Acessibilidade / Reportar erro

MIGRAÇÕES E TRABALHO SOB CONTRATO NO SÉCULO XIX

Migration and indentured labor in nineteenth century

RESUMO

O objetivo deste artigo é entender o tráfico de coolies, os movimentos emigratórios da Índia e da China e a questão da diversidade de formas de trabalho compulsório em diversos espaços da América no século XIX. Pretende-se, ainda, realizar uma apreciação dos números da emigração de chineses e indianos para a América e a inserção dos primeiros em diversos espaços do continente, especialmente a partir da década de 1840 até o final do século XIX. Para finalizar, o artigo procura relacionar a crise da escravidão no espaço Atlântico, a reorganização do mercado mundial de mão de obra e as políticas imperiais de Portugal e Grã-Bretanha.

Palavras-chave:
Coolies; Chineses; Indianos; Escravidão; Migração; Trabalho sob contrato

ABSTRACT

This article analyzes the coolie traffic, emigration from India and China and the problem of diversity of the workforce in many places in America in the nineteenth century Its main goal is to understand the phenomenon of indentured labor, specially in Cuba and Peru. I intend to examine the figures of Indian and Chinese migrants in America, comparing with the figures of slave traffic. The article ends with an approach integrating the overthrow of slavery in the Atlantic, the reorganization of the world labor market and the imperial policies of Portugal and the United Kingdom.

Keywords:
Coolies; Chineses; Indians; Slavery; Migration; Indentured labor

Em seu estudo sobre o desenvolvimento do capitalismo, Giovanni Arrighi usou a expressão escravatura capitalista para se referir à ação dos Estados francês e inglês, na tentativa de ganhar terreno e sobrepujar Portugal, Espanha e especialmente Holanda, países que, ainda no século XVIII, estavam à frente na corrida colonialista e no controle das rotas do comércio mundial. Ao lado do nacionalismo econômico e da colonização direta de espaços na América e em outras partes do mundo, a escravatura capitalista foi, segundo o autor, um instrumento com que franceses e britânicos forçaram uma reorganização radical da “geografia política do comércio mundial” (ARRIGHI, 2012ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. , p. 49-50).

A expressão escravatura capitalista parece-nos adequada por ajudar a entender como diversas regiões usaram, a partir do século XVI, a escravidão e outras formas de trabalho compulsório para produzir mercadorias, introduzi-las nos espaços-de-fluxos¹ do comércio mundial e auferir lucro. Isso porque faz parte do funcionamento do sistema capitalista, desde o início de sua expansão no “longo século XVI”, procurar por formas de trabalho baratas que reduzam os custos de produção. Em outros termos, a escravidão e outras formas de trabalho forçado existem dentro do capitalismo e caracterizam-no. Essas formas de trabalho definem esse sistema econômico, bem como o trabalho assalariado, a mais-valia, a mercadoria etc. Nas palavras do historiador Dale Tomich (2011TOMICH, Dale. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. São Paulo: EDUSP, 2011., p. 50),² o trabalho escravo que se generalizou a partir do século XVI pode ser entendido como “parte da organização do trabalho social em escala mundial [porque] constitui uma forma específica de produção de mercadorias que se relaciona com outras formas semelhantes através do mercado mundial e da divisão internacional do trabalho”.

Em uma das importantes passagens de seu amplo estudo sobre o que chamou de moderno sistema mundial, Immanuel Wallerstein abordou o modo como diferentes formas de trabalho estiveram integradas à economia mundial capitalista que se desenvolvia desde o século XVI. Foi por isso que regiões da Europa oriental viram surgir nesse século variadas formas de trabalho sob coação e, em um momento de depressão econômica (a virada do século XVI para o XVII), o aumento das corveias e da exploração dos recursos naturais gerou esgotamento do solo e diminuição das exportações de produtos (trigo, gado e cobre). A situação do século XVI permitiu que certas regiões (Hungria, Polônia) se integrassem à economia-mundo capitalista como fornecedoras de produtos primários e a depressão do século XVII facultou um aumento da exploração da força de trabalho. Claro que a integração dessas regiões periféricas não foi nem constante e nem progressiva, como se pode evidenciar acima. Ela vivenciou momentos de expansão e depressão que não interessa analisar com detalhes neste momento. Contudo, é importante sublinhar que no século XVII, em muitas partes da Europa oriental ocorreu um reforço da servidão com aumento das corveias. Esse processo foi classificado de segunda servidão (WALLERSTEIN, 1980WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world-system II: mercantilism and the consolidation of the European world-economy: 1600-1750. New York: Academic Press, 1980. , p. 130-143).

Também o sistema de indústria doméstica permitiu que regiões como o Norte da Itália e o sul da Alemanha se incorporassem às economias centrais da Europa no século XVII. “Sob o sistema doméstico”, escreveu Wallerstein (WALLERSTEIN, 1980WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world-system II: mercantilism and the consolidation of the European world-economy: 1600-1750. New York: Academic Press, 1980. , p. 194),

[...] o produtor direto formalmente possuía os meios de produção, mas de facto, tornou-se um empregado do mercador-empresário, que controlava o rendimento real do produtor e se apropriava da sua mais-valia, sem contudo estar ainda em condições de garantir a sua eficiência máxima mediante uma supervisão direta no local do trabalho.

Afirma ainda que, no século XVII, “o sistema doméstico era menos eficiente, mas de fato mais explorador do trabalho, que um sistema fabril e, portanto, era ideal para uma época de estagnação relativa” (WALLERSTEIN, 1980WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world-system II: mercantilism and the consolidation of the European world-economy: 1600-1750. New York: Academic Press, 1980. , p. 195). Esse sistema doméstico foi chamado de Verlagssystem pelos historiadores alemães. Em inglês, ficou conhecido como putting-out system e em francês foi denominado de travail à domicile ou à façon

No terceiro volume de sua obra, Immanuel Wallerstein analisou o modo como, entre os séculos XVIII e XIX, o subcontinente indiano, o império otomano, o império russo e a África Ocidental se incorporaram à economia-mundo capitalista. No que diz respeito ao processo de produção, um dos elementos que caracterizaram a incorporação dessas vastas regiões foi um significativo aumento da coerção da mão de obra. Isso implicou uma reorganização da força de trabalho em escala local. Escreve Wallerstein (2010, p. 220) que

[...] no sorprende, por tanto, que al menos al principio y por cierto tiempo el aporte de trabajo que requería la producción para el mercado en una zona en proceso de incorporación tuviera que ser sometido por coerción, directa o indirecta, al trabajo en los lugares adecuados al ritmo adecuado. Esta coerción implicaba dos elementos que deben distinguirse conceptualmente: los métodos utilizados para que el trabajador trabajara más adecuadamente (¿más eficientemente?) y durante más tiempo (por día, por año, por tiempo de vida); y los derechos formales o estatus jurídico del trabajador y, por conseguinte, su espectro de opciones en relación con su trabajo.

Além do aumento da coerção da força de trabalho, os outros elementos para a incorporação dessas vastas zonas à economia-mundo capitalista foram: a) mudança nas pautas de exportação e importação e b) desenvolvimento de uma agricultura de grande escala (WALLERSTEIN, 2010WALLERSTEIN, Immanuel. El moderno sistema mundial III: La segunda era de gran expansion de la economía-mundo capitalista, 1730-1850. Madrid: Siglo XXI, 2010. , p. 179-265).

Segunda servidão, indústria doméstica, escravidão colonial ou diversas formas de coerção da mão de obra, com diferentes estatutos jurídicos. Não é necessário alongar a lista para se entender que muitas regiões usavam diferentes formas de trabalho em seus processos de incorporação aos espaços-de-fluxos do comércio mundial. A busca por força de trabalho de baixo custo é um dos pilares para se pensar o funcionamento do capitalismo e sua expansão geográfica ao longo do tempo. Em uma perspectiva sistêmica e considerando o desenvolvimento histórico do capitalismo, foi possível perceber em diversas partes do mundo um crescimento econômico diferenciado para cada lugar, de acordo com as possibilidades de contato com o polo principal europeu. Desse modo, pode-se pensar que as redes de comércio internacional que surgiram desse desenvolvimento não uniram Estados ou sociedades autônomas e com capacidade de gestão independente de suas políticas econômicas, mas, ao contrário, unidades cada vez mais interdependentes e organicamente vinculadas a uma divisão internacional do trabalho. Ao lado de uma divisão social do trabalho no interior das economias que participam da economia-mundo capitalista (pode-se pensar, por exemplo, na extração da mais-valia na relação burguesia-proletariado ou na extração de sobretrabalho do senhor sobre seus escravos), há uma divisão internacional do trabalho que transfere excedentes das regiões periféricas (por exemplo, regiões produtoras de commodities como café, açúcar) para as economias centrais. Nesse sentido, a questão do trabalho ganha uma dimensão realmente estratégica para garantir o lucro dos principais capitalistas nos países centrais e para se compreender o funcionamento do capitalismo enquanto economia-mundo.

