Interface (Botucatu)
Interface - Comunicação, Saúde, Educação
Interface
(Botucatu)
1414-3283
1807-5762
UNESP
This paper aims to show a connecting line between the following: support, primary
care teams and care for the homeless population within the Brazilian Health
System (SUS). From what we understand to be the purpose of each of these
practices, the territories of life, we use Felix Guattari’s concept of
“existential territory” to seek to affirm a certain logic in the relationship
with this purpose. This logic permeates not only the supporter’s practice but
also the work of primary care services. In order to demonstrate this connecting
line, we analyze some issues posed in providing healthcare for the homeless
population.
Introdução
Este artigo é construído a partir de nossas experiências de pesquisa, apoio, gestão
na Atenção Básica (AB) e cuidado em saúde da população em situação de
rua(d). Ao
aproximarmos essas diferentes experiências, extraímos a seguinte questão: quando
analisamos e intervimos em determinado campo da saúde, qual seria nosso foco se não
a vida em suas formações e seus processos? Diante disso, somos convocados a pensar
uma certa postura e uma metodologia para nosso objeto de intervenção, o que implica
um certo modo de entender o que é esse objeto. Nossas experiências apontam que o
apoio, na maneira como queremos afirmá-lo, como prática e metodologia de análise e
intervenção, tem menos como objeto o estabelecimento de determinados processos de
trabalho, a adequação de determinada realidade a certas normas, e mais a oferta de
suporte e cuidado ao que entendemos serem territórios existenciais. O que é apoiado
na prática do apoio é um território existencial.
No âmbito nacional, o Sistema Único de Saúde (SUS) encontra-se em um momento de
mudanças. Mudanças no foco e na metodologia de intervenção do Ministério da Saúde
(MS) vêm ganhando institucionalidade e buscando produzir outras lógicas de gestão no
funcionamento das redes e nas relações interfederativas. Estamos nos referindo ao
foco nos territórios e nas redes, por meio da Atenção Básica (AB)(e), das Redes de Atenção à
Saúde (RAS)(f)
e ao destaque que vem sendo conferido à metodologia do apoio nos mais variados
âmbito de gestão. Observa-se um movimento que visa à produção de redes de saúde que
se tecem a partir dos territórios, tendo a AB como o grande ponto de articulação das
redes.
A AB vem recebendo importantes investimentos(g) nos últimos anos, em uma aposta nos efeitos
que seu fortalecimento pode gerar para todo o sistema. Esses investimentos visam
principalmente à ampliação do acesso, da qualidade, resolutividade e integralidade
da atenção, a diminuição na fragmentação entre os níveis de atenção, assim como
mudanças nos modelos de gestão e atenção. Essa aposta ressalta a importância do
funcionamento em rede do sistema e da centralidade da AB no SUS.
Além do foco na AB e nas RAS, nota-se, no âmbito do MS, uma intenção de mudar sua
metodologia de intervenção junto aos territórios e nas relações interfederativas. O
método do apoio vem ganhando espaço no âmbito do MS, deixando de ser uma prática
executada em algumas intervenções pontuais, e passando a ser um norte metodológico
para as ações do MS junto aos territórios Estaduais e municipais(h).
O MS tem função régia de formulação e indução dos sistemas, o que historicamente era
feito por meio de análises centralizadas, com modelos a serem implantados nos
territórios unicamente por intermédio de financiamentos e portarias1. Assim, ficava a cargo dos estados
e municípios se adequarem ao que era formulado e induzido pelo MS, que intervinha
basicamente na lógica da indução financeira e da supervisão.
Há muito tempo vem se construindo um entendimento de que essa metodologia de
intervenção – indução financeira e técnica – era, em parte, responsável por um
distanciamento entre o que era entendido e pretendido no âmbito do MS e o que de
fato acontecia nos territórios1,2. Nesse distanciamento, não se conjugava o que era formulado
no âmbito do MS e a realidade específica e concreta da diversidade de territórios
Brasil afora. Também pudera, em um país continental com realidades extremamente
diversas, como construir a equidade que o sistema preconiza? Tal equidade parece
pressupor uma outra relação entre as normas técnicas e políticas nacionais e a
realidade de cada território específico.
A simples indução financeira e técnica pelas portarias, aproximando-se dos
territórios por meio da lógica da supervisão, configuraram-se como intervenções
verticalizadas e centralizadas no âmbito do MS em relação às demais instâncias do
sistema, gerando, entre outras coisas: dificuldades para a consolidação do processo
de descentralização; estratégias de municipalização e regionalização com um caráter
mais autárquico e indutor de concorrência intergovernamental; indefinições quanto a
responsabilidades, atribuições e prerrogativas para a direção única do sistema de
saúde por esfera de governo; burocratização dos fluxos regulatórios do sistema de
saúde; a persistência de condições inadequadas para governança e condução técnica e
administrativa do sistema de serviços de saúde, com a consequente desigualdade de
acesso e qualidade da atenção no âmbito nacional1. A proposta de um SUS equânime, universal, efetivo e
democrático, torna-se vulnerável ao funcionar por lógicas verticalizadas e
centrípetas.
Entende-se que o investimento na metodologia do apoio visa alterar a relação que o MS
estabelece com o território, e principalmente o seu modo de intervir. Essa mudança
tem como foco poder de fato chegar à dimensão fundamental, que dá sentido ao SUS: a
vida das pessoas nos territórios onde vivem. Alterar essa forma de intervenção junto
ao território é também poder dar mais realidade à maneira como são construídas as
análises que produzem as portarias e programas.
