Resumos
Este estudo avalia a evasão em um curso de especialização em Gestão em Saúde. O método de estudo de caso foi conduzido por meio de entrevistas semiestruturadas com alunos evadidos e análise documental. Os resultados apontaram que a evasão foi um processo bastante heterogêneo e provocado por vários motivos, entre eles, dificuldades em relação ao uso das tecnologias de informação e comunicação adotadas em cursos a distância, e de conciliar os estudos com trabalho e/ou família, além da baixa interação alunotutor-professor. Foi possível concluir que a evasão pode ser minimizada por meio de ações voltadas aos fatores modificáveis, como: a capacitação de tutores e professores e implantação de estratégias pedagógicas visando reduzir as dificuldades no uso de tecnologias de informação e comunicação.
Palavras-chave: Gestão em saúde; Evasão escolar; Educação a distância
Este estudio evalúa la evasión en un curso de especialización en Gestión en Salud. El método de estudio de caso se realizó por medio de entrevistas semi-estructurada con alumnos evadidos y análisis documental. Los resultados señalaron que la evasión fue un proceso bastante heterogéneo y causado por diversos motivos, entre ellos, dificultades en relación al uso de las tecnologías de información y comunicación adoptadas en cursos a distancia y de conciliar los estudios con trabajo y/o familia, además de la baja interacción alumno-tutor-profesor. Fue posible concluir que la evasión puede minimizarse por medio de acciones enfocadas en los factores modificables, tales como: la capacitación de tutores y profesores y la implantación de estrategias pedagógicas con el objetivo de reducir las dificultades en el uso de tecnologías de información y de comunicación.
Palabras clave: Gestión en salud; Evasión escolar; Educación a distancia
The present study assessed the dropout rates of a health management specialization course. The case study was conducted using semi-structured interviews with dropout students and document analysis. The results indicated that the dropout process is very heterogeneous and caused by various factors, among them, difficulty in using information and communication technologies adopted in distance courses and reconciling school with work and/or family, in addition to the low level of student-tutor-teacher interaction. In conclusion, dropout rates could be reduced through actions targeting the following factors: tutor and teacher training and implementation of pedagogical strategies to reduce difficulties relative to the use of information and communication technologies.
Keywords: Health management; School dropout; Distance education
Introdução
O processo de descentralização, que se desenvolveu a partir da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), produziu diversas mudanças no sistema de saúde brasileiro, dentre elas: o aumento expressivo no número de estabelecimentos de saúde e de novas estruturas administrativas em todo o território nacional. Essas mudanças, por sua vez, levaram a uma maior necessidade de profissionais, especialmente de gestores qualificados, para uma efetiva garantia do direito à saúde a todos os brasileiros 1,2 .
Assim, a formação e a qualificação de gestores em saúde tornaram-se imprescindíveis, uma vez que as atividades gerenciais nesse campo estão cada vez mais complexas. Neste sentido, vêm sendo desenvolvidas, ao longo do tempo, várias iniciativas para capacitação e qualificação de profissionais interessados em atuar nessa área. Uma dessas iniciativas que se tem realizado na atualidade é o Programa Nacional de Formação em Administração Pública (PNAP), estabelecido pelo Ministério da Educação em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) 3 .
Por meio do PNAP são ofertados o curso de bacharelado em Administração Pública e três cursos de especialização (Gestão Pública, Gestão Pública Municipal e Gestão em Saúde), todos gratuitos. O curso de especialização de Gestão em Saúde, objeto deste estudo, visa formar e qualificar profissionais que almejam o exercício de atividades gerenciais em sistemas e serviços de saúde 4 .
Tal curso é desenvolvido via educação a distância (EaD), modalidade mediada pelo uso de recursos tecnológicos e que proporciona várias vantagens como: possibilidade de acesso à capacitação para profissionais que não poderiam realizar o curso devido à localidade em que residem; diminuição dos custos para o desenvolvimento do curso, e possibilidade de atendimento individualizado 5,6 .
Apesar das inúmeras vantagens da EaD, a evasão escolar ainda permanece como um dos principais desafios enfrentados pelas instituições de ensino 7-10 . Esse problema também é recorrente nos cursos oferecidos pelo PNAP podendo atingir taxas superiores a 50% 11,12 . É um problema que acarreta prejuízos em vários aspectos, trazendo consequências psicológicas e desperdício de tempo para o aluno 13 .
