Resumo
Neste artigo, analiso o videoclipe The Body Electric (2014), do projeto Hurray for the Riff Raff, como artefato cultural que convoca práticas de multiletramentos decoloniais. Com base em Duboc e Menezes de Souza (2021), entendo multiletramentos decoloniais como práticas críticas de significação que ao integrar múltiplas linguagens e mídias, visam desestabilizar estruturas coloniais de poder, saber e representação. Sustento que a obra encena uma “gramática da resistência” ao subverter a naturalização da violência de gênero na cultura popular. Com base na teoria da performatividade de Judith Butler (2018), discuto como a canção e o vídeo reinscrevem tais discursos abrindo fissuras em sua lógica normativa. A referência intermidiática (Rajewsky, 2012) à pintura O Nascimento de Vênus (Botticelli, 1985) é examinada à luz da crítica à colonialidade tensionando representações eurocêntricas, conforme Walter Mignolo (2017) e Maria Lugones (2020). Por fim, proponho a análise do videoclipe como gesto pedagógico para uma educação linguística decolonial, em que se articulam práticas de negociação de sentidos que visam desmantelar arquiteturas de opressão e insurgir epistemes dissidentes, materializando, assim, justiça social na tessitura do sensível.
Palavras-chave
Violência de gênero; Multiletramentos; Educação Linguística Decolonial
Abstract
This paper analyzes the music video The Body Electric (2014), by the band Hurray for the Riff Raff, as a cultural artifact that engages decolonial multiliteracies practices. Grounded in the work of Duboc and Menezes de Souza (2021), I define decolonial multiliteracies as critical meaning-making practices that integrate multiple languages and media to destabilize colonial structures of power, knowledge, and representation. I argue that the work performs a “grammar of resistance” by subverting the naturalization of gender-based violence in popular culture. Drawing on Judith Butler’s (2018) theory of performativity, I examine how the song and video reinscribe discourses of violence, creating cracks in their normative logic. The intermedial reference (Rajewsky, 2012) to Botticelli’s painting The Birth of Venus is analyzed through the lens of coloniality critique, challenging Eurocentric representations as discussed by Walter Mignolo (2017) and Maria Lugones (2020). Finally, I propose the analysis of the video as a pedagogical gesture toward decolonial language education, weaving together meaning-making practices that aim to dismantle architectures of oppression and insurgent dissident epistemes, thus materializing social justice in the fabric of the sensible.
Keywords
Gender-based violence; Multiliteracies; Decolonial Language Education
“Eu a amava, mas” - Multiletramentos e desnaturalização da violência
Cartuchos vazios caídos compõem a parte inferior do frame que abre o videoclipe The Body Electric, da banda folk estadunidense Hurray for the Riff Raff. Nascida no Bronx, de família porto-riquenha, Alynda Segarra lidera o projeto musical e utiliza sua voz – como cantora e compositora – para entrelaçar experiências pessoais com questões sociopolíticas urgentes, transformando o folk tradicional por meio de uma narrativa autêntica e engajada. Sua obra reflete suas raízes culturais, as complexidades das periferias urbanas e um olhar crítico sobre as injustiças sociais construindo uma linguagem musical que desafia narrativas dominantes e amplia os limites do gênero (Rolling Stone, 2019). Ao entrar em cena, a voz de Segarra enuncia:
Shoot me down, put my body in the river
While the whole world sings, sing it like a song
The whole world sings like there’s nothing going wrong
He covered her up, but I went to get her
And I said: My girl, what happened to you now?
I said: My girl, we gotta stop it somehow
Gonna do for a world that’s so sick and sad?
Tell me, what’s a man with a rifle in his hand
Gonna do for a world that’s so gone mad?
Cover me up with the leaves of September
Like an old sad song, you heard it all before
Well, Delia’s gone, but I’m settling the score
Gonna do for a world that’s just dying slow?
Tell me, what’s a man with a rifle in his hand
Gonna do for his daughter when it’s her turn to go?1
(Segarra, 2014)
A abertura ressoa em contraste com canções da memória coletiva que, de forma chocante, normalizam o feminicídio, como os versos de Used to Love Her, de Guns N’ Roses (1988) – em que um eu-lírico proclama sem pudor “eu a amava, mas tive que matá-la”. No entanto, antes mesmo de o refrão subverter essa lógica ao questionar diretamente “e me diga o que um homem com uma arma na mão fará por um mundo que está tão doente e triste? / me diga o que um homem com uma arma na mão fará por um mundo que está tão enlouquecido?”, o videoclipe já antecipa seu posicionamento político. As cápsulas que começam a subir, invertendo o movimento inicial de queda, sugerem visualmente um gesto simbólico de “des-atirar”, como se a própria imagem em movimento tentasse desfazer a violência anunciada.