Percebemos, então, uma linha de sentido que liga a AB ao apoio como metodologia. Essa
linha podemos dizer que consiste na construção da política e no direcionamento do
sistema a partir da vida de trabalhadores e usuários, suas características locais,
seus saberes, suas experiências singulares. Entretanto, se por um lado observamos
que vem crescendo nacionalmente o debate acerca da temática do apoio e sua interface
com a AB, por outro, notamos a importância de qualificar esse debate para que não se
limite apenas a uma mudança de terminologia para designar o trabalho anteriormente
realizado por supervisores.
Neste artigo, gostaríamos de discutir a temática do apoio, pensando o que estaria no
cerne da AB, a partir do problema colocado no cuidado em saúde com a população em
situação de rua, temática que ganha materialidade na instituição das Equipes de
Consultório na Rua(i). Entendemos que a AB e o apoio lidam com um
tema comum: o tensionamento entre o que os programas e portarias de saúde oferecem
em formatos preestabelecidos e a concretude das necessidades e configurações da vida
nos territórios. Tensionamento que entendemos ser também o ponto central no cuidado
em saúde para população em situação de rua: como cuidar/apoiar territórios
singulares com ofertas que contemplem essas singularidades? É na aproximação e na
fundamentação das políticas no/para/com/por meio dos territórios de vida singulares
que se faz o cuidado com os usuários e também o fortalecimento das redes no sistema.
Cuidar e apoiar se tornam análogos.
Território existencial
Articulamos AB e apoio a partir do entendimento de que a primeira oferece uma
matéria-prima que lhe é intrínseca, e o segundo nos fornece um modo de intervir que
é pertinente à matéria-prima com a qual lida a primeira. A matéria-prima são os
territórios vivos, e a metodologia de intervenção é a da aproximação, habitação,
composição e cuidado com os territórios. Contudo, na relação com os territórios, é
necessário, antes de tudo, considerar a maneira como estamos entendendo o território
que a saúde intervém.
Esses territórios aos quais nos referimos não se reduzem a uma região administrativa,
região geográfica na qual uma equipe de Estratégia de Saúde da Família se situa, ou
um conjunto populacional adscrito a uma determinada equipe. Não apenas. O que
entendemos ser esse território, que afirmamos como o objeto por excelência da AB e
do apoio, diz mais respeito a um ambiente vivo, que tem por um lado uma localização
geográfica, um perfil populacional, que diz respeito a um sujeito, a determinadas
identidades socioculturais, mas que está para aquém e além disso. Um território se
define como vivo por ter uma dimensão não objetiva, não já formada, uma dimensão que
é puro processo de expressão.
Com Guattari3, vemos que um
território existencial não se refere a um território como um ponto em um mapa,
estático e já delimitado em si. Mais que uma delimitação espacial, um território
existencial é uma localização espaço-temporal. Ele se define a partir de uma
localização espacial que é configurada no tempo, ou seja, ele é um território em
processo, em constante processo feitura. Alvarez e Passos4 falam que o território teria uma dimensão
territorializada que dá sua forma como um estado de coisas a nossos olhos, mas ele
também teria um sentido e uma expressividade, que define a dimensão processual e
qualitativa do território – o que precisamente faz dele um território
existencial.
Contudo, tendemos a tomar os territórios como uma realidade dada e preexistente. E,
mesmo que consideremos certa dinamicidade, ainda o explicamos mediante seus
personagens formados. Essa maneira de entender o território considera que os
personagens e os estados de coisas dos territórios seriam prévios a sua formação, o
que acaba por conferir ao território uma identidade anterior imutável.
Entendemos que um território existencial é um ambiente vivo que está sempre sujeito a
modificações, desvios e recriações de si mesmo, já que sempre se constitui na
relação com outros territórios em movimento. Guattari3 (p. 44) afirma que no território existencial “uma
instância expressiva se funda sobre uma relação matéria-forma, que extrai formas
complexas a partir de uma matéria caótica”. A expressividade do território, que é
anterior a formação de seus personagens, dá forma e consistência a uma matéria
informe e heterogênea – matéria que podemos entender como um plano relacional. Isso
quer dizer que o território existe efetivamente em um espaço relacional, que é uma
dimensão não identitária, pois é a dimensão das relações, onde não existem
identidades, mas dinâmicas relacionais. Onde não se pode definir um sujeito isolado
do outro, um objeto isolado do outro.
As formações no território – seus sujeitos, seus grupos – se formam por meio de um
agenciamento coletivo e impessoal de componentes que constituem formas-estados
complexos. Esse agenciamento faz emergir formas individuais e/ou coletivas como
territórios existenciais autorreferenciais, que constituem um corpo individual e/ou
coletivo o qual pode ser observado, pode ganhar nome: um sujeito, um grupo, uma
cultura. Entretanto, esses corpos estarão sempre em adjacência ou em relação de
delimitação com uma alteridade também subjetiva, também em movimento3: tudo aquilo que margeia o
território e suas formações, aquilo que não diz respeito a identidades, mas a
relações dinâmicas.
