Interface (Botucatu)
Interface - Comunicação, Saúde, Educação
Interface
(Botucatu)
1414-3283
1807-5762
UNESP
El objetivo de este estudio fue comprender la formulación de apoyo institucional
por parte del Ministerio de Salud (MS) y de como esa estrategia del método de la
rueda se ha incorporado en el discurso oficial de la gestión federal del SUS. El
estudio se sitúa en la categoría de investigación cualitativa. Analizamos los
documentos oficiales, las directrices nacionales, los cuadernos de formación y
políticas del MS. Identificamos dilemas, dificultades y límites vividos
cotidianamente por los gestores del SUS, al buscar estrategias de cambio de la
lógica tradicional de gobierno (racionalidad gerencial hegemónica), tanto en la
gestión democrática y participativa como en la relación entre los entes de la
federación. A partir de los documentos analizados es posible suponer un deseo de
cambio por parte de esos gestores, considerando la consistencia teórico-política
adecuada a ello. No obstante, presentan contradicciones, mostrando la dificultad
de integración entre las áreas del MS y de él con los gestores descentralizados
(estados y municipios).
Introdução
O SUS introduziu mudanças na relação Estado-sociedade, operando a partir de
princípios e diretrizes, como a descentralização da gestão, participação popular e
controle social em todos os níveis de gestão do sistema1.
Entretanto, nasceu e se desenvolveu em meio ao avanço do neoliberalismo na América
Latina. O discurso hegemônico de privatização/desestatização, contenção de gastos
públicos e “seleção das demandas sociais” invadiu todos os governos da Nova
República, impondo uma focalização das políticas sociais, inclusive na política de
saúde2.
Apesar dos avanços conquistados, a manutenção do modelo médico hegemônico, a reforma
do Estado inconclusa, o predomínio do velho modelo de gestão pública, o
subfinanciamento, a precarização do trabalho e as soluções que ignoram os
determinantes estruturais das necessidades de saúde são, ainda, os principais
desafios da Reforma Sanitária brasileira na atualidade3,4.
Outra característica impactante no cotidiano do SUS, comum às organizações em geral,
é o que Campos denominou de racionalidade gerencial hegemônica:
[...] Esta produz sistemas de direção que se alicerçam no aprisionamento da
vontade e na expropriação das possibilidades de governar da maioria. Estes
sistemas, mais do que comprar a força de trabalho, exigem que os trabalhadores
renunciem a desejos e interesses, substituindo-os por objetivos, normas e objeto
de trabalho, alheios (estranhos) a eles.5 (p. 23)
Esse autor elaborou um método que objetiva fortalecer os sujeitos, individuais e
coletivos, a fim de construir uma democracia institucional. Essa estratégia
metodológica intencionava ampliar a capacidade de direção e de governo dos sujeitos,
para aumentar suas capacidades de análise e de intervenção sobre a realidade.
Baseado em matrizes conceituais, oriundas da política, do planejamento, da análise
institucional, da Pedagogia e da Psicanálise, construiu um método para análise e
cogestão de coletivos, o método da roda5, como uma “[...] tentativa de ampliar a capacidade das
pessoas lidarem com poder, com circulação de afetos e com o saber, ao mesmo tempo em
que estão fazendo coisas, trabalhando, cumprindo tarefas. No fundo, é a
radicalização da construção de cidadania e de sociedades democráticas”6 (p. 12).
A função apoio é a essência do método Paideia. “É um método de apoio à cogestão de
processos complexos de produção”5
(p. 185). Esta articula a produção de bens e serviços com a produção de
instituições, organizações e dos próprios sujeitos. É um método de gestão para a
elaboração, implementação e execução de projetos e políticas públicas, enquanto
apoia a construção de sujeitos, individuais e coletivos. Além disso, ele pode ser
incorporado pelos coletivos organizados sem a necessidade de um agente externo.
Nossa experiência aposta, portanto, na potência da figura do apoiador institucional.
Mesmo com a possibilidade de controle e autoridade sobre o grupo, o apoiador
institucional pode facilitar diálogos, mediar conflitos, ampliar as possibilidades
de reflexões e trazer ofertas relevantes para o processo de trabalho e para a
cogestão5.
Diferentemente das tradicionais “assessorias” e “consultorias”, o apoiador não faz
pela ou para as equipes, e sim com as equipes, apoiando a análise, elaboração e
planejamento de tarefas e projetos de intervenção. Assim, compromete-se com as
equipes e não somente com a alta direção da instituição, sem deixar de trazer
diretrizes dos níveis superiores da gestão e analisar o contexto externo ao grupo –
como diretrizes orçamentárias, políticas e organizacionais5.
As primeiras experiências de implantação do método da roda, na cogestão de
instituições e na organização da atenção à saúde, foram na rede municipal de saúde
de Campinas/SP, durante a década de 1990. A partir do início dos anos 2000,
municípios e estados implementaram arranjos e dispositivos do método: Belo
Horizonte/MG, Sobral/CE, Diadema/SP, Amparo/SP, São Bernardo/SP, Recife/PE,
Aracaju/SE, Vitória/ES, assim como as Secretarias Estaduais de Saúde do Rio de
Janeiro e da Bahia e a Fundação Estatal de Saúde da Família da Bahia.
