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The education of institutional supporters has been an important tool of the
National Humanization Policy to intensify actions targeted at empowering the
Brazilian Health System. In light of some experiences in the State of Pará
(Northern Brazil), the text presents some discussions on this scenario,
considering the subjects’ education and analyzing some challenges and results.
Based on the theoretical and methodological framework of the National
Humanization Policy, through its proposal of inclusion as an intervention method
for management and care, some questions are raised on how the education of
supporters operates towards fostering militancy in the Brasilian Health Sistem
and, consequently, the production of the common by means of subjects’
mobilization and transformation.
Este texto discute algumas questões relacionadas ao apoio institucional, tomando como
ponto de partida o engajamento dos autores no coletivo de apoiadores da Política
Nacional de Humanização (PNH) no SUS-Pará1. Estas reflexões são resultado do I Curso de Apoiadores Institucionais,
realizado no estado do Pará, do qual tivemos a oportunidade de participar tanto na
qualidade de integrantes do Colegiado Gestor, como no lugar de apoiadores em formação.
Com base nos relatórios do curso, registros pessoais e reuniões de avaliação,
revisitamos e refinamos nossas observações pessoais sobre o processo, de modo a examinar
a experiência vivida, tema que, posteriormente, deverá ser aprofundado em uma pesquisa
que pretendemos realizar com os apoiadores formados no curso, a fim de identificar os
seus desdobramentos no cotidiano dos serviços.
Adotar este cenário como objeto de análise é, certamente, um desafio quando se consideram
as peculiaridades locais, incluindo a gigantesca dimensão territorial do estado do Pará
e os problemas de ordem política, social e econômica da região. Entretanto, estas e
outras questões são importantes na medida em que desafiam a democratização dos processos
de trabalho e seus reflexos na dinâmica institucional, na produção de saúde e nas
relações entre sujeitos, temas estes que estão no cerne da PNH.
Observamos que, com o objetivo de funcionar como um sistema universal, integral e
equânime, o SUS vem se desenvolvendo na contramão dos interesses privatistas no campo da
saúde e, se por um lado, é defendido por muitos, por outro, também, é alvo de críticas e
de descrédito, como se as dificuldades encontradas não pudessem ser enfrentadas de modo
a tornar possível a sua efetiva implantação. Como reflexo do desencantamento para com o
SUS, se reproduz, a cada dia, a naturalização de práticas distantes do que entendemos
como defesa da vida.
No norte do país e em muitos lugares do Pará, a realidade não é diferente. O SUS se
constitui com avanços e acúmulos, mas, também, com desafios e paradoxos2, incluindo a heterogeneidade de sua implantação como política pública3.
No campo da gestão, ainda predominam relações autoritárias e centralizadoras, com
limitados espaços democráticos de cogestão e inclusão. Um discurso recorrente parece
frequentemente atrelar a possibilidade de mudança nas práticas clínicas e de gestão à
concordância dos gestores, refletindo um cenário de práticas onde o exercício
democrático opera de forma frágil, dificultando a autonomia e o protagonismo dos
sujeitos, um dos princípios estruturantes defendidos pela PNH1.
Diante de tal cenário, a expansão de coletivos de humanização(d) em diferentes municípios paraenses e a oferta de processos de formação de
apoiadores institucionais se constituem em inovações estratégicas no campo da gestão,
não só gerando conhecimento, mas, também, potência e qualificação dos atores locais para
o enfrentamento das questões de saúde permeadas pelas singularidades regionais.
Neste ponto, desenhar processos formativos consistentes e capazes de ampliar o alcance de
ações qualificadas de saúde em todo o estado, apostando na potência do ator local
(trabalhador, gestor, usuário e movimento social) como ferramenta de ativação de ações
coletivas que fortaleçam o SUS, se desvia da ideia, presente no imaginário social, de
que o norte do país foi esquecido pelas políticas públicas, sobretudo as de saúde. Ao
contrário, se trata de reafirmar e considerar algumas nuances da conformação da saúde no
Pará, independente das semelhanças ou diferenças com outros estados brasileiros.