Os sujeitos e populações com as quais intervimos são produzidos em um contexto, uma
paisagem subjetiva que é composta de diversos fatores que podemos identificar e
nomear objetivamente – condições sociais, econômicas, sanitárias, culturais – mas
também, colada e misturada a eles, há sempre essa dimensão processual. Assim, os
territórios existenciais são movimentos, expressividades que não pertencem a seus
agentes, a quem protagoniza o ato de expressar. Pelo contrário, a expressividade que
marca e forma esses territórios se constitui em relações, em dinâmicas de movimento
sem sujeito. Não é o sujeito morador de rua que define seu ambiente de vida, por
exemplo, mas é exatamente dessa expressividade que emergem os personagens e a cena,
a partir dos seus movimentos, suas relações. O plano da expressividade faz surgir
esses sujeitos e objetos da expressão, ligando a expressão ao plano do coletivo4, ao plano da relação, o que nos faz
entender os personagens desse território como constituídos em certos modos de
relação. Isso quer dizer que a expressão nasce em um plano de relações, e não da
identidade de um sujeito ou território. A expressão é sempre um agenciamento de
elementos diversos, sem sujeito.
A ideia de território existencial nos é cara, primeiramente, para pensar a
intervenção, pois, entender sujeitos, populações e regiões como territórios
existenciais nos traz a necessidade de considerar que não estamos somente intervindo
junto a figuras determinadas. Estamos intervindo também junto a um processo de
formação, uma dimensão não objetiva da realidade, o que torna mais complexa suas
figuras, já que estas estão existindo em uma certa relação entre elementos objetivos
e elementos não objetivos, não identificáveis, e que, toda essa complexidade está em
constante mutação.
Os sujeitos, os objetos e seus comportamentos deixam de ser o foco da intervenção. Se
buscarmos deslocar o olhar de nossa intervenção, ao considerar os territórios
existenciais, o que temos como foco são, antes dos sujeitos, paisagens subjetivas –
todo um clima, um ambiente, que não são passiveis de serem reduzidos a sujeitos já
determinados4.
Uma segunda contribuição que a ideia de território existencial nos traz é a de que o
interventor não pode mais se constituir como um observador que pressupõe estar
externo à realidade observada, uma posição exterior que descreveria as condutas no
território. Esta pressuporia a separação entre aquele que intervém e o campo
intervisto. O apoio nesse sentido seria menos a ação sobre um estado de coisas e
mais um acompanhar e se engajar em processos, mapear, cartografar, habitar,
contaminar-se de um território existencial ao mesmo tempo que intervém. Não se trata
de dominar nada, colocar-se de modo hierárquico sobre o território intervisto, seja
na clínica, seja no apoio a uma equipe.
Ao intervir com/em/por meio de um território existencial, levamos em conta a
legitimidade e a realidade de sua formação, bem como sabemos da possibilidade de
transformação desses territórios, pois eles se constituem por modos de relação. E
ainda, nossa intervenção altera não só o território existencial e a maneira como
dele vão advir sujeitos e territórios, assim como transforma o agente da
intervenção, já que este passa a compor tal território. Entrar em um território
existencial já é modificá-lo fazendo parte dele, pois ele é esta expressividade
sempre provisória que a tudo capta, sensível e determinante na constituição de seus
personagens.
Definimos, então, três fatores a serem considerados na intervenção tendo como campo
os territórios existenciais: sua legitimidade, sua condição de forma em constante
mutação e a transformação que ele nos provoca e que nele provocamos ao intervir.
Fatores que o trabalho com a rua leva ao extremo, como veremos, e que, por essa
razão, apostamos que pode oferecer subsídios importantes às discussões na AB e ao
trabalho de apoio.
Cuidado com/pela/na rua como analisador
Tomamos o cuidado em saúde junto a população em situação de rua como um
analisador que nos permite visualizar o objeto principal de intervenção da AB, e
também da metodologia do apoio. Um analisador é um ponto crítico que permite a
análise de configurações de linhas institucionais em determinada localização
espaço/temporal. Lourau6 (p.
35) afirma que um analisador é um acontecimento que irrompe, fazendo surgir uma
análise, evidenciando “a instituição invisível”. Desse modo, a partir das
relações de serviços de saúde com o território existencial da rua, queremos
evidenciar o objeto de trabalho da AB e do apoio, bem como um ethos na relação
com esse objeto. Modos de relação que viabilizarão ou não sua tarefa primordial:
o cuidado e a produção de saúde.
O acesso à saúde da população de rua vem ganhando espaço no SUS por intermédio da
instituição das Equipes de Consultório na Rua. A conformação dessas equipes visa
dar subsídios para que elas se efetivem como uma equipe de AB, atendendo a
integralidade das necessidades de saúde e produzindo acesso. Os atendimentos e
acompanhamentos são feitos tanto na rua – como forma de acompanhar o usuário em
seu território de vida e ainda conseguir alcançar aqueles que não chegavam a
nenhum posto de atendimento – quanto em unidade fixa, como forma de criar uma
referência “porta aberta” no território, onde toda e qualquer demanda possa ser
acolhida. A ideia básica é, com essas Equipes de Consultório na Rua, que o SUS
possa assistir, prevenir e promover saúde a partir das características do
território, de constituir-se como um serviço referência na rua, com a rua, pela
rua e por meio da rua.