Como se sabe, o século XIX conheceu um fenômeno importante que esteve intimamente ligado à expansão do capitalismo em escala mundial: a migração. De acordo com Eric Hobsbawm (1996, p. 271), em meados do século XIX foi possível notar a “maior migração de povos da História”. Lembrando o título de alguns de seus livros, poder-se-ia, de fato, entender o século XIX como o da “era das migrações”. Os números dos deslocamentos populacionais ultrapassaram a casa dos milhões em muitos casos. Muitos fatores provocaram os movimentos (voluntários ou não) de pessoas para diversas partes do mundo. Os resultados visíveis da Revolução Industrial cumpriram seu papel ao facilitar o deslocamento de pessoas. O desenvolvimento tecnológico, com os barcos a vapor, o telégrafo e as ferrovias não somente aceleraram o escoamento de produtos e baratearam seus custos, como também facilitaram os movimentos migratórios, a circulação de informações e os contatos com regiões outrora distantes em diversos continentes. E a migração constituiu-se, nesta época, em um negócio lucrativo. Para ficar com alguns exemplos, empresas como a Swan River Settlement, Australian Agricultural Company, Van Diemen’s Land Company, e a British American Land Company compravam barato lotes de terras de povos nativos e vendiam mais caro para colonos britânicos. Os elos entre as migrações e a expansão comercial são muito próximos, especialmente para os habitantes da potência hegemônica da época, a Grã-Bretanha. Como escreveu John Darwin, os movimentos migratórios foram um modo de aliviar problemas econômicos, removendo trabalhadores pouco úteis para a economia e, lembrando as palavras de Edward Gibbon Wakefield, criar novos consumidores no exterior. Além disso, a constituição da Grã-Bretanha como uma sociedade de emigração facilitou o expansionismo imperialista e promoveu a formação de redes comerciais ao redor do globo. Por outro lado, as melhorias nas condições sanitárias e de alojamento dos navios e o aumento das regulamentações para as viagens marítimas diminuíram os índices de mortalidade, especialmente se comparados àqueles do tráfico de escravos (DARWIN, 2009DARWIN, John. The Empire Project: the Rise and Fall of the British World-System, 1830-1970. New York: Cambridge University Press, 2009., p. 41-44; p. 57-59; NORTHRUP, 1995NORTHRUP, David. Indentured Labor in the Age of Imperialism, 1834-1922. New York: Cambridge University Press, 1995. , p. 80-85). Nesse sentido que é imperioso considerar os movimentos populacionais, as migrações internacionais, as políticas imigratórias e o tráfico (migração não voluntária) de seres humanos como componentes explicativos para se entender o funcionamento da economia-mundo capitalista, especialmente a partir do século XIX. Não somente uma ânsia por trabalho de baixo custo moveu os capitalistas de várias partes do globo. Também a vontade de milhões de trabalhadores por oportunidades em terras estrangeiras levou o movimento populacional ao redor do mundo a níveis altíssimos. Fatores internos em determinadas sociedades, como aqueles analisados por David Northrup para a China e a Índia no século XIX (conflitos e guerras, crescimento populacional, fome ou mesmo as mudanças estabelecidas pelo governo metropolitano no caso específico da Índia), levaram muitos a procurarem, voluntariamente, oportunidades em diversos locais que necessitavam de força de trabalho. Esses fatores de crise social provocaram migrações internas na China e na Índia. Uma parte desses migrantes partiu em viagens para além das fronteiras de suas sociedades de origem (NORTHRUP, 1995, p. 51-70). Aqueles que participaram das migrações internacionais aproveitaram rotas legais e ilegais já estabelecidas a fim de buscar uma virada para suas vidas. Outros tantos foram coagidos a entrarem na máquina de sucção de pessoas em rotas firmemente estabelecidas para mercados consumidores de trabalhadores de baixo custo. As rotas de Macau, na China, para os portos de Callao, no Peru, e Havana, em Cuba, foram dois caminhos que sugaram milhares de chineses para as condições terríveis de trabalho em plantations que necessitavam de trabalho sob coação.

O século XIX vivenciou um significativo movimento populacional no espaço Atlântico que vinculou a África e a Europa à América. Nesse último caso, é possível citar como exemplo a migração de irlandeses, alemães e britânicos para os Estados Unidos, que alcançou números expressivos, e a chegada de imigrantes italianos e espanhóis na Argentina na passagem dos séculos XIX para o XX (SOLIMANO, 2003SOLIMANO, Andrés. Globalization and International Migration: the Latin America Experience. Cepal Review, n. 80, p. 53-69, aug. 2003.). Ao lado desse intenso movimento populacional no espaço Atlântico, também é importante considerar o notável movimento migratório no Pacífico e no Índico, ligando a Ásia a diversos pontos do continente americano. Como se verá adiante, as rotas do Pacífico e do Índico, que levaram milhares de chineses e indianos para a América, estimulou consequentemente novas rotas migratórias no interior do continente americano.

Assim, essa breve análise sobre a questão das diversas formas de trabalho como elemento integrante do capitalismo serve como uma boa porta de entrada para apresentar o objetivo deste artigo. O tráfico de coolies, os movimentos emigratórios da Índia e da China e a questão da diversidade de formas de trabalho compulsório em diversos espaços da América são importantes temas de pesquisa histórica que podem redimensionar o entendimento sobre sociedades escravistas e não-escravistas que, de alguma maneira, se incorporaram à economia-mundo capitalista no século XIX.

O tema, em si bastante amplo, não poderá ser trabalhado integralmente nos limites deste artigo. Desse modo, o objetivo principal é discutir um enquadramento amplo da questão, focar na apreciação dos números da migração de chineses e indianos para a América, entender a importância do trabalho sob contrato em diversos espaços do continente, especialmente em Cuba e no Peru, a partir da década de 1840 até o final do século XIX e analisar a gestação das políticas imigratórias no México, Canadá e Estados Unidos. Pretende-se, igualmente, levantar perspectivas de análise vinculadas ao tema, inserindo-o em um contexto histórico de crise da escravidão na América, chamando a atenção dos pesquisadores quanto à importância de se considerar a multiplicidade de regimes de trabalho em plantations escravistas e, por conseguinte, ultrapassar o escopo binário senhor-escravo. O artigo se encerra sugerindo, ainda, possibilidades de análise que unem pontos aparentemente divergentes, como a crise da escravidão no espaço Atlântico, a reorganização do mercado mundial de mão de obra e as políticas imperiais de Portugal e Grã-Bretanha (uma vez que grande parte do tráfico de chineses tinha como porto de exportação as cidades de Macau e Hong Kong).

Na América, imigrantes asiáticos e trabalhadores sob contrato por toda parte

O termo coolie é uma generalização usada desde o século XIX e se refere a asiáticos de variadas culturas e origens (chineses, indianos ou pessoas de outras procedências) que trabalharam sob contrato em diversas partes da economia-mundo capitalista, especialmente no século XIX. Em um sentido pejorativo, alude às pessoas com baixa qualificação que tiveram de migrar compulsoriamente e foram submetidas a regimes de trabalho que, malgrado a rubrica “livre”, estiveram sujeitas a condições degradantes e violentas em diversas sociedades, como nas regiões escravistas e pós-escravistas da América. Alguns autores, como Lisa Yun e Walton Look Lai, discutem o conceito e empregam o termo referindo-se exclusivamente aos chineses que foram encaminhados à América (YUN, 2008YUN, Lisa. The Coolie Speaks: Chinese Indentured Laborers and African Slaves in Cuba. Philadelphia: Temple University Press, 2008., p. XIX-XXI; YOUNG, 2014YOUNG, Elliott. Alien Nation: Chinese Migration in the Americas form the Coolie Era through World War II. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2014., p. 46-47).

O fenômeno histórico conhecido como “tráfico de coolies” esteve associado diretamente ao período que vai do final da década de 1840 até o ano de 1874, quando milhares de chineses foram encaminhados principalmente para Cuba e o Peru e muitos abusos no recrutamento de mão de obra foram identificados. Contudo, a migração de trabalhadores para diversas partes da economia-mundo, muitos deles atrelados a um contrato de trabalho, ultrapassa esse escopo temporal, inicia-se nos primeiros anos do século XIX e avança até as décadas iniciais do século XX.

O tráfico de coolies ou, em outros termos, o transporte por meios coativos de mão de obra de um lugar para outro, foi comparado ao tráfico africano de escravos por muitos periodistas e analistas do século XIX. Os abusos na condução de chineses para a América, os motins que afligiram as viagens e a atitude de confiná-los em barracões no ponto de partida, de fato tornaram similares os dois tráficos. Os barracões, por vezes, escandalizaram funcionários do governo britânico. A empresa britânica Syme, Muir & Co. erigiu um desses edifícios em frente ao seu escritório em Amoy. Essa empresa foi responsável por transportar coolies para as Índias Ocidentais britânicas no início do tráfico. Outra empresa britânica, a Tait & Co., utilizou-se de uma embarcação com nome bastante significativo para seus propósitos, a Emigrant, para abrigar trabalhadores que aguardavam a partida. Percursos estabelecidos ligaram a China, especialmente as cidades de Macau e Hong Kong, a vários locais na América, como Peru, Cuba, México, Estados Unidos, Canadá e outros portos do continente. Esse tráfico iniciou-se no final da década de 1840 e prolongou-se com intensidade até meados de 1870. Também um tráfico, digamos, interno interligou diversos lugares da América. Assim, sabe-se que chineses vieram da Califórnia, Estados Unidos, e integraram o parque produtivo de Cuba nas décadas de 1860 e 1870 (os chamados californianos) e outros vivenciaram a experiência na rota Vancouver-Montreal-México. O caso dos 480 chineses que saíram de Hong Kong no ano de 1899 é ilustrativo desse último exemplo. Eles foram contratados para trabalhar na construção de ferrovias e, ao desembarcarem, foram trancados em vagões de trens e enviados para Montreal. Daí foram encaminhados a Tampico, no México, onde trabalharam para Ma Chok, um empresário do ramo de ferrovias. Vivendo em condições degradantes, vigiados por feitores, punidos com açoites, os chineses de Tampico vivenciaram um longo percurso que começou em Hong Kong e terminou no norte do México. A conexão Canadá-México foi uma das muitas existentes na América. Capitalistas como Ma Chok, proprietário da empresa On Wo Company, eram ávidos por trabalhadores de baixo custo (CHING-HWANG, 2013CHING-HWANG, Yen. Chinese coolie emigration, 1845-1874. In: CHEE-BENG, Tan. Routledge Handbook of the Chinese Diaspora. London and New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2013. p. 73-88., p. 76; RIVA, 1978RIVA, Juan Pérez de la. El Barracón: Esclavitud y Capitalismo en Cuba. Barcelona: Editorial Crítica, 1978.. p. 56-57; YOUNG, 2014YOUNG, Elliott. Alien Nation: Chinese Migration in the Americas form the Coolie Era through World War II. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2014., p. 111-114).