Conforme mencionado anteriormente, o cenário paraense apresenta muitos desafios que
contrastam com sua riqueza natural, resultando em uma série de analisadores
desfavoráveis no campo da saúde, com seus alarmantes índices de mortalidade materna,
trabalho infantil, prostituição infantil, entre outros. Tal cenário demanda um
reposicionamento urgente e radical diante da vida, da saúde, da autoria dos sujeitos
sobre novos modos e possibilidades de existir.
A função apoio, proposta à luz da PNH, é, sobretudo, um método/dispositivo de intervenção
nos processos de produção de saúde2. O apoio se faz possível na problematização e experimentação dos modos de
enfrentar os complexos problemas existentes no SUS, onde ainda predominam relações
verticalizadas que dificultam composições democráticas e de inclusão nas
instituições.
Apoiar, no sentido do termo, é colocar, lado a lado, os sujeitos, potencializando-os para
o trabalho de análise e intervenção nos processos de produção de saúde, tarefa esta que
se estrutura em um campo de forças em contínua tensão4. Como afirmam Pasche e Passos2, a PNH pretende contribuir para que usuários e trabalhadores, investidos da
função de gestores, sejam capazes de experimentar novas possibilidades de manejar as
tensões e alegrias do trabalho em saúde, produzindo novas formas de gerir e cuidar,
transformando a si próprios neste contexto.
Assim, apresentadas estas breves considerações, buscaremos, agora, propor algumas
reflexões sobre nossa experiência com o apoio institucional, tomando como base os
processos de formação disparados no território em questão.
A PNH e a formação de apoiadores institucionais no SUS-Pará
Compartilhamos a ideia de que o apoio institucional tem sido uma estratégia
importante para o fortalecimento daquilo que temos doravante denominado de
humanização do SUS(e). A fim de nos posicionarmos neste tema, apresentaremos algumas considerações
sobre o processo de formação de apoiadores institucionais e suas repercussões no
cenário paraense, especialmente na consolidação e capilarização da Política Nacional
de Humanização.
Vale ressaltar que, desde o ano de 2006, com a intensificação de parcerias entre as
secretarias de saúde do estado, dos municípios e a coordenação nacional da PNH, a
formação de apoiadores institucionais vinha sendo estimulada na região norte do
país. Não obstante as iniciativas existentes até então, a PNH investiu na
consolidação de uma estratégia que envolvia a formação de apoiadores institucionais,
culminando com a participação de dois trabalhadores no primeiro curso de formação de
apoiadores institucionais em âmbito nacional, ocorrido naquele mesmo ano.
Em 2008, as atividades de formação da PNH no SUS-Pará se iniciaram de forma
sistemática com a realização das “Oficinas de Sensibilização HumanizaSUS-Pará”, as
quais antecederam o primeiro processo de formação de apoiadores institucionais,
promovido com a parceria da Coordenação Estadual de Humanização, Coordenação
Nacional da PNH e Escola Técnica do SUS5, e concluído no ano seguinte.
Com a finalização da formação em 2009, vários coletivos foram criados, mas ainda com
dificuldades para se manterem ativos, dando lugar à descontinuidade de algumas ações
propostas. Como um resultado importante desta experiência, foi observada a
necessidade de dar sustentabilidade aos desdobramentos que frutificaram após este
processo, a fim de manter sua força e potência.
Assim, no ano de 2010, um novo processo de formação esteve em curso no estado,
buscando qualificar os tutores para um curso de formação de apoiadores
institucionais, com um desenho regionalizado e abrangente, buscando incluir a
multiplicidade de cenários do SUS paraense e as diferentes conformações de saúde
existentes no estado.
Vale pontuar que os tutores dos processos de formação de apoiadores institucionais
desenvolvidos pela PNH, em parceria com estados e municípios, são denominados
‘formadores’, pois a metodologia destes processos sustenta que não há dissociação
entre formação e intervenção6. Neste caso, o papel do formador é sustentar a intervenção junto aos
coletivos de trabalhadores, gestores e usuários, para a transformação das práticas
clínicas e de gestão nos territórios.