A população em situação de rua é um dos grupos populacionais que menos tem acesso
aos serviços de saúde. Vários fatores movimentam a dinâmica de moradia na
cidade, e fazem da rua um lugar de conversão, um depositário daqueles que vão
sendo expulsos dos lugares constituídos na cidade: especulação imobiliária,
Unidades de Polícia Pacificadora e ocupações militares nas comunidades, a
violência no que envolve a questão do tráfico de drogas, bem como violências
mais cotidianas e sutis. A rua vai sendo o lugar de tudo que não tem mais lugar
nas comunidades e até mesmo nos bairros mais abastados, “depositário” daquelas
existências que perderam seu lugar de legitimação: seja por fatores financeiros,
sociais e/ou afetivos/subjetivos.
A rua se configura como um “fora/dentro” da cidade, um espaço existencial
envolvido pela cidade, mas que, todavia, escapa às suas leis e dinâmicas
oficias7. É o lado de fora
das formas oficiais dentro da cidade. Zona escura, zona estrangeira, estranha
íntima na cidade: escura, porque nebulosa; estranha, porque diferente em suas
temporalidades, leis e dinâmicas. A rua como fora-dentro da cidade marca
distâncias entre cidades em uma mesma cidade. O arquiteto Fernando Fuão8, em seu texto “Canyons”, propõe
que o canyon e a rua são para a alma da natureza e da cidade a mesma coisa. O
canyon e a rua são um corte vivo pelo qual se pode observar a vida, a “carne” do
morro e de uma metrópole. Um corte que cria os abismos, “as descontinuidades
espaciais, o distanciamento, a diferença nos corpos, as linguagens”8 (p. 2). O corte tem a virtude
de criar um princípio, um precipício, de inaugurar. Ele é o contorno das formas,
o que as delineia. Corte que deixa em evidência a composição, os modos de
funcionamento da cidade, os processos, espaço onde as dinâmicas sociais são
explicitadas, e justamente por essa explicitação, talvez, a rua seja um espaço
tanto evitado e temido quanto fascinante.
O território existencial rua traz um paradoxo para as metrópoles: um território
de vida, que vem se instalar geralmente no coração, nos centros das grandes
cidades, mas que ao mesmo tempo está tão distante dos padrões “centrais” das
metrópoles: distante de suas formas oficiais de morar, comer, trabalhar, de
viver o tempo, a família, o amor. É um mundo totalmente diferente do mundo
“oficial”, e que tem o poder de mostrar nossas dinâmicas de exclusão, a
violência de nossos padrões, aquilo que nosso bom senso, nossos costumes não
suportam.
Ao pensarmos a relação entre políticas públicas praticadas no âmbito do Estado e
o território existencial da rua, vemos que as lógicas hegemônicas e mais
instituídas da cidade conseguem manter poucos pontos de comunicação com a rua.
Vemos modos de intervenção que, na sua grande maioria, tentam lidar com a rua de
duas formas: a primeira é a de simples inclusão das pessoas em situação de rua,
com o objetivo de moldar e adaptar seus modos de vida aos modos considerados
normais, ou “saudáveis”. O outro é de uma relação de isolamento ou extermínio.
Atualmente, vemos aumentar assustadoramente o número de práticas muito antigas
de higienização da cidade. De qualquer forma, todos esses modos de intervenção
estabelecem uma forma de relação: a de pouca ou nenhuma troca, um modo de
relação onde se pressupõe a eliminação do outro diferente. Um modo de relação
que busca se aproximar o menos possível do que na rua existe e insiste. As
intervenções geralmente visam controlar e normalizar o sujeito que vive na rua,
para com ele evitar o contágio. Nossa experiência de trabalho com a rua no
âmbito das políticas públicas de saúde e assistência social aponta para outro
sentido: para cuidar da pessoa em situação de rua é preciso se aproximar,
contaminar-se de seu território e seus modos de vida, primeiramente habitar esse
território existencial.
No SUS, vemos que as demandas da rua – onde questões de saúde como ferimentos,
enfermidades como tuberculose, hanseníase, HIV estão associadas a transtornos
psicóticos graves e vulnerabilidades sociais extremas – trazem uma extrema
dificuldade aos serviços de saúde. Essa dificuldade pode ser definida em dois
sentidos: (i) dificuldade em considerar a integralidade das dimensões da saúde,
a complexidade das formas de vida, a inseparabilidade entre saúde biológica,
subjetiva e social; (ii) dificuldade em atender uma realidade com modos de vida
variados, diferindo muito dos padrões “normais” na cidade: de outra relação com
o tempo, com o trabalho e outras dinâmicas nos seus laços afetivos.
Entendemos que essas dificuldades dizem respeito à maneira em considerar os
sujeitos e territórios alvo de cuidado: considerar as singularidades de cada
território existencial, e dificuldade em se engajar nesse território para
conhecê-lo efetivamente. Como cuidar de uma realidade tão estranha aos padrões
de saúde na cidade? Como se abrir ao fato de que o encontro com essa realidade
necessariamente coloca em cheque nossa capacidade de cuidado, pois exige que ela
seja revista para além daquilo que consideramos aceitável ou normal?
Na prática, observamos que muitos dos dispositivos da AB não conseguem operar
assentados nas especificidades de seu território. A população em situação de rua
nos grandes centros urbanos indica tal problemática. Por não residir em
domicílios, por usar substâncias psicoativas, por sofrer transtornos mentais, ou
por suas dinâmicas próprias, a população de rua dificilmente acessa os serviços
de saúde que seriam de seu direito. Quando esse acesso se dá, ele acontece de
forma pontual, nos prontos atendimentos, serviços de urgência e emergência9, sem nenhuma produção de
continuidade do cuidado – tarefa primordial da AB.