Os números gerais dos migrantes para diversas partes do mundo impressionam. David Northrup informa que, entre as décadas de 1840 e 1910, partiram da China para diversos locais 386.901 trabalhadores sob contrato. Esse número, é importante sublinhar, não considera os chineses que se dirigiram para o Canadá, México e Estados Unidos e refere-se àqueles que foram para o Caribe Britânico (18.587), Caribe Francês (2.250), Guiana Holandesa (2.979), Cuba (138.156), Peru (117.432), Ilhas Maurício (850), Reunião (1.350), Taiti (1.100), Transvaal, colônia britânica na África do Sul (63.938 trabalhadores somente na primeira década do século XX), Queensland, Austrália (5.950) e Havaí (34.309). O número de migrantes que partiram da Índia é ainda mais impressionante. Entre as décadas de 1830 e 1910, 1.336.030 trabalhadores dirigiram-se para diversos pontos da América, África e ilhas do Índico e do Pacífico. Desses, 429.454 trabalhadores sob contrato provenientes da Índia chegaram ao Caribe Britânico, contra apenas 17.810 chineses que aportaram nas colônias caribenhas da Grã-Bretanha.⁴ Vale notar que um número expressivo de indianos (451.786) destinou-se à Ilha Maurício, colônia britânica no Oceano Índico. Outros 39.437 indianos foram para Mombaça, atual Quênia, e 152.184 trabalhadores provenientes da Índia tiveram como destino as plantations de açúcar de Natal (atual Durban, na África do Sul). Colônias de outros países europeus também receberam um número considerável de indianos. Vale destacar o Caribe Francês que, entre as décadas de 1850 e 1880, recebeu 79.089 trabalhadores provenientes da Índia. Igualmente, de meados da década de 1850 a início da década de 1860 aportaram nas colônias francesas do Caribe aproximadamente 18.400 africanos provenientes do Senegal e de localidades mais ao sul da costa senegalesa. Esses trabalhadores foram obrigados ao trabalho com base em um contrato de seis anos de duração. Por sua vez, a ilha Reunião, colônia francesa no Índico, recebeu, após a abolição do tráfico de escravos pelo governo metropolitano em 1848, 75.636 trabalhadores provenientes da Índia, 34.219 africanos, além de 1.265 chineses. Números expressivos de japoneses e habitantes das ilhas do Oceano Pacífico também migraram, os primeiros para o Havaí e o Peru e os segundos para Queensland (colônia britânica), Peru, Fiji e Havaí (NORTHRUP, 1995NORTHRUP, David. Indentured Labor in the Age of Imperialism, 1834-1922. New York: Cambridge University Press, 1995. , p. 43-79; p. 159-160). Como se percebe para o caso das colônias britânicas do Caribe, a Índia substituiu a África, conforme asseverou Eric Williams, em avaliação relativamente exagerada, mas condizente com a tendência verificada (WILLIAMS, 2012WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., p. 61).

Os números acima mostram o intenso movimento migratório no Oceano Pacífico e no Oceano Índico e a importância do trabalho sob contrato, uma forma de trabalho compulsório diferente da escravidão, em diversas partes do mundo no século XIX e início do século XX. O atributo compulsório do contrato encontrava-se na obrigatoriedade de seu cumprimento. O contrato adquiriu um caráter coativo a partir do momento em que o contratado deveria cumprir os seus termos, sem, muitas vezes, ter pleno conhecimento das condições de trabalho e da sociedade de destino (YOUNG, 2014YOUNG, Elliott. Alien Nation: Chinese Migration in the Americas form the Coolie Era through World War II. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2014., p. 73).

Esses dados são realmente expressivos se comparados aos do tráfico de escravos no século XIX. As cifras apresentadas até aqui para as migrações de trabalhadores sob contrato (considerando chineses e indianos que saíram de seus locais de origem) perfazem aproximadamente 1.722.931 trabalhadores. Segundo os dados levantados por Northrup, os emigrantes que partiram para algum ponto da América somam 279.404 chineses (excluindo, deve-se sublinhar, aqueles que se dirigiram para o México, Canadá e Estados Unidos) e 551.823 indianos (NORTHRUP, 1995NORTHRUP, David. Indentured Labor in the Age of Imperialism, 1834-1922. New York: Cambridge University Press, 1995. , p. 156-157).⁵ Já no caso do tráfico de africanos, cerca de 3.569.687 escravos embarcaram em direção à América entre 1800 e 1866. Desses, 3.170.565 chegaram a seu destino final. Considerando que o tráfico de coolies foi muito intenso nas décadas de 1840 e 1860, observa-se, no mesmo período (até 1866), a chegada à América de 630.616 africanos, tendo 725.601 sido embarcados em portos da África. Para Cuba, entre 1840 e 1866, chegaram 269.838 africanos e 121.810 chineses.⁶ Sem dúvida, esses números redimensionam a importância da mão de obra asiática em diversos espaços da América, num momento de intensos questionamentos quanto ao tráfico de africanos, e chamam a atenção para a importância do trabalho sob contrato em várias partes do mundo, amplificando as disparidades na apropriação de excedentes na economia-mundo capitalista em expansão.

A chegada de chineses adquiriu dimensões notáveis em Cuba e no Peru. Entre 1849 e 1874, cerca de 100.000 chineses foram introduzidos no Peru para trabalhar na construção de ferrovias, em diversas plantations de algodão e cana-de-açúcar e na produção de guano, um poderoso fertilizante exportado principalmente para a Grã-Bretanha (MATHEW, 1970MATHEW, William. M. Peru and the British Guano Market, 1840-1870. The Economic History Review, v. 23, n. 1, p. 112-128, apr. 1970. , p. 112-128). O guano, cuja produção era controlada pelo Estado, foi uma commodity importante para a organização das finanças públicas peruanas e para a expansão da dívida externa desse país, especialmente a partir do governo de Ramon Castilla, eleito presidente em 1845. Isso não significou estabilidade política para o Peru durante o período áureo da extração desse fertilizante (1850-1875), mas permitiu a tomada de empréstimos durante vinte e cinco anos de credibilidade financeira desse país no mercado britânico, garantida pela produção guanera. Como resultado, a dívida externa peruana subiu significativamente nesse período, financiando a construção de ferrovias, auxiliando no pagamento de dívidas passadas oriundas da época da independência e despesas de guerra. Como salientou Catalina Vizcarra, o caso peruano demonstrou que a instabilidade política de um país não necessariamente estorva a expansão do crédito (VIZCARRA, 2009VIZCARRA, Catalina. Guano, Credible Commitments, and Sovereign Debt Repayment in Nineteenth-Century Peru. The Journal of Economic History, v. 69, n. 2, p. 358-387, jun. 2009., p. 358-387).

Entre o final da década de 1840 e meados da de 1870, o Estado peruano firmou contratos com empresas (Gibbs, Thomson and Bonar, House of Dreyfus) para conduzir a exportação do guano para os consumidores nos Estados Unidos, França e, especialmente, Grã-Bretanha. Essa foi a chave para a estabilidade financeira do Estado peruano, para a tomada de empréstimos e para o sucesso do comércio guanero. As receitas do Estado com a produção de guano eram caucionadas, uma prática comum no contexto internacional oitocentista. Muitos dos rendimentos recebidos pelo Estado vieram na forma de empréstimos desses e de outros consignatários estabelecidos, principalmente, no Reino Unido. O comércio de guano permitiu que o presidente Castilla abolisse, em 1854, a contribuição indígena, cobrada desde a época colonial. Outras reformas de caráter tributário aumentaram a dependência do Estado com as receitas oriundas da exportação do guano. Por outro lado, a irregularidade no abastecimento do mercado britânico foi um dos fatores determinantes para a crise do comércio guanero na década de 1870, mas, como mencionado acima, a produção do fertilizante facultou ao Estado peruano relativa estabilidade financeira no período áureo de exportação, conduzindo ao aumento da dívida externa do país. Como consequência, a necessidade de trabalho de baixo custo aumentou e levas de chineses foram conduzidas para trabalhar nas ilhas guaneras, as ilhas Chincha. Em outros termos, a base da estabilidade financeira do Peru apoiou-se no trabalho compulsório oriundo da China (MATHEW, 1970MATHEW, William. M. Peru and the British Guano Market, 1840-1870. The Economic History Review, v. 23, n. 1, p. 112-128, apr. 1970. , p. 112-128; VIZCARRA, 2009VIZCARRA, Catalina. Guano, Credible Commitments, and Sovereign Debt Repayment in Nineteenth-Century Peru. The Journal of Economic History, v. 69, n. 2, p. 358-387, jun. 2009., p. 358-387; BONILLA, 2001BONILLA, Heraclio. O Peru e a Bolívia da independência à Guerra do Pacífico. In: BETHELL, Leslie. História da América Latina: da independência até 1870. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001. p. 541-589., p. 556).

