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Centenário do livro Remaking a man: one successful method of mental refitting

Centennial of the book Remaking a man: one successful method of mental refitting

Centenario del libro Remaking a man: one successful method of mental refitting

Aproximamo-nos do centenário do livro Remaking a man: one successful method of mental refitting (publicado originalmente, em 1919, pela editora Mofatt, com várias edições posteriores em diferentes editoras(b) (b) O livro, bem como outros textos de Baylor e de outros autores do Movimento Emmanuel ou de outros movimentos ligados ao alcoolismo, podem ser facilmente acessados no site Silkworth.net. Para o livro Remaking a man, consultar http://silkworth.net/emmanuel_movement/01011.htm ), de Courtenay Baylor11. Baylor C. Remaking a man: one successful method of mental refitting. New York: Mofatt; 1919., e este permanece um ilustre desconhecido na comunidade acadêmica brasileira. No entanto, esse desconhecimento não reflete sua importância, sobretudo para aqueles que se interessam pela compreensão da construção histórica do conceito de alcoolismo e da institucionalização das suas formas de tratamento.

O livro deve ser compreendido dentro do que se convencionou chamar Movimento Emmanuel, surgido no período da Lei Seca americana, que articulava o acúmulo de movimentos religiosos de acolhimento e tratamento de alcoolistas com os avanços conceituais e metodológicos da Medicina e da Psiquiatria (incluindo a psicanálise e a hipnose) da época para o tratamento da dependência química22. Dubiel RM. The road to fellowship: the role of Emmanuel Movement and the Jacoby Club in the development of Alcoholics Anonymous. New York: Universe Inc; 2004.. Porém, mais do que isso, o livro ganha importância por ser a primeira formulação de uma perspectiva terapêutica na qual a experiência como alcoolista figura como elemento para a compreensão do fenômeno do alcoolismo e a capacidade de atuação como terapeuta para outros alcoolistas. Sendo o livro inaugural de um novo movimento decorrente do Movimento Emmanuel, que ficou conhecido como Lay Therapy (terapia leiga), o livro traz concepções que vão servir de base para a estruturação de movimentos como os Alcoólatras Anônimos (e suas derivações) e os sistemas americanos de counseling na área da Saúde (e, especialmente, da Saúde Mental e dependência química).

Baylor, um alcoolista que passa pelo processo de tratamento na clínica do Movimento Emmanuel, ao conseguir manter a sobriedade, passa a trabalhar na própria clínica, a princípio, em atividades sociais e, posteriormente, como o primeiro terapeuta leigo (a clínica era composta, sobretudo, por médicos e psiquiatras, que trabalhavam a partir da perspectiva da medicina da época, e por pastores, a partir do acolhimento e aconselhamento religioso). O livro é então uma compilação de suas ideias, que aproveita as discussões anteriores do Movimento Emmanuel, inserindo a compreensão vivencial tanto do alcoolismo quanto do seu processo de recuperação. A principal mudança é a do foco do processo interventivo, que deixa de ser comunitário para se tornar mais clínico e individual, embora mantendo, como atividades acessórias à clínica, a análise e intervenções no ambiente familiar, social e do trabalho do alcoolista.

O livro é dividido em duas partes. A primeira, composta de cinco sessões, discorre sobre aspectos teóricos da dependência química. A segunda (intitulada Illustrative cases coment) é composta de casos de pacientes, onde são explicitados aspectos relacionados aos procedimentos de tratamento. Na parte teórica, o autor mantém alguns conceitos desenvolvidos anteriormente na clínica Emmanuel, especialmente os desenvolvidos por Worcester et al.33. Worcester E, McComb S, Coriat IH. Religion and medicine: the moral control of nervous disorders. New York: Moffat; 1908.. Desses, o mais importante é a noção de neurose alcoolista. Essa se caracteriza como a manutenção da percepção equivocada do mundo e da realidade, causada pela embriaguez, também nos períodos de sobriedade. Esse modelo de percepção distorcido da realidade vai então se expandindo aos poucos, em função de fornecer uma forma de não precisar lidar com os elementos concretos e as tensões da vida cotidiana. Tal fato é sustentado por um conjunto de conceitos negativos de si mesmo, que instaura a tensão entre a realidade e a percepção da real capacidade de lidar com ela.

Tem-se, então, duas fontes de tensão: a primeira, decorrente da relação do sujeito com o mundo, e a segunda, decorrente do conflito entre essa percepção negativa de si e de sua capacidade de lidar com as situações cotidianas, e a percepção de sua real capacidade de lidar com elas. Essa segunda se configura como o núcleo da neurose alcoolista, e estabelece um ciclo que se retroalimenta, com sentimentos de culpa que geram mais percepções negativas de si, e que levam o sujeito a buscar cada vez mais o álcool como forma de alívio dessas tensões.

Todo esse processo é pensado a partir das noções de inconsciente, de uma nascente psicanálise, ainda mesclada com as perspectivas de tratamento a partir da hipnose. O tratamento proposto vai basear-se, sobretudo: na superação, por meio de técnicas de sugestão e autossugestão, da tensão decorrente da percepção da incapacidade de lidar com as demandas da realidade (que é a causa imediata da busca do álcool, para alívio da mesma); na substituição das percepções negativas em relação a si mesmo por percepções mais positivas, e na identificação de aspectos do ambiente que levem a desencadear o aumento de tensão, para buscar modificá-los ou evitá-los. O autor também incorpora as noções de resistência, da psicanálise, que permeariam o tratamento, e a necessidade de adesão voluntária ao tratamento.

Na segunda parte do livro, o autor discute quatro casos, mostrando aspectos variados que vão exemplificar tanto as causas e formas de ocorrência da neurose alcoolista, quanto as formas de tratamento mais adequadas em cada caso. Na descrição desses casos, fica mais explícito o distanciamento, tanto em relação ao discurso de aconselhamento religioso quanto em relação ao discurso médico, onde a experiência de vivenciar também a dependência química fornece chaves de interpretação do sofrimento que o sujeito vivencia bem como a construção de um ponto de referência a ser alcançado, que vai nortear o tratamento.

Articulando elementos da Psiquiatria, Psicanálise, hipnose, orientação espiritual e assistência social, o livro é uma leitura interessante para os interessados na história do tratamento do alcoolismo; e, também, para os que querem analisar formas já experimentadas historicamente para se compreenderem suas retomadas na atualidade, retomadas essas, na maioria das vezes, desconhecedoras de sua pertença a uma tradição de reflexão e prática de tratamento do alcoolismo e da dependência química.

  • (b)
    O livro, bem como outros textos de Baylor e de outros autores do Movimento Emmanuel ou de outros movimentos ligados ao alcoolismo, podem ser facilmente acessados no site Silkworth.net. Para o livro Remaking a man, consultar http://silkworth.net/emmanuel_movement/01011.htm

Referências

  • 1
    Baylor C. Remaking a man: one successful method of mental refitting. New York: Mofatt; 1919.
  • 2
    Dubiel RM. The road to fellowship: the role of Emmanuel Movement and the Jacoby Club in the development of Alcoholics Anonymous. New York: Universe Inc; 2004.
  • 3
    Worcester E, McComb S, Coriat IH. Religion and medicine: the moral control of nervous disorders. New York: Moffat; 1908.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2018
  • Aceito
    26 Mar 2018
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