A partir de 2003, o Ministério da Saúde (MS) iniciou um processo de formulação e
implantação do apoio institucional, inicialmente com dois enfoques: i) apoio à
gestão descentralizada do SUS e ii) apoio à mudança dos modelos de gestão e atenção
dos sistemas e serviços de saúde. Em um segundo momento, a partir de 2011, o MS se
centrou na implementação do apoio institucional, buscando uma articulação
interna.
Este trabalho de investigação tem como objetivo compreender a formulação do apoio
institucional pelo MS, e como essa estratégia vem sendo incorporada ao discurso
oficial da gestão federal do SUS. Para isso, buscamos identificar especificidades e
singularidades da institucionalização do apoio Paideia em diferentes setores do
MS.
Caminhos metodológicos
O presente estudo se situa na categoria de pesquisa qualitativa, dentro do campo da
pesquisa social em saúde. O núcleo básico de uma pesquisa qualitativa é a intenção
de trabalhar com o “significado atribuído pelos sujeitos aos fatos, relações,
práticas e fenômenos sociais: interpretar tanto as interpretações e práticas quanto
as interpretações das práticas”7
(p. 197).
No campo das Ciências Sociais encontramos diversos métodos de análise qualitativa.
Aproximamo-nos da hermenêutica-dialética, por considerarmos uma abordagem coerente
com nossa concepção de ciência, a partir do referencial teórico utilizado e com os
objetivos desta investigação.
Entendemos a hermenêutica como a disciplina básica que possui a compreensão como a
categoria metodológica central, a consciência histórica como filosofia fundante e o
significado como baliza do pensamento. A dialética, por sua vez, é entendida como a
articulação dos conceitos de crítica, negação, oposição, mudança, processo,
contradição, movimento e transformação da realidade social8.
O desenho inconcluso do caminho
A partir da opção metodológica proposta, desenvolveu-se uma práxis interpretativa
hermenêutica, do estudo de documentos oficiais do MS que tratam do apoio
institucional.
Analisaremos diretrizes nacionais, cadernos de formação, políticas e programas. Os
documentos foram adquiridos nos sítios oficiais, bibliotecas virtuais e por meio de
contato direto com dirigentes.
Construímos um instrumento para a análise documental utilizando núcleos
temáticos de análise ou categorias analíticas. Este seria
“um roteiro sem caminhos prefixados. Talvez uma ‘cartografia’ [...], com pontos de
passagem mais do que itens organizados segundo uma hierarquia rígida”5 (p. 212).
Essas categorias constituíram uma matriz inicial de interpretação dos documentos
oficiais, na lógica da interação contínua entre a coleta de dados, a explicação
estruturada, a interpretação e a análise, que foram constantemente incorporadas ao
instrumento, gerando a transformação desse roteiro em todas as etapas do
processo.
As categorias analíticas utilizadas, a priori, são:
Objeto (tema e atores envolvidos) de que se encarrega o apoio
institucional;
Método do apoio institucional;
Arranjos e espaços de gestão utilizados pelo apoio institucional;
Objetivos do apoio institucional;
Núcleo e campo de saberes e práticas do apoio institucional.
Análise do campo
A posse do governo Lula, em janeiro de 2003, marcou o início do período analisado
neste estudo. Ainda que o novo governo não tenha trazido rupturas radicais no modelo
de atuação do Estado, é possível identificar elementos de mudança, principalmente
nas políticas sociais1,9.
A democratização da gestão, a mudança do modelo vertical e autoritário das relações
interfederativas e a participação social na gestão das instituições de saúde
disputavam espaço na agenda da nova gestão do MS, apesar do seu caráter
contra-hegemônico. A criação da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa
(SGEP), do Colegiado do Ministério e de colegiados gestores nas secretarias e
departamentos, a reestruturação e fortalecimento do Departamento de Apoio à
Descentralização (DAD), a criação da Política Nacional de Humanização (PNH) e o
Plano Nacional de Saúde de 2004-2007, que visava à gestão democrática do SUS,
mostravam a presença desse debate na agenda da saúde1,10,11.
Entretanto, essa equipe de governo se deparou com dificuldades para a consolidação da
descentralização da gestão do SUS, com a necessidade de mudança dos modelos
hegemônicos de organização da atenção à saúde e da gestão das Instituições e
serviços de saúde, inclusive com a própria fragmentação e desarticulação dos
diversos setores internos do MS12.
Mesmo assim, buscou-se desenvolver ações que visavam à ampliação da capacidade de
gestão de estados, municípios e das próprias áreas internas do MS. Parte dessas
estratégias se configurou na habilitação de todos os estados, na condição de Gestão
Plena da Saúde, assumindo-se, efetivamente, as funções de formulação, coordenação,
regulação e avaliação da política estadual de saúde. O acompanhamento ministerial da
articulação da Programação Pactuada Integrada (PPI), a revisão do marco normativo da
regionalização do SUS e a aprovação do Pacto pela Saúde fizeram parte dessa
estratégia12.
Outra iniciativa da gestão do MS, particularmente da Secretaria Executiva, foi
desenvolver e coordenar a implementação do apoio institucional aos estados,
municípios e regiões de saúde. Os objetivos eram favorecer a integração das diversas
áreas e políticas do MS, buscar a democratização das instituições e das relações
interfederativas e ampliar a capacidade de análise e de gestão dos sujeitos e dos
coletivos10,12-14.
