sociedade colonial e, posteriormente, nacional. Dizia ele que
um dos maiores problemas da história dos índios é a perspectiva que pressupõe um caminho de via única para as populações que sofreram as consequências do contato: a história deste ou daquele povo, em termos tanto demográficos como culturais, se resume à crônica de sua extinção, quando, na verdade, a construção ou recriação das identidades nativas e da solidariedade social muitas vezes se dá precisamente em função das mudanças provocadas pelo contato. (Monteiro, 1999, p. 241).
Tanto os aldeamentos quanto as escolas para indígenas constituíram espaços políticos de criação e recriação de identidades, onde as populações indígenas foram desafiadas a articular as formas pré-coloniais de viver e de proceder com os desafios apresentados pela nova realidade da colonização, seja quando eles decidiram por sua inserção, seja quando optaram por recusar essa nova realidade. É preciso estar atento ao discurso das fontes quando elas se referem à suposta inflexibilidade de caráter do indígena e de sua total incapacidade de se adaptar a novas situações, discurso comum no Brasil do século XIX (Henrique, 2018). As sociedades indígenas não são e nunca foram estruturas rígidas, pouco suscetíveis a influências externas, elas nunca foram “sociedades imóveis na tradição”, imagem alimentada por antropólogos no século XX, segundo a crítica de Serge Gruzinski (2001, p. 30). Recusar-se a ver as pessoas que passaram pela experiência dos aldeamentos ou das escolas para indígenas como “um meio caminho entre indígena e branco” é uma forma de reconhecer suas identidades recriadas, reconstruídas e de reconhecer seu protagonismo na história, sua agência, muito mais do que sua “resistência”.
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Notas
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1
Os Kayapó Setentrionais se autodenominam Mebêngôkre, isto é, “gente do buraco d’água” (Gordon, 2006, p. 115). No início do século XIX, o grupo passou por um processo de divisão. Após migrarem para a margem esquerda do rio Araguaia, abandonando o interflúvio do Araguaia-Tocantins, os descentes dos atuais Xikrin migraram para a bacia do Itacaiúnas. Em seguida, entre 1840 e 1860, os Gorotire se deslocaram para a bacia do rio Xingu (Sena, 2021). Os que permaneceram na região do rio Araguaia se autodenominaram Irã Amrayré, “os que viajam em terreno limpo” (Turner, 1992, p. 314), mais conhecidos na literatura antropológica como Kayapó do Araguaia. São eles os que aparecem na documentação aqui utilizada com a denominação de “Kayapó”, posto que ainda não se conhecia a sua autodenominação. Como se poderá notar ao longo do texto, já havia a diferenciação entre estes e o grupo que migrou para o Xingu, os Gorotire. Como os Irã Amrayré são referidos na documentação aqui analisada como Kayapó, optamos por manter esse termo ao longo do artigo.
-
2
Os mapas estão sob guarda do Museu das Bandeiras (MUBAN), em Goiás. Eles contêm informações sobre quantidade, nomes dos estudantes indígenas, etnia, data de entrada no colégio, grau de aprendizado e uma coluna com informações gerais sobre os estudantes indígenas, incluindo questões de comportamento, does e fugas.
-
3
Também grafado na documentação como Manaô, conforme se verá mais adiante.
-
4
Foi apenas após a fundação da missão religiosa dos dominicanos franceses, no final do século XIX, no sul do Pará, que se iniciou um esforço em produzir gramáticas e dicionários das línguas dos Karajá e Kayapó. Em 1914, o frei Antonio Maria publicou na revista Anthropos o seu Essai de Grammaire Kaiapó, langue des indiens kaiapó, Brésil. No ano de 1920, o texto foi traduzido e publicado na Revista do Museu Paulista (Sala, 1920). Já em 1942, outro missionário dominicano, frei Luiz Palha, publicou o seu Ensaio de gramática e vocabulário da língua karajá falada pelos índios remeiros do rio “Araguaia”, sobre as línguas indígenas no Brasil, conferir Rodrigues (1986).
-
5
Ao contrário do que afirmou Esselin, a aldeia de Manaô, assim como o território dos Kayapó, não ficavam localizados na ilha do Bananal, mas na margem esquerda do rio Araguaia, em território paraense, em frente ao presídio de Santa Maria. Já a ilha do Bananal, por sua vez, era território dos Javaé (Macro-Jê).
-
6
O antropólogo Jorge Pozzobon conta que, saindo para caçar anta com os índios, percebeu que “os Maku se divertem dando nomes de brancos aos cachorros”: os cachorros caçadores da comunidade se chamavam Motosserra, Padre Norberto e Irmã Tereza. Conferir Pozzobon (2002, p. 37).
-
7
Essa relação pragmática que os indígenas tinham com o batismo pode ser encontrada em outros autores. Conferir: Amoroso (1998); Henrique (2018).
-
Declaração de disponibilidade de dados:
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
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Financiamento:
Bolsista Produtividade do CNPq.
Disponibilidade de dados
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Out 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
12 Jun 2024 -
Aceito
19 Nov 2024