Para as instituições públicas, as evasões significam: recursos investidos que não produzem o retorno esperado 14 , ociosidade de recursos materiais e pessoais, com consequente fechamento de cursos 11 . Dessa forma, torna-se essencial conhecer as causas dessas para se tentar reduzir seus índices, pois a conclusão do curso beneficia tanto o aluno quanto o poder público, o qual é responsável pelos investimentos realizados 15 .
Considera-se evasão como a não conclusão do curso pelo aluno por qualquer motivo. Considera-se aluno evadido aquele que faz sua matrícula e não inicia as atividades propostas e/ou aquele que inicia o curso, mas desiste antes de concluir todos os requisitos para a obtenção da titulação 16 .
Ela decorre de múltiplas causas 13,17 , as quais podem ser agrupadas em três dimensões: características do aluno (atributos pessoais e sociodemográficos), dificuldades em estar em rede (identidade cultural, uso das tecnologias de informação e comunicação, relação entre discente, docente e tutor) e condições acadêmicas (infraestrutura e gestão acadêmica, compromisso pessoal e integração acadêmica) 16 .
Como a formação de gestores em saúde por meio do curso de especialização de Gestão em Saúde do PNAP também sofre com a evasão, torna-se necessário desenvolver estudos que contribuam para uma melhor compreensão deste evento nesse público específico. Deste modo, tendo em vista a complexidade da temática, questionou-se: como ocorre a evasão de alunos de um curso de especialização de Gestão em Saúde na modalidade a distância?
A motivação para esta pesquisa veio por se tratar de um tema amplo e da maior importância: uma boa avaliação da evasão discente demanda métodos e técnicas que permitam analisar, de forma coerente, as ações realizadas e os efeitos obtidos. Essa análise pode, posteriormente, ser sistematizada por meio de relatórios que descrevam: o problema enfrentado, as intervenções a serem realizadas, os resultados esperados, os recursos a serem despendidos, e as dificuldades encontradas.
Diante do exposto, objetivou-se avaliar a evasão em um curso de especialização de Gestão em Saúde na modalidade a distância.
Método
Trata-se de estudo de caso com abordagem qualitativa. O estudo de caso permite avaliar o problema dentro do seu contexto em profundidade 18 ; e o uso da abordagem qualitativa possibilitou uma melhor compreensão sobre os motivos que levaram à evasão do aluno.
O caso em análise é a primeira turma do curso de especialização ( latu sensu ) em Gestão em Saúde, pertencente ao PNAP ofertado pelo Núcleo de Educação a Distância (NEAD) de uma Universidade Federal localizada no estado de Minas Gerais, em parceria com a UAB. Essa turma teve 2.599 candidatos inscritos para preenchimento das 322 vagas distribuídas em oito polos de apoio presencial, sendo seis em Minas Gerais e dois em São Paulo. O curso teve duração de 18 meses, oferecido de março de 2013 a agosto de 2014, com total de 510 horas/aula.
Para a operacionalização do curso, disponibilizaram-se várias estratégias de aprendizagem por meio do ambiente virtual (plataforma moodle ): como chats, fóruns, videoconferências, sistema de tutoria, além de distribuição de materiais didáticos e encontros presenciais 19 .
Ao final, dentre os 322 alunos matriculados, 179 não concluíram o curso, estabelecendo, assim, uma taxa de evasão de 55,6%. Os não concluintes foram os participantes deste estudo.
Para a coleta de dados, utilizaram-se duas estratégias distintas. A primeira consistiu na análise documental de relatórios gerenciais do curso. A análise das fichas de cadastro dos alunos, que evadiram do curso, e das solicitações de desligamento permitiu a obtenção de dados sobre o perfil dos alunos evadidos (sexo, idade), tipo de vínculo empregatício e graduação. Já a análise do registro online da participação no ambiente virtual permitiu identificar a data do último acesso do aluno ao curso. A partir desses dados, realizou-se análise descritiva com distribuição de frequências e cálculo de média, sendo possível, assim, caracterizar os alunos evadidos e estabelecer a cronologia da evasão.