A formulação do apoio institucional pelo Ministério da Saúde
Identificamos, a partir de 2003, a produção sistemática de textos e documentos
oficiais do MS, que abordam a estratégia do apoio institucional. Apesar das
particularidades, todas essas estratégias são influenciadas e se referenciam na
metodologia do apoio Paideia (método da roda).
Didaticamente, destacamos dois movimentos de formulação e implantação do apoio
institucional no MS. O primeiro movimento foi protagonizado pela PNH e pelo DAD,
ambos posicionados, institucionalmente, na Secretaria Executiva (SE). Essa fase se
iniciou em 2003, com os primeiros documentos sendo divulgados em 2004, concentrou-se
na PNH a partir de 2005, e estendeu-se até o final de 2010. O segundo movimento se
iniciou em janeiro de 2011, continuando até os dias atuais. Visto que, nessa etapa,
há uma participação da maioria das secretarias do MS, onde o principal protagonista
passou a ser o Núcleo Gestor do Apoio Integrado, coordenado pela SE.
Vale ressaltar que a PNH é a única política do MS que mantem atuação, discurso e
formulação teórica sobre o apoio institucional, desde 2003 até os dias atuais.
Os movimentos pioneiros
(a) A Política Nacional de Humanização (PNH)
Cronologicamente, a PNH foi a primeira área do Ministério a utilizar os termos
cogestão e apoio em suas formulações. O documento intitulado “A Humanização como
Eixo Norteador das Práticas de Atenção e Gestão em Todas as Instâncias do
SUS”15 apresentou seus
princípios:
1. Valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas de atenção
e gestão, fortalecendo/estimulando processos integradores e promotores de
compromissos/responsabilização; 2. Estímulo a processos comprometidos com a
produção de saúde e com a produção de sujeitos; 3. Fortalecimento de
trabalho em equipe multiprofissional, estimulando a transdisciplinaridade e
a grupalidade; 4. Atuação em rede com alta conectividade, de modo
cooperativo e solidário, em conformidade com as diretrizes do SUS; 5.
Utilização da informação, da comunicação, da educação permanente e dos
espaços da gestão na construção de autonomia e protagonismo de sujeitos e
coletivos.15 (p.
9-10)
Além de mencionar os termos cogestão e democratização institucional, o texto
trouxe a função apoio em duas dimensões: a) como “apoio matricial” da PNH às
demais áreas do MS e “apoio regional” aos estados, municípios e serviços de
saúde15.
Ainda sem citar a expressão “apoio institucional”, o documento base trouxe em seu
glossário apenas a definição de apoio matricial:
Nova lógica de produção do processo de trabalho onde um profissional atuando
em determinado setor oferece apoio em sua especialidade para outros
profissionais, equipes e setores. Inverte-se, assim, o esquema tradicional e
fragmentado de saberes e fazeres já que ao mesmo tempo o profissional cria
pertencimento à sua equipe, setor, mas também funciona como apoio,
referência para outras equipes.14 (p. 43-4)
Somente na terceira edição do documento base, em 2006, a PNH enunciou sua
definição de apoio institucional, sendo a primeira área do Ministério a
conceituá-lo:
Novo método de exercício da gestão, superando formas tradicionais de se
estabelecer relações e de exercitar as funções gerenciais. Proposta de um
modo interativo, pautado no princípio de que a gerência/gestão acontece numa
relação entre sujeitos, e que o acompanhamento, coordenação, condução
(apoio) dos serviços/equipes deve propiciar relações construtivas entre
esses sujeitos, que têm saberes, poderes e papéis diferenciados. Trata-se de
articular os objetivos institucionais aos saberes e interesses dos
trabalhadores e usuários, o que pressupõe a inserção dos sujeitos
incorporando suas diferentes experiências, desejos e interesses. Mobiliza
para a construção de espaços coletivos, de trocas e aprendizagens contínuas,
provocando o aumento da capacidade de analisar e intervir nos processos. Com
esse método renovado de gestão, evitam-se formas burocratizadas de trabalho,
com empobrecimento subjetivo e social dos trabalhadores e usuários.16 (p. 36)
Na definição apresentada ficou evidente a diferenciação do apoio institucional
com o apoio matricial. Enquanto este foi colocado para reordenar a lógica
relacional entre profissionais generalistas e especialistas, democratizando as
relações de poder das equipes de saúde responsáveis pela clínica e pelo cuidado,
o apoio institucional é considerado um método e uma estratégia de gestão.
Na quarta edição do documento base, de 2008, a PNH ampliou e detalhou sua
conceituação de apoio institucional:
Apoio institucional é uma função gerencial que reformula o modo tradicional
de se fazer coordenação, planejamento, supervisão e avaliação em saúde. Um
de seus principais objetivos é fomentar e acompanhar processos de mudança
nas organizações, misturando e articulando conceitos e tecnologias advindas
da análise institucional e da gestão. Ofertar suporte ao movimento de
mudança deflagrado por coletivos, buscando fortalecê-los no próprio
exercício da produção de novos sujeitos em processos de mudança é tarefa
primordial do apoio. Temos entendido que a função do apoio é chave para a
instauração de processos de mudança em grupos e organizações, porque o
objeto de trabalho do apoiador é, sobretudo, o processo de trabalho de
coletivos que se organizam para produzir, em nosso caso, saúde. A diretriz
do apoio institucional é a democracia institucional e a autonomia dos
sujeitos. Assim sendo, o apoiador deve estar sempre inserido em movimentos
coletivos, ajudando na análise da instituição, buscando novos modos de
operar e produzir das organizações. É, portanto, em, uma região limítrofe
entre a clínica e a política, entre o cuidado e a gestão – lá onde estes
domínios se interferem mutuamente – que a função de apoio institucional
trabalha no sentido da transversalidade das práticas e dos saberes no
interior das organizações.17 (p. 52-3)
É um método de cogestão (porque apoia a formulação e a execução) e, ao mesmo
tempo, uma postura ético-política (porque objetiva a democracia institucional e
a construção de autonomia dos sujeitos). Mas, atualmente, o apoiador
institucional recebe estatuto e cargo de gestão, com definição de papéis e
atribuições. Torna-se responsável pela mediação, negociação, manejo e aplicação
de ferramentas e instrumentos de gestão, como o planejamento, a avaliação e o
monitoramento.