Assim, a obra se posiciona como denúncia contundente do absurdo da promoção e da naturalização da violência contra a mulher na cultura popular. A canção também traz uma crítica direta à tradicional linhagem das “murder ballads” no folk americano, que relatam violência contra mulheres sob uma perspectiva masculina que tende a naturalizar o abuso. O verso “Well, Delia’s gone, but I’m settling the score” remete à figura de Delia Green, jovem afro-americana assassinada em 1900, cuja história foi historicamente narrada em canções folk e country, muito comumente a partir da perspectiva do assassino, apagando sua humanidade e fazendo coro à complacência do sistema judicial da época. Por meio dessa referência, The Body Electric denuncia a persistência da violência racista e de gênero estrutural presente na cultura popular, subvertendo os cânones tradicionais e promovendo uma releitura feminista e antirracista dessa herança. A voz poética torna-se, assim, um instrumento de resistência e memória crítica (Smith, 2025), quando afirma que “está acertando as contas”, embora Delia já esteja morta.
Negociar sentidos com esse artefato cultural envolve, portanto, multiletramentos: a análise linguística meramente logocêntrica seria insuficiente para tanto. No imaginário coletivo, a violência de gênero não é composta apenas por nomes que sofrem uma ação na voz passiva em manchetes de jornal. São rostos de mulheres que nos atormentam por suas histórias interrompidas. São as roupas que escolhemos ou as que deixamos guardadas no armário. São os traços e tons de pele que serão admirados, sexualizados ou assassinados ao usar batom vermelho. Se a linguagem constrói subjetividades (Bakhtin, 2011), nos diz o que “deveríamos” ser e nos permite dizer o que somos (Butler, 1997), é condição sine qua non que a educação linguística se comprometa com a justiça social. Se um dos primeiros tópicos de gramática que estudamos é o verbo to be, é porque precisamos dele para dizer sobre nós e as nuances e implicações disso. E não somos construídos apenas por palavras.
Ainda assim, é comum percebermos em estudantes de Letras certa apreensão quando seus currículos se afastam de abordagens prescritivas e estruturalistas. A solidez de sua formação acadêmica é frequentemente questionada diante de práticas situadas de educação linguística. Proponho aqui que a primazia da palavra escrita como norma e representante exclusiva da excelência na produção de sentido é uma visão tanto limitada quanto limitante. Não se trata de abandonar o estudo sistemático da língua, mas sim de repensar a relação entre estrutura e construção de sentido de maneiras diversas. É por isso que adoto a nomenclatura “educação linguística” para me referir a práticas de construção de sentido, pois, conforme Ferraz (2025), ela extrapola a noção de ensino e aprendizagem de línguas como um processo linear de transmissão e recepção, destacando o caráter situado da língua e da educação como práticas políticas e históricas. O autor retoma Paulo Freire (1972 apud Ferraz, 2025), para quem os estudantes aprendem sobre o mundo por meio das palavras. Esse jogo “mundo-palavra” (word/world) também é explorado no ensaio de bell hooks “language teaching new words/new worlds” (2017). Fortemente influenciada por Freire, a autora examina como nuances linguísticas – por exemplo, a diferença entre “nobody” e “no one” – convocam diferentes dimensões do sujeito e do corpo que enuncia, ressaltando o papel da linguagem na construção de identidades e significados múltiplos. Portanto, a educação linguística envolve compreender a linguagem não apenas como código, mas como prática social e política de múltiplas dimensões.
De modo correlato, Duboc e Siqueira (2020), ao tratarem do inglês como Língua Franca (ELF) feito no Brasil, enfatizam a importância de se desnaturalizar as construções modernas e eurocêntricas que permeiam a educação linguística, promovendo uma postura crítica que valoriza contextos locais e diversas formas de uso da língua. Eles defendem que essa abordagem possibilita deslocar o ensino da língua do centro normativo para práticas críticas e interculturais, promovendo a construção de identidades mais plurais e conscientes. Assim, esse convite a repensar a educação linguística pressupõe desnaturalizar noções como o logocentrismo, que privilegia a linguagem verbal escrita como única via legítima de produção de sentido, reduzindo a complexidade das experiências humanas a uma perspectiva parcial e limitada. Essa crítica dialoga diretamente com a análise dos tempos verbais proposta no artigo, ao posicionar a gramática não como um fim em si mesma ou um sistema fechado a ser dominado isoladamente, mas como um recurso a serviço da compreensão de práticas sociais e intercâmbios comunicativos mais amplos.
Há, como nos lembra bell hooks (2017, p. 61), “uma certa dor envolvida no abandono das velhas formas de pensar e saber e no aprendizado de outras formas”. Em busca de amenizar essa dor, proponho a análise do videoclipe The Body Electric como ilustração de práticas pedagógicas que integram saberes multimodais, em uma abordagem sensível às dimensões afetiva, social e política do letramento. Nesse movimento de ampliação dos referenciais teóricos e metodológicos que orientam a prática docente, Duboc e Menezes de Souza (2021) destacam que a proposta de multiletramentos, cunhada pelo New London Group na década de 1990, surgiu como resposta a dois eixos centrais: a necessidade de reconhecer a diversidade sociocultural nos processos de letramento e a expansão das práticas comunicativas multimodais, impulsionadas pelas tecnologias digitais. Os autores enfatizam que o grupo defendia uma Pedagogia dos Multiletramentos estruturada em quatro dimensões: a) prática situada, que valoriza os saberes prévios dos aprendizes; b) instrução explícita, voltada à sistematização de conceitos; c) enquadramento crítico, que problematiza relações de poder; e d) prática transformada, que busca aplicar conhecimentos em contextos reais. No entanto, os autores argumentam que, muito antes dessa discussão, Paulo Freire já anunciava isso, inclusive ilustrando com sua própria experiência de alfabetização, descrita em termos multimodais e cinestésicos – aprendendo a ler e escrever no chão de seu quintal, usando galhos como giz, sob a sombra da mangueira, em um processo profundamente situado e sensorial.