A segunda estratégia de coleta de dados consistiu na realização de entrevistas semiestruturadas com os alunos evadidos. O instrumento utilizado como roteiro para as entrevistas continha questões referentes aos motivos que levaram o aluno a evadir-se do curso. Como os participantes dessa fase localizam-se em vários municípios distintos, e devido à falta de condições de logística para o deslocamento até esses participantes, optou-se pela realização das entrevistas por meio de ligações telefônicas.
Adotou-se, como critério de seleção, alunos que se evadiram da primeira turma do curso de Gestão em Saúde. Os critérios de exclusão foram: alunos que não tinham mais o número do telefone presente no cadastro da instituição e aqueles que, após quatro tentativas de contato telefônico em dias e horários diferentes, não atenderam as ligações.
Assim, realizou-se um total de 62 entrevistas com alunos evadidos entre novembro de 2014 e fevereiro de 2015. Esses entrevistados encontravam-se distribuídos nos oito polos de apoio presencial. Todas as entrevistas foram gravadas após autorização. Os motivos de não participação encontrados foram: 98 alunos não atenderam às ligações telefônicas ou essas estavam em caixa postal; 11 alunos, o número do contato telefônico disponibilizado não existia; em seis situações, o número já pertencia a outra pessoa; houve, ainda, um aluno que recusou-se a participar do estudo e um que havia falecido.
Os dados das entrevistas semiestruturadas foram organizados e analisados segundo a Análise de Conteúdo modalidade temático-categorial 20 . Esta análise foi feita em três fases distintas. Na fase inicial (pré-análise), realizou-se a “leitura flutuante” das entrevistas, na qual os relatos dos participantes foram organizados e sistematizados visando a análise. Na segunda (exploração do material), executou- se a codificação dos dados, transformando-os em unidades de sentidos, e, após seleção dessas, foi possível a definição das categorias. Na terceira fase, as interpretações dos conteúdos foram feitas por meio dos significados obtidos dos relatos.
Para auxiliar na organização da análise dos dados, utilizou-se o software ATLAS TI, o qual facilita o armazenamento dinâmico das seleções e campos codificados, permitindo fazer associações, conjunções e interações 21 .
Utilizou-se, como modelo para definição das categorias analíticas, o modelo final para análise da persistência de alunos em cursos na modalidade a distância, que apresenta três dimensões: perfil do egresso, estar em rede e condições para permanência 16 .
Este estudo obedeceu aos preceitos éticos estabelecidos na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, e foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa, sob o parecer de número 714.635. A aceitação de participação no estudo foi registrada via telefone. Após a aceitação, foi enviada, por e-mail, a todos os participantes, cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual foi assinado pelos responsáveis. Para garantia do anonimato, as falas dos participantes foram identificadas pela letra E, seguida por um algarismo de acordo com a ordem das entrevistas (E1, E2 …).
Resultados e discussão
Foram entrevistados 62 alunos evadidos do curso em análise. As características deste grupo de participantes da pesquisa descrevem uma faixa etária de 28 a 66 anos, sendo a média de idade de 42,9 anos ( Tabela 1 ). O curso é oferecido para pessoas consideradas adultas, visto que se trata de uma pósgraduação. Para os adultos, torna-se mais difícil conseguir dar continuidade ao curso, pois, além de várias responsabilidades, ainda encontram dificuldade na retomada dos estudos 10 .
Distribuição de frequência das características dos alunos evadidos entrevistados no curso de especialização de Gestão em Saúde, 2016.
Quanto ao sexo e ao estado civil, a maioria era mulher e casada ou com união estável ( Tabela 1 ). Todos eram graduados em cursos da área da saúde e possuíam vínculo empregatício público. Estudos apontam que as mulheres permanecem menos tempo do que os homens em cursos EaD 10,22 . Isso pode ser explicado devido ao fato de as mulheres, muitas vezes, assumirem, além do trabalho, atividades específicas da maternidade, e, portanto, terem maior dificuldade de conciliarem as atividades diárias com o curso 8,23 .