O conjunto de iniciativas de formação da PNH criou um campo fértil para a
problematização da função apoio no estado, construindo um terreno de experiências
que deixaram em aberto novos caminhos para o fortalecimento do apoio institucional
como prática de gestão democrática no SUS(f).
Passemos, então, a algumas reflexões sobre estas experiências de formação no
SUS-Pará.
A PNH como oferta conceitual e metodológica: implicações para o processo de
formação de apoiadores institucionais no SUS-Pará
Em nossa experiência junto aos usuários e trabalhadores do SUS, observamos que ainda
existem muitas dificuldades na apropriação dos conceitos e ferramentas apresentados
pela PNH. Um dos fatores que contribui para este fato é a dificuldade de se
compreender a humanização como política pública2
,
7, tendo em vista que as concepções vigentes sobre a humanização em saúde
ainda se mesclam aos sentidos plurais que centralizam seu enfoque nas ações voltadas
aos usuários, porém distantes da complexa tarefa de transformar os modos de gerir e
cuidar.
Ainda que se identifiquem, com clareza, algumas problemáticas centrais no SUS, os
problemas relacionados à gestão ocupam um lugar de destaque no discurso de muitos
trabalhadores, e parecem estar subjugados a uma ordem, para muitos, difícil de ser
subvertida, produzindo um sentimento coletivo de entusiasmo, mas, também, de
descrédito em relação aos seus possíveis efeitos no cotidiano dos serviços. E assim
se apresenta a PNH para muitos: a humanização como um ideal, uma ideia abstrata,
muito atraente, mas difícil de ser alcançada!(g).
O que é necessário pontuar aqui é que o esvaziamento da humanização, em sua dimensão
ética, estética e política, e seu imbricamento com outros sentidos não são um
simples despropósito, o que tornaria muito simplificada nossa análise. Apontamos que
não se trata de julgar os sentidos múltiplos que a expressão assume, mas alertar que
algumas práticas humanitárias, ao serem confundidas com Política de Humanização do
SUS, podem compor um cardápio de ações que se apresenta aos trabalhadores e gestores
para driblar a demanda de problematização dos processos de trabalho. Ao buscarem
soluções prontas, equipes inteiras se isentam da tarefa de se debruçarem sobre a
análise dos efeitos produzidos pelos encontros entre trabalhadores, gestores e
usuários nos serviços de saúde. Tal fato é um desafio à operacionalização da
humanização como política pública.
A PNH deriva de várias abordagens teórico-metodológicas, e, também por isso, é
apontada como uma aposta radical na quebra paradigmática, podendo, ainda, ser
concebida como um rompimento prescritivo com a ordem instituída. Porém, esta mesma
radicalidade é o que possibilita que a PNH transite pelo desafio de se diferenciar
no SUS, assim como se constituir como política do SUS.
Uma das razões para o estranhamento evocado pelo contato com a PNH talvez esteja
relacionada a pouca ênfase em temas relacionados à saúde coletiva na formação dos
trabalhadores locais, o que, em alguns casos, produz um desalinhamento que demanda
tempo para ser trabalhado. Neste ponto, cabe ressaltar uma preocupação em relação ao
uso de terminologias já naturalizadas, mas cujo significado não é compartilhado por
todos, a exemplo da expressão “análise de cenário”, a qual é utilizada nos processos
de formação da PNH como instrumento para expressar a leitura feita do contexto onde
se dão as práticas de clínica e gestão que configuram a produção de saúde nos
territórios. Esta diferença produz efeitos na articulação e interlocução das
diferentes formas de conhecimento, as quais não se reduzem ao saber acadêmico.
Queremos aqui chamar atenção para um cuidado, em nosso modo de ver importante, que é
a democratização das informações e conhecimentos que estão presentes no ideário da
PNH, sobretudo quando se considera a heterogeneidade dos participantes dos processos
de formação.