b) O Departamento de Apoio à Descentralização (DAD)
A formulação do DAD foi fundante da estratégia de apoio à gestão aos estados e
municípios, por parte do MS12.
Esse departamento analisou a tradicional relação hierárquica entre os entes
federados, explicitou a necessidade de mudança dos modelos hegemônicos das
instituições e serviços de saúde e evidenciou a desarticulação dos setores
internos do MS. Mesmo não utilizando o conceito “apoio institucional”,
referenciou-se no apoio Paideia para definir o “apoio integrado” como uma
estratégia para:
[...] intermediar e promover a cooperação técnica aos sistemas estaduais de
saúde, a partir do envolvimento participativo e integrado de todas as áreas
ministeriais. Esta estratégia é entendida assim, como indutora de um
reordenamento e qualificação na gestão do próprio MS, pela necessidade de se
estabelecer fluxos transversais de demandas e respostas integradas.12 (p. 9)
Mais do que um argumento constitucional-legal, apresentava-se uma posição
ético-política, ao valorizar uma abordagem pedagógica e solidária da gestão. A
cogestão e a gestão participativa eram um pressuposto para a construção dessa
nova estratégia.
A ideia central dessa estratégia era a integração, aqui entendida como a
“articulação das atividades de apoio desenvolvidas pelas diversas áreas do MS e
à possibilidade de envolvimento de todos os atores importantes para a gestão do
SUS em cada estado”12(p. 12).
Em outras palavras, um duplo movimento de integração, para dentro e para fora,
integrando internamente o Ministério e este com os gestores descentralizados
(estados e municípios).
Existia a preocupação de articular o apoio integrado às demais maneiras de
relação do Ministério com os estados e municípios:
É imprescindível a articulação da estratégia de apoio integrado à gestão com
as ações de acompanhamento a estados e municípios das áreas específicas.
Estes dois movimentos, assim como o atendimento a crises e a demandas
pontuais que possam surgir, devem estar articulados dentro da estratégia de
apoio integrado.12 (p.
16)
Mesmo considerando que nem todas as formas de relação federativa operavam na
lógica do apoio, percebe-se uma aposta radical dos documentos do DAD na
universalização dos princípios e posturas do apoio a todos os setores do MS:
O processo do apoio integrado deve significar uma nova forma de relação do
Ministério com os gestores do SUS em cada estado. Para conduzir as
estratégias centrais do apoio foram identificados, em todas as Secretarias
do MS, representantes que compõem as equipes de referência (que chamamos de
apoio geral), mas todas as áreas do MS estabelecem relação de apoio com os
estados e municípios (o que aqui chamamos de apoio específico).12 (p. 17)
Essa classificação de “apoio geral” e “apoio específico” se assemelha à
construção da PNH, que classificava o apoio aos estados e municípios como “apoio
regional” e o apoio especializado das áreas técnicas como “apoio matricial”13.
Observa-se uma separação que nos parece equivocada de ser feita entre apoio
“geral” e “específico”. Todos os apoiadores são especialistas em algum campo de
conhecimento ou prática social. Mas isso, por si só, não inviabiliza que sejam
generalistas. O que caracterizaria um apoio “geral” seria o espaço de atuação e
seu objeto de apoio. O apoiador, que é referência para um tema ou política
específica e não para um território, é chamado pelos documentos analisados de
apoiador “específico” ou “matricial”. Porém, entendemos que, mesmo sendo
especialistas em alguma política específica, esses apoiadores deveriam ter um
território e uma equipe de referência.
O segundo movimento de integração do apoio no Ministério da Saúde
A nova gestão do MS (que tomou posse em janeiro de 2011) reconheceu avanços
significativos na gestão do SUS. Valorizou-se os novos processos de pactuação, a
criação dos blocos de financiamento, a regionalização como eixo estruturante e
orientador dos processos de descentralização e a constituição dos Colegiados de
Gestão Regional18.
Entretanto, ressalta-se a persistência de grandes desafios para o SUS, como a
necessidade de “[...] implementar práticas de atenção e gestão em saúde que garantam
o acesso com qualidade e o cuidado integral, em uma Rede de Atenção à Saúde adequada
às necessidades da população, com o fortalecimento da governança regional e do
controle social”18 (p. 2).
Apresentou a regulamentação tardia da Lei no. 8.080/1990, por meio do
Decreto Presidencial no. 7.508/2011, como estratégia para construção de
novos modelos de relação interfederativa nas regiões de saúde, fortalecendo a
contratualização de responsabilidades entre os entes, com a participação de
trabalhadores, gestores, usuários e prestadores de serviços19.