A rua, com sua capacidade de visibilizar as dinâmicas da pólis, também indica
sentidos importantes no trabalho em saúde: (i) mostra que para atender a
população de rua é necessário construir um saber que ao menos considere a
complexidade das questões de saúde dessa população: o quanto o uso de alguma
substância psicoativa (SPA) pode estar associada a um manejo, criado pelo
próprio paciente, de um processo delirante; ou como será possível construir um
tratamento para hipertensão com uma pessoa que se alimenta a partir de sobras;
como é possível articular um tratamento de tuberculose junto a um albergue da
assistência social, ou mesmo criar parceiros para o tratamento junto aos
companheiros de rua do paciente. (ii) Mostra também que o que permite criar
essas estratégias singulares para cada caso depende de um engajamento com o
território, de um envolvimento afetivo que permita que o profissional de saúde
possa ter um entendimento do caso para além dos protocolos, da nosografia das
enfermidades. Essa capacidade de ampliar o olhar e de engajamento na
especificidade do território não seriam também justamente o que deve exercer a
AB e o apoio?
Atenção Básica e apoio
Em termos macroinstitucionais, a saúde historicamente sempre se envolveu muito pouco
com a população de rua, não considerando a rua como um território de vida existente,
e delegando o trato com o morador de rua unicamente a assistência social e a
polícia.
O direcionamento do SUS à lógica das regiões de saúde e à AB convoca-nos a repensar o
que é território de vida e a importância da sua consideração para um sistema que
visa cuidar da diversidade de vidas. E o que estamos querendo sustentar aqui é que
esse território de vida é a linha condutora que une AB e apoio, nisso que estamos
entendendo ser um sutil e importante redirecionamento nas práticas de atenção e
gestão no SUS.
Atenção Básica
A Organização Mundial de Saúde determina a Atenção Básica de um sistema público
de saúde como:
[...] o primeiro nível de contato dos indivíduos, famílias e comunidades com
o sistema de saúde, levando a atenção à saúde mais próxima possível do local
onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um
processo de atenção continuada à saúde [...].10 (p. 1)
A AB pode ser entendida como o nível de atenção em saúde que está em uma relação
mais direta com o cotidiano da vida das pessoas, garantindo maior amplitude de
acesso por se aproximar dos territórios e das questões de saúde locais. Ao
garantir acesso ela não deve simplesmente ser uma via de encaminhamento, mas
deve garantir a resolução das questões de saúde de maior prevalência do
território onde se faz presente.
O cuidado da AB junto a seus usuários tem como características: ser um cuidado
geral, não sendo restritiva a faixas etárias, tipos de problemas ou condições;
ser acessível em relação ao tempo, lugar, financiamento e cultura; ser integrada
no sentido curativo, reabilitador, promotor de saúde e preventivo de
enfermidades; ser continuado; cuidado que opera por trabalho em equipe; ter uma
perspectiva de cuidado centrado na pessoa e não na enfermidade; ser orientado
para coletividades (famílias, grupos e comunidades); ser coordenado;
confidencial; ser político, defensor dos direitos dos usuários em questões de
saúde, em relação a todos os outros provedores de atenção à saúde11.
Cunha11 afirma a AB como
análoga a um filme: ao pensarmos o cinema como uma arte que envolve várias artes
(fotografia, música, literatura, teatro, etc.), a AB visa acompanhar a vida das
pessoas, que está necessariamente em movimento, não sendo imagem cristalizada em
diagnósticos ou padrões epidemiológicos.
Por isso ela não pode ser uma simples carteira de serviços já definidos. Ela deve
se adaptar a cada território, a cada população com o fim de prover saúde e
atender as demandas da população em forma de serviços, “produzir interferências
nos determinantes e condicionantes do processo saúde-doença, alterando-os,
modificando as cadeias produtivas das doenças e dos agravos”’12 (p.
12).
Pasche12 traz apontamentos
acerca da complexidade da AB. Geralmente, o serviço de complexidade básica é
entendido como um serviço mais simples, ou mais fácil, simplório. Essa concepção
parte de um entendimento ainda fundado no especialismo e no modelo biomédico. O
nível básico de complexidade não quer dizer de forma alguma menos complexo. Dito
de outro modo: é um simples, mas o simples que é o mais difícil de se fazer. A
complexidade da AB é poder produzir um entendimento singular sobre cada processo
de vida de determinado sujeito e coletivo. Em uma palavra: integralidade. Poder
produzir um entendimento integral de saúde, que conjugue diversos fatores,
variações, e ainda, poder vislumbrar saídas singulares para os problemas de
saúde, saídas nunca antes experimentadas, pois se tratam de sujeitos diferentes
e diferentes ao longo do tempo, sujeitos dinâmicos. Sobre isso Campos13 afirma também uma grande
complexidade na AB:
O complexo se define em termos de número de variáveis envolvidas em um dado
processo, nesse sentido é necessário intervir sobre a dimensão biológica ou
orgânica de riscos ou doenças, mas será também necessário encarar os riscos
subjetivos e sociais. Essas dimensões estarão presentes em qualquer trabalho
em saúde, no entanto na rede básica atingem uma expressão maior, sendo
necessário não somente considerar esses aspectos no momento do diagnóstico,
mas também lograr ações que incidam sobre estas três diferentes dimensões.