Vale destacar que a formação de apoiadores requer a união do conhecimento formal com
o conhecimento informal, do conhecimento acadêmico com o conhecimento advindo da
experiência, o que produz a troca de saberes e a lateralização dos poderes,
traduzidos em novas formas de subjetivação. Entretanto, o processo de formação não é
isento de tensionamentos, que revelam, também, conflitos nas relações de saber e
poder. Um exemplo destes tensionamentos refere-se à distinção entre as funções de
formador e de apoiador institucional, o que tem levantado, em nós, algumas
problematizações em relação ao lugar dos trabalhadores no processo de formação. Como
definir a posição daqueles que serão formadores e apoiadores institucionais em um
dado processo de formação sem que esta escolha esteja atrelada a um mérito e/ou
demérito no exercício deste lugar?
Nossa experiência contínua de encontro com os trabalhadores tem demonstrado que ainda
se faz necessário construir espaços coletivos, onde se incentive a autonomia e o
protagonismo dos sujeitos, e isso está diretamente relacionado à análise de cenário
e a construção de grupalidade, tarefa imprescindível ao trabalho do apoiador.
Lembramos aqui que a expressão ‘coletivo’ deve ser entendida como o encontro entre
singularidades, como espaço de múltiplas formas de saber e fazer. Este
posicionamento implica, necessariamente, incluir o outro em sua diferença, o que nem
sempre é algo fácil de realizar. Como apontam Pasche e Passos2, esta tarefa não constitui um exercício pacífico.
Afirmar que a função apoio demanda que os trabalhadores sejam capazes de realizar
análises compartilhadas e intervenções nos seus espaços de trabalho também implica
considerar que as mudanças nos modos de fazer a gestão e atenção em saúde envolvem,
diretamente, a maneira como os sujeitos compõem essa rede, ou seja, envolvem os
sujeitos em suas experiências concretas de relações cotidianas8. Desta forma, a mudança está na relação direta com uma composição de
fatores, incluindo o próprio sujeito, seus interesses, motivações, valores, entre
outros.
Por meio de nossa participação nestes momentos que compõem todo o processo de
formação de apoiadores institucionais, observamos que muitos participantes tiveram
dificuldade para se reunirem com seus companheiros em seus locais de trabalho, e
acabaram por descaracterizar a análise de cenário, pelas dificuldades em estabelecer
grupalidades e, assim, construir uma análise coletiva dos territórios locais.
Ressaltamos aqui a importância da mobilização do próprio sujeito para o exercício da
função apoio, e retomamos uma discussão relevante, a nosso ver, que é a importância
do apoiador como sujeito potencial de transformação.
Outro ponto que queremos destacar é o seguinte: como o apoiador usa suas ferramentas
de análise sem se tornar meramente um intelectual, o qual apenas teoriza sobre as
práticas concretas sem produzir mudanças na realidade. A análise dos processos de
trabalho, na função apoio, implica, necessariamente, a intervenção sobre o cenário
do apoiador, incluindo ele próprio como coautor das condições onde o trabalho se
produz. E qual a natureza da mudança em si mesmo quando se afirma que a produção de
saúde é produção de subjetividade?
Estas questões nos parecem instigantes, pois temos observado que a capacidade de
realizar análise dos processos de trabalho não implica, necessariamente, mudança,
pois aqui não falamos de algo que pertença ao plano pessoal ou individual, mas que
se concretiza a partir de uma ação construída e mediada pelo coletivo.
Segundo Barros, Guedes e Roza8, o apoiador deve fomentar a grupalidade, o que não consiste apenas em reunir
pessoas, mas, sim, fomentar um “coletivo ou uma multiplicidade de termos (usuários,
trabalhadores, gestores, familiares etc.) em agenciamento e transformação, compondo
uma rede de conexão na qual o processo de produção de saúde e de subjetividade se
realiza” (p. 4805).