A história da imigração no Peru remonta à década de 1830, quando a situação política instável desse país levou a uma queda expressiva do número de escravos. Consciente desse problema e atendendo aos grupos de pressão, o governo peruano começou a agir com o intuito de garantir a imigração. Em 1839, aprovou-se uma lei que possibilitava o pagamento de 30 pesos a quem importasse trabalhadores. Entre 1839 e 1851, cerca de 450 mil pesos foram pagos com base nessa legislação. Além disso, a abolição indenizada da escravidão em 1854, no governo de Castilla, outra consequência das rendas advindas do guano, injetou ainda mais dinheiro nas mãos dos proprietários de terra, preocupados com a carência de mão de obra. Isso possibilitou a contratação de trabalhadores chineses. Essa conjuntura peruana favorável à imigração permitiu o surgimento de contatos com comerciantes estabelecidos em Macau. De 1849 até 1874, o Peru tornou-se um dos locais de grande entrada de chineses. O grosso dessa população dirigiu-se para as fazendas de produção de açúcar e de algodão do litoral. Assim, a estabilidade financeira oriunda da exportação do guano permitiu que o Estado abolisse de forma indenizada a escravidão e injetasse dinheiro nas mãos de fazendeiros que puderam, por seu turno, contratar chineses para trabalharem em suas fazendas (GONZALES, 1989GONZALES, Michael J. Chinese Plantation Workers and Social Conflict in Peru in the Late Nineteenth Century. Journal of Latin American Studies, v. 21, n. 3, p. 385-424, oct. 1989., p. 385-424; BONILLA, 2001BONILLA, Heraclio. O Peru e a Bolívia da independência à Guerra do Pacífico. In: BETHELL, Leslie. História da América Latina: da independência até 1870. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001. p. 541-589., p. 556-561; NORTHRUP, 1995NORTHRUP, David. Indentured Labor in the Age of Imperialism, 1834-1922. New York: Cambridge University Press, 1995. , p. 34-35).

A migração chinesa para o Peru ocorreu em duas fases: a primeira, entre 1849 e 1856. Nesse último ano, o governo peruano suspendeu a imigração, atendendo a grupos internos de oposição e satisfazendo a pressão internacional, escandalizada com as notícias a respeito das condições de trabalho na produção do guano. A guerra civil norte-americana (1861-1865) abriu perspectivas de aumento da produção de algodão para os proprietários peruanos que, a partir de 1861, pressionaram o governo para reabrir o tráfico. Desse ano até 1874, o número de chineses começou novamente a subir. O trabalho sob contrato no Peru foi tão importante que, após o fim da entrada de coolies, a produção de commodities peruana entrou em crise em razão, entre outros fatores, da carência de mão de obra. As tentativas de solucionar o problema, transformando os chineses em assalariados e exercendo sobre eles um controle sobre a mobilidade - algo natural em regimes de trabalho compulsório - não produziram os efeitos esperados e a carência de mão de obra provocou, no período posterior ao ano de 1874, uma queda nas exportações peruanas (NORTHRUP, 1995NORTHRUP, David. Indentured Labor in the Age of Imperialism, 1834-1922. New York: Cambridge University Press, 1995. , p. 109-110; YOUNG, 2014YOUNG, Elliott. Alien Nation: Chinese Migration in the Americas form the Coolie Era through World War II. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2014., p. 74-75; GONZALES, 1989GONZALES, Michael J. Chinese Plantation Workers and Social Conflict in Peru in the Late Nineteenth Century. Journal of Latin American Studies, v. 21, n. 3, p. 385-424, oct. 1989., p. 385-424).

Já no caso cubano, os chineses, sob um regime de contrato, trabalharam majoritariamente junto com os escravos nas fainas agrícolas vinculadas à produção de açúcar. A primeira embarcação oriunda da China que aportou em Cuba trouxe, em 1848, 612 trabalhadores sob os auspícios de uma importante família de senhores de escravos, os Zuluetas. Nos anos seguintes, os primos Pedro Zulueta e Julián Zulueta se destacariam no tráfico de chineses para Cuba. Entre 1848 e 1874, 138.156 trabalhadores saíram da região de Guangdong, no sudeste da China, em direção a Cuba. Desses, conforme dados apresentados por David Northrup e Lisa Yun, aportaram nessa ilha caribenha 121.810.⁷

O trabalho de David Northrup considera que o fim do tráfico de escravos para as colônias britânicas (em 1833) e francesas (em 1848) impulsionou a entrada de trabalhadores sob contrato oriundos da Ásia (NORTHRUP, 1995NORTHRUP, David. Indentured Labor in the Age of Imperialism, 1834-1922. New York: Cambridge University Press, 1995. ). Essa assertiva, apesar de correta para essas regiões, não se aplica para o caso cubano. Os chineses chegaram a essa colônia espanhola do Caribe em um momento histórico de significativa expansão da produção de açúcar. Os proprietários de escravos não consideravam a mão de obra chinesa uma alternativa para o processo de transição para o trabalho livre. Ao contrário, os trabalhadores sob contrato foram uma força de trabalho amplamente utilizada e complementar em um momento de crescimento econômico e de investimentos produtivos que permitiram o funcionamento de vários engenhos mecanizados e semimecanizados em Cuba e a construção, em diversas propriedades, dos barracões para abrigar a força de trabalho (YUN, 2008YUN, Lisa. The Coolie Speaks: Chinese Indentured Laborers and African Slaves in Cuba. Philadelphia: Temple University Press, 2008., p. 1-35).

A importação de chineses aumentou significativamente a diversidade de regimes de trabalho em diversos engenhos cubanos, um aspecto por vezes desconsiderado por estudiosos do trabalho compulsório nessa ilha caribenha. Essa diversidade provocou diferenciações sociais que foram objeto de preocupação das autoridades. Como salientou a historiadora Rebecca J. Scott, não havia homogeneidade nas fazendas cubanas, mas uma força de trabalho “segmentada, com diversas formas e valores de remuneração devido aos diversos tipos de trabalhadores” (SCOTT, 1991SCOTT, Rebecca J. Emancipação escrava em Cuba: a transição para o trabalho livre, 1860-1899. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Campinas: Editora da Unicamp, 1991., p. 105). Assim, vê-se, em muitos engenhos, os escravos da propriedade labutando ao lado de escravos alugados, chineses sob contrato, negros, brancos e mulatos, condenados etc. (SCOTT, 1991, p. 104-105). Os exemplos dessa diversidade são volumosos. Os ingenios España, Álava e Las Cañas localizavam-se em Matanzas, principal região açucareira de Cuba. O primeiro contava, em 1873, com 530 escravos, 86 chineses, e 19 brancos, totalizando 635 trabalhadores, 97% deles não-livres. A dotación do ingenio Álava compunha-se, em 1877, de 550 escravos, 71 chineses e ainda se empregavam alguns assalariados. Por fim, o proprietário do ingenio Las Cañas possuía em 1873, 450 escravos, 230 chineses e 27 brancos (SCOTT, 1991, p. 110). Os números relativos de trabalhadores vindos da China sobre o total de escravos eram, respectivamente para as três propriedades, de 16,2%, 12,9% e 51,1%. Outro importante ingenio, o Flor de Cuba, possuía 409 escravos e 170 chineses de acordo com Justo G. Cantero, em livro publicado em 1857CANTERO, Justo G.; LAPLANTE, Eduardo. Los Ingenios: colección de vistas de los principales ingenios de azúcar de la Isla de Cuba. Havana: Impr. Lit. Luís Marquier, 1857. . A descrição de Cantero permite perceber que os chineses, nessa propriedade, eram abrigados na parte da frente do barracão, no piso inferior, e na cozinha que ficava localizada em seu interior (Figura 1). Portanto, eles dormiam separados dos escravos, mas próximos a eles, e foram uma importante força de trabalho nesse engenho, chegando a perfazer aproximadamente 41,7% do total de trabalhadores (CANTERO; LAPLANTE, 1857CANTERO, Justo G.; LAPLANTE, Eduardo. Los Ingenios: colección de vistas de los principales ingenios de azúcar de la Isla de Cuba. Havana: Impr. Lit. Luís Marquier, 1857. ). Já o historiador Manuel Moreno Fraginals faz referência, sem apresentar, contudo, maiores detalhes, à construção de “barracões asiáticos” em alguns engenhos, salientando que era impossível alojar esses trabalhadores junto com os africanos. Afirma, ainda, que esses barracões tiveram suas “características carcerárias” suavizadas (FRAGINALS, 1989FRAGINALS, Manuel Moreno. O engenho: complexo sócio-econômico açucareira cubano. São Paulo: Hucitec; Ed. UNESP; Brasília: CNPq, 1989., p. 89).

