CRIAÇÃO
Odisseia inacabada*
Unfinished Odyssey
Odissea inacabada
Daniel Rocha Silveira
Departamento de Psicologia, Faculdade de FIlosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Antônio Carlos, 6627, sala 4080, Campus Pampulha. Belo Horizonte, MG, Brasil. 31.270-901. danielrochasilveira@ gmail.com
Descendo: o sol escuro
Respirar o ar árido e áspero
Receber o sol que brilha cinza
Afogar-se no azul do céu angustiante
E o tempo dói sempre e sem fim
E o solo é lixa sim
Sofregamente asfixiante
O abismo da tristeza...
O sono, câmara de torturas
Em pesadelos horrendos...
Acordar... carregando montanhas
De culpas tremendas...
Sendas sem saída
Que apertada vida!
Lancinantes falas
Gritos sem cordas vocais...
A traça traça furos no coração...
Moedor de carne comendo a mão...
Dia sempre noite...
Sensação de prisão...
Grilhões da agonia...
Sinos sem perdão...
Inferno vivido
Tormentas tremendo
Poeira de lixo
De bichos morrendo...
Ratos carnudos furando escudos...
Penetrando em camadas tectônicas,
canais profundos...
Escuros, em vácuo imundo...
Sem forças para se levantar
Mais fácil jogar-se no mar
Afundando no nada o olhar...
II) Subindo: o sol brilhante
E sutilmente o prazer à espreita
Amanhecendo o dia no dia...
Clareando o sol
E acelerando as marchas
De motor em vibrante...
Em novos instantes...
As palavras fluem
Em rapidez a tristeza diluem
Em alegria o mormaço excluem
Espontâneas desenvoltas
Em discursos se incluem...
Subindo mesmo na contramão
De qualquer indecisão
Fortalecendo-se, exageradamente são
Luz, cores, pintura, poesia, falatório rápido e ação
Tudo e nada em vão
No crédito de compras inúteis que vão
Afundar a conta
E muito, muito tesão,
Na busca incessante do prazer,
Comedimento não,
Ao contrário...
Voracidade na cidade...
Frenéticas as palavras fluem
Fogem ideias, lançam-se alhures...
Olhar estar espátula estação
Anão cantão tão tácito torpe torpor
Expondo estonteando
Vendo falando fantasmando
Misturando estaturas espaçadas
Espúrias estorvando espátulas
De sentido que foge em fuga voraz
Freneticamente correndo pro fundo assaz
Assando em pinceladas pollock jogadas
Pintando o quarto de preto
Goya gotejando em dedos espasmódicos
E o corpo pinta correndo em óleo...
Toxicidade feroz de si mesmo algoz
Em agonia rasga o grito, desespera
Sem espera, não se esmera
Sem dormir, a sorrir e mais rir
E o brilho, e o brilho, e o brilho estonteante...
III) Pausando...
Sem acaso a casa
Recebe sorrateira
Enfermeiros de branco
Injeção certeira
Sossegando chegando
O sono vem na veia
Medicado torpe ia
Trabalhar um zumbi
Quase clara a magia
Do vivo em vigília dormir
Camisa de força na veia
De química que o cérebro incendeia
E contém, sustém, em férreo desdém
IV) Explodindo de novo: alegria
Porém... mudança de médico...
Em excesso se medica...
Overdose química
Neuronal alquimia
Serotonina explode
Supernovas iluminam
E voa voa a mente
No delírio imprudente
Corre corre em vexame
Fugindo em palavras,
Da tristeza desmame,
Novos sentidos se fazem...
Arauto do infinito
Lutador das forças do bem...
Voa fundo e alto a cabeça...
Perigando-se expondo-se explosão
V) Freando...
Sem aconchego se chegou e foi ao choque
Não sutil mas protegido,
anestesiado toque,
Que a memória comeu
por alguns dias de chofre.
E se passa um mês de presente
Em contatos, diálogos e fatos
Artes falas cores e novas alas
De não furtivas alternativas,
Delineiam-se em fundo horizonte
Em que sol esperança nasce
Ouro-vivo além de toda lembrança
E pra frente novo impulso
Se arrasta no pulso...
Não avulso...
O peso maior
Expulso.
Raspa a cera do rosto
Revive.
Nasce novo momento.
Não se escondendo em véu
A vida vem
espelha o céu,
em azul refrescante infinito
VI) Arrefecendo: as horas tristes
Mas que agonia profunda!
À volta não invade, inunda.
Em horas de tarde a dor fundo arde.
Ácido o coração corrói.
Apertado o peito dói:
se silencia, se para
fala alto do desespero o disparo.
grita em si o grito sem fim...
de olhos esbugalhados na ponte
de muncheano horizonte...
Ecoam agulhas esquálidas
Na ampulheta de gotas geladas, inválidas.
Que furam, afiadas espadas
rasgando a pele e ossadas...
do fundo sem fundo de si...
Em subindo em descida do sim...
Bem correndo, horrendo enfim...
A fugir do inescapável instante
que pega de dia ou à noite
quando vêm pesadelos, açoite.
Pinga o vento, o tempo, o segundo
torturantes no cinzento mundo.
Infinito vazio o fita...
sorrindo não se agita...
afunda.
VII) Tentando o equilíbrio na corda bamba
Mas fundo, fundo, há luz
Esperança distante mas presente seduz
Um naco de vida, pedaço que nasce
Em planta vertente que abre a rocha
Em flor desabrocha...
Esforço força no rosto
Em dias novo propósito
Anotados em caderno
Empenho em esmero
Correndo e andando:
Não como antes,
Agora pra frente
Enfrentando o presente,
Não mais do momento ausente
Mas enraizado no atual instante.
Olhando adiante
À vida assente -
Pés no chão então
Se quer sempre
Estar sem ilusão...
E vai de antemão,
Cerrando,
tentando acertar com precisão,
Cada gesto com a mão
Expressão.
VIII) Novo momento
A cada dia,
Tentar novo tempo;
Descoberta
Da nova flora
Que surge:
A riqueza do momento.
Com os tratamentos a tiracolo
Medicação e psicoterapia
Vai rompendo, tentando ir em frente!
E continua o devir...
Recebido em 24/08/11
Aprovado em 02/12/11
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Jan 2013 -
Data do Fascículo
Dez 2012