Os registros de participação no ambiente virtual possibilitaram identificar qual o último acesso do aluno ao curso. Assim, calculou-se o número de dias os quais o aluno permaneceu no curso, estabelecendo a cronologia da evasão ( Tabela 2 ). Em média, os alunos evadidos frequentaram o curso por 157,7 dias, ou seja, aproximadamente cinco meses. Identificou-se que metade dos alunos evadidos permaneceu no curso, no máximo, até noventa dias. Outro ponto de destaque é que 21% da evasão ocorreram após a metade do curso, semelhante ao encontrado em outro estudo realizado com evadidos de um curso de administração a distância 11 . Muitos não conseguem se adaptar ao ensino na modalidade a distância, sentindo-se isolados e com dificuldades de continuar, tendo maior risco de o aluno evadir nos primeiros períodos do curso 10,11 .
A evasão aconteceu com 55,6% do total de alunos matriculados, apresentando valor superior a outro estudo que também analisou este evento em cursos de especializações na modalidade a distância 24 . Segundo dados divulgados no Censo EaD, a evasão foi superior a 50% em apenas 7% das instituições estudadas 12 . Isso revela que o índice de evasão do curso investigado está entre os mais elevados.
A seguir, são apresentadas as três categorias analíticas resultantes da análise qualitativa: características do aluno as quais contribuíram para evasão; dificuldades de “estar em rede”, contribuindo para evasão; e condições acadêmicas como fatores influenciadores da evasão ( Quadro 1 ).
Categorias analíticas, subcategorias e unidades de registro que contextualizam os motivos atribuídos à evasão no curso de especialização de Gestão em Saúde.
Características do aluno que contribuíram para a evasão
Nesta categoria, identificaram-se características individuais do aluno que contribuíram para a evasão, sendo constituída por três subcategorias: o contexto familiar, condições pessoais e o trabalho.
Em relação ao contexto familiar , os relatos apontam motivos que levaram à dificuldade de conciliar as atividades do curso com a realidade familiar. A presença de filhos pequenos:
“[…] tenho filho pequeno e a hora que eu tinha um tempo eu estava muito cansada também.” (E06)
“[…] às vezes a gente não disponibiliza desse tempo, a gente tem família, tem filhos.” (E05)
O lugar, a posição social que ocupam ou as funções que assumem as mulheres, maioria partícipe deste estudo, determinam os conteúdos representacionais e sua organização, por meio da relação ideológica que mantêm com o mundo social 25 . A visão da mulher relacionada à dona do lar, submissa e cuidadora da prole, ainda existe no imaginário social. Essa relação de gênero coloca a mulher numa posição de passividade, criando um ambiente favorável para o não término de um curso de aprimoramento profissional.
Para a mulher conseguir conciliar as atividades relacionadas ao trabalho e a maternidade, é essencial, além de um planejamento e organização para os estudos, o apoio das pessoas que estão ao lado dela. Por isso, é importante a família incentivar o aluno a continuar o curso 24 .
Assim, a falta de apoio familiar, bem como os problemas inesperados envolvendo a família, desestruturam a rotina do aluno e fazem-no sentir-se fragilizado e, muitas vezes, impedido de prosseguir no curso.
“[…] olha eu tive uns problemas de saúde com meu pai, que ele ficou com câncer e o processo acabou acelerando um pouquinho, e eu não tinha condições de acudir meu pai e fazer todos os trabalhos que exigiam.” (E39)
O aluno também encontra problemas na família, como: separação e doenças. Alguns imprevistos relacionados a problema de saúde com o estudante, questões pessoais e familiares podem contribuir para os alunos desistirem do curso 7,24,26 . Houve casos, ainda, em que o adoecimento do próprio participante foi o fator contribuinte para a evasão: “[…] eu estou com uma tendinite violenta da mão, eu não consigo ficar mais de cinco a dez minutos no computador. E além de tudo uma epicondilite no cotovelo que é consequência da minha profissão, que eu sou dentista, então estava difícil demais ficar mexendo no computador” (E22).