Figura 1
Detalhe do barracão do engenho Flor de Cuba, com a seta amarela indicando a parte da frente do barracão, no piso inferior, e a seta azul, a cozinha

No Peru, a diversidade de trabalhadores nas lides agrícolas provocou, especialmente em momentos de instabilidade política, sérios enfrentamentos. No contexto da Guerra do Pacífico (1879-1883), a invasão chilena enfraqueceu os controles dos proprietários rurais e do governo peruano e favoreceu o recrudescimento das animosidades entre chineses e negros. Os primeiros foram vítimas tanto dos soldados chilenos quanto da vindita dos negros. Pelo menos um desses conflitos ficou notadamente marcado: em 1881, na região de Cañete, ao sul de Lima, entre 700 e 1.500 chineses perderam suas vidas. A ferocidade da investida de negros e mestiços (cholos) atingiu não somente os trabalhadores de origem chinesa (diversos deles tiveram seus corpos mutilados e partes de seus membros foram colocadas nas bocas das vítimas), mas também as dependências de várias fazendas de produção de açúcar foram atingidas. Os revoltosos, aproveitando-se da fragilidade do governo e das elites locais em virtude da invasão chilena, atentaram contra a vida de vários chineses, produzindo o maior massacre desse grupo na América. Além desse violento embate, outros conflitos étnicos marcaram a história peruana no século XIX (GONZALES, 1989GONZALES, Michael J. Chinese Plantation Workers and Social Conflict in Peru in the Late Nineteenth Century. Journal of Latin American Studies, v. 21, n. 3, p. 385-424, oct. 1989., p. 385-424; YOUNG, 2014YOUNG, Elliott. Alien Nation: Chinese Migration in the Americas form the Coolie Era through World War II. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2014., p. 77-79).

Em Cuba, a diferenciação jurídica existente entre os escravos e os chineses (trabalhadores sob contrato), não garantiu nenhum privilégio para os últimos em relação aos primeiros e ambos sofreram os rigores do regime de trabalho compulsório (punições físicas, controle da mobilidade, encarceramento etc). Essa diferenciação foi motivo de reclamações e intensas reivindicações por parte dos chineses que trabalhavam nas fazendas açucareiras cubanas. Esses exemplos permitem pensar sobre a complexidade étnica e social construída em diversas sociedades na América quando havia interesse por trabalho compulsório de baixo custo (YUN, 2008YUN, Lisa. The Coolie Speaks: Chinese Indentured Laborers and African Slaves in Cuba. Philadelphia: Temple University Press, 2008., p. 152).

No caso cubano, nota-se, pelas litografias de Laplante, que em alguns ingenios os chineses podiam trabalhar ao lado dos escravos na casa das caldeiras (Figuras 2, 3 e 4). Essa era uma das etapas essenciais do processo produtivo de açúcar e, dos chineses sob contrato, segundo as avaliações de Juan Pérez de la Riva (1978RIVA, Juan Pérez de la. El Barracón: Esclavitud y Capitalismo en Cuba. Barcelona: Editorial Crítica, 1978.. p. 74-75), entre 1/5 e 1/3 labutavam nessa etapa do processo produtivo. Contudo, a regra era concentrá-los no corte da cana.

Figura 2
Detalhe da casa das caldeiras do engenho Santa Rosa. As setas amarelas apontam chineses no local de trabalho

Figura 3
Detalhe da casa das Caldeiras do Engenho Victoria. A seta amarela aponta chineses no local de trabalho

Figura 4
Detalhe da casa das Caldeiras do Engenho Flor de Cuba. A seta amarela aponta chineses no local de trabalho

Em Cuba, nem todos os chineses trabalharam em fazendas açucareiras e muitos nem sequer dormiram nos barracões. Contudo, muitos daqueles que aportaram em Cuba e no Peru entre o final da década de 1840 e o ano de 1874 trabalharam ao lado dos escravos, dos negros livres e dos mulatos, vivenciaram experiências de desrespeito aos seus contratos de trabalho, sofreram punições físicas, malgrado regulamentos que procuravam disciplinar e controlar as punições corporais, foram acorrentados da mesma maneira que escravos, humilhados igualmente - no ingenio Flor de Cuba, há relatos de chineses que eram obrigados a balir como uma ovelha ou a latir como um cachorro - e sofreram as agruras próprias de um grupo social considerado inferior em contextos sociais racialmente divididos. Tudo isso ressignifica nosso entendimento sobre as sociedades latino-americanas do século XIX que, em algum momento, vivenciaram a experiência da escravidão. Muito mais do que uma divisão social composta, por exemplo, por brancos, negros, mulatos e/ou índios, a presença dos chineses aumentou a complexidade social e racial em sociedades como as do Peru e de Cuba e produziu em alguns momentos alianças e em outros tensões e conflitos graves, especialmente em momentos de instabilidade institucional e política. Muitas vezes, os conflitos que ocorriam nas fazendas açucareiras cubanas eram consequências de ódios raciais estimulados pelos próprios proprietários, administradores e feitores brancos (YUN, 2008YUN, Lisa. The Coolie Speaks: Chinese Indentured Laborers and African Slaves in Cuba. Philadelphia: Temple University Press, 2008.; HELLY, 1998HELLY, Denise. The Cuba Commision Report: A Hidden History of the Chinese in Cuba. Baltimore and London: The Johns Hopkins University Press, 1998.).

Como se pode notar, os chineses participaram, em Cuba e no Peru, da produção de commodities para a economia-mundo capitalista. Para as elites que usufruíram da força de trabalho dessas pessoas, chineses e escravos eram essenciais para a sobrevivência econômica em um mundo cada vez mais competitivo.

Contudo, é importante salientar que os chineses aportaram em diversos outros lugares da América. Seu número não foi tão significativo até a década de 1870, se comparado aos dados apresentados anteriormente para o Peru e para Cuba. No Canadá, a imigração chinesa iniciou-se no final dos anos 1850. Muitos chineses, vindos especialmente de São Francisco, Estados Unidos, foram atraídos para a Columbia Britânica graças à febre do ouro no Vale Fraser. Eles também foram requeridos nos trabalhos em fábricas de conservas, minas de carvão e construção de ferrovias. No México, o imperador Maximiliano, então governando o México em meio a uma guerra civil, autorizou, em dezembro de 1865, o português Manuel B. da Cunha Reis a trazer, pelo prazo de 10 anos, asiáticos e egípcios para trabalharem em suas propriedades localizadas em Veracruz (YOUNG, 2014YOUNG, Elliott. Alien Nation: Chinese Migration in the Americas form the Coolie Era through World War II. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2014., p. 104-106). Contudo, nesses dois países, a população chinesa somente começou a aumentar de modo expressivo nas primeiras décadas do século XX (YOUNG, 2014, p. 111).

Nos Estados Unidos, a entrada de chineses iniciou-se no final da década de 1840, como resultado da descoberta do ouro na Califórnia. Seu número foi crescendo significativamente a partir dos anos 1860. Segundo dados censitários desse país, em 1860, a população chinesa somava 35.565 pessoas. Em 1870, ela era de 63.042 e, em 1880, esse número chegou a 104.468.⁸ O movimento sindical da costa Oeste culpava os chineses pelos baixos salários pagos e pela degradação das condições de trabalho. Muitos líderes que se opuseram à imigração chinesa no final do século XIX surgiram nos sindicatos e no movimento operário estadunidense (LEE, 2003LEE, Erika. At America’s Gate: the Exclusion Era, 1882-1943. Chapel Hill and London: The University of North Carolina Press, 2003., p. 26; p. 67-68; p. 80).

Assim como no Peru e em Cuba, nos Estados Unidos a formação social tornou-se mais complexa com a chegada de imigrantes por meios legais ou ilegais. No caso dos chineses, discursos eugênicos surgiram para estereotipar os casamentos entre esses imigrantes e membros de outras “raças” (brancos, índios, negros). As questões da pureza racial, da degeneração da raça e da sexualidade eram os pontos debatidos. No México, críticas ocorreram aos casamentos entre chineses e mulheres mexicanas. As associações entre esses casamentos e a decadência do país eram fonte de preocupação para o cientificismo eugênico. Em outros termos, o discurso sobre o asiático, em diversos lugares, foi baseado em argumentos racistas para que a “nação” pudesse se proteger dos perigos da miscigenação, conforme o ponto de vista da época (YOUNG, 2014YOUNG, Elliott. Alien Nation: Chinese Migration in the Americas form the Coolie Era through World War II. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2014., p. 13; LEE, 2003LEE, Erika. At America’s Gate: the Exclusion Era, 1882-1943. Chapel Hill and London: The University of North Carolina Press, 2003., p. 20-21). Nos Estados Unidos, os defensores da aprovação do Chinese Exclusion Act usaram abundantemente desses argumentos raciais para justificar a aprovação desse diploma (LEE, 2003, p. 26-30). A medida foi sancionada em 1882 e se constituiu na primeira lei imigrantista dos Estados Unidos a banir estrangeiros, baseado na questão da raça e da nacionalidade. O nome que deu fama à lei é autoexplicativo: ela atingiu exclusivamente um grupo específico, os chineses, proibindo-os de entrarem no país nos dez anos seguintes à aprovação do diploma. Foram proibidos de entrar os trabalhadores chineses de baixa qualificação, sendo isentos os comerciantes, diplomatas, estudantes e professores que, por seu turno, foram atingidos pelo rigor da fiscalização imigrantista (YOUNG, 2014, p. 103; LEE, 2003, p. 2-3; p. 24). Em 1892, o Geary Act estendeu por mais dez anos a proibição. O nome dessa lei veio do senador democrata pelo Estado da Califórnia, Thomas Geary. O Oeste dos Estados Unidos, especialmente o Estado da Califórnia, foi um dos locais de maior oposição à entrada de chineses (YOUNG, 2014, p. 120; LEE, 2003, p. 45). Essas e outras medidas foram formalmente abolidas somente em 1943 e outras leis restritivas aos demais imigrantes foram revogadas em 1965 (LEE, 2003, p. 43-46). As soluções encontradas para impedir a entrada de chineses no final do século XIX e início do século XX conformaram as ações do governo norte-americano no que diz respeito às políticas sobre os imigrantes e à organização dos órgãos fiscalizadores responsáveis pela verificação da entrada de estrangeiros indesejáveis - aliens, conforme a expressão em inglês, muito usada no século XIX. Estudiosos da migração chinesa para os Estados Unidos concordam que a criminalização da imigração ilegal tomou forma a partir das ações governamentais para impedir a entrada dos indesejáveis chineses (YOUNG, 2014; LEE, 2003).