Cada sujeito característica singular de cada caso – “cada caso é um
caso”.13 (p. 2)
Essa é a complexidade da AB: o olhar integral acerca das mais variadas dimensões
da vida, e ao mesmo tempo datado e localizado acerca de cada sujeito e coletivo
singular – os territórios de vida. Complexidade básica ganha outro sentido
então: a complexidade basal, primeira a ser considerada, a complexidade de cada
território e cada sujeito. Um trabalho e tanto.
A resolutividade da AB consiste em poder dar respostas aos agravos mais
prevalentes de seu território. Certamente haverá muitas coisas que os serviços
de AB não poderão resolver. Mas resolver é diferente de responder. Nesse sentido
o acolhimento, a autoconstituição como serviço de referência é outra tarefa
primordial da AB. As equipes de AB devem responder a todo tipo de situações de
seu território. Mesmo quando nada pode fazer no sentido de uma “resolução”, o
serviço da AB responde com acolhimento e acompanhamento, um “estar junto”, que
também vemos ser a principal chave de cuidado com a população em situação de
rua. Um paciente, seja qual necessidade de saúde possua, nunca deixa de ser um
paciente de um serviço da AB. Acompanhar, estar junto, dividir a
responsabilidade, o problema, deveria ser sempre uma função da AB. Não se
responde à doença, mas se responde aos sujeitos, acompanhando seu processo de
vida, nos e a partir de seus territórios.
Por essa capacidade de acompanhamento, de “conhecimento de causa”, por esse saber
local a ser construído junto ao território é que se preconiza que a AB deve ser
a ordenadora do sistema. Ela deve pautar os fluxos tanto da rede quanto a
gestão. Deve induzir fluxos, levantar demandas para os outros níveis de atenção,
“induzindo gradualmente um sentido organizativo no fluxo assistencial”12 (p.12). Podemos entender que
a AB é o ponto de contato entre a gestão, rede e o território. Ela poderá
observar a efetividade das ações. Por isso ela tem uma função na rede de
coordenação da clínica14: ela
é ao mesmo tempo fundada na singularidade dos sujeitos e territórios, na
integralidade do olhar sobre os mesmos, e na universalidade do acesso.
Essa é uma tarefa básica para a constituição do sistema, mas nada fácil. Tarefa
difícil, pois exige mudanças epistemológicas nos saberes que compõem a saúde
como campo de conhecimento; porque exige a construção de um acesso universal que
consiga ter um olhar singular. A tarefa de coordenação da clínica e filtro para
o SUS faz da AB um campo que necessita de uma mudança epistemológica e política
acerca dos saberes em saúde, e da concepção de saúde14. Pasche12 fala que “a efetividade da Atenção Básica é também
determinada pela dinâmica das relações estabelecidas com as populações” (p.
12).
Apoio
Embora a construção do SUS ainda enfrente desafios importantes para que tenhamos
um sistema de saúde com cobertura e acesso considerados satisfatórios, é
inegável que, em pouco mais de vinte anos, o SUS logrou alguns avanços
importantes. Em relação à AB, por exemplo, podemos afirmar que hoje a Estratégia
Saúde da Família está presente em cerca de 94% dos municípios brasileiros,
cobrindo uma população de mais de 115 milhões de brasileiros15. Entretanto, os desafios
colocados à consolidação do SUS como política pública de saúde brasileira não se
limitam apenas à ampliação da cobertura. Primeiramente porque o acesso não
depende somente da cobertura, como vemos no caso das populações de rua, onde a
presença de um serviço em sua região não garante acesso9. E segundo porque a presença dos equipamentos
estatais não garantem práticas qualificadas de atendimento.
A temática do apoio ganha relevância no SUS e há tempos vem sendo discutida por
importantes sanitaristas no país, dentre eles, podemos destacar o grupo
coordenado por Gastão Wagner Campos, da Unicamp. Esse grupo vem se destacando
pela formulação da noção de “apoio Paideia”16. Método que incide sobre as relações de poder, de
saber e afetivas, presentes em todas as instituições, visando à produção de um
coletivo crítico que possa produzir análises sobre essas relações e assumir
compromissos conjuntos. O autor descreve o método Paideia como sendo um modo de
intervenção entre as relações sociais que permite aos atores envolvidos
ampliarem suas capacidades de compreensão crítica de si mesmos, dos outros e a
dinâmica histórica e social que atravessa as instituições nas quais se
inserem.
Para o exercício desse método, é preciso construir junto aos grupos condições
para que estes, coletivamente, possam lidar com os aspectos organizacionais do
trabalho, que envolvem, entre outras coisas, condições materiais, metas e
objetivos institucionais, e também com os aspectos subjetivos do trabalho, os
quais envolvem interesses e desejos dos trabalhadores, podemos dizer, a dimensão
relacional na maneira como ela se estabelece no campo. Campos16 enfatiza que se trata de um
lidar com. Ou seja, para a metodologia Paideia, o que importa não é organizar ou
gerenciar conjuntamente esses aspectos organizacionais e subjetivos do trabalho.
A ênfase principal do apoio Paideia consiste em uma inseparabilidade entre os
processos de trabalho e a produção de subjetividade. Desenvolver qualquer tipo
de atividade significa tomar parte de um processo, formar compromisso com ele.
Esse método supõe que a subjetividade se encontra em processo de contínua
produção, não havendo uma essência transcendente e imutável que a determine.
Assim, a tarefa do apoiador consiste em acompanhar os grupos e auxiliá-los a
criar condições para instaurar processos de cogestão que permitam transformar as
condições de trabalho e os territórios existenciais envolvidos.