Como fazer, também, com que o apoiador, no exercício de sua relação com as equipes,
consiga envolvê-las neste trabalho analítico, sem que, necessariamente, sobreponha o
seu saber e reproduza as clássicas relações de poder que afastam trabalhador e
equipe, clinica e gestão, saúde e doença, formação e intervenção, sujeito e
coletivo? Pensemos estes problemas sob a ótica do apoio institucional
O apoio institucional como estratégia de construção coletiva dos processos de
trabalho em saúde
O apoio institucional2
,
3
,
9 vem se constituindo por meio das práticas de democratização institucional, e
é uma aposta da PNH para a construção coletiva dos processos clínicos e de gestão no
SUS. Em sua inserção nas equipes, este apoio consiste em tornar coletivas as
questões que se colocam como constituintes dos modos de fazer saúde que caracterizam
determinados territórios.
A noção de território não pode estar dissociada da produção de vida que se dá nos
encontros entre os sujeitos nestes espaços e que não são apenas físicos, mas se
constituem também como territórios existenciais10. Assim, o território existencial é o grande cenário de produção de práticas
públicas para uma saúde pública, de práticas coletivas para uma saúde coletiva que
luta por um SUS de qualidade, por um SUS que dá certo.
Deste modo, o apoio constitui-se como função9 que, dentro de um movimento coletivo de afirmação do SUS, busca não
distanciar os atores e elementos presentes na difícil tarefa de cuidar. Assim, não
há garantias de que todos os processos de apoio Institucional sejam relativamente
bem-sucedidos se o apoio não se fizer presente no próprio movimento constitutivo da
clínica e da gestão, e não apenas nos questionamentos de como estes termos se
apresentam nas práticas e nos territórios.
Se o apoio não agenciar potência para transversalizar a heterogeneidade de
pensamentos acerca do que é saúde, do que é trabalho, da aproximação e/ou
distanciamento entre clínica e gestão, dificilmente constituirá novos territórios
existenciais que substanciam as práticas dos trabalhadores e gestores também como
práticas de si, ou seja, de produção também de si mesmos.
A formação de apoiadores institucionais e a militância pelo SUS: da produção de
sujeitos à produção do comum
Uma das questões que nos parece interessante refere-se à relação entre formação de
apoiadores e militância no SUS. Neste sentido, afirmamos que a implicação de
sujeitos na transformação das práticas de atenção e gestão caracteriza a militância
no SUS. Assim sendo, como estimular que os trabalhadores saiam da posição de
executores e alcancem o estatuto de autores do processo de trabalho?
Compartilhamos a posição defendida por Oliveira et al.11 ao afirmarem que a militância é um ato político de mergulho nas relações que
se estabelecem entre trabalhadores, gestores e usuários para construção de formas
inovadoras de cuidado em saúde. Entendendo a produção de saúde como produção de
subjetividades, a militância do entre é aquela que se desvia da
fixidez das formas instituídas de exercício de certas funções no campo da saúde,
partindo, então, para a análise de como estas funções provocam modos de cuidar que
se pautam, exclusivamente, pelo que se passa nos encontros entre os
atores acima citados.
Concordamos que a formação de um apoiador perpassa pelo resgate de si mesmo e pela
mobilização subjetiva dos sujeitos, o que nem sempre é tarefa fácil. Temos observado
que alguns trabalhadores e gestores participam de processos de formação muito mais
pela busca de um ganho pessoal do que pela implicação com o fortalecimento do SUS, o
que requer muito cuidado no que tange à representação que a certificação final no
processo de formação pode adquirir, não confundindo a certificação com um título que
concede e atribui, ao participante, uma determinada função. Aqui lembramos uma
distinção importante e necessária, que é a diferença entre a função apoio e a figura
do apoiador institucional.
Também buscamos estar atentos aos efeitos dos processos de formação de apoiadores, os
quais disparam a formação de coletivos que mobilizam importantes elementos para a
constituição de redes de produção de cuidado. Em muitos momentos, o movimento
gerador de coletivos no estado do Pará desenhou caminhos por dentro dos processos de
formação que nos fizeram entender que os objetivos dos cursos se mesclavam entre a
própria formação do apoiador para o território e a constituição do coletivo estadual
de humanização. Tal realidade revelou, de maneira mais clara, a dimensão política
desta ação no estado.