Como estratégia de fortalecimento do SUS nas regiões de saúde, o MS induziu a
implementação de redes temáticas, com foco central na ampliação do acesso e da
qualidade, como:
[...] rede de atenção à saúde da mulher e da criança (rede cegonha), rede de
atenção às urgências, rede de atenção psicossocial (ênfase no uso de crack e
outras drogas), e das ações do plano para enfrentamento das doenças crônicas não
transmissíveis, ancoradas e sustentadas pela atenção primária à saúde.18 (p. 6)
Com a necessidade de diminuir a fragmentação interna, o MS retomou a formulação do
apoio integrado, pensado como dispositivo para potencializar horizontalidade à
cooperação interfederativa, construir as regiões e as redes de atenção à Saúde e
desenvolver práticas de atenção e gestão que produzissem acolhimento com ampliação
do acesso e da qualidade no SUS18.
Construído ao longo de 2011 e aprovado pelo Colegiado de Gestão do MS em janeiro de
2012, o documento intitulado “Diretrizes do Apoio Integrado para a qualificação da
gestão e da atenção no SUS” justifica a importância dessa estratégia:
Partindo do pressuposto que há uma noção geral comum de apoio/cooperação que deve
permear as relações interfederativas na busca da garantia do direito à saúde e
que possa evocar a expressão de forças, composições e conflitos, o “Apoio
Integrado” configura-se numa estratégia do MS, que tem como objetivo maior,
fortalecer a gestão do SUS com vistas à ampliação do acesso e a da qualidade dos
serviços de saúde, considerando a implementação das políticas expressas no Plano
Nacional de Saúde e os dispositivos do Decreto 7.508/11.18 (p. 6)
Define os movimentos coletivos como o espaço de trabalho do apoiador institucional,
articulando cuidado e gestão e buscando novos modos de operar e produzir saúde nas
Instituições.
Dessa forma, apresenta a tríplice tarefa do apoiador: i) ativar coletivos, ii)
conectar redes e iii) incluir olhares, práticas, interesses e desejos na produção do
comum. Uma nova maneira de se relacionar com os entes federados, para além das
normas e da indução financeira, ampliando a práticas de gestão.
Os apoiadores deverão apoiar estados e municípios no planejamento estadual, municipal
e regional, na definição e implementação das redes de atenção à saúde, com ênfase
nas redes temáticas, na implementação do Contrato Organizativo da Ação Pública da
Saúde (Coap); e em processos transversais de gestão, como regulação, avaliação,
gestão do trabalho, educação em saúde, vigilância, etc.
Propõem-se três eixos de sustentação do apoio integrado: “a formação dos apoiadores;
a condução da estratégia e o seu monitoramento e avaliação”18 (p. 8).
Para a operacionalização do apoio, definiu-se equipes de referência para cada estado,
composta por apoiadores de quatro áreas: Departamento de Articulação Interfederativa
(DAI), Departamento de Articulação de Redes de Atenção à Saúde (Daras), PNH e
Departamento de Atenção Básica (DAB). Em casos singulares, a equipe de referência
pode ser composta por apoiadores temáticos de outras secretarias.
A estratégia de constituir equipes multiprofissionais de apoiadores, como referência
para um determinado território, é interessante. Mas é necessário deixar claro quem
seria a equipe ou as equipes de referência desse conjunto de apoiadores. No atual
processo de mudanças e rearranjos dos instrumentos de gestão interfederativa,
inaugurado com o Decreto 7.508/2011, podemos identificar um conjunto de equipes de
referência nos territórios de apoio. A equipe dirigente de um município, os
dirigentes e apoiadores do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems), os
gerentes regionais e apoiadores dos estados, os representantes do controle social e
os gestores e trabalhadores dos serviços de saúde podem ser considerados equipes de
referência para os apoiadores do MS.
Nesse cenário, podemos nos remeter à formulação de Campos e Domitti20 sobre a possibilidade de
articulação de várias equipes de referência e diversos apoiadores, em uma mesma
estrutura organizacional complexa, neste caso, um serviço de saúde:
Em organizações maiores, faz-se necessário a agregação de equipes de referência
em departamentos estruturados dentro da mesma lógica: as unidades de produção
seriam a agregação de um conjunto de equipes de referência e de apoiadores
matriciais que compartilhem de um mesmo campo de intervenção.20 (p. 400)
Utilizando-se dessa lógica, podemos dizer que a Unidade de Produção da Gestão
Interfederativa do SUS seria a Região de Saúde. Nesta, as equipes de referência e os
apoiadores institucionais do MS produzem diálogos, contratos e compromissos, tanto
em espaços instituídos de gestão, as Comissões Intergestores Regionais (CIR), quanto
em encontros e espaços entre parte das equipes de referência com parte dos
apoiadores.
O documento analisado destaca, também, a diferença entre apoiadores e apoiadores
“temáticos”:
Por apoiador entende-se o sujeito que atua em caráter geral, ou seja, que fará a
interlocução com estados e municípios, na implementação das Políticas Nacionais
de Saúde, respeitados os dispositivos legais. Por apoiador temático entende-se o
sujeito com um saber especializado num determinado processo de atenção à
saúde/gestão, que deverá ser acionado pelas equipes de referência, de acordo com
a demanda de modo a melhor ordenar/potencializar o processo de cooperação
federal a estados e municípios.18 (p. 10)
Novamente o MS retoma a diferenciação feita em 2003-2004 pela PNH e pelo DAD, entre
apoio “geral” e “específico/matricial”. Agora, com outra nomenclatura: “apoiador” e
“apoiador temático”. Apesar de não considerar o apoiador temático como matricial, a
definição é semelhante à conceituação de apoio matricial, construída pela PNH.