Em meio a um momento de intensas migrações, os Estados Unidos construíram, nos anos finais do século XIX, uma legislação restritiva que tinha um alvo principal: o chinês. Já o México adotou uma legislação significativamente mais elástica no que diz respeito aos imigrantes se comparada àquela vista ao norte do Rio Grande. Apesar dos casos de violência contra os chineses estabelecidos no México, a legislação aí adotada, fruto das reformas liberais estabelecidas em meados da década de 1850, foi permissível à imigração, facultando mesmo o acesso à naturalização para alguns chineses que adquiriram, por conseguinte, direitos de cidadania. Isso foi decorrência direta da Constituição mexicana de 1857, documento capital do liberalismo nesse país. Em seu artigo 11, o diploma constitucional garantiu a todo “homem” o direito de entrar e sair do território do país, de viajar e de mudar de residência sem a necessidade de qualquer documento comprobatório, como cartas, salvo-condutos, passaportes etc. A distinção entre “homem” e “cidadão” facultou aos chineses a possibilidade de circularem pelo território mexicano, usando-o como trampolim para saltarem para o outro lado da fronteira. No Canadá, por sua vez, foram aprovadas, na década de 1880, medidas restritivas para a entrada de chineses e não a total proibição, como ocorreu nos Estados Unidos a partir de 1882. Nessa mesma época, uma série de medidas restritivas foi aprovada na província da Columbia Britânica, agora pertencente ao Canadá. Todas essas medidas foram consideradas inconstitucionais. Contudo, em 1885, uma lei federal, o Act to Regulate and Restrict Chinese Immigration, foi sancionada. “Regulate and Restrict” é significativamente diferente de “Exclusion”. A lei de 1885 obrigou todo imigrante chinês a pagar 50 dólares quando entrasse no Canadá. Após um período de sete anos de queda na entrada de chineses, o número passou a aumentar a partir de 1892. Nesse último ano, cerca de 3.000 deles chegaram ao país, despertando os argumentos ofensivos contra a vinda dessas pessoas, chamadas de “feridas pustulentas”, entre outras classificações depreciativas. Como resultado desse aumento, em 1898, a taxa para cada chinês que entrasse no Canadá passou para 100 dólares e, por fim, em 1903, o valor elevou-se para 500 dólares (YOUNG, 2014YOUNG, Elliott. Alien Nation: Chinese Migration in the Americas form the Coolie Era through World War II. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2014., cap. 3).

Pressionados pelas diferentes políticas de imigração de seus vizinhos, os Estados Unidos encararam de frente o problema da soberania sobre seu território aprovando medidas coibitivas à imigração chinesa (LEE, 2003LEE, Erika. At America’s Gate: the Exclusion Era, 1882-1943. Chapel Hill and London: The University of North Carolina Press, 2003., p. 40-45). Essa questão demonstrou que a soberania exercida por um país sobre seu território foi um recurso limitado para impedir a entrada de migrantes. Se os países confrontantes não seguissem políticas similares, o contrabando e a entrada ilegal de migrantes, muitas vezes ajudados por agenciadores, cumpririam suas funções de burlarem as ações fiscalizatórias do governo. A aprovação em 1882 da legislação draconiana conhecida como Chinese Exclusion Act foi uma consequência desse contexto internacional de intensas movimentações populacionais, associado a políticas migratórias distendidas de seus vizinhos mexicano e canadense e à procura por força de trabalho de baixo custo (YOUNG, 2014YOUNG, Elliott. Alien Nation: Chinese Migration in the Americas form the Coolie Era through World War II. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2014., cap. 3).

Considerações finais

As profundas transformações na economia mundial capitalista no século XIX explicam o crescimento do tráfico de coolies e os números vultosos dos movimentos populacionais no século XIX. A partir de 1815, Grã-Bretanha e França atuaram para controlar os fluxos mundiais do capital e canalizá-los para suas fronteiras. O sucesso britânico em conter os custos do trabalho, assegurar a regularidade do abastecimento externo e lutar por mercados para escoar sua produção conduziu o país anglo-saxão a uma posição hegemônica no cenário internacional (WALLERSTEIN, 2011WALLERSTEIN, Immanuel. The Modern World System IV: Centrist Liberalism Triumphant, 1789-1914. Berkeley, Los Angeles: University of California Press, 2011. , p. 38). A hegemonia britânica construiu-se, no século XIX, com muitas idas e vindas. Não foi objetivo deste artigo analisar as inconstâncias e os reveses que acabaram por contribuir para a construção de uma economia mundial com hegemonia britânica baseada no livre comércio. Mas é preciso registrar que, apesar de constante, o processo efetivou-se de maneira por vezes traumática. Como exemplo, vale a pena destacar a violenta revolta de 1857 na Índia, que questionou o governo da Companhia das Índias Orientais e permitiu a reconfiguração do domínio britânico no subcontinente indiano (DARWIN, 2009DARWIN, John. The Empire Project: the Rise and Fall of the British World-System, 1830-1970. New York: Cambridge University Press, 2009.. p. 52-55; p. 181-199). De acordo com David Northrup (1995NORTHRUP, David. Indentured Labor in the Age of Imperialism, 1834-1922. New York: Cambridge University Press, 1995. , p. 66), esse foi um dos fatores que impulsionou a emigração de indianos a partir do final da década de 1850.

O salto à frente dos britânicos foi o resultado evidente de um processo mais amplo de expansão do capitalismo e de globalização das redes mundiais de comércio. Para o historiador Eric Hobsbawm (1996. p. 54), o pico dessa expansão ocorreu entre os anos de 1848 e o início da década de 1870, justamente o período áureo do tráfico de coolies para Cuba e Peru. A reorganização do mercado mundial de mão de obra, com a crise do tráfico de escravos no Atlântico e o recrudescimento das migrações, foi um fenômeno ligado a essa expansão capitalista.

Segundo Giovanni Arrighi (2012ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. , p. 53), a preeminência britânica fundamentou-se no “imperialismo de livre comércio”. A ideologia do livre comércio, que possibilitou aos britânicos a abertura de seu mercado interno aos “produtos do mundo inteiro” - facultando, outrossim, o surgimento e o controle de redes mundiais de comércio - e o imperialismo, que deu à Grã-Bretanha “a parte do leão” da conquista territorial, permitiram a consolidação da hegemonia britânica em escala mundial (ARRIGHI, 2012ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. , p. 54-55). Nos termos de Arrighi (2012, p. 165), a consequência dessa “aceleração na expansão material do capital foi a globalização da economia mundial capitalista”. Por volta do quarto final do século, o aumento das lutas competitivas entre a Grã-Bretanha e as novas potências industriais (Alemanha e Estados Unidos) acelerou as rivalidades e as disputas por mercados em escala mundial. Além disso, a expansão das finanças britânicas e da exportação do capital daí advinda, ao lado desses novos atores da economia mundial capitalista, produziram uma “escalada das lutas intercapitalistas” (ARRIGHI, 2012, p. 164-169).

No caso específico da China, além da fragilidade diplomática e militar desse país, decorrência direta da guerra do ópio (1839-1842) e da assinatura do Tratado de Nanquim (1842), é preciso considerar a grave crise interna frente a duas revoltas que fragilizaram ainda mais o governo dos Qing: a Rebelião dos Taiping (1851-1864) e a Revolta dos Nians (1851-1868) (SPENCE, Jonathan D., 1995SPENCE, Jonathan D. Em busca da China Moderna: quatro séculos de história. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p. 179-197). Existe uma correlação próxima entre esses fatores e a atuação incisiva das potências ocidentais e mesmo de Portugal, país com posição periférica no contexto internacional da época. O governo português procurou, a partir de meados da década de 1840, aproveitar a fragilidade da China para reafirmar sua soberania sobre Macau. Com a Rebelião de Taiping, as investidas do governo português recrudesceram, especialmente sob a administração do governador de Macau, Isidoro Francisco Guimarães (DIAS, 2011DIAS, Alfredo Gomes. Diáspora macaense: Macah, Hong Kong, Xangai (1850-1952). 2011. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011.).

Após a primeira guerra do Ópio e o Tratado de Nanquim, Macau, cidade inserida numa importante região que incluía a área metropolitana de Cantão e Hong Kong (a região do delta do rio das Pérolas), viveu um período de dificuldades econômicas provocadas pelo fato de pertencer a uma metrópole periférica e por sofrer a concorrência do crescente dinamismo de Hong Kong e, especialmente, de Xangai. Além do problema financeiro, Macau tinha um porto com limitações para receber navios de grande porte. Segundo Alfredo Gomes Dias (2011DIAS, Alfredo Gomes. Diáspora macaense: Macah, Hong Kong, Xangai (1850-1952). 2011. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011., p. 92), as condições naturais do porto macaense, “sempre assoreado”, impediam “a sua frequência pelos novos navios a vapor, de calado cada vez maior”.