Gustavo Nunes Oliveira17 propõe
uma convenção para diferenciação das terminologias do apoio: apoio
institucional, apoio a gestão, apoio matricial. Neste texto nos importa pensar o
sentido da função de apoio de forma mais geral, que abarque suas modalidades, na
maneira como Oliveira17 nos
auxilia.
O apoio é uma função e uma metodologia. Como função, diz respeito à função
exercida por um agente (o apoiador) em relação com uma instituição, que tem a
finalidade de produzir análises e intervenções que visem à transformação dos
processos de trabalho, mudanças nos modos de gestão, qualificação dos modos de
produção e produtos dessa instituição.
O apoiador realiza sua finalidade por meio: (1) da ativação de espaços coletivos,
da produção de dispositivos que propiciem a interação e a construção conjunta
entre os sujeitos; (2) do reconhecimento e manejo com os afetos envolvidos, as
relações de poder e a multiplicidade de saberes, que podem contribuir para a
construção de um arranjo coletivo de trabalho mediante essas matérias-primas –
os afetos, os poderes, os saberes; (3) manejo e mediação para construção de
objetivos comuns, pactuações e contratos para realização desses objetivos; (4)
promoção da capacidade de análise e crítica dos coletivos16,17.
A metodologia do apoio se faz por meio da construção de mapeamentos que produzam
um:
[…] mapa dinâmico de saberes e de práticas mais ou menos articulados que
demarcam balizas e contornos para o fomento de processos de democratização
institucional e ampliação da capacidade de sujeitos e de coletivos para
análise, para intervenção e para a invenção de si e do mundo [...].17 (p. 39)
O mapa não tem um sentido em si. Ele serve para construir uma visão coletiva do
processo de trabalho, e ao mesmo tempo ir sendo construído, de forma que busque
articular os vários elementos que compõem o mundo de determinado trabalho. O
apoio é uma aproximação do “mundo do trabalho” com o “mundo da vida”. É que o
apoiador vai considerar que o mundo do trabalho e o mundo da vida não são
dimensões separadas, mas que comparecem se coproduzindo no âmbito do trabalho.
Por “mundo da vida” podemos entender a dimensão extracampo, aquilo que compõe as
instituições, mas que não faz parte do que seria seus elementos e estruturas
oficiais, a dimensão do trabalho que não é a formal ou protocolar, mas diz
respeito a dimensão processual do trabalho, onde estão em jogo os afetos,
poderes e saberes produzidos na interação das pessoas. Mas também diz respeito à
dimensão política, aos jogos de força, às disputas de poder. Toda instituição
tem seu dentro e seu fora, seu visível e invisível, aquilo que está incluído e
excluído. E todos esses fatores a compõem, fazem parte de seus processos.
Nesse sentido, apontamos o método de apoio da Política Nacional de
Humanização18: tríplice
inclusão. São três dimensões dessa inclusão, ou três dimensões incluídas: (i) os
diferentes sujeitos que participam de alguma forma dos processos da instituição;
(ii) os analisadores sociais, que são fenômenos do corpo social que evidenciam
modos de fazer na sociedade, modos de produzir e construir o mundo, que diz
respeito a construção de um olhar crítico; (iii) a inclusão do coletivo, como
dimensão do trabalho que é maior do que a soma das partes, que diz respeito a
dimensão relacional, aos modos de relação no trabalho, a inclusão da dimensão
sensível do trabalho.
Essa inclusão e seu manejo se faz por intermédio da constituição de rodas,
análise coletiva dos conflitos, fomento e constituição de redes, aumento do grau
comunicacional intrainstituição, entre instituições, com os usuários e
territórios18. Podemos
dizer que a constituição de rodas, de espaços coletivos pela tríplice inclusão
que o apoiador visa operar, diz respeito a criar condições para habitar um
território existencial de determinada equipe de trabalho.
A execução de tal método se faz, segundo Pasche e Passos19, por um modo de fazer que congrega ação
intensivista, ação por contágio, fazendo uma função de referência. Este na
verdade é um ethos metodológico. Ação intensivista é fazer-se presente e se
aproximar da experiência concreta dos coletivos de trabalho, para além dos
parâmetros extensivos e gerais da política. Isso quer dizer estar atento e tomar
como matéria-prima o modo singular como os coletivos vão implementar,
apropriar-se dos parâmetros extensivos da política – os que têm a função de dar
conta dos parâmetros gerais dos territórios. O que seria o extensivo da
política, aquilo que está nas portarias e cartilhas deve ser assimilado não por
imposição, mas por contágio, pela apropriação singular que os coletivos fazem
delas. Isso diz respeito à postura do apoiador: lateralidade. O apoiador deve
então ter uma postura de estar ao lado dos sujeitos que compõem o arranjo de
trabalho o qual apoia. Nesse sentido o apoio seria outro método de produção de
políticas estatais, pois ajuda a instituir, a partir da tensão entre o que já
está instituído e aquilo que ainda é processo não formado, o que está em vias de
se instituir.
O apoio opera na região limítrofe entre a clínica e a política, entre o cuidado e
a gestão, onde esses domínios se interferem mutuamente18. Por isso tomamos a clínica operada junto à
população de rua como um exemplo que se aproxima do apoio, no sentido da postura
na relação apoiador e campo apoiado.
Considerações finais
A mudança nos sentidos das práticas no SUS diz respeito ao estabelecimento de outra
relação com os territórios que intervém: isso tanto no que toca à atenção quanto à
gestão. Essa mudança na relação passa por considerar os territórios como
dinamicidades vivas, constituídas de uma diversidade de fatores e passíveis de serem
transformadas. Isso implica uma postura de acolhimento, acompanhamento e produção da
política a partir de cada território.
A rua é o território nas grandes cidades onde essa necessidade de mudança de modelo é
levada ao limite. O problema colocado ao agente de uma clínica de rua é similar ao
problema da construção da AB e do apoio: como intervir em uma realidade diversa, sem
cair no risco de produzir normalizações, adaptações a modelos preestabelecidos?
O que a rua nos aponta nos serviços de saúde e políticas públicas em geral, que visam
ao cuidado, é que não basta saber dos protocolos, não basta ter a técnica e os
insumos necessários: o que será decisivo na capacidade de um serviço de saúde no
cuidado com a rua é o modo relacional que se estabelecerá entre serviços e
usuários7. A capacidade de
articulação e conexão com os diversos elementos que compõem um território
existencial singular, que estão para além do olhar ou objeto de trabalho mais
protocolar da saúde.
Nossa proposição vai justamente atentar ao espaço relacional: como se portar nessa
relação? Que ética nos conduz nessa prática? Podemos dizer uma ética de acolhimento
e acompanhamento da diferença e da produção de diferença a partir de cada realidade
é o objetivo geral tanto da AB, quanto do apoio. Em última instância reconhecemos
ser esta a ética que permeia as intervenções que se fazem presentes a partir do uso
de uma metodologia de apoio. O cuidado com a população de rua nos faz entender,
portanto, que a ética necessária ao trabalho na AB não difere da ética do apoio.
Referências
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10.1590/S1413-81232011001200027
d
Iacã Macerata foi gerente técnico do ESF POP RUA, primeiro serviço nos moldes do
Consultório na Rua na cidade do Rio de Janeiro, e também consultor e apoiador da
Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde para o Estado do Rio de
Janeiro, apoiando diretamente a Superintendência de Atenção Básica, tendo
participado da composição do Apoio Integrado do MS. Atualmente realiza sua
pesquisa de doutorado em psicologia pela Universidade Federal Fluminense, por
onde chegam os outros dois autores, junto a uma equipe de Consultório na
Rua.
e
Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011, que aprova a Política Nacional de
Atenção Básica (Pnab).
f
Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010, que estabelece diretrizes para a
organização da Rede de Atenção à Saúde (RAS) no âmbito do Sistema Único de
Saúde.
g
Como, por exemplo, o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da
Atenção Básica (PMAQ-AB), Portaria nº 1.654, de 19 de julho de 2011.
h
A partir do ano de 2008, a Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa
(SGEP) instituiu a estratégia do Apoio Integrado à implantação da Política
Nacional de Gestão Estratégica e Participativa.
i
As portarias 122 e 123, de janeiro de 2012, instituem as Equipes de Consultório
na Rua.
Authorship
Iacã Macerata
Doutorando, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal
Fluminense (ICHF/UFF), Campus do Gragoatá. Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas
Reis, s/n, bloco O, sala 214, Gragoatá. Niterói, RJ, Brasil. 24210-201.
imacerata17@gmail.comUniversidade Federal FluminenseBrasilNiterói, RJ, BrasilDoutorando, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal
Fluminense (ICHF/UFF), Campus do Gragoatá. Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas
Reis, s/n, bloco O, sala 214, Gragoatá. Niterói, RJ, Brasil. 24210-201.
imacerata17@gmail.com
José Guilherme Neves Soares
Mestrando, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, ICHF/UFF. Niterói, RJ, Brasil. ppgpsicologia@
hotmail.comICHF/UFFBrasilNiterói, RJ, BrasilMestrando, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, ICHF/UFF. Niterói, RJ, Brasil. ppgpsicologia@
hotmail.com
Julia Florêncio Carvalho Ramos
Psicóloga. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
bebolia@gmail.comPsicóloga. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
bebolia@gmail.comBrasilRio de Janeiro, RJ, BrasilPsicóloga. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
bebolia@gmail.com
Colaboradores
Iacã Macerata responsabilizou-se pela proposição da ideia do artigo, pela
discussão e articulação entre a teoria e a experiência. José Guilherme
Soares e Julia Florêncio Carvalho Ramos se responsabilizaram pela discussão
com as questões colocadas e revisão do texto.
SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS
Doutorando, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal
Fluminense (ICHF/UFF), Campus do Gragoatá. Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas
Reis, s/n, bloco O, sala 214, Gragoatá. Niterói, RJ, Brasil. 24210-201.
imacerata17@gmail.comUniversidade Federal FluminenseBrasilNiterói, RJ, BrasilDoutorando, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal
Fluminense (ICHF/UFF), Campus do Gragoatá. Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas
Reis, s/n, bloco O, sala 214, Gragoatá. Niterói, RJ, Brasil. 24210-201.
imacerata17@gmail.com
Mestrando, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, ICHF/UFF. Niterói, RJ, Brasil. ppgpsicologia@
hotmail.comICHF/UFFBrasilNiterói, RJ, BrasilMestrando, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, ICHF/UFF. Niterói, RJ, Brasil. ppgpsicologia@
hotmail.com
Psicóloga. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
bebolia@gmail.comPsicóloga. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
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