A subcategoria “condições pessoais” refere-se aos aspectos contextuais relevantes que contribuíram para a evasão. Nesta subcategoria, a dificuldade financeira e a distância entre o polo de apoio presencial e a cidade de residência do estudante foram relatadas como fatores responsáveis pela evasão:
“[…] eu não tinha dinheiro nenhum em casa. Então a prova que tinha que fazer…, eu não fui fazer, foi por falta de dinheiro mesmo, entendeu.” (E04)
“[…] por causa da distância aqui na minha cidade sabe, eu achei que ia ser mais fácil eu estar indo participar das aulas né, achei bem difícil por isso.” (E43)
Apesar de alguns considerarem o curso interessante, não foi o suficiente para impedir a evasão: “[…] o curso estava muito bom, muito interessante, porém eu tive alguns problemas pessoais, né, fiquei muito sobrecarregada e não consegui concluir o curso” (E26).
Na maioria das vezes, os alunos adultos, além dos estudos para formação ou qualificação, assumem outros compromissos familiares e de trabalho 24 . No entanto, para conseguir êxito no curso, é necessário planejamento das atividades.
Na terceira subcategoria, trabalho , identificaram-se fatores relacionados ao trabalho do participante que dificultaram sua permanência no curso, levando-o à evasão. Muitos participantes relataram dificuldades na conciliação entre trabalho e estudo: “[…] eu trabalhava praticamente dez horas por dia, então eu não tinha mais disponibilidade, não… eu estava muito atribulada de serviço” (E28).
Apesar de alguns participantes perceberem a contribuição do curso para o seu ambiente de trabalho, não conseguiram prosseguir devido às demandas de sua função: “[…] estava me ajudando inclusive no trabalho, mas como eu tinha viagens pra fazer, não deu para concluir” (E19).
Ressalta-se que, devido ao fato de trabalhar e ter a necessidade ou vontade de prosseguir nos estudos, o aluno acaba vislumbrando na EaD uma oportunidade, pois esta modalidade de ensino possui uma metodologia que possibilita, ao aluno, escolher a melhor hora e local para desenvolver o estudo. Permite, ainda, a qualquer pessoa que tenha vontade de prosseguir com seus estudos, o acesso em casa, no trabalho, podendo programar o melhor momento para desenvolver suas atividades, facilitando, assim, o processo de aprendizagem 27 .
Porém, apesar das oportunidades e flexibilidade para continuidade dos estudos, reconheceu-se que o fato de assumir novos compromissos de trabalho contribuíram para a evasão: “[…] por causa de novos compromissos que eu assumi, inclusive os profissionais, que daí me exigiram muito mais tempo, daí eu não tive tempo de me dedicar ao curso.” (E11)
A dificuldade de conciliar os compromissos profissionais com os estudos não se trata de um problema particular de um ou outro estudante 11,24,26 na EaD e, por isso, é importante dar uma atenção especial a esses alunos, permitindo situações as quais conciliem suas atividades 28 . É preciso repensar estratégias a fim de que as chefias dispensem horas de serviço para os estudos daqueles funcionários que estiverem se qualificando, visto os benefícios serem para a melhoria do trabalho.
Possuir mais de um vínculo empregatício também foi apontado como fator responsável pela evasão:
“[…] estou trabalhando em quatro lugares, entendeu, então está muito apertado, eu tinha só o final de semana pra descansar e tinha que fazer as atividades, então estava muito apertado.” (E10)
“[…] eu trabalhava em vários empregos, e não estava tendo tempo de dedicar.” (E23)
A mudança de emprego durante a realização do curso também foi declarada como motivo para a evasão:
“[…] eu estava em transição de emprego, então meu tempo ficou meio prejudicado pra eu estar me dedicando mais.” (E13).
“Porque na época eu estava começando um emprego novo, e eu deveria me dedicar mais ao emprego novo, e eu não consegui conciliar. (E27)
A carga semanal e as alterações na carga horária de trabalho, mudanças profissionais e a pouca aplicabilidade do curso com a área de atuação do aluno, também contribuíram para a evasão: “[…] foi assim também uma coisa, que não era muito que se aplicasse ao meu cotidiano… aquele conteúdo do curso não cabe muito no que eu faço no hospital, entendeu” (E14).