Entendemos que a constituição do coletivo estadual, exercício entre
muitos e a prática de militância implicada com o enfrentamento das especificidades
locorregionais, afirma muito fortemente o movimento de produção de subjetividades, o
que, de acordo com o que estamos sustentando – processos de formação de apoiadores
como constituição de sujeitos –, nos lança à análise da produção do comum nesta
empreitada.
Mas, por que produção do comum? Para partidários do olhar de Negri12, o comum se produz pela dissolução da representação do indivíduo enquanto
forma aprisionada nos mecanismos capitalísticos de produção do desejo, podendo,
então, ser a maneira como o coletivo agrega a diversidade de singularidades
presentes em um território, em um movimento social, em um conjunto de instituições.
Assim, a constituição de sujeitos é simultânea à constituição do comum.
Certamente, aqueles envolvidos em um processo de formação de apoiadores têm um
ambiente facilitador da análise dos processos de trabalho, mas o grande desafio está
na manutenção e no exercício desta função quando se conclui a formação. Aqui
lançamos uma questão já bastante problematizada no âmbito da PNH, que é a de como
dar sustentabilidade aos processos disparados considerando as inúmeras dificuldades
enfrentadas por aqueles que realizaram a formação, incluindo: a mudança nos locais
de trabalho e nas funções desenvolvidas, mudança dos gestores, distâncias
territoriais, múltiplas jornadas de trabalho, entre outros.
Conforme discutido por Pinheiro13, “como produzir o comum considerando os interesses e necessidades dos
sujeitos?” (p. 437). Ao levantar esta questão, a autora afirma que o comum não é,
necessariamente, o semelhante, o que representa um grande desafio ao apoiador e sua
capacidade de tornar factível a inclusão do outro.
Outra questão que nos parece importante é como permanecer em movimento e, assim,
manter um lugar de resistência às práticas autoritárias e que produzem dor e
sofrimento, sem se deixar adoecer ou sucumbir à naturalização e banalização dos
processos de trabalho. Por que alguns trabalhadores parecem, literalmente, esgotados
em sua capacidade de produzir novas relações, e como auxiliá-los para que
reencontrem força para acreditar e lutar pela consolidação do SUS? Experimentar o
lugar de apoiador não é, necessariamente, fazer pelo outro, mas construir junto4 condições para intervir na realidade, um caminho que, certamente, não é dado
a priori.
Porém, como de nada temos garantia, afirmamos que as questões pessoais também
influenciam na implicação dos trabalhadores e, como já dito anteriormente, a
mobilização dos sujeitos não implica, necessariamente, a transformação concreta da
realidade5. Entretanto, quando estes mesmos sujeitos se mobilizam coletivamente e
realizam intervenções, inicia-se um caminho propício a novas mudanças e
enfrentamentos.
Algumas breves considerações finais
Experimentar novas perspectivas de construção da existência alterando modos de gerir
e cuidar2 tem sido uma importante aposta da PNH, e requer, de todos nós, uma ação
coletiva, com uma natureza semelhante àquela que moveu os ideais de Reforma
Sanitária no país.
Observamos que as metáforas de aquecimento e esfriamento têm sido aplicadas para
tentar explicar por que algumas ações da PNH, depois de serem disparadas e
intensificadas em dado momento, alternam-se com períodos de amortecimento(h). Entendemos o trabalho em saúde como produção de vida e, também, de
sujeitos, isto é, como efeitos de criação simultânea destes dois termos, o que só
acontece no coletivo – isso nos dá a certeza de que manter vivos os espaços
coletivos de democratização das formas de gerir e cuidar é uma estratégia de
sustentação dos processos de transformação das práticas de saúde no SUS.