Contudo, a cidade passou a vivenciar um novo estatuto político dentro dos quadros do império português na metade final da década de 1840. A partir de então, as tentativas de afirmação da soberania portuguesa se fortaleceram e Macau desvinculou-se da tutela de Goa, passando a responder diretamente à metrópole (Decreto de 20 de setembro de 1844). Além disso, as reformas polêmicas do governador Ferreira do Amaral, que provocaram o seu assassinato em 30 de julho de 1849, reforçaram os intuitos do governo metropolitano de garantir uma soberania mais efetiva sobre a cidade. Amaral aboliu a alfândega [sob administração] chinesa, recusou o pagamento do foro de chão, expulsou os mandarins da cidade e sujeitou a população chinesa ao pagamento de impostos. (SERRÃO, 2016, p. 14-20)

As tentativas de reorganização do império português após a independência do Brasil e as medidas de saneamento financeiro aplicadas pelo governador português de Macau, Isidoro Francisco Guimarães (que governou a cidade entre 1851 e 1863, período de intensa emigração chinesa) foram medidas que ajudaram a impulsionar o tráfico de coolies por essa cidade. No momento áureo do tráfico, as rendas daí advindas ajudaram a sanear as finanças de Macau. A atuação de dois governadores, José Maria Ferreira do Amaral (que governou Macau entre 1846 e 1849) e Isidoro Francisco Guimarães, garantiu um domínio mais efetivo de Portugal sobre a cidade, permitindo que as contas macaenses pudessem ser saneadas na década de 1850. O tráfico de coolies cumpriu seu papel nessa reorganização financeira (DIAS, 2001DIAS, Alfredo Gomes. Do tráfico de escravos à emigração dos cules. Revista Lusófona de Humanidades e Tecnologias, n. 4/5, p. 109-117, 2001.).

Essas mudanças foram decorrência de um quadro maior de transformações econômicas e políticas importantes que ocorreram na Ásia Oriental por conta das pressões ocidentais pela abertura dos mercados chineses. Resultado do lobby dos capitalistas britânicos interessados em concessões comerciais que pudessem abrir mercados para os produtos britânicos, as pressões militares sobre a China resultaram em uma série de guerras conhecidas como guerras do ópio (1839-1860) que levaram à abertura de vários portos chineses ao comércio internacional. Esse lobby pode ser exemplificado pela atuação dos escoceses William Jardine e James Matheson, fundadores da empresa Jardine, Matheson & Co. Essa empresa, que atuou em Cantão e Macau, transferiu suas atividades empresariais para Hong Kong e Xangai, a partir da década de 1840. Os dois escoceses atuaram no governo britânico para incentivar a guerra contra a China. Nesse contexto, a cidade de Xangai se sobressaiu como espaço urbano integrado ao capitalismo internacional, desenvolvendo um intenso comércio e vivenciando uma significativa industrialização, além de contar com a presença de capitalistas de diversas nacionalidades, como norte-americanos, franceses, alemães (mais para o final do século XIX) e, é claro, britânicos (DARWIN, 2009DARWIN, John. The Empire Project: the Rise and Fall of the British World-System, 1830-1970. New York: Cambridge University Press, 2009., p. 40; GRACE, 2014GRACE, Richard J. Opium and Empire: the Lives and Carrer of William Jardine and James Matheson. Montreal: Mc Gill-Queen’s University Press, 2014.; DIAS, 2011DIAS, Alfredo Gomes. Diáspora macaense: Macah, Hong Kong, Xangai (1850-1952). 2011. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011.).

Sem dúvida, o século XIX viu recrudescer os interesses britânicos sobre o mercado mundial de mão de obra. De acordo com Tâmis Parron (2015PARRON, Tâmis Peixoto. A política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1787-1846. 2015. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.), o deslocamento do eixo da economia imperial britânica do Atlântico para o Índico conformou a atuação abolicionista desse país ao longo do século XIX. No fundo, a reorientação imperial britânica em direção ao Oriente ajuda a explicar a abolição do tráfico e da escravidão nas colônias caribenhas e a plataforma abolicionista da política externa desse país com o intuito de afetar as economias de Estados Unidos, Cuba e Brasil (PARRON, 2015PARRON, Tâmis Peixoto. A política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1787-1846. 2015. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015., p. 368-387). Podem-se aventar diversos fatores que impulsionaram essa viragem imperial da Grã-Bretanha e conformaram a plataforma abolicionista da política externa britânica. No caso das investidas britânicas contra o tráfico no Atlântico, a questão moral, sem dúvida, cumpriu seu papel, ao estimular um movimento abolicionista. Mas outros fatores, por vezes vinculados aos interesses do capitalismo britânico no Oriente, foram igualmente importantes. Pode-se lembrar, sem pretender esgotar as possibilidades explicativas, que, ainda durante a Revolução Francesa (1789-1799), o governo de William Pitt pretendeu investir contra o tráfico internacional com o objetivo de prejudicar as colônias francesas; que Trafalgar (1805) foi um episódio crucial porque garantiu à Grã-Bretanha o domínio dos mares, permitindo que esse país desse as cartas do comércio colonial; que o antiescravismo foi um movimento galvanizador para a política interna britânica porque enalteceu o patriotismo em um momento de guerras externas e possibilitou, em certos momentos, alívio ao governo diante das pressões populares; que as Índias Ocidentais britânicas vinham perdendo força moral, relevância econômica e, consequentemente, apoio político para manter suas exigências de monopólio dentro dos interesses imperiais dos capitalistas da Grã-Bretanha. Nesse contexto internacional, cresceram as tentativas de se introduzir no mercado mundial uma nova fonte de mão de obra. Daí que um dos projetos imperiais da Grã-Bretanha esteve associado a essa tentativa de reorganizar o mercado mundial de mão de obra (WILLIAMS, 2012WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., p. 205-206; BLACKBURN, 2002BLACKBURN, Robin. A queda do escravismo colonial: 1776-1848. Rio de Janeiro: Record, 2002., p. 315-352; PARRON, 2015, p. 349-369). As investidas britânicas no espaço Atlântico contra o tráfico de escravos foram tentativas feitas por essa potência imperial para procurar reorganizar o mercado mundial de mão de obra, com o intuito de abastecer diversos espaços com uma nova força de trabalho de baixo custo. Além disso, o trabalho sob contrato é considerado pelos historiadores uma forma de comércio que produz, por seu turno, lucro para os agentes diretamente envolvidos no negócio (NORTHRUP, 1995NORTHRUP, David. Indentured Labor in the Age of Imperialism, 1834-1922. New York: Cambridge University Press, 1995. ). Todos os fatores apontados anteriormente, vinculados à mundialização do capital e à construção da hegemonia britânica no século XIX, ajudam a entender o crescimento dos movimentos migratórios, o tráfico de coolies, a procura por mão de obra barata, o trabalho sob contrato.

No que diz respeito ao tráfico de coolies, a ação britânica para reprimi-lo foi consequência de seus interesses imperiais para evitar que uma mão de obra barata pudesse escoar para outras áreas da economia mundial. O governo britânico proibiu, em 1866, a saída de trabalhadores sob contrato para fora dos seus domínios imperiais e passou a pressionar os governos chinês e português no intuito de impedir a exportação de mão de obra por Macau (DIAS, 2001DIAS, Alfredo Gomes. Do tráfico de escravos à emigração dos cules. Revista Lusófona de Humanidades e Tecnologias, n. 4/5, p. 109-117, 2001., p. 114).

Uma comissão enviada pelo governo chinês a Cuba, no ano de 1874, para analisar as condições de trabalho, a evidente constatação de maus-tratos aos trabalhadores e a pressão britânica para cercear o tráfico via Macau levaram ao declínio do tráfico de coolies para a ilha caribenha. Nesse mesmo ano, uma comissão semelhante atuou no Peru. A pressão internacional e os interesses imperiais britânicos forçaram a extinção do tráfico pela cidade de Macau. O decreto que pôs fim à emigração de coolies foi aprovado durante o governo de Januário Correia de Almeida, que governou Macau entre 23 de março de 1872 e 7 de dezembro de 1874. A pressão dos governos britânico e chinês foi um dos fatores que motivaram a ação desse governador. Portugal interessava-se, na década de 1870, em estabelecer acordos com a China a fim de ver atendidos interesses específicos em Macau, como a questão dos limites da cidade e a localização das alfândegas chinesas. Esse acordo era estorvado pela emigração de coolies, um negócio controlado por agentes privados estrangeiros, cubanos e peruanos especialmente, e de difícil fiscalização pelas autoridades macaenses. A portaria nº 89, datada de 27 de dezembro de 1873, fixou o fim do tráfico de coolies para o dia 27 de março de 1874. As dificuldades de se fazer cumprir os termos da portaria não impediram os agentes da época de vislumbrarem o fim da emigração chinesa pela cidade de Macau. Em junho do mesmo ano, um Tratado de Comércio e Amizade assinado entre a China e o Peru dava conta de que o comércio de coolies, nos termos das décadas passadas, estava realmente acabando. Contudo, a emigração voluntária, sem que fosse imposta qualquer obrigação aos emigrantes, estava garantida (DIAS, 2001DIAS, Alfredo Gomes. Do tráfico de escravos à emigração dos cules. Revista Lusófona de Humanidades e Tecnologias, n. 4/5, p. 109-117, 2001., p. 115-116). Já a lei de exclusão da imigração chinesa aprovada nos Estados Unidos em 1882 contribuiu para diminuir, por breve período, a migração de pessoas provenientes do país asiático. No final do século, contudo, a entrada de chineses nos Estados Unidos voltou a recrudescer. Em diversos lugares, como em Natal, Havaí e Queensland, o racismo e a utopia de construção de um país só de brancos levou à aprovação de medidas restritivas e de repatriação (NORTHRUP, 1995NORTHRUP, David. Indentured Labor in the Age of Imperialism, 1834-1922. New York: Cambridge University Press, 1995. , p. 141-148). Contudo, esses esforços não impediram o intenso fluxo de trabalhadores de diversas origens para várias regiões do globo, especialmente aquelas produtoras de commodities. No século de crise da escravidão no espaço Atlântico, as duas preocupações prementes dos agentes capitalistas, a disponibilidade e o custo da mão de obra, impulsionaram os movimentos migratórios. A migração de trabalhadores sob contrato continuou com intensidade até pelo menos a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando a situação internacional de guerra, um background de exclusão e de medidas restritivas e o longo debate acerca do caráter compulsório dessa forma de trabalho levaram à crise do trabalho sob contrato.