Assim, em relação ao trabalho, os principais fatores citados pelos participantes foram o excesso de atividades laborais e múltiplos vínculos empregatícios. Todos esses fatores dificultam a conciliação entre o trabalho e o estudo 24,29 . Importante destacar que todos os alunos trabalhavam no serviço público no momento do curso, o que demonstrou a atração desses alunos em potencial para colaborar com a gestão em saúde de seus locais de trabalho.
Para romper com esta lógica da evasão, no que tange ao trabalho, é preciso aprimorar a relação entre instituições de saúde e instituições de educação onde os cursos na modalidade a distância são oferecidos. É possível que, nas instituições de saúde, valorize-se o aperfeiçoamento de seus profissionais a partir de experiências educacionais, tendo a modalidade a distância como uma possibilidade interessante, dada a sua flexibilidade de horários e a viabilidade de atividades do curso no próprio ambiente de trabalho 28 .
Por outro lado, as instituições educacionais podem articular a oferta de cursos a partir das necessidades emergentes do cotidiano de trabalho dos profissionais, em conciliação com as instituições de saúde, propondo um planejamento de cursos 29 . Além disso, é possível que os cursos, na modalidade a distância, sejam estruturados para proporcionarem intervenções no ambiente de trabalho, tornando a aprendizagem significativa e estimulando a permanência de seus alunos, que tendem a buscar o aperfeiçoamento de seus processos de trabalho 30 .
Enfim, é preciso promover, no ambiente de trabalho do profissional de saúde, experiências de EaD que considerem um modelo de educação permanente pautado pela aprendizagem na trajetória profissional e além dela 30 . É preciso reconhecer que o processo de aprendizagem ocorre em uma realidade complexa, favorecido pelo processo comunicativo tecido coletivamente a partir de compartilhamento de saberes, conhecimentos e cooperações. A corresponsabilização das instituições de saúde pela educação permanente via EaD de seus profissionais conforma-se, assim, como uma estratégia de empoderamento e com reais possibilidades de transformação do cotidiano do trabalho.
Dificuldades de “estar em rede” contribuindo para evasão
Esta categoria é composta por duas subcategorias: a interação reduzida entre docente, alunos e tutores; e dificuldades no uso das Tecnologias Informação e Comunicação (TIC). Na primeira subcategoria, entre os comentários tecidos, destacaram-se algumas queixas relacionadas aos tutores e professores. A demora na correção das atividades e ausência de retorno foram alguns dos pontos levantados pelos alunos:
“[…] aí o professor demorava muito pra corrigir, entendeu? Aí eu não tinha noção se dava para continuar ou não, porque você não tinha retorno do professor. Você entrava pra ver sua nota, e não tinha sua nota.” (E18)
“[…] achei que a tutora não estava dando o retorno que às vezes precisava… daí às vezes eu não tinha resposta da tutora.” (E06)
Houve relatos que apontaram falta de incentivo para o aluno não evadir do curso.
“[…] também assim, ninguém me procurou, tá. Ninguém me procurou assim, […] eu na verdade fiquei sete meses na secretaria, podia ter retornado, mas ninguém me procurou não me incentivou, acabou que deixei pra lá… se alguém tivesse me procurado, falando igual tutor de outros cursos que a gente tem experiência, que te acompanha mais de perto, né, eu acho que teria voltado.” (E59)
O tutor e o docente precisam ser capazes de buscar uma maior aproximação com o discente, além de escutá-lo, estimulá-lo e motivá-lo sempre que necessário, para que ele encontre apoio e não desista do curso 31 . O tutor tem o papel de facilitador do aluno, pois é a ele que o aluno deverá recorrer; e para este profissional atender às expectativas precisa estar capacitado para a função desempenhada, sobretudo em relação às tecnologias que serão utilizadas 32 . Ressalta-se, ainda, o tutor como principal mediador entre os alunos e a instituição, uma vez que possui um papel fundamental no combate à evasão, por meio do acompanhamento constante do discente, ao fornecer o feedback sobre a aprendizagem e fazer busca ativa dos ausentes do curso 23,31 .
