Vanessa era negra, não tinha nenhum dente na parte frontal, vestia roupas velhas e soltas, sendo sua gravidez ainda imperceptível quando chegou ao serviço especializado com quase três meses de gestação. Tinha olhar marejado e perdido: acabara de saber do diagnóstico de HIV e fora encaminhada naquele dia pela unidade de atenção primária. Na entrevista, realizada meses depois, pouco antes do parto, Vanessa estava mais tranquila e dona de si. Contou com detalhes sobre a perda dos pais quando criança e de sua dura infância. Foi cuidada por uma tia, passando longos períodos na rua na infância e adolescência. Frequentou serviços e ações voltadas para crianças em situação de rua, tendo completado o ensino fundamental sem se envolver com drogas. Ela mantinha bom vínculo com a tia materna durante toda a vida e teve seu primeiro filho depois dos 27 anos. Morava em um casebre de condições precárias com o primeiro filho, cujo pai estava preso e do qual ela pensava ter contraído HIV. Sustentava o filho sozinha e, de um relacionamento casual, engravidou novamente. Esse parceiro a abandonou assim que soube da gestação, quando também ficou desempregada e descobriu o HIV: “Ele sabe que eu tô grávida, mas não sabe o que aconteceu [do HIV]. Provavelmente ele já sabe, não sei, deve ter acontecido alguma, aconteceu alguma coisa, né, porque eu nunca mais falei com ele depois, que foi acho que uns três, é, tava com três mês mais ou menos, essa vez que eu falei com ele. Antes de eu saber [do HIV]. E depois eu não falei mais com ele. [...] Pra mim tanto faz como tanto fez, né, se ele não me procurar, ele sabia meu telefone, tudo, podia ter ligado pra saber porque que eu não apareci mais. Aí eu nem dei mais bola, deixei”. Mesmo com condições precárias de moradia e sustento, perdas familiares e uma trajetória de vulnerabilidades vividas na rua, Vanessa aderiu rigorosamente ao pré-natal para “salvar sua filha” e se “manter viva”, pois não queria que seus filhos passassem o mesmo que ela por não ter tido a mãe por perto: “Tem que levantar a cabeça e seguir, não adianta pensar em se matar, pensar em morrer, claro que quando a gente sabe de uma coisa assim [HIV], vem cinquenta coisa na cabeça, que morre, porque não vou viver, porque a minha vida já acabou, porque tem gente que enlouquece nesse momento. Mas eu não posso pensá que nem os outros, eu tenho que pensá que eu tenho minhas crianças pra cuidar e que eu vou ter que me cuidar pra viver mais um pouco”. Apoiando-se em uma postura positiva diante da vida e com ajuda da sua tia e dos profissionais de saúde, o pré-natal de Vanessa e as medidas peri e pós-parto para prevenção da TV foram completas. O parto foi normal ela teve indicação de uso de anticoncepcional oral na consulta de alta. |