Referências

  • ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
  • BLACKBURN, Robin. A queda do escravismo colonial: 1776-1848. Rio de Janeiro: Record, 2002.
  • BONILLA, Heraclio. O Peru e a Bolívia da independência à Guerra do Pacífico. In: BETHELL, Leslie. História da América Latina: da independência até 1870. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001. p. 541-589.
  • BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII - os jogos das trocas. São Paulo: Martins Fontes, 2009a. v. II.
  • BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII - o tempo do mundo. São Paulo: Martins Fontes, 2009b. v. III.
  • CANTERO, Justo G.; LAPLANTE, Eduardo. Los Ingenios: colección de vistas de los principales ingenios de azúcar de la Isla de Cuba. Havana: Impr. Lit. Luís Marquier, 1857.
  • CHING-HWANG, Yen. Chinese coolie emigration, 1845-1874. In: CHEE-BENG, Tan. Routledge Handbook of the Chinese Diaspora. London and New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2013. p. 73-88.
  • DARWIN, John. The Empire Project: the Rise and Fall of the British World-System, 1830-1970. New York: Cambridge University Press, 2009.
  • DIAS, Alfredo Gomes. Diáspora macaense: Macah, Hong Kong, Xangai (1850-1952). 2011. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011.
  • DIAS, Alfredo Gomes. Do tráfico de escravos à emigração dos cules. Revista Lusófona de Humanidades e Tecnologias, n. 4/5, p. 109-117, 2001.
  • FRAGINALS, Manuel Moreno. O engenho: complexo sócio-econômico açucareira cubano. São Paulo: Hucitec; Ed. UNESP; Brasília: CNPq, 1989.
  • GONZALES, Michael J. Chinese Plantation Workers and Social Conflict in Peru in the Late Nineteenth Century. Journal of Latin American Studies, v. 21, n. 3, p. 385-424, oct. 1989.
  • GRACE, Richard J. Opium and Empire: the Lives and Carrer of William Jardine and James Matheson. Montreal: Mc Gill-Queen’s University Press, 2014.
  • HELLY, Denise. The Cuba Commision Report: A Hidden History of the Chinese in Cuba. Baltimore and London: The Johns Hopkins University Press, 1998.
  • HOBSBAWN, Eric J. A era do capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
  • LAI, Walton Look. The Chinese in the West Indies, 1806-1995: a Documentary History. Kingston: The Press University of the West Indies, 1998.
  • LEE, Erika. At America’s Gate: the Exclusion Era, 1882-1943. Chapel Hill and London: The University of North Carolina Press, 2003.
  • MATHEW, William. M. Peru and the British Guano Market, 1840-1870. The Economic History Review, v. 23, n. 1, p. 112-128, apr. 1970.
  • NORTHRUP, David. Indentured Labor in the Age of Imperialism, 1834-1922. New York: Cambridge University Press, 1995.
  • PARRON, Tâmis Peixoto. A política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1787-1846. 2015. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
  • RIVA, Juan Pérez de la. El Barracón: Esclavitud y Capitalismo en Cuba. Barcelona: Editorial Crítica, 1978.
  • SCOTT, Rebecca J. Emancipação escrava em Cuba: a transição para o trabalho livre, 1860-1899. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Campinas: Editora da Unicamp, 1991.
  • SERRÃO, José Vicente. Macau no século XIX: um território, dois impérios. Disponível em: <https://www.academia.edu/3521722/Macau_no_s%C3%A9culo_XIX_um_territ%C3%B3rio_dois_imp%C3%A9rios>. Acesso em: 13 jul. 2016.
    » https://www.academia.edu/3521722/Macau_no_s%C3%A9culo_XIX_um_territ%C3%B3rio_dois_imp%C3%A9rios
  • SOLIMANO, Andrés. Globalization and International Migration: the Latin America Experience. Cepal Review, n. 80, p. 53-69, aug. 2003.
  • SPENCE, Jonathan D. Em busca da China Moderna: quatro séculos de história. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
  • TOMICH, Dale. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. São Paulo: EDUSP, 2011.
  • VIZCARRA, Catalina. Guano, Credible Commitments, and Sovereign Debt Repayment in Nineteenth-Century Peru. The Journal of Economic History, v. 69, n. 2, p. 358-387, jun. 2009.
  • WALLERSTEIN, Immanuel. El moderno sistema mundial III: La segunda era de gran expansion de la economía-mundo capitalista, 1730-1850. Madrid: Siglo XXI, 2010.
  • WALLERSTEIN, Immanuel. El moderno sistema mundial: la agricultura capitalista y los orígenes de la economía-mundo europea en el siglo XVI. Madrid: Siglo XXI, 1991.
  • WALLERSTEIN, Immanuel. The Modern World System IV: Centrist Liberalism Triumphant, 1789-1914. Berkeley, Los Angeles: University of California Press, 2011.
  • WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world-system II: mercantilism and the consolidation of the European world-economy: 1600-1750. New York: Academic Press, 1980.
  • WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
  • YOUNG, Elliott. Alien Nation: Chinese Migration in the Americas form the Coolie Era through World War II. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2014.
  • YUN, Lisa. The Coolie Speaks: Chinese Indentured Laborers and African Slaves in Cuba. Philadelphia: Temple University Press, 2008.

Notas

  • 1
    Para o conceito de “espaços-de-fluxos” como um dos componentes do funcionamento econômico do capitalismo em escala mundial ver Giovanni Arrighi (2012, p. 81).
  • 2
    Ver igualmente a discussão proposta sobre esse assunto em Fernand Braudel (2009a, v. III, p. 50-53).
  • 3
    Eis a definição de Braudel (2009a, v. II, p. 276) para esse sistema de trabalho: “o Verlagssystem é uma organização da produção em que é o mercador, o Verleger, quem dá o trabalho, adianta ao artesão a matéria-prima e parte do salário, sendo o restante pago mediante entrega do produto acabado”. Braudel (2009a, v. II, p. 276) informa, ainda, que esse sistema de trabalho existia desde o século XIII e cita documento de Paris sobre fiandeiras e suas relações com armarinheiros.
  • 4
    É importante salientar ao leitor que se preste atenção aos números de trabalhadores que partem da sociedade de origem e aqueles que efetivamente chegam à sociedade de destino. A diferença entre um e outro pode estar relacionada a diversos fatores, como mortalidade, motins, naufrágios etc. Daí que se entende, por exemplo, a informação de que 18.587 chineses partiram da China e 17.810 deles chegaram ao Caribe Britânico.
  • 5
    Os números contidos no trabalho de David Northrup oferecem a dimensão da migração, forçada ou não, de indianos e chineses. Eles servem de parâmetro referencial para se dimensionar o volume significativo da migração asiática para as Américas. Contudo, deve-se fazer uma ressalva. Muitos dos autores consultados informam a respeito do contrabando, dado que aumentaria a presença dos trabalhadores asiáticos na América.
  • 6
    Dados do tráfico de africanos obtidos no sítio <www.slavevoyages.org>. Acesso em: 15 set. 2016.
  • 7
    Sobre os números do tráfico, ver também as tabelas 1.3 e 1.4 em Lisa Yun (2008, p. 19-20) e os trabalhos de Juan Pérez de la Riva (1978, p. 58) e Rebecca J. Scott (1991. p. 44). Essa última historiadora corrigiu os números de Juan Perez de la Riva. Sobre os dados para o Peru e a participação da família Zulueta, Lisa Yun (2008 p. 14-15). Os números apresentados por Juan Pérez de la Riva e Lisa Yun divergem. Por exemplo, o primeiro informou que saíram da China 141.391 chineses e chegaram 124.813 [124.793 conforme a correção de Scott, atestando que a publicação da tabela de Pérez de la Riva está com a soma incorreta], com 16.576 mortos em travessia. Lisa Yun, por sua vez, afirmou que 138.156 trabalhadores embarcaram para Cuba, com 16.346 mortos durante a viagem e 121.810 desembarcaram em Cuba. Considerando um espaço de tempo de cerca de 26 anos (1847/1848-1873/1874), a média anual de chineses importados ficaria próximo a 4.700.
  • 8
    Dados retirados do site <https://www.census.gov/population/www/documentation/twps0029/tab04.html>. Acesso em: 11 out. 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2016
  • Aceito
    16 Fev 2017
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Campus de Assis, 19 806-900 - Assis - São Paulo - Brasil, Tel: (55 18) 3302-5861, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, Campus de Franca, 14409-160 - Franca - São Paulo - Brasil, Tel: (55 16) 3706-8700 - Assis/Franca - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@unesp.br