Alguns participantes relataram, também, a falta de relações sociais e interpessoais com colegas, tutores e professores:
“[…] então eu acho que o contato com o professor, o contato com o grupo, eu acho que ajuda bastante a desenvolver o trabalho, né, então eu acho que isso assim, é que me distanciou muito mesmo…” (E53)
Sabe-se que a interação entre discentes, docentes e tutores no contexto da EaD favorece experiência de ensino-aprendizagem e, por sua vez, a conclusão do curso 31,32 . Entretanto, tal interação deve diminuir, no aluno, a sua percepção de distanciamento, ou seja, o aluno deve sentir-se acolhido, ouvido em suas individualidades e necessidades. Desse modo, deve-se desenvolver uma concepção de curso que diversifique as possibilidades tecnológicas de interação entre os atores envolvidos no processo educacional.
Além do ambiente virtual e das ferramentas tecnológicas nele contidas, é recomendável proporcionar, ao aluno, momentos de encontros presenciais, propícios para que os estudantes se tornem corresponsáveis pela sua evolução na aula, além de favorecer a autonomia no processo de aprendizagem 24 .
A formação de tutores e docentes também necessita ser um processo permanente e dinâmico de humanização. O sujeito se inter-relaciona para produzir e, também, para se apropriar da cultura, isso ocorre na convivência coletiva. Assim, é preciso desenvolver programas nos quais os futuros tutores e professores possam ser educados como intelectuais transformadores 32,33 , não se esquecendo de que o acesso, a compreensão e o uso do conhecimento e tecnologia devem ser sempre guiados por conceitos de fraternidade, justiça, lealdade, criticidade, ética e cidadania. Logo, teremos, de fato, atingido o almejado sucesso educacional 33 .
Em relação à subcategoria “dificuldade no uso das TIC” , alguns participantes narraram dificuldades no manuseio do ambiente virtual de aprendizagem:
“[…] eu tive muita dificuldade pra mexer na plataforma, eu fui me desmotivando e acabei desistindo.” (E05)
“[…] eu tenho uma certa dificuldade ainda com informática, então isso também dificulta, quer dizer a facilidade com que outras pessoas têm, outros alunos têm de responder ou de fazer pesquisas com mais rapidez, eu demorava mais para responder, para mim a dificuldade pessoal, entendeu? Então isso é uma outra coisa que contribuiu também para eu repensar…” (E39)
A dificuldade ou falta de acesso à internet também foram citadas como causa da evasão:
“[…] eu estava sem internet, aí complicou mais ainda, então aí acabou que eu perdi.” (E38)
“[…] eu só não conclui, porque onde eu estava eu não tinha como acessar a internet, então eu fiquei que meio amarrada.” (E46)
A evasão no contexto da EaD também pode ser influenciada pela indisponibilidade, dificuldade de utilização de tecnologias, assim como pela dificuldade de acesso e conectividade à internet 15,22,24,29,32 . Tais limitações, muito comuns no Brasil, comprometem significativamente a participação e envolvimento de alunos nos cursos a distância 8,34 . Na EaD, são os recursos tecnológicos que possibilitam a comunicação e a interação entre discentes, docentes e tutores 29,32 . Além dessa interação, o uso de tais recursos possibilita o desenvolvimento do aluno no curso e, consequentemente, o cumprimento das atividades exigidas para sua conclusão, pois é por meio da facilidade de acesso às TIC que se torna viável a expansão da modalidade de ensino a distância 27 . Desta feita, a qualidade da educação ofertada no curso avaliado depende da disponibilidade de tecnologias, do desenvolvimento de habilidades dos cursistas no uso de tais tecnologias, além de um acesso equânime à internet. Além disso, a qualidade almejada na formação profissional precisa ir além, garantir, ao cidadão, acesso, compreensão e uso das possibilidades a ele concedidas pelo conhecimento, de forma crítica, cidadã e ética. Enfim, garantir uma educação com possibilidades reais de progresso no contexto social, econômico e político em que vivemos 33 .
Condições acadêmicas como fatores influenciadores da evasão
Esta categoria é formada por duas subcategorias: baixo interesse pelo curso e dificuldade para acompanhar as atividades do curso. Na primeira subcategoria, o baixo interesse pelo curso afetou o comprometimento do aluno:
“[…] porque após uns dois meses surgiu um outro curso… por ser mais abrangente, eu preferi abandonar e ir para outro curso.” (E01)
“[…] eu estava também fazendo outro curso lá em Belo Horizonte, então ficou pesado para mim, o outro já estava em andamento e é mais leve.” (E15)
Algumas vezes, o aluno só se inscreve no curso devido à facilidade de acesso e flexibilidade para a realização do estudo, não procura se apropriar dos detalhes e, com isso, acaba evadindo devido ao baixo comprometimento e pouco interesse pelo curso 7 .
Houve quem reconhecesse que, por ser um curso na modalidade a distância, não seria necessária tanta dedicação. Porém, ao verificar a complexidade do curso, optou-se por evadir. “[…] e eu percebi que estava assim, sendo puxado o curso assim, eu tinha uma ideia de curso a distância ser mais light, entendeu? Aí eu desisti, não dei conta.” (E39)
Por fim, também relatou-se que a evasão ocorreu devido à dificuldade para acompanhar as atividades do curso.
“[…] você faz seu trabalho todinho no sábado, domingo, pra você tá enviando na segunda, você envia, né, pra eles estarem na segunda, ai chega segunda, tá errado.” (E05)
“[…] o assunto era mais difícil, tem que ler muito.” (E06)
Esses achados são recorrentes na literatura, já que alunos com maior dificuldade de aprendizado têm maior propensão a evadir devido ao baixo rendimento, o que já é notório desde os períodos iniciais do curso, fazendo com que muitos evadam neste período por não conseguirem superar as dificuldades encontradas 15,28 . Outro fator a ser suscitado é a dificuldade de muitos alunos para quebrarem o paradigma do ensino tradicional, o qual destaca que somente com a presença física do professor é possível o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem 11 . A flexibilidade, apesar de ser considerada uma característica que facilita o desenvolvimento do estudo na EaD, também pode ser responsável pela evasão. O aluno imagina poder estudar a qualquer momento, porém não visualiza, anteriormente à sua entrada no curso, quanto tempo será necessário e em quais momentos ele poderá dispor desse tempo. Tal consideração se torna evidente a partir do contexto individual prévio, visto que, na maioria dos casos, já existia, porém era negligenciado pelo aluno.
Considerações finais
Os resultados deste estudo permitiram concluir que: houve uma alta taxa de evasão no curso em estudo; os motivos atribuídos a este evento relacionam-se, sobretudo: ao contexto familiar, trabalho, dificuldades no acesso e uso das TIC e para acompanhar as atividades do curso. Isso reforça a ideia de que a evasão é um evento complexo e influenciado por vários fatores que se relacionam, especialmente, com: as características do aluno, dificuldades de “estar em rede” e condições acadêmicas.
Alguns dos motivos citados como responsáveis pela evasão podem ser melhor gerenciados pelas instituições de ensino que ofertam tais cursos, como: a dificuldade no uso das TIC, baixa interação entre alunos, docentes e tutores, e a dificuldade para acompanhar as disciplinas.
As instituições necessitam preparar melhor os alunos para a interação por meio do ambiente virtual e ofertar treinamento inicial, além suporte técnico constante para aqueles alunos com mais dificuldades. Para isso, é preciso que tutores e professores também estejam preparados para: dar o suporte necessário, serem agentes empáticos e que propiciem a aprendizagem, relativizando, assim, a distância física entre os atores envolvidos e estimulando a interação virtual.
Já os outros fatores são de controle mais complexo, por parte da instituição, mas, também, podem ser ajustados ao longo do curso, com melhor suporte e, sobretudo, com o acompanhamento dos alunos.
Essas constatações, apesar de serem aplicáveis apenas ao caso estudado, conformam-se como possíveis norteamentos para outros estudos que desvelem, ainda mais, a temática da evasão, especialmente em cursos na modalidade a distância relacionados à saúde.
Considerando a continuidade da oferta do curso de especialização em Gestão em Saúde por meio do PNAP também são necessários: estudos avaliativos de tutores e professores, análise das práticas pedagógicas, análise de satisfação e desempenho dos envolvidos, bem como os impactos sobre a gestão dos serviços de saúde.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Maio 2018 -
Data do Fascículo
Jul-Sept 2018
Histórico
-
Recebido
15 Mar 2017 -
Aceito
17 Maio 2017