Essa perspectiva freireana antecipa a noção de multiletramentos ao demonstrar que a multiplicidade de linguagens não depende necessariamente de recursos digitais, mas sim de uma prática social significativa e contextualizada. Duboc e Menezes de Souza (2021) ressaltam que, no Brasil, críticos como Windle (2017 apud Duboc e Menezes de Souza, 2021) e Jordão (2018 apud Duboc e Menezes de Souza, 2021) questionam certos limites da proposta original, especialmente sua possível associação excessiva com a tecnologia, e propõem alternativas como a “gambiarra” – uma forma de improvisação pedagógica com os recursos disponíveis. Assim, os autores defendem que os multiletramentos devem ser reclamados como fenômeno social, evitando reduções instrumentalistas. A experiência de Freire, portanto, serve como um marco precursor, evidenciando que o cerne dos multiletramentos reside na integração entre linguagem, corpo e mundo, muito antes da virada digital. Nesse sentido, os autores destacam dois aspectos centrais para essa releitura decolonial: no plano epistêmico, defendem a valorização de saberes locais e a resistência à metodologização universalizante dos multiletramentos; e, no plano tecnológico, propõem desvincular o conceito de uma sinonímia quase automática com os letramentos digitais. A proposta central é, portanto, recuperar sua amplitude original como fenômeno social complexo, enraizado em contextos multiculturais e afetivos, assim como repensar os estudos de letramento sob lentes decoloniais, o que se percebe na valorização das epistemologias do sul e na crítica às estruturas hegemônicas de poder que marcaram a história ocidental do saber.
A discussão de The Body Electric é empreendida a fim de ilustrar que descolonizar corpo e linguagem implica desafiar as formas pelas quais a modernidade/colonialidade estruturam sentidos, afetos e subjetividades. Em uma das cenas mais emblemáticas, a referência visual ao quadro O Nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli, configura uma instância de intermidialidade, conforme definições de Irina Rajewsky (2012). Essa citação remete ao imaginário colonial ocidental associado ao Renascimento europeu que, conforme Walter Mignolo (2017), estruturou o pensamento eurocentrado, e convoca a uma retomada crítica das imagens simbólicas herdadas do passado moderno, que consagram o corpo feminino branco como padrão universal. A tensão proposta pelo videoclipe emerge ao substituir essa imagem por um corpo racializado e dissidente, desconstruindo hierarquias de representação por meio da conjugação entre letra, imagem e presença performática. A articulação alcança maior densidade ao ser pensada pela lente da teoria da colonialidade de gênero de Maria Lugones (2020), que evidencia o modo como o sistema moderno/colonial estabeleceu uma matriz de gênero binária, heteronormativa e desumanizante para corpos não brancos, femininos e aqueles que desafiam tais categorias.
Assim, a análise do videoclipe permite problematizar como a violência contra as mulheres – especialmente aquelas que escapam aos modelos eurocentrados – é narrada, estetizada e naturalizada nos discursos culturais. Trata-se, portanto, de uma estratégia que alia crítica estética e justiça social, visando reconfigurar as formas pelas quais aprendemos a ouvir, ver e significar o mundo.
Gramática da resistência: Escolhas linguísticas e a política da performatividade em The Body Electric
A análise da canção e do videoclipe de The Body Electric revela uma intrincada teia de escolhas linguísticas e visuais que performam uma gramática da resistência contra a violência de gênero. Nesta seção, examino elementos específicos da letra da canção, com ênfase nas escolhas verbais e em suas implicações para a construção do sentido. As descrições das escolhas gramaticais, fundamentadas em Murphy (2015), evidenciam como as opções de tempo e modo verbal operam não apenas como marcas linguísticas, mas como dispositivos estéticos e políticos que tensionam a naturalização da violência e abrem brechas para a agência das personagens femininas. Para melhor visualizar as nuances dessas escolhas e suas reverberações interpretativas, organizo os dados em um quadro comparativo (Tabela 1), que sintetiza a relação entre contexto enunciativo, escolhas verbais e os efeitos de sentido inferidos com base nessas escolhas. A partir dessa análise, torna-se possível compreender como a manipulação dos tempos e modos verbais opera criticamente sobre o eixo ameaça/concretização, evidenciando a banalização da violência e convocando à urgