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Faces de Castilhos: imagem e cultura política no sul do Brasil (1903-1915)

Faces of Castilhos: Image and Political Culture in Southern Brazil (1903-1915)

RESUMO

O texto apresenta a trajetória da construção visual de Júlio de Castilhos (Presidente da Província do Rio Grande do Sul, década de 1890) por parte do poder público e imprensa. Visa-se discutir a construção da imagem visual do líder republicano como um projeto político que perpassa os acervos dos arquivos e museus públicos e o emprego dessas imagens na imprensa partidária e comercial das cidades de Porto Alegre e Pelotas, os dois principais centros republicanos do estado.

Palavras-chave:
imagem; cultura política; República; Júlio de Castilhos

ABSTRACT

The text presents the trajectory of the visual construction of Julio de Castilhos (President of the Province of Rio Grande do Sul in the 1890s) by the public authority and the press. We intend to discuss the construction of the public image of the republican leader as a political project that permeates the collections of public archives and museums and the use of these images in the commercial and political party press of the cities of Porto Alegre and Pelotas, the two main republican centers of the state.

Keywords:
image; political culture; Republic; Julio de Castilhos

Em outubro de 1903, uma semana após da morte de Júlio de Castilhos (doravante denominado Castilhos), líder do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), Borges de Medeiros, governador do Estado do Rio Grande do Sul, telegrafou ao artista Décio Villares, positivista engajado à Igreja Positivista do Brasil - IPB, com sede no Rio de Janeiro, e encomendou os projetos do mausoléu fúnebre e do monumento público. O Museu Estadual foi instalado na casa onde morrera Castilhos, comprada pelo governo, e passou a se chamar Museu Júlio de Castilhos. A administração estadual financiou seus funerais e encomendou monumentos, quadros, fotografias, bustos e medalhas. A Secretaria de Obras Públicas (SOP) foi a responsável pela maioria das encomendas de imagens referentes ao governante. Essas providências permitiram a formação de um acervo de documentos textuais e visuais referentes a Castilhos, que foi guardado nas instituições públicas estaduais.

Neste texto analisa-se a produção e a utilização de imagens construtoras de um discurso político-visual sobre Castilhos e sobre sua morte. Consideram-se, também, os motivos políticos dos governantes do estado do Rio Grande do Sul, dos correligionários do PRR, dos grupos civis organizados, e de militares, literatos, jornalistas e artistas ao encomendarem e produzirem tais imagens.

Procura-se pensar sobre o modo com que o poder público produziu e reuniu os documentos visuais que hoje são acessíveis à pesquisa, discutindo a desnaturalização desses acervos. A cultura política e a cultura visual de tradição francesa oitocentista influenciaram as atividades republicanas brasileiras, especialmente dedicadas a produzir imagens, e precisaram delas. As imagens alimentavam as emoções e criavam sentimentos de pertencimento coletivo, mobilizado pelas ações políticas via manifestações públicas, como festas cívicas, inaugurações, eventos fúnebres e meetings. Os registros desses acontecimentos são tão importantes quanto o próprio fato histórico efêmero, pois são eles que permitem a continuidade da lembrança e, com isso, um lugar na História, cujos documentos visuais estão guardados no acervo para a comprovação.

Divide-se este texto em dois momentos: no primeiro trata-se das imagens visuais referentes a Castilhos que integram o acervo do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) e Museu Júlio de Castilhos; no segundo, analisa-se a produção visual sobre o líder político na imprensa. Para este estudo realizou-se uma ampla coleta de imagens visuais de Castilhos, independentemente de seu suporte. Esses registros foram obtidos em jornais, revistas, livros, folhetos e panfletos, publicados em Porto Alegre e Pelotas. Interessaram as fotografias, litografias, fotogravuras, bicos de pena, crayon e retratos pictóricos de Castilhos.

Imagens de Arquivo e Museu

A morte súbita de Castilhos, em 24 de outubro de 1903, deixou seus contemporâneos estupefatos. Poucos correligionários do PRR e alguns familiares sabiam que ele estava gravemente doente, acometido de câncer de garganta. O choque público com sua inesperada morte, seguida por apressados preparativos para os funerais, contribuiu para consolidar sua consagração cívica como líder único do PRR, mesmo depois de morto. Tais esforços passaram por uma política oficial de enquadramento e eternização de sua memória e de sua imagem física. Esse empenho político partiu do próprio Borges de Medeiros, amigo de Castilhos, presidente do PRR e presidente do Estado do Rio Grande do Sul.

No mesmo ano da morte de Castilhos, 1903, o governo do estado criou por decreto um Museu Estadual; em 1905 desapropriou a casa em Porto Alegre na qual morou Castilhos e sua família, e a partir de 1907 o Museu Estadual passou a se chamar Museu Júlio de Castilhos. Paralela à criação do Museu, houve a criação do Arquivo Público do Estado, em 1906, embrião do Arquivo Histórico atual. Arquivo e Museu estaduais receberam e dividiram o espólio dos objetos e documentos textuais e visuais referentes a Castilhos, tanto de procedência pública quanto de foro familiar.

Nedel esclarece que o Museu Júlio de Castilhos nos primeiros anos cumpria uma função celebrativa vinculada à figura de Castilhos. O acervo foi composto sobretudo por peças doadas por outros setores do governo estadual e por presentes recebidos pelo executivo. Sob a guarda da Seção Ciências, Artes e Documentos Históricos, constituiu-se a coleção de objetos que veiculam a imagem de Castilhos (NEDEL, 2005NEDEL, Letícia Borges. Breviário de um museu mutante. Horizontes Antropológicos, n.11, v. 23, jun. 2005. , p. 98).

É interessante observar como ambas as instituições estaduais foram criadas no ambiente de consagração cívica após a morte de Castilhos e gerenciaram uma política de preservação e disponibilização das fontes históricas tornadas oficiais, referentes ao líder republicano. Fontes estas produzidas por Castilhos e fontes oficiais produzidas sobre ele. Isso nos conduziu à pesquisa sabedores da construção política de tais coleções.

Uma pergunta pertinente é: por que tanto empenho do governo do Estado na construção deste acervo, se Castilhos já era considerado o líder republicano quando vivo? Qual a necessidade de reunir esse cabedal de informações sobre ele? Um viés de análise que segui foi a necessidade de controle de tais informações, em especial de controle da produção da imagem física de Castilhos. Essa política de governo na construção de uma visibilidade visual de Castilhos não se configurou no que atualmente se considera uma Assessoria de Imprensa. O primeiro Sistema de Comunicação Social do governo estadual foi criado somente em 1947 (REIS, 2012REIS, Daniela Gorgen dos. Imagem do Poder: as fotografias da legalidade pelas lentes da Assessoria de Imprensa do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. 2012. 154f. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012., p. 20).

A morte repentina do líder político causou uma desestabilização no PRR, e Borges de Medeiros se dividiu liderando o partido e a administração do governo estadual. Em termos partidários, a morte de Castilhos permitiu que diferentes vozes se revelassem no PRR, estas até então abafadas pela imagem autoritária do líder. Em termos políticos, em 1903 fazia oito anos que o Rio Grande do Sul havia sido abalado pela Revolução Federalista, uma tentativa frustrada dos monarquistas gaúchos de reverter o regime. Castilhos consolidou violentamente a República após esta Revolução, sob o silenciamento e a invisibilidade dos seus opositores. A lembrança das atrocidades da Revolução na repressão aos opositores estava colada a Castilhos quando ele morreu em 1903.

Assim, o que foi selecionado e preservado nas instituições estaduais acerca de Castilhos serviu para um culto cívico consagratório da liderança republicana, semelhante ao que houve em outros Estados do Brasil. Isto já é conhecido na historiografia quando se analisa a entronização de líderes políticos. Esse acervo serviu, sobretudo, para uma reconstrução histórica da aparência física, da personalidade, da biografia, das ideias de Castilhos que, ao morrer, ficaria à mercê de construções desrespeitosas dos inimigos políticos. Ou seja, nessas instituições de guarda foram sendo depositadas as fontes que poderiam, com segurança, mostrar e dizer oficialmente quem foi Castilhos.

As fotografias referentes a Castilhos depositadas no AHRS estão dispersas na “Coleção Iconografia” e na documentação da Secretaria de Obras Públicas (SOP). No Museu Júlio de Castilhos, que guarda o acervo tridimensional deste, encontrou-se uma fotografia e uma foto pintura (Figuras 1 e 2). Ambas são importantes porque delas derivam muitas das imagens localizadas no AHRS e na imprensa.

Figura 1 -
FotografiaCAMARGO, Mário de (Org.). Gráfica: arte e indústria no Brasil. São Paulo: Bandeirantes, 2003. de Júlio de Castilhos sentadoCAMARGO, Mário de (Org.). Gráfica: arte e indústria no Brasil. São Paulo: Bandeirantes, 2003..

Figura 2 -
Foto pintura de Júlio de Castilhos.

Possamai, em sua tese, mostrou como a SOP deu visibilidade por meio da fotografia ao seu projeto de modernização urbana de Porto Alegre, com a confecção de Álbuns Fotográficos. O fotógrafo Virgílio Calegari, italiano radicado em Porto Alegre desde fins do século XIX, tornou-se, devido a inúmeras encomendas, o fotógrafo oficial do Governo do Estado (POSSAMAI, 2005POSSAMAI, Zita Rosane. Cidade Fotografada - memória e esquecimento nos álbuns fotográficos. Porto Alegre, décadas de 1920-1930. 2005. 287f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005., p. 43). Realizava fotografias de políticos do PRR, principalmente de Castilhos, e produzia as imagens para os Álbuns e Relatórios Anuais da SOPRELATÓRIO da Secretaria de Estado dos Negócios das Obras Públicas apresentado a Carlos Barbosa Gonçalves, Presidente do Estado do Rio Grande do Sul pelo secretário de Estado Candido José de Godoy. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1912.. As quatro séries a seguir foram organizadas para este texto.

Série I - Indivíduo e família

Figura 3 -
Júlio de Castilhos com o paiFotografia: Júlio de Castilhos com o pai (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. s/d., aos 18 anos, aproximadamente (legenda atribuída).

Figura 4 -
Júlio de Castilhos com cerca de 20 anos (legenda atribuída)Fotografia: Júlio de Castilhos com cerca de 20 anos (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. s/d..

Figura 5 -
Júlio de Castilhos com cerca de 30 anos (legenda atribuída)Fotografia: Júlio de Castilhos com cerca de 30 anos (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d..

Figura 6 -
Júlio de Castilhos com cerca de 40 anos (legenda atribuída)Fotografia: Júlio de Castilhos com cerca de 40 anos (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d..

Figura 7 -
Júlio de Castilhos e família (legenda atribuída)Fotografia: Júlio de Castilhos e família (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d.. Fotografia montada.

Figura 8 -
Júlio de Castilhos e família (legenda atribuída)Fotogravura: Júlio de Castilhos e família (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. s/d.. Fotografia montada.

Estas fotografias de cunho familiar não possuem identificação dos doadores, data de doação; outras não possuem autoria ou dados sobre os fotografados. Algumas possuem carimbo do Museu Júlio de Castilhos, embora pertençam hoje ao acervo do Arquivo. Trata-se da divisão do acervo tridimensional, textual e visual de Castilhos, na qual os objetos ficaram no Museu e as fontes visuais e escritas ficaram no Arquivo, exceto as imagens fotográficas 1 e 2 deste texto.

Mesmo tendo sido estabelecida essa divisão do acervo, a documentação textual privada de Castilhos tem se revelado aos poucos. Na década de 1930, uma das filhas de Castilhos doou ao Museu Júlio de Castilhos 17 cartas de amor escritas quando este era noivo de sua mãe, Honorina (LEAL, 2003LEAL, Elisabete C. Castilhos e Honorina: fragmentos biográficos em cartas de amor. Métis- história e cultura, v. 2, n. 3, jan./jun. 2003., p. 05). Em 2002, o AHRS recebeu a doação de 20 caixas-arquivo contendo a correspondência ativa e passiva de Castilhos, guardada por um de seus familiares, em Petrópolis - RJ (PENNA, 2009PENNA, Rejane Silva; GRAEBIN, Cleusa Maria Gomes. Arquivo particular Castilhos: cartas, bilhetes e anotações pessoais como fontes históricas. UNESP - FCLAs - CEDAP, v. 4, n. 2, p. 63-81, jun. 2009. , p. 10).

Ao se analisar as imagens dessa série deduz-se que as Figuras 5 e 6 têm origem da fotografia 1, que integra o acervo do Museu. Mais adiante ver-se-á a semelhança desta imagem com as litografias publicadas nos jornais. Castilhos de meio perfil, com cabelos grisalhos, vestindo paletó, camisa com gola de pontas arredondadas e gravata com desenhos ornamentais.

Nas Figuras 7 e 8 é notória a montagem fotográfica. Ao se considerar que o Atelier Calegari possuía a quase exclusividade da produção de imagens de Castilhos, não fica difícil compreender a facilidade de produzir essa montagem. A Figura 7 indica que Honorina e seus então cinco filhos posaram para a fotografia e Castilhos ainda vivo não estava presente, sendo, portanto, acrescentado posteriormente. A imagem seguinte, Figura 8, sugere uma montagem posterior à morte de Castilhos, pois há a presença de seis filhos e sua filha mais velha já era adulta. Observa-se, também, que para ambas as fotografias montadas foi escolhida uma imagem de Castilhos coerente com a idade cronológica dos filhos: ele com cerca de 30 anos, com filhos ainda crianças e posteriormente com cerca de 40 anos, com os cabelos grisalhos, com os filhos adultos. Longe de apenas evidenciarem a montagem, as fotografias indicam, em primeiro lugar, a necessidade de haver uma fotografia de família do líder republicano; em segundo, os cuidados com que estas foram montadas, obedecendo a uma coerência cronológica, dando-lhe maior veracidade, e, em terceiro, a importância das imagens na construção documental do Arquivo.

Série II - Homem político

Figura 9 -
Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros e outros membros do PRR (legenda atribuída)Fotografia: Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros e outros membros do PRR (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS.s/d..

Figura 10 -
Piquete de 1893, Júlio de Castilhos ao centro (legenda atribuída)Fotografia: Piquete de 1893 (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. s/d..

Figura 11 -
Viagem dos deputados constituintes gaúchos a bordo do vapor Camillo, 1890 (legenda atribuída).Fotografia: Viagem dos deputados constituintes gaúchos a bordo do vapor Camillo (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. 1890.

Figura 12 -
Fotografia do quadro “Pela República” (legenda atribuída)Fotografia: Quadro “Pela República” (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d..

Figura 13 -
Fotografia do quadro “Consolidadores da República” (legenda atribuída)Fotografia: Quadro “Consolidadores da República” (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d..

Essa série constrói a imagem de um homem público, líder político regional, que garantiu seu espaço entre os republicanos de status nacional. Essas fotografias que compõem a coleção iconografia do AHRS estão distribuídas em várias coleções: Borges de Medeiros, Pinheiro Machado e João Neves da Fontoura.

As Figuras 9, 10 e 11 não possuem autoria e as Figuras 12 e 13 são de Virgílio Calegari que, segundo Santos, era especialista em retratos de políticos republicanos (SANTOS, 1998SANTOS, Alexandre Ricardo. O Gabinete do DR. Calegari: considerações sobre um bem-sucedido fabricante de imagens. In: Achutti, Luiz Eduardo Robinson (org.). Ensaios sobre o Fotográfico. Porto Alegre: Unidade editorial, 1998., p. 29). Percebe-se, no detalhe da Figura 12, que se trata da mesma imagem da imagem 1, pertencente ao acervo do Museu. A Figura 1, por meio do simples recorte fotográfico, gerou inúmeros retratos de Castilhos.

É interessante observar que ambos os quadros coletivos nas Figuras 12 e 13, de autoria de Calegari, localizam Castilhos, respectivamente, como líder regional e integrante do movimento nacional de consolidação da República, tendo o Presidente Floriano Peixoto como protagonista. Para os seguidores florianistas, Castilhos era o nome para suceder Floriano na Presidência da República, chegando a lançar sua candidatura. O monumento a Floriano inaugurado no Rio de Janeiro em 1910 é apresentado em uma coluna com quatro faces ornadas com baixos-relevos representando o Exército, a Marinha, a Polícia e os civis que contribuíram na defesa do regime republicano. Castilhos foi o civil escolhido para figurar no monumento (LEAL, 2006LEAL, Elisabete C. Filósofos em Tintas e Bronze: arte, positivismo e política na obra de Décio Villares e Eduardo de Sá. 2006. 298 f. Tese (Doutorado em História Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006., p. 246). Com o quadro coletivo de Calegari chamado “Consolidadores da República”, Figura 13, reforça-se a narrativa que associava Castilhos a Floriano, tal qual o monumento.

O fotógrafo e o “projeto” estadual de construção de um repertório visual de Castilhos se integravam, pois Calegari, como profissional da imagem, angariava mais fama a seu estúdio ao expor as imagens de Castilhos em sua sala de espera, e o “projeto” visual do governo se referenciava com a produção de imagens incontestáveis do líder regional e nacional morto, realizadas por um fotógrafo consagrado. Nessa união de forças, o papel do fotógrafo, e o status artístico que o acompanhava, era importante. Santos percebeu que Porto Alegre em fins do século XIX não possuía um campo artístico consolidado, no qual o retrato pictórico fizesse parte da cultura visual, com isso o retrato fotográfico era mais difundido entre a elite e o meio político.

O estúdio Calegari funcionava, desta forma, como um preâmbulo da transformação dos reles mortais em imortais que buscavam tornar-se tão parecidos quanto possível com os notáveis da cidade. O palco da sala de poses ficava à mostra na sala de espera, onde ocorriam expectativas entre o vir a ser, do virtual cliente, com o já ser, da refinadíssima clientela, cujos olhares adornavam as paredes. (SANTOS, 1998SANTOS, Alexandre Ricardo. O Gabinete do DR. Calegari: considerações sobre um bem-sucedido fabricante de imagens. In: Achutti, Luiz Eduardo Robinson (org.). Ensaios sobre o Fotográfico. Porto Alegre: Unidade editorial, 1998., p. 26-27).

A fotografias referentes a Castilhos que foram coletadas e depositadas no AHRS refletem a importância para os governos do PRR em constituir um conjunto documental a respeito do líder morto, acervo esse constituído em grande parte pelo trabalho de Calegari. O status social que esse fotógrafo angariou, pois, segundo Santos, era o fotógrafo da elite porto-alegrense e dos notáveis da política local, lhe permitia atuar como um mediador cultural que traduzia em imagens sua experiência no mundo social. Mauad (2013MAUAD, Ana Maria. Fotografia pública e cultura visual, em perspectiva histórica. Revista Brasileira de História da Mídia, v. 2, n. 2, jul./dez. 2013., p. 14-15) explica que o fotógrafo, ao atuar como mediador social, capitaliza por meio da fotografia sua inserção política, se engajando em projetos que orientarão seu arco de ação ao produzir imagens. A forma como o conjunto documental-visual foi constituído indica o papel da imagem na constituição de uma documentação referente a Castilhos e reflete a noção de verdade fotográfica. A súbita morte de Castilhos, e a ameaça do esquecimento de sua imagem física, foi seguido da montagem de uma coleção de suas fotografias, que abandonaram o espaço familial da recordação e assumiram no Arquivo e no Museu o status de documento visual.

Série III - Rituais da morte

Figura 14 -
Fotografia do aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída)Fotografia: Aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. Data: 25/10/1904.. Data: 25/10/1904.

Figura 15 -
Fotografia do aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída)Fotografia: Aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. Data: 25/10/1904.. Data: 25/10/1904.

Figura 16 -
Fotografia do aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída)Fotografia: Aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. Data: 25/10/1904.. Data: 25/10/1904.

Figura 17 -
Fotografia do aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída)Fotografia: Aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. Data: 25/10/1904.. Data: 25/10/1904.

Figura 18 -
Fotografia do aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída)Fotografia: Aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. Data: 25/10/1904.. Data: 25/10/1904.

Figura 19 -
Fotografia do aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída)Fotografia: Aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. Data: 25/10/1904.. Data: 25/10/1904.

A série fotográfica sobre a comemoração de um ano de morte de Castilhos (Figuras 14-19), ocorrida em 25 de outubro de 1904, não possui identificação de origem ou autoria.1 1 Agradeço ao historiador Paulo Gabriel Alves por me alertar sobre a data dessa série fotográfica. Até então entendia-se que essas imagens se referiam ao préstito funerário ocorrido em 1903. Suas pesquisas demonstraram que se trata do evento ocorrido em 1904. Há uma coleção igual na Fototeca Sioma Breitman, do Museu de Porto Alegre. Como a SOP foi a responsável pela organização dos funerais em 1903 e pela construção do monumento fúnebre, é possível que as fotografias do aniversário de morte tenham sido encomendadas por ela, embora a pesquisa na documentação desta Secretaria não tenha revelado contrato de trabalho com fotógrafos. Ainda que o atelier Calegari tenha sido recorrentemente contratado para realizar os retratos de Castilhos, como demonstrado anteriormente, não se pode afirmar que essa cobertura fotográfica do aniversário de morte tenha sua autoria, pois vários outros fotógrafos estiveram presentes no evento, como veremos adiante.

A cobertura fotográfica de funerais e de aniversários de morte de autoridades era prática corrente, integrando a ritualidade cívica republicana. No Brasil são conhecidas as séries de fotografias dos funerais de Floriano Peixoto, em 1895, no Rio de Janeiro, bem como a produção de variadas imagens do presidente morto foram usadas como veículo de ações políticas de florianistas organizados para se oporem à primeira gestão republicana civil (LEAL, 2014LEAL, Elisabete C. Floriano Peixoto e seus consagradores: um estudo sobre cultura cívica republicana (1891-1894). Revista Estudos Políticos, v. 5, p. 229-247, 2014., p. 2). Mauad discute como a fotografia se torna pública para cumprir um papel político, refletindo as estratégias e disputas de poder, além de colaborar na construção da opinião pública: “É (a fotografia), portanto, o suporte de agenciamento de uma memória pública que registra, retém e projeta no tempo histórico, uma versão dos acontecimentos” (MAUAD, 2013MAUAD, Ana Maria. Fotografia pública e cultura visual, em perspectiva histórica. Revista Brasileira de História da Mídia, v. 2, n. 2, jul./dez. 2013., p. 13). Bonafé chegou a resultados semelhantes quando analisou os funerais de Joaquim Nabuco, no Rio de Janeiro, em 1910. Em um momento de ameaça à ordem republicana, os funerais do escritor e embaixador foram alvo de grande esforço oficial de construção do panteão cívico e de uma narrativa histórico-nacional (BONAFÉ, 2006BONAFÉ, Luigi. Os funerais de Joaquim Nabuco na capital da República (1910). In: Anais do XII Encontro Regional de História - ANPUHRJ- 2006. Rio de Janeiro, 2006., p. 1). Da mesma forma, as fotografias do aniversário lutuoso de Castilhos cumpriram a função de registrar visualmente o evento, no sentido de produzir provas da grandiosidade do acontecimento e de definir uma narrativa visual controlada pelos enquadramentos fotográficos. Assim como outras formas de vivência coletiva da política - passeatas, festas cívicas, inaugurações -, os ritos da morte permitiam momentos de exacerbação da emoção dos participantes, além do sentimento de pertencimento ao ato histórico. A historiografia política trabalha com a noção de que funerais e aniversários lutuosos são rituais cívicos e, como tal, inseridos em um conjunto cenográfico pouco distinto entre expectador e participante. As fotografias desses eventos que servem como lembrança e testemunho do evento público, reforçando o ritualismo e registrando o acontecimento.

Relatos sobre o aniversário lutuoso de Castilhos no jornal A Federação indicam a presença de vários fotógrafos ao longo da passagem da multidão em diferentes pontos do trajeto até o cemitério, no intuito de uma cobertura completa do evento. A imagem fotográfica prova-se tão importante nesse momento que um palanque foi especialmente construído para os fotógrafos na principal avenida que passaria o cortejo. A seguir apresentamos o quadro 1 que demonstra esse cuidado com o registro das imagens na distribuição dos fotógrafos.2 2 Jornal A Federação, Porto Alegre, 24/10/1904, p. 04.

Quadro 1 -
Fotógrafos presentes no evento de um ano de mortede Castilhos

As seis fotografias do préstito aqui apresentadas reforçam a estrutura ordenada e solene do cortejo, onde cada participante cumpre seu papel cenográfico. O relato jornalístico nos conduziu o olhar às fotografias. Destaca-se nelas os inúmeros objetos que tem fácil portabilidade durante a atividade comemorativa, como flâmulas, bandeiras, estandartes, bustos, fotografias em grandes dimensões, andores com variados objetos. As fotografias e o relato do jornal A Federação sobre o evento revelaram a presença de andores com os bustos de Tiradentes, José Bonifácio, Benjamin Constant, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Esses bustos são de autoria de Décio Villares, pintor e escultor recorrentemente contratado pelo governo estadual, como veremos a seguir, e integravam a coleção da Capela Positivista (LEAL, 2006LEAL, Elisabete C. Filósofos em Tintas e Bronze: arte, positivismo e política na obra de Décio Villares e Eduardo de Sá. 2006. 298 f. Tese (Doutorado em História Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006., p. 179). Cópias desses cinco bustos em gesso policromado, integrantes da coleção da Igreja Positivista, foram utilizados em variadas atividades cívicas no Rio de Janeiro, destacando-se a quinta comemoração do aniversário de morte de Floriano Peixoto, em 1900. (LEAL, 2014LEAL, Elisabete C. Floriano Peixoto e seus consagradores: um estudo sobre cultura cívica republicana (1891-1894). Revista Estudos Políticos, v. 5, p. 229-247, 2014., p. 240). É interessante notar que eles foram confeccionados em gesso, material leve que facilitava seu porte nos andores, e em cores, dando-lhes maior atração visual no cortejo.

As fotografias tiradas do préstito reforçam os relatos dos jornais a respeito da multidão que participava do evento e também de um público espectador. As seis imagens apresentadas nesta seleção (Figuras 14 a 19) são tomadas de um plano elevado do fotógrafo que visava dar profundidade à imagem e, com isso, também revelava a dimensão e a representatividade do préstito. Todas são tomadas do mesmo ângulo - o local onde estava situado o palanque dos fotógrafos, localizado na esquina das ruas Venâncio Aires e João Pessoa.

Nas fotografias não são os indivíduos que se destacam, mas os grupos, com uniformes, estandartes, coroas, andores, bandeiras, a pé, a cavalo ou nos bondes, que se exibem no préstito de forma identificada e ordenada. As fotografias apresentam a imagem de uma linha imaginária que divide aqueles que em ordem participam do evento e aqueles que, avulsos, o assistem, no entanto, é a noção de multidão ordenada ou não que as fotografias do préstito expõem. Tais imagens de grandiosidade coletiva auxiliaram a reduzir as possibilidades de contestação da figura política de Castilhos e, com isso, da hegemonia política do PRR pelos próximos quase 30 anos. Essas fotografias que dão cobertura aos eventos que envolvem a morte cumprem a função de registro visual de uma cenografia do poder, no qual o fotógrafo atua como uma testemunha ocular que não somente participou, mas registrou visualmente por meio fotográfico produzindo prova documental do acontecimento (MAUAD, 2013MAUAD, Ana Maria. Fotografia pública e cultura visual, em perspectiva histórica. Revista Brasileira de História da Mídia, v. 2, n. 2, jul./dez. 2013., p. 14). A prova documental integrou, depois, o acervo do Arquivo.

Série IV - Lembrança no ambiente público

Figura 20 -
Mausoléu fúnebre de Júlio de CastilhosFotografia: Mausoléu fúnebre de Júlio de Castilhos. Acervo: CPPA. s/d.

Figura 21 -
Busto em gesso de Júlio de Castilhos.Fotografia: Busto em gesso de Júlio de Castilhos. Acervo: CPPA. s/d.

O mausoléu fúnebre foi encomendado por Borges de Medeiros ao artista positivista Décio Villares e inaugurado em 1904. Não foram encontradas imagens do monumento tumular no AHRS e nem no Museu. Sua maquete integra o acervo da Capela Positivista de Porto Alegre. A inauguração da obra, em 1904, foi pouco mencionada na imprensa. É possível que as imagens fotográficas não tenham sido encomendadas pela SOP devido às críticas que a obra recebeu: sóbria, comedida, modesta, com poucas alegorias. O artista, ao projetar o mausoléu, foi diretamente orientado por Felizardo Júnior, funcionário da SOP e membro da Capela Positivista, nessa época uma filial da Igreja Positivista do Brasil (IPB), com sede no Rio de Janeiro.

Outra grande encomenda da SOP a Villares exemplifica o poder da orientação dos membros da Igreja Positivista: instalar 67 bustos de Castilhos, em bronze, nas praças de todos os municípios do estado do Rio Grande do Sul. Durante o ano de 1910, Villares chegou a visitar alguns municípios do interior para definir o local das obras e fez o modelo de busto em gesso (Figura 21). Tal ideia indignou a oposição em função dos custos do projeto; também provocou protestos entre os prefeitos, pois os municípios teriam que assumir parte da encomenda.3 3 “Estátuas.” Jornal A Reforma, 14/04/1910, p. 1. Os bustos municipais não foram realizados e Teixeira Mendes, Diretor da IPB, felicitou Villares pela desistência, afinal, julgava as homenagens a Castilhos exageradas.

O monumento cívico a Castilhos, a despeito das orientações dos membros da IPB, agradou a Borges de Medeiros e gerou outra grande manifestação de rua no dia de sua inauguração. Os 10 anos entre a encomenda e a inauguração do monumento gerou a produção de fotografias por parte da SOP.

Figura 22 -
Fotografia da maquete do monumento a Júlio de Castilhos (legenda atribuída)Fotografia: Maquete do monumento a Júlio de Castilhos (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d..

Figura 23 -
Fotografia do monumento a Júlio de Castilhos sendo construído (legenda atribuída).Fotografia: Monumento a Júlio de Castilhos em construção (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d.

Figura 24 -
Fotografia do monumento a Júlio de Castilhos (legenda atribuída).Fotografia: Aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. Data: 25/10/1904.

Figura 25 -
Monumento a Castilhos (legenda original).

As fotografias referentes ao monumento a Castilhos pertencem à documentação da SOP, responsável pela encomenda e execução da obra. Elas integram os relatórios e álbuns dessa Secretaria e as imagens foram encomendadas para esse fim. Várias etapas da construção da obra de cantaria e de instalação das peças estatuárias foram registradas pela SOP.

Todas as fotografias apresentadas (Figuras 22, 23, 24 e 25) são de autoria de Virgílio Calegari, que contribuiu para o ideal de modernização de Porto Alegre ao registrar, visualmente, as construções dos prédios públicos e melhoramentos urbanos. Encomendar as fotografias, vê-las, “consumi-las”, era consoante com o ideal moderno (POSSAMAI, 2005POSSAMAI, Zita Rosane. Cidade Fotografada - memória e esquecimento nos álbuns fotográficos. Porto Alegre, décadas de 1920-1930. 2005. 287f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005., p. 48). O primeiro monumento republicano da cidade, registrado fotograficamente em todas as suas etapas de criação, também representava o desejo de uma visualidade moderna para a cidade.

O monumento provocou a reestruturação da praça, até então de traços associados à monarquia (com a presença do monumento ao Conde de Porto Alegre inaugurado pela Princesa Isabel e arborizada com oliveiras vindas de Portugal). Com a República passou a se chamar Praça Marechal Deodoro e seu desenho se integrou aos prédios públicos que se instalavam em seu entorno.

A concepção do conjunto escultórico era, segundo o artista, de um altar cívico que necessitava de largos espaços no entorno da obra. A Figura 23 mostra a presença de uma ampla escadaria que recebe aquele que chega para admirar o conjunto escultórico e reverenciar o líder republicano. Ao fundo, à esquerda, há a presença da Igreja da Matriz como um contraponto da cidade não moderna. A Figura 24 apresenta o monumento enquadrado por dois grandes prédios, o Teatro São Pedro (à direita) e o prédio do Tesouro do Estado (à esquerda). Situados no cume da Rua da Ladeira, criava uma ilusão visual de enquadramento para quem vinha da região baixa da cidade e se dirigia ao centro político. Quem subia essa ladeira e visualizava, desde o porto da cidade, o monumento enquadrado pelos prédios, vivenciava a monumentalização pretendida pela obra. A Figura 25, publicada no Relatório da SOPRELATÓRIO da Secretaria de Estado dos Negócios das Obras Públicas apresentado a Carlos Barbosa Gonçalves, Presidente do Estado do Rio Grande do Sul pelo secretário de Estado Candido José de Godoy. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1912., ao apresentar a Figura de um homem ao lado do monumento, oferece uma escala e, com isso, mostra a concepção monumental da obra.

O monumento rendeu, ainda, outra encomenda a Villares: a confecção de moedas em bronze com a imagem do monumento de Castilhos, cunhadas na Casa da Moeda, no Rio de Janeiro. Essas medalhas comemorativas da inauguração do monumento foram distribuídas aos deputados da Assembleia dos Representantes, em 1916, e pagas com verbas da SOP.4 4 Jornal A Federação, 11/10/1916, p. 4.

Figura 26 -
Moeda em bronze.Moeda em bronze. Autoria: Décio Villares. 1916. Acervo: IHGRS.

Figura 27 -
Moeda em bronze.Moeda em bronze. Autoria: Décio Villares. 1916. Acervo: IHGRS.

Nas encomendas da SOP a Décio Villares notou-se a recorrente tentativa de imprimir representações do positivismo à imagem de Castilhos. No mausoléu fúnebre isso foi evidente e no monumento cívico também. A influência partia dos positivistas gaúchos, funcionários da SOP, bem informados a respeito das possibilidades de encomendas, e passava por Miguel Lemos e Teixeira Mendes, que coordenavam essas informações e as usavam quando escreviam ou conversavam com Décio Villares. As propostas do artista quando chegavam a Borges de Medeiros já haviam passado por esse filtro. É difícil saber se Borges de Medeiros tinha ciência de que os diretores da IPB orientavam diretamente as obras que Villares fazia para o governo estadual, inclusive com poder de veto. Independente desse jogo político da encomenda, havia o desejo da publicidade do positivismo expresso visualmente e aceitável pelos envolvidos na construção da memória de Castilhos. Parece que Villares conciliou desejos e tentou agradar a todos, criando imagens de Castilhos que tinham várias faces.

Imagens da Imprensa

Quando Castilhos morreu, em 1903, havia cerca de meia dúzia de jornais circulando regularmente em Porto Alegre, e o mesmo número na cidade de Pelotas. Era principalmente nos jornais que havia maior veiculação da imagem de Castilhos após sua morte, ilustrando a notícia do falecimento, sua biografia, os funerais e as peregrinações anuais ao cemitério. Jornais partidários como A FederaçãoJornal A Federação, Porto Alegre, 24/10/1904. (do Partido Republicano Rio-Grandense) e A ReformaJornal A Reforma, 14/04/1910. (do Partido Federalista do Rio Grande do Sul), e outros também oposicionistas ao governo, como os de Pelotas Diário do Rio Grande (1848-1911) e Echo do Sul (1856-1937), davam o tom do debate político no Estado. Mesmo esses jornais oposicionistas noticiaram a morte do líder do PRR e algumas vezes estamparam sua imagem.

A pesquisa das imagens referentes a Castilhos na imprensa se delimitou entre 1903 e 1915 em jornais publicados em Porto Alegre e em Pelotas. A escolha dessas duas cidades foi por ambas abrigarem as duas maiores agremiações políticas do PRR no Estado e por possuírem jornais de grande circulação, por longos períodos.

A seguir serão exibidas séries de imagens coletadas nesses jornais, nas quais serão apresentadas algumas imagens de Castilhos, de outros políticos gaúchos e imagens publicitárias. O intuito é comparativo, pois se pretende argumentar sobre a tradição do desenho na imprensa, inclusive para reproduzir imagens de personagens políticos, e a tardia introdução da fototipia ou fotogravura, embora esse recurso pudesse apresentar imagens com maior rapidez e acompanhar a agilidade das notícias nos diários. Para a reprodução das imagens fotográficas era preciso copiá-las em uma matriz xilográfica ou litográfica, processo complexo e demorado. Em 1880, foi introduzida, na imprensa, a fotogravura em clichê a meio tom, suplantando lentamente a gravura para reprodução de imagens. Esse processo de gravação fotográfica em chapas de zinco é chamado de autotipia, clichê, fotogravura ou similigravura (AZEVEDO, 2009AZEVEDO, Dúnya. A evolução técnica e as transformações gráficas nos jornais brasileiros. Mediação, Belo Horizonte, v. 9, n. 9, jul./dez. 2009., p. 02).

Na bibliografia sobre artes gráficas no Brasil consta que, em fins do século XIX, havia uma área de trabalho sólida tanto para artistas nacionais, com formação na Escola Nacional de Belas Artes, quanto para artistas com formação livre e para artistas estrangeiros que dominavam o desenho e as técnicas de reprodução impressa (SIMIONI, 2002SIMIONI, Ana Paulo Cavalcanti. Di Cavalcanti - trajetória de um artista gráfico na imprensa (1914-1922). São Paulo: Sumaré, 2002; REZENDE, 2003REZENDE, Livia Lazzaro. Do projeto gráfico ao ideológico - a impressão da nacionalidade em rótulos oitocentistas brasileiros. 2003. 239 f. Tese (Doutorado em Artes e Design) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.). Assim, como muitos pintores encontravam espaço nos ateliês fotográficos para colorir fotografias, os desenhistas aceitavam encomendas de desenhos para ilustrar as páginas de jornais (CAMARGO, 2003CAMARGO, Mário de (Org.). Gráfica: arte e indústria no Brasil. São Paulo: Bandeirantes, 2003.), embora seus trabalhos em geral ficassem comprometidos com a má qualidade de impressão na imprensa diária. No caso dos jornais publicados em Pelotas, identificou-se uma litografia que produziu a maioria das imagens sobre Castilhos: Litografia Chapon. Conforme Lopes, Eduardo Chapon foi um dos muitos estrangeiros com formação artística que se radicaram no Brasil e montaram seus negócios. Chapon era francês, com formação em Belas Artes, e migrou para Buenos Aires e depois para Pelotas na década de 1870, trabalhando como litógrafo, caricaturista e gravador. Em Pelotas montou a Litografia Parisiense. Após sua morte, em 1903, seus filhos, também conhecedores dos ofícios das artes gráficas, deram prosseguimento à Litografia que passou a ser nomeada Chapon (LOPES, 2009LOPES, Aristeu Elisandro Machado. Dois caricaturistas entre a memória e o esquecimento: Angelo Agostini (1843-1910) e Eduardo Chapon (1852-1903). Estudos Historicos - CDHRP, n. 3, dez. 2009., p. 03).

Série I - 1903 e 1904 - Porto Alegre

Figura 28 -
Júlio de Castilhos, litografia a partir de bico de pena.Litografia: Júlio de Castilhos, a partir de bico de pena. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação. Porto Alegre, 24/11/1903. Acervo: AHMV

Figura 29 -
LitografiaLitografia. Morte de Júlio de Castilhos. Autoria: Carlos Reis. Fonte: A Federação. Porto Alegre, 24/10/1904. Acervo: AHMV.

Figura 30 -
Anúncio publicitário, fotogravuraLitografia: Anúncio publicitário. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação. Porto Alegre, 26/06/1903. Acervo: AHMV.

Figura 31 -
Anúncio publicitário, litografiaFotogravura: Anúncio publicitário. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação. Porto Alegre, 27/03/1911. Acervo: AHMV

Figura 32 -
Anúncio publicitário com traços art nouveau, litografia.Litografia: Anúncio publicitário com traços art nouveau. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação. Porto Alegre, 26/06/1903. Acervo: AHMV

Nessa seleção de imagens do Jornal A FederaçãoJornal A Federação, Porto Alegre, 24/10/1904. de 1903 e 1904 observa-se uso de bico de pena e de crayon alusivos à morte de Castilhos (Figuras 28 e 29). A primeira imagem não é assinada e a segunda é de autoria de Carlos Reis, apresentando a imagem do mausoléu fúnebre encomendado ao artista Décio Villares. Percebe-se que esses retratos de Castilhos são semelhantes às fotografias discutidas na primeira parte deste texto, agora transformados em linguagem litográfica, acrescidos de narrativas e alegorias alusivas à morte. A primeira fotogravura encontrada nesse jornal era do anúncio publicitário da pasta de dentes Esmaltina Pasquier (Figura 30). Nota-se que fotogravuras estavam sendo veiculas no jornal, mas não as imagens de Castilhos, estas ainda eram em técnica litográfica, embora já houvesse fotografias do líder republicano, como argumentamos inicialmente. Em uma seleção de imagens desse mesmo jornal, também no ano de 1903, encontraram-se os primeiros anúncios publicitários com traços caricaturais e variados anúncios publicitários com traço de influência art nouveau (Figuras 31 e 32, respectivamente). Esse era o principal modelo estético da grande publicidade no mundo ocidental “(...) a imagem fotográfica, nesse contexto, parecia despojada demais, pouco criativa com seus automatismos e nada artística para se sobrepor a ilustração a traço” e a um gosto pela ornamentação (PALMA, 2007PALMA, Daniela. Fotografia e Publicidade: primeiro ato. In: Anais do Intercom e V Congresso Nacional de História da Mídia. São Paulo, 31 maio a 02 junho de 2007.. p. 2-3).

Série II - 1911 e 1912 - Porto Alegre

Figura 33 -
Júlio de Castilhos, fotogravura.Fotogravura: Júlio de Castilhos. Autoria: Virgílio Calegari. Fonte: A Federação. Porto Alegre, 28/11/1912. Acervo: AHMV.

Figura 34 -
Borges de Medeiros, fotogravura.Fotogravura: Borges de Medeiros. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação. Porto Alegre, 23/11/1912. Acervo: AHMV.

Figura 35 -
Anúncio publicitário, fotogravurasFotogravura. Anúncio publicitário. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação. Porto Alegre, 07/12/1903. Acervo: AHMV.

Figura 36 -
Anúncio com traços art nouveauLitografia: Anúncio publicitário com traços art nouveau. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação. Porto Alegre, 26/06/1903. Acervo: AHMV, litografia.

As imagens selecionadas do Jornal A FederaçãoJornal A Federação, Porto Alegre, 24/10/1904. de 1911 e 1912 revelam as primeiras fotogravuras de políticos: a reprodução de uma fotopintura de CastilhosFotopintura: Júlio de Castilhos. Autoria: Virgílio Calegari (fotografia), Vicente Gervásio (pintura). Acervo: MJC. s/d. (Figura 33), provavelmente a mesma do acervo do Museu Júlio de CastilhosFotogravura: Júlio de Castilhos. Autoria: desconhecida. Fonte: Correio Mercantil. Pelotas, 27/10/1903. Acervo: BPP., apresentada na Figura 2. Esse retrato de Castilhos, de autoria de Calegari, foi ornado com flores e fotografado, conferindo à imagem seu status reprodutível. Para efeitos apenas comparativos relacionados a qualidade das imagens, apresenta-se também uma fotogravura de Borges de Medeiros, então presidente do Estado (Figura 34). A fotogravura do anúncio Flores de Cartucho é a segunda imagem desse tipo encontrada nessa seleção de jornais (Figura 35). Comparando-se o anúncio e os retratos dos políticos gaúchos percebe-se ótima qualidade da fotogravura publicitária e razoável qualidade nas imagens políticas. Acrescentou-se, também, a litografia do xarope Bromil, que apresenta muito boa qualidade de imagem, de influência art nouveauLitografia: Anúncio publicitário com traços art nouveau. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação. Porto Alegre, 26/06/1903. Acervo: AHMV (Figura 36).

Palma explica que a maior parte das peças publicitárias em fins do século XIX no Brasil eram composições muito simples, com moldura, vinheta ornamental e uma ilustração. A introdução da fotografia para uso publicitário foi lenta e conviveu muitos anos com a ilustração (PALMA, 2007PALMA, Daniela. Fotografia e Publicidade: primeiro ato. In: Anais do Intercom e V Congresso Nacional de História da Mídia. São Paulo, 31 maio a 02 junho de 2007., p. 4).

Série III - 1913 a 1915 - Porto Alegre

Figura 37 -
Litografia a partir de crayon.Litografia a partir de crayon: Comemoração da Revolução Francesa. Autoria: Eduardo de Sá. Fonte: A Federação. Porto Alegre, 13/07/1915. Acervo: MCSHJC.

Figura 38 -
Pinheiro Machado, fotogravura.Fotogravura: Pinheiro Machado. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação. Porto Alegre, 22/01/1913. Acervo: AHMV.

A primeira imagem dessa série do Jornal A FederaçãoJornal A Federação, Porto Alegre, 24/10/1904. de 1913 e 1915 é do artista positivista Eduardo de Sá (Figura 37). Publicada por ocasião da data comemorativa da Revolução Francesa, apresenta a imagem de Castilhos e a referência à primeira Constituição republicana gaúcha de 1891. Se, por um lado, o jornal ilustra as referências a Castilhos por meio de imagens repletas de alegorias e associações histórico-políticas, por outro, apresenta Pinheiro Machado, senador gaúcho, em fotogravura de muito boa qualidade (Figura 38). A tradição refletida na imagem conservadora de Castilhos se contrapõe à modernidade do retrato de origem fotográfica do principal político gaúcho no círculo nacional. Isso nos leva a crer que as imagens visuais de Castilhos disponíveis para reprodução na imprensa tinham origem naquelas encomendadas pelo poder público ou as da coleção familiar, sendo estas nem sempre de boa qualidade reprodutível, como demonstrou-se na primeira parte deste texto.

Série IV - 1903-1905 - Pelotas

Figura 39 -
Fotogravura.

Figura 40 -
Fotogravura.

Figura 41 -
Fotogravura com moldura decorada.Fotogravura com moldura decorada: Dr. Ildefonso Simões Lopes. Autoria: C. S. Paiva. Fonte: Correio Mercantil. Pelotas. 1903. Acervo: BPP.

Figura 42 -
Litografia.

Do Jornal Correio Mercantil de 1903 e 1904, publicado na cidade de Pelotas, selecionaram-se as fotogravuras de Castilhos e seu oponente político Gaspar Silveira MartinsFotogravura. Gaspar Martins. Autoria: desconhecida. Fonte: Correio Mercantil. Pelotas, 23/07/1904. Acervo: BPP. Notou-se nos jornais de Pelotas o emprego de fotogravuras de políticos gaúchos, inclusive de Castilhos, antes do próprio jornal do partido, A Federação, publicado em Porto Alegre. Nota-se que o retrato de Castilhos utilizado nesse jornal pelotense é o mesmo da montagem fotográfica realizada por Calegari para o retrato familiar (Figura 7). É notável, nesse jornal publicado em Pelotas, o convívio da fotogravura e da litografia com qualidades muito díspares, exemplificadas pela fotogravura do escritor Simões Lopes (Figura 41), apresentada com moldura litográfica decorada e a excelente qualidade litográfica do anúncio da festa de jubileu de Nossa Senhora da ConceiçãoLitografia: Jubileu de Nossa Senhora da Conceição. Autoria: Chapon. Fonte: Correio Mercantil. Pelotas, 03.12.1904. Acervo: BPP (Figura 42).

Figura 43 -
Júlio de Castilhos, litografiaLitografia: Júlio de Castilhos. Autoria: Chapon. Fonte: Diário Popular. Pelotas, 23/08/1903. Acervo: BPP..

Figura 44 -
Júlio de Castilhos, litografiaLitografia: Júlio de Castilhos. Autoria: Chapon. Fonte: Diário Popular. Pelotas, 24/11/1903. Acervo: BPP..

Figura 45 -
O Patriarcha (José BonifácioLitografia a partir de bico de pena: O Patriarcha (José Bonifácio). Autoria: Chapon. Fonte: Diário Popular. Pelotas, 06/09/1903. Acervo: BPP.), litografia a partir de bico de pena.

Figura 46 -
Anúncio publicitário, litografia..Litografia: Anúncio publicitário. Autoria: desconhecida. Fonte: Diário Popular. Pelotas. 10/10/1903. Acervo: BPP.

Foi no jornal Diário Popular, publicado em Pelotas, em 1903 e 1904, que se encontraram as melhores imagens de Castilhos. As litografias de Castilhos apresentadas acima, ambas produzidas pelo Ateliê Chapon, são as melhores imagens do gênero encontradas na pesquisa (Figuras 43 e 44). Em termos de qualidade, equivalem-se à litografia do anúncio de chapéus de uma loja parisiense que possuía uma filial em Pelotas (Figura 46). É interessante ressaltar a litografia a partir de bico de pena, que era utilizado para personagens políticos que não tiveram produção de imagens fotográficas, como José Bonifácio (Figura 45). As litografias de Castilhos produzidas pelo Ateliê Chapon também se referenciaram na imagem produzida por Calegari para a montagem do retrato familiar (Figura 7), discutido na primeira parte deste texto.

Figura 47 -
FotogravuraFotogravura: Júlio de Castilhos. Autoria: desconhecida. Fonte: Opinião Pública. Pelotas, 24/10/1905. Acervo: BPP..

Figura 48 -
Fotogravura com moldura decoradaFotogravura com moldura decorada: Dr. Barros Cassal. Autoria: desconhecida. Fonte: Opinião Pública. Pelotas, 19/10/2004. Acervo: BPP..

Figura 49 -
Litografia a partir de bico de pena.Litografia a partir de bico de pena: Dr. Rodrigues Alves. Autoria: desconhecida. Fonte: Opinião Pública. Pelotas, 14/11/1904. Acervo: BPP.

Figura 50 -
Anúncio publicitário, litografia.Litografia: Anúncio publicitário. Autoria: desconhecida. Fonte: Opinião Pública. Pelotas, 05/12/1903. Acervo: BPP.

Nessa seleção do jornal pelotense Opinião Pública, de 1903 e 1904, apresenta-se a fotogravura de Castilhos, publicada no aniversário de sua morte (Figura 47). Para essa reprodução no jornal foi utilizada como matriz a fotopintura de Calegari (Figura 2). Apenas para um efeito comparativo, apresenta-se a fotogravura de Barros Cassal, ornada com moldura decorada (Figura 48), em que se nota uma melhor qualidade da fotogravura e o uso da ornamentação na moldura, em contraste com a sobriedade do retrato necrológico. A litografia a partir do bico de pena (Figura 49) era recurso muito utilizado, visto que as equipes dos jornais eram compostas por desenhistas que faziam tais reproduções, na falta de negativos fotográficos em seus arquivos. A litografia do circo Carroussel Americano (Figura 50) continua reforçando a ideia da boa qualidade desse tipo de imagem em convivência com fotogravuras ainda de qualidade rudimentar.

A seleção de imagens políticas e publicitárias na imprensa do Rio Grande do Sul entre 1903 e 1915, ora apresentada, permite que se façam algumas considerações. Percebeu-se que a introdução da fotogravura com fins políticos nos jornais foi tardia se comparada ao seu uso com intenções publicitárias. Mesmo os jornais partidários, que poderiam ter maiores recursos financeiros para investimentos técnicos, introduziram a fotogravura tardiamente se comparados aos jornais “comerciais”.

Os jornais que já possuíam seus acervos litográficos adiaram a introdução da fotogravura, pois suas redações não contavam com profissionais da área. Assim, a fotogravura referente a personagens políticos não substituiu totalmente o emprego de litografias, crayons e bico de pena na imprensa, fazendo com que essas técnicas de reprodução da imagem convivessem na mesma página do diário com notórias diferenças de qualidade técnica e estética. Isso também valeu para as imagens de Castilhos.

Considerações finais

Analisou-se as variadas imagens relacionadas à figura pública de Castilhos e mostrou-se a trajetória dessa construção desde a manipulação da fotografia, para criar a imagem positiva do pai de família, até a exaltação em morte, quando opta-se por mostrar ruas lotadas de indivíduos que acompanham o cortejo. O cuidado com essa criação da imagem de Castilhos demonstra em si um programa político de manutenção e de construção da memória em torno do líder e do fomento de uma cultura visual e política.

Notou-se duas matrizes principais para as imagens de Castilhos: com gravata borboleta (Figura 7) e com gravata (Figura 1), que geraram a maioria das demais imagens nos quadros, bustos, monumentos, litografias, bicos de pena, fotogravuras, crayons e nas próprias montagens fotográficas. São as várias faces da mesma imagem. Intencional ou não, o resultado foi uma exclusividade nas versões de imagens de Castilhos, tanto do fotógrafo que produziu os originais, quanto do poder público que encomendou as imagens e, alguns anos depois, as reuniu e as depositou no Arquivo e no Museu.

Essas versões migraram para a imprensa e se reproduziram em imagens a bicos de pena, crayon e fotogravura. Assim, pode-se pensar que o acesso às imagens de Castilhos, principalmente as produzidas fotograficamente por Virgílio Calegari, eram dispendiosas às redações dos jornais, pois dependiam da adequação à técnica da fotogravura. Se, por um lado, o governo estadual investiu na produção de imagens de Castilhos, encomendando monumento, busto, quadros a óleo e fotografias, por outro, a imprensa oficial, representada pelo jornal A Federação, utilizou pouco desse material visual e veiculou tardiamente fotogravuras, se comparada aos jornais comerciais e do interior do Estado, como os jornais de Pelotas, também analisados.

Nos jornais de Porto Alegre e Pelotas comparou-se imagens de personagens políticos com as publicitárias e percebeu-se que as últimas inovaram técnica e esteticamente, mesmo se comparadas às imagens de Castilhos, que foram alvo de uma dispendiosa política de governo na sua produção e veiculação.

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  • SCHERER, Marta. "As palavras são traidoras, e a fotografia é fiel" - Olavo Bilac e o uso da imagem nos periódicos do início do século XX. Revista Brasileira de História da Mídia, v. 2, n. 2, jul./dez. 2013.
  • SIMIONI, Ana Paulo Cavalcanti. Di Cavalcanti - trajetória de um artista gráfico na imprensa (1914-1922) São Paulo: Sumaré, 2002

FONTES PRIMÁRIAS

  • Fotografia: Aniversário de morte de Júlio de Castilhos (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. Data: 25/10/1904.
  • Fotografia: Busto em gesso de Júlio de Castilhos. Acervo: CPPA. s/d.
  • Fotografia: Júlio de Castilhos sentado. Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: MJC. s/d.
  • Fotografia: Júlio de Castilhos com cerca de 20 anos (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. s/d.
  • Fotografia: Júlio de Castilhos com cerca de 30 anos (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d.
  • Fotografia: Júlio de Castilhos com cerca de 40 anos (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d.
  • Fotografia: Júlio de Castilhos com o pai (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. s/d.
  • Fotografia: Júlio de Castilhos e família (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d.
  • Fotografia: Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros e outros membros do PRR (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS.s/d.
  • Fotografia: Maquete do monumento a Júlio de Castilhos (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d.
  • Fotografia: Mausoléu fúnebre de Júlio de Castilhos. Acervo: CPPA. s/d.
  • Fotografia: Monumento a Júlio de Castilhos em construção (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d.
  • Fotografia: Piquete de 1893 (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. s/d.
  • Fotografia: Quadro “Consolidadores da República” (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d.
  • Fotografia: Quadro “Pela República” (legenda atribuída). Autoria: Virgílio Calegari. Acervo: AHRS. s/d.
  • Fotografia: Viagem dos deputados constituintes gaúchos a bordo do vapor Camillo (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. 1890.
  • Fotogravura com moldura decorada: Dr. Barros Cassal. Autoria: desconhecida. Fonte: Opinião Pública. Pelotas, 19/10/2004. Acervo: BPP.
  • Fotogravura com moldura decorada: Dr. Ildefonso Simões Lopes. Autoria: C. S. Paiva. Fonte: Correio Mercantil Pelotas. 1903. Acervo: BPP.
  • Fotogravura. Anúncio publicitário. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação Porto Alegre, 07/12/1903. Acervo: AHMV
  • Fotogravura. Gaspar Martins. Autoria: desconhecida. Fonte: Correio Mercantil Pelotas, 23/07/1904. Acervo: BPP
  • Fotogravura: Anúncio publicitário. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação Porto Alegre, 27/03/1911. Acervo: AHMV
  • Fotogravura: Borges de Medeiros. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação Porto Alegre, 23/11/1912. Acervo: AHMV.
  • Fotogravura: Júlio de Castilhos e família (legenda atribuída). Autoria: desconhecida. Acervo: AHRS. s/d.
  • Fotogravura: Júlio de Castilhos. Autoria: desconhecida. Fonte: Correio Mercantil Pelotas, 27/10/1903. Acervo: BPP.
  • Fotogravura: Júlio de Castilhos. Autoria: desconhecida. Fonte: Opinião Pública Pelotas, 24/10/1905. Acervo: BPP.
  • Fotogravura: Júlio de Castilhos. Autoria: Virgílio Calegari. Fonte: A Federação Porto Alegre, 28/11/1912. Acervo: AHMV.
  • Fotogravura: Pinheiro Machado. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação Porto Alegre, 22/01/1913. Acervo: AHMV.
  • Fotopintura: Júlio de Castilhos. Autoria: Virgílio Calegari (fotografia), Vicente Gervásio (pintura). Acervo: MJC. s/d.
  • Jornal A Federação, Porto Alegre, 24/10/1904.
  • Jornal A Reforma, 14/04/1910.
  • Litografia a partir de bico de pena: Dr. Rodrigues Alves. Autoria: desconhecida. Fonte: Opinião Pública Pelotas, 14/11/1904. Acervo: BPP.
  • Litografia a partir de bico de pena: O Patriarcha (José Bonifácio). Autoria: Chapon. Fonte: Diário Popular Pelotas, 06/09/1903. Acervo: BPP.
  • Litografia a partir de crayon: Comemoração da Revolução Francesa. Autoria: Eduardo de Sá. Fonte: A Federação. Porto Alegre, 13/07/1915. Acervo: MCSHJC.
  • Litografia. Morte de Júlio de Castilhos. Autoria: Carlos Reis. Fonte: A Federação Porto Alegre, 24/10/1904. Acervo: AHMV
  • Litografia: Anúncio com traços art nouveau. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação Porto Alegre, 29/06/1911. Acervo: AHMV
  • Litografia: Anúncio publicitário com traços art nouveau Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação Porto Alegre, 26/06/1903. Acervo: AHMV
  • Litografia: Anúncio publicitário. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação Porto Alegre, 26/06/1903. Acervo: AHMV
  • Litografia: Anúncio publicitário. Autoria: desconhecida. Fonte: Diário Popular Pelotas. 10/10/1903. Acervo: BPP
  • Litografia: Anúncio publicitário. Autoria: desconhecida. Fonte: Opinião Pública Pelotas, 05/12/1903. Acervo: BPP.
  • Litografia: Jubileu de Nossa Senhora da Conceição. Autoria: Chapon. Fonte: Correio Mercantil Pelotas, 03.12.1904. Acervo: BPP
  • Litografia: Júlio de Castilhos, a partir de bico de pena. Autoria: desconhecida. Fonte: A Federação Porto Alegre, 24/11/1903. Acervo: AHMV
  • Litografia: Júlio de Castilhos. Autoria: Chapon. Fonte: Diário Popular Pelotas, 23/08/1903. Acervo: BPP.
  • Litografia: Júlio de Castilhos. Autoria: Chapon. Fonte: Diário Popular Pelotas, 24/11/1903. Acervo: BPP.
  • Moeda em bronze. Autoria: Décio Villares. 1916. Acervo: IHGRS.
  • RELATÓRIO da Secretaria de Estado dos Negócios das Obras Públicas apresentado a Carlos Barbosa Gonçalves, Presidente do Estado do Rio Grande do Sul pelo secretário de Estado Candido José de Godoy. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1912.
  • 1
    Agradeço ao historiador Paulo Gabriel Alves por me alertar sobre a data dessa série fotográfica. Até então entendia-se que essas imagens se referiam ao préstito funerário ocorrido em 1903. Suas pesquisas demonstraram que se trata do evento ocorrido em 1904.
  • 2
    Jornal A FederaçãoJornal A Federação, Porto Alegre, 24/10/1904., Porto Alegre, 24/10/1904, p. 04.
  • 3
    “Estátuas.” Jornal A ReformaJornal A Reforma, 14/04/1910., 14/04/1910, p. 1.
  • 4
    Jornal A FederaçãoJornal A Federação, Porto Alegre, 24/10/1904., 11/10/1916, p. 4.
  • DECLARAÇÃO DE FINANCIAMENTO

    A pesquisa que resultou este artigo contou com o financiamento do CNPq (Processo 151045/2007-0), por meio de uma bolsa de Pós-Doutorado Júnior, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, sob a coordenação do Professor Doutor René Gertz.
  • NOTAS

    Abreviaturas: AHMV - Arquivo Histórico Moisés Velinho AHRS - Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul BPP - Biblioteca Pública Pelotense CPPA - Capela Positivista de Porto Alegre IHGRS - Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul MCSHJC - Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa MJC - Museu Júlio de Castilhos

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2019
  • Aceito
    04 Ago 2020
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