O processo de formação de apoiadores não pretende totalizar o que seria a militância
no SUS, mas cria condições para que possamos rever e colocar em análise modos
instituídos de organização dos processos de trabalho. Porém, sustentamos que apoiar
os processos de gestão que não se dissociam da atenção em saúde é exercer, sim, a
militância pelo SUS e, ao mesmo tempo, reafirmar a defesa da vida como princípio de
cidadania.
Lembramos que a formação de apoiadores é um processo cujos desdobramentos dependem,
também, da mobilização e compromisso dos sujeitos para com a transformação dos
processos de trabalho em saúde; e, conforme Pasche e Passos4, é na experimentação do comum entre sujeitos e posições diferentes que o SUS
se concretiza como política pública.
O Estado do Pará tem experimentado a progressiva substituição de trabalhadores
temporários por trabalhadores concursados, o que tem produzido uma renovação dos
atores no SUS local. Não raras vezes, estes trabalhadores recém ingressos já entram
no sistema com descrédito no SUS e com a ideia de não serem capazes de transformar
esta realidade. Isto sem mencionar aqueles que, mesmo atuando no campo da saúde, se
sentem desvinculados da estrutura e funcionamento do SUS.
Como uma das consequências deste modo de olhar para a saúde, ocorre que muitos não
conseguem se implicar na consolidação e na luta pelo SUS. Paradoxalmente, esta
realidade também contrasta com a força e a determinação daqueles que, apesar dos
entraves, enfrentam a batalha diária em defesa do SUS, não apenas como política de
governo, mas como política pública, com todos os desafios imbricados neste
princípio.
Entendemos que a PNH nos leva a quebrar a verticalização das relações e uma certa
horizontalidade reservada apenas aos semelhantes, pondo os diferentes em condições
de lateralidade. Se, no início, essa ruptura gera um campo de permanentes
tensionamentos e queixas, com a constituição da grupalidade, os conflitos vão sendo
negociados e os entraves elaborados de modo a se tornarem um primeiro sinal de
transformação.
Dentro da formação de apoiadores, assim como nas rodas dos coletivos que se formaram
posteriormente, era comum o sentimento de impotência diante de desafios tão antigos
quanto difíceis de serem transpostos. Uma fala recorrente era a que se referia às
análises de cenário, pois, aparentemente, não tinham um caráter prático ou
minimamente subsidiado na realidade e que, por este motivo, não tinham o poder de
transformar os processos e as relações de trabalho dominantes nos serviços.
Uma reflexão possível com relação a esta negação de um processo de construção
coletiva e consequente angústia por resultados rápidos e preconcebidos, a nosso ver,
pode ser a repetição de uma clínica hegemônica no SUS enquanto clínica feita por
especialistas que buscam a cura. Nessa clínica, a singularidade do sujeito queixoso
cede lugar às prescrições generalizantes e assentadas apenas no conhecimento formal,
dificultando ao sujeito experimentar a posição de protagonista.
Constatamos que esta forma de se relacionar com os desafios da vida se reproduz nos
coletivos que trabalham com a saúde, não se furtando aos coletivos sustentados pela
PNH durante e após o processo de formação. No entanto, quando os vínculos se
fortaleceram e as diferenças foram incluídas, o sentimento de protagonismo foi
ocupando os espaços onde antes só existia a impotência. E, assim, exercitamos a
redescoberta de nós mesmos como sujeitos de mudança, em constante transformação, com
capacidade para exercer nossa militância em defesa da vida e da saúde como
direito.
Referências
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1990
12
. Negri A. Para uma definição ontológica da multidão. Lugar Comum.
2004; (19/20):15-26.
Negri
A
Para uma definição ontológica da
multidão
Lugar Comum
2004
19/20
15
26
13
. Pinheiro R. Inclusão do direito de ter (interesses) e de ser
(comum): inovação e desafio do método da tríplice inclusão para produção de
mudanças na saúde, PNH. Saude Debate. 2012; 34(86):436-8.
Pinheiro
R
Inclusão do direito de ter (interesses) e de ser
(comum): inovação e desafio do método da tríplice inclusão para produção de
mudanças na saúde, PNH
Saude Debate
2012
34
86
436
438
(d)
Os coletivos de humanização são estratégias que têm se mostrado potentes para
reunir trabalhadores, gestores, usuários e movimentos sociais na discussão sobre
os cenários locais de produção de saúde, promovendo trocas de experiências e
articulações para qualificação dos processos de clínica e gestão, compondo-se
tanto como espaços para as ações de apoio institucional, e como efeitos destas
mesmas ações.
(e)
Lembramos que há controvérsias em relação ao uso desta terminologia. Não se
trata de delimitar uma oposição entre práticas benevolentes em contraste com
aquelas que vão de encontro à natureza humana, ou defender uma concepção que
reconhece, na humanização, uma característica que integra a natureza humana.
(f)
Um curso de formação de apoiadores institucionais está em discussão entre o
coletivo de humanização do Pará e a PNH, já apresentando um planejamento de
ações e pactuando a participação dos tutores formados no processo de formação de
2010.
(g)
Em muitas reuniões de que participamos, este é um comentário recorrente no
discurso dos participantes.
(h)
Por vezes escutamos algumas pessoas usarem a expressão “morte”, ao se referirem
a ações que tiveram descontinuidade ou deixaram de existir por completo.
Authorship
Ana Cristina Soeiro Salgado
Departamento de Psicologia, Centro de Ciências
Sociais e Educação, Universidade do Estado do Pará. Tv. Rui Barbosa, 1885/902,
Batista Campos. Belém, PA, Brasil. 66035-220. acsalgado@uepa.br
Universidade do Estado do ParáBrasilBelém, PA, BrasilDepartamento de Psicologia, Centro de Ciências
Sociais e Educação, Universidade do Estado do Pará. Tv. Rui Barbosa, 1885/902,
Batista Campos. Belém, PA, Brasil. 66035-220. acsalgado@uepa.br
Ricardo Sparapan Pena
Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil.
ricardopena7@
hotmail.com
Universidade Estadual de CampinasBrasilCampinas, SP, BrasilDepartamento de Saúde Coletiva, Faculdade de
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil.
ricardopena7@
hotmail.com
Luiz Wagner Dias Caldeira
11º Centro Regional de Saúde, Secretaria de
Estado de Saúde Pública. Parauapebas, Pará, Brasil. wagner.caldeira@ gmail.com
Secretaria de Estado de Saúde
PúblicaBrasilParauapebas, Pará, Brasil11º Centro Regional de Saúde, Secretaria de
Estado de Saúde Pública. Parauapebas, Pará, Brasil. wagner.caldeira@ gmail.com
Colaboradores
Ana Cristina Soeiro Salgado e Ricardo Pena participaram da revisão
bibliográfica, de discussões e revisão do texto. Wagner Caldeira contribuiu
com as discussões e revisão do texto.
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Departamento de Psicologia, Centro de Ciências
Sociais e Educação, Universidade do Estado do Pará. Tv. Rui Barbosa, 1885/902,
Batista Campos. Belém, PA, Brasil. 66035-220. acsalgado@uepa.br
Universidade do Estado do ParáBrasilBelém, PA, BrasilDepartamento de Psicologia, Centro de Ciências
Sociais e Educação, Universidade do Estado do Pará. Tv. Rui Barbosa, 1885/902,
Batista Campos. Belém, PA, Brasil. 66035-220. acsalgado@uepa.br
Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil.
ricardopena7@
hotmail.com
Universidade Estadual de CampinasBrasilCampinas, SP, BrasilDepartamento de Saúde Coletiva, Faculdade de
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil.
ricardopena7@
hotmail.com
11º Centro Regional de Saúde, Secretaria de
Estado de Saúde Pública. Parauapebas, Pará, Brasil. wagner.caldeira@ gmail.com
Secretaria de Estado de Saúde
PúblicaBrasilParauapebas, Pará, Brasil11º Centro Regional de Saúde, Secretaria de
Estado de Saúde Pública. Parauapebas, Pará, Brasil. wagner.caldeira@ gmail.com