Reforçamos nosso entendimento, em consonância com o método da roda, visto que há
diferença entre apoio institucional e matricial. Apesar de partirem da mesma
concepção, o apoio institucional é um arranjo de gestão das redes de atenção, dos
serviços e dos sistemas de saúde, enquanto o apoio matricial é um dispositivo de
gestão da clínica.
Assim, primeiramente, consideramos que todos os apoiadores do MS deveriam ser
apoiadores institucionais, porque atuam na relação com gestores descentralizados,
buscando aumentar suas capacidades de gestão e governo, mesmo quando estão
focalizados em uma rede temática.
Em segundo lugar, questionamos a potência e eficácia da separação entre apoiadores e
apoiadores temáticos. Pela concepção Paideia e pela prática vivenciada de apoio à
gestão, entendemos que sempre que o apoio faz ofertas temáticas ou específicas,
estas se tornam dispositivos para diálogos e construções coletivas ampliadas, sendo
necessário articular aquela rede temática com o conjunto do sistema de saúde e com a
complexidade da gestão do SUS. Se o apoiador acumula experiência e saber específicos
apenas em uma rede ou especialidade, ele terá dificuldades em dar suporte ao
coletivo de gestores das regiões de saúde, pois estes vivenciam a necessidade e a
complexidade das redes territoriais.
Concomitantemente à produção e aprovação das “diretrizes”, a gestão do MS formulou
também as bases e diretrizes para o processo de formação dos apoiadores
institucionais, que eram incorporados na estrutura de diversas secretarias e
políticas.
O documento, “Caderno de referência para o processo de formação de profissionais do
apoio institucional integrado do Ministério da Saúde”, publicizado ao final de
201119, explicita uma posição
em defesa do apoio, como uma estratégia de análise institucional, democratização das
instituições e aumento da autonomia dos sujeitos, a qual não apareceu, ou ficou
velada, no texto das “diretrizes”.
[...] a função apoio institucional se concretiza num modo inovador de se fazer
coordenação, planejamento, supervisão e avaliação em saúde, com o objetivo de
fomentar e acompanhar processos de mudança nas organizações, ressignificando e
articulando conceitos e tecnologias advindas da análise
institucional e da gestão. Ofertar suporte aos movimentos de mudança
deflagrados por coletivos, buscando fortalecê-los no próprio exercício da
produção de novos sujeitos em processos de mudança é tarefa primordial do apoio.
As diretrizes do apoio institucional integrado são a democracia
institucional e a autonomia dos sujeitos, aproveitando
as lacunas para ativar movimentos que produzam diferença/ruptura com o que
está instituído, ou seja, que busque novos modos de produção da
atenção e da gestão na saúde e maior implicação e satisfação dos
trabalhadores com seu próprio trabalho.19 (p. 15) (grifos nossos)
Notamos a influência do movimento institucionalista francês, que produziu um campo do
conhecimento denominado análise institucional, na conceituação da função apoio
institucional, que é o mesmo referencial é utilizado por Campos5 para a sua formulação do apoio Paideia. Observe-se,
contudo, que Campos desenvolveu a estratégia metodológica do apoio utilizando um
referencial teórico e prático amplo, em que a análise institucional foi modificada
com base em conceitos da pedagogia construtivista, pela concepção de Gramsci (1976)
e vários outros pensadores. Essa reelaboração produziu várias diferenças entre a
formulação do autor e a análise institucional, sendo a principal delas a própria
metodologia de trabalho do apoiador e dos analistas institucionais.
O apoio institucional interage ativamente com os apoiados, trabalha em vários
“settings” e não sempre com o mesmo grupo de “analisandos”. O apoiador tem uma
postura interativa, lida com ofertas, ou seja, interfere na construção de agenda, na
análise e formulação de projetos e tarefas. Em alguma medida, essa conceituação do
apoio institucional, como uma mescla de análise institucional e gestão, poderia
indicar uma tentativa de “esterilizar” o potencial criativo e de novidade do método
da roda. O método da roda busca evidenciar conflitos, procura estimular a cogestão –
ou seja, a contestação de diretrizes e políticas vindas de “cima”. Recomenda, ainda,
que o apoiador tenha “ofertas”, projetos, políticas, arranjos, valores, mas que
esteja autorizado – que tenha autonomia – para modificá-los em função do contato com
os atores de cada local.
Trata-se de uma prática contra-hegemônica. Em geral, as administrações tomam seus
projetos e programas como leis a serem implantadas. Os apoiadores do MS, ao
trabalhar com estados e municípios, estariam autorizados a modificar prioridades,
arranjos e modelos das Redes Temáticas?
Enquanto o “caderno” enfatiza o papel da função apoio na democratização
institucional, as “diretrizes” definem como “fortalecimento” e “qualificação da
gestão”18, reduzindo o
compromisso ético-político do SUS com a democratização das instituições e da
sociedade. Os termos “fortalecimento” e “qualificação da gestão” podem ser tomados
em várias concepções, inclusive serem interpretados como incentivo para buscar
socorro na qualidade total ou no gerencialismo tecnocrático.
Em outro momento, fica explícita a escolha da gestão do MS por não considerar a
análise institucional como estratégia e objeto de trabalho do apoiador. No “caderno”
está colocado que “[...] o apoiador institucional integrado deve estar sempre
inserido em movimentos coletivos, ajudando na análise da instituição,
buscando novos modos de operar e produzir as organizações19 (p. 15) (grifo nosso).
Nas “diretrizes” no mesmo trecho é repetido, entretanto é excluída a expressão
grifada acima. “O apoiador deve estar sempre inserido em movimentos coletivos,
buscando novos modos de operar e produzir nas organizações18 (p. 6).
O “caderno” retoma a primeira formulação de apoio integrado no Ministério, pelo DAD,
em 2004, que constitui o apoio como nova estratégia e postura de relação
federativa:
O apoio institucional proposto pelo Ministério da Saúde implica um modo de
relacionar com outros entes (municípios, estados, regiões), para além das
normas, além da indução financeira, aprendendo com os efeitos, aprimorando a
prática gestora a partir da análise de resultados em grupos plurais e implicados
positivamente com mudanças para melhoria do SUS.19 (p. 16)
Seu objetivo geral é a formação de apoiadores “para a implementação de políticas
públicas orientadas para o acolhimento e a ampliação do acesso com qualidade no
âmbito do SUS, na perspectiva da cooperação interfederativa”19 (p. 21). Como objetivos específicos, o caderno
busca desenvolver competências para o apoio integrado; favorecer a integração entre
as áreas técnicas; apoiar a implantação do Pmaq-AB (Programa de Melhoria do Acesso e
da Qualidade da Atenção Básica), das redes temáticas, do QualiSUS-Rede (Projeto de
Formação e Melhoria da Qualidade de Rede de Atenção à Saúde) e dos instrumentos e
dispositivos do Decreto no. 7.508/2011; apoiar o planejamento integrado,
monitoramento e avaliação das políticas de saúde; contribuir no desenvolvimento da
gestão do trabalho e da educação em saúde e desenvolver processos de Educação
Permanente.
Observa-se que não fica explícito que os apoiadores tomariam esses objetivos
específicos como “ofertas”, conforme recomendado por Campos5, ou seja, como discursos e projetos que eles
deveriam reconstruir em função do contexto singular de cada local. Ao contrário,
entende-se que os “apoiadores”, a julgar pelo objetivo da formação sugerida, seriam,
de fato, muito mais “agentes de implantação” dos programas do MS.
O processo de ensino e aprendizagem proposto utilizará a estratégia da
problematização, que possibilita a construção de novos conceitos e induz processos
de mudança dos modos de fazer e produzir apoio institucional. Essa abordagem
pedagógica dialoga com a estratégia utilizada pelo método do apoio Paideia para
formação de profissionais de saúde, que considera os processos formativos “[...]
dispositivos capazes de disparar mudanças efetivas no modo de produzir ações de
saúde e contribuir para a coconstrução de autonomia dos profissionais de saúde para
lidar com as situações que permeiam o cotidiano do trabalho em saúde”21 (p. 16-7).
O método do apoio Paideia avança para além da problematização. O método da roda
sugere a utilização da estratégia metodológica de apoio para a própria formação de
apoiadores. Além da problematização, assenta a formação na discussão, elaboração e
análise da prática de projetos concretos. Dessa forma, busca não somente refletir e
problematizar, mas experimentar e refletir, com ofertas teóricas, sobre a prática
concreta. Além disso, o apoio ressalta a importância na formação do momento de
autorreflexão, bem como a análise permanente do jogo da micropolítica.
Figueiredo22 aponta a
necessidade de aprofundarmos os propósitos da Educação Permanente:
[...] Além de tomar os problemas reais dos serviços de saúde, afirmamos como
cerne dos processos de formação as intervenções concretas e necessariamente
ligadas às relações de poder, à dimensão da gestão e da política. Trata-se de
imbricar teoria e prática, estudo e intervenção, clínica e gestão, e realçar a
formação como dispositivo de coprodução de mudanças nos sujeitos, nas práticas e
na organização dos serviços.22
(p. 100)
Finalmente, destacamos a coerência do “caderno” com o método da roda ao explicitar,
em seus produtos e resultados esperados, além de citado também na introdução e nos
objetivos, a ampliação da democracia institucional e a coconstrução de sujeitos com
mais autonomia, o que não observamos nas “diretrizes”.
Considerações finais
Entendemos que os sujeitos (individuais e coletivos) são influenciados e determinados
pela macroestrutura, inclusive estatal, com disputa de hegemonia no conjunto de
instituições, nas práticas sociais, na ideologia, na cultura, na política, na
educação, etc. Essa disputa é uma relação pedagógica, que forma novos sujeitos
sociais e políticos, determinando assim a formação de outras instituições, outras
estruturas, outras disputas de hegemonia23-25. O SUS, suas instituições, sua organização e sua
gestão são atravessados e condicionados por todas essas variáveis. A análise fria de
uma estratégia isolada de gestão seria insuficiente para compreendermos os modos de
gestão de uma instituição.
Por isso, consideramos que o objeto deste estudo não se limita apenas à análise do
apoio institucional no MS. Trata-se de uma pesquisa teórica incompleta sobre os
fatores determinantes das formulações de políticas e estratégias de gestão no SUS.
Para esse objetivo, precisamos desenvolver outros estudos e investigações em
diferentes níveis de gestão, com seus diferentes atores sociais.
Evidenciamos que os documentos analisados expressam desejo de mudança e consistência
teórico-política. Entretanto, também apresentam contradições, visto que mostram
dificuldade de integração entre as áreas do MS e deste com os gestores
descentralizados.
A análise dos documentos oficiais evidencia a forte influência do método da roda,
principalmente o dispositivo do apoio institucional, na formulação das políticas
estudadas. A maior parte dos textos cita e desenvolve os conceitos de cogestão e
apoio institucional. Defendem e objetivam a qualificação/melhoria ou a
mudança/transformação dos modelos hegemônicos de gestão e atenção à saúde. Essa
dicotomia, entre melhoria e mudança, está presente em todo o período estudado,
caracterizando uma disputa político-ideológica de modelos de gestão e de atenção à
saúde. Há crítica ao modelo tradicional, mas em vários momentos se prefere
qualificá-lo e não promover uma transformação radical.
Os movimentos estudados vislumbram novas perspectivas na relação do MS com os estados
e municípios, com maior autonomia dos gestores estaduais e municipais, superando a
tradicional relação hierárquica, cartorial e autoritária do MS, por meio de normas,
financiamento e auditoria.
Essa é uma dimensão do dilema da integração. Não é possível aprofundar a integração
interfederativa buscada, baseada na responsabilidade solidária e no apoio, se o ente
federal atuar na lógica instrumental, verticalizada, fiscalizadora e punitiva,
tradicionalmente construída. As propostas de apoio institucional, mesmo buscando
romper com a tradição, por vezes, manifestam a intenção de reprodução da lógica
instrumental e vertical.
Outra dimensão do dilema da integração se baseia na excessiva fragmentação e baixa
articulação das diversas áreas e políticas do MS. Todos os textos apostam no apoio
como dispositivo de cogestão, sendo capaz de aproximar e transversalizar as áreas e
políticas, historicamente desarticuladas e isoladas, em suas especificidades e
particularidades. Entretanto a formulação de apoio “geral” e apoio “temático” mantém
a separação em políticas, secretarias e departamentos, reproduzindo a tradição das
ações programáticas em uma nova roupagem de redes temáticas.
Os documentos contribuem com o debate sobre as singularidades do apoio institucional
e do apoio matricial. Corroboram a formulação original, justificando a necessidade
de constituir coletivos de apoiadores que tenham uma atuação generalista e
territorializada, por um lado, e uma abordagem mais específica e técnica, por outro.
A principal diferença demarcada é a caracterização do apoio institucional como
função gerencial, assumindo, inclusive, cargo na hierarquia. Mas ainda os apoiadores
“temáticos” são vistos, por algumas áreas, como apoiadores matriciais e não como
apoiadores institucionais para um território geográfico e político.
A dupla perspectiva do apoio, como agenciador da ampliação da capacidade de análise e
intervenção dos coletivos organizados, é um elemento comum na maioria das
formulações, exceto nas “Diretrizes do Apoio Integrado”, que desconsidera a função
analítica do apoiador institucional.
Nesse mesmo caminho, a maioria defende a tríade: democratização institucional,
construção de autonomia dos sujeitos e a análise institucional. Contudo as
“diretrizes” retiram a dimensão de análise institucional do apoio e redefinem a
democratização institucional como fortalecimento da gestão, mostrando um recuo na
postura ético-política do apoio e reduzindo a importância e a centralidade da
cogestão como determinante da função apoio.
As principais tecnologias de gestão do apoio são o planejamento, a avaliação e o
monitoramento, porém são trabalhadas com pressupostos distintos. Enquanto algumas
formulações consideram essas tecnologias como dispositivos que agenciam espaços
coletivos e formação de redes e rodas, outras áreas incorporam a lógica do
gerencialismo hegemônico e utilizam os instrumentos de gestão para aumentar o
controle e a supervisão sobre os coletivos e trabalhadores, inclusive sobre os
próprios apoiadores.
O apoio e a Educação Permanente caminham juntos desde o início do período em análise.
Seja articulando o apoio para induzir, operar e coordenar espaços e processos de
educação permanente, ou na formação dos apoiadores.
Consideramos essa hermenêutica como disparadora para estudos mais abrangentes, que
possam articular abordagens quantitativas e qualitativas. Além disso, que esses
estudos possam considerar as múltiplas vozes do SUS, para acompanhar e vivenciar
experiências práticas de apoio institucional, articulando, assim, a pesquisa com
formação e intervenção, reproduzindo a lógica da cogestão e da produção de sujeitos
com ampliação da capacidade de análise e aumento do coeficiente de autonomia.
Referências
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Rio de Janeiro
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Autoría
Nilton Pereira Júnior
Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de
Medicina, Universidade Federal de Uberlândia. Av. Pará, 1720, Bairro Umuarama,
Campus Umuarama, bloco 2U, sala 23. Uberlândia, MG, Brasil. 38400-902.
nilton@ufu.brUniversidade Federal de UberlândiaBrasilUberlândia, MG, BrasilDepartamento de Saúde Coletiva, Faculdade de
Medicina, Universidade Federal de Uberlândia. Av. Pará, 1720, Bairro Umuarama,
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Gastão Wagner de Sousa Campos
Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil.
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Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil.
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Colaboradores
Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de elaboração do
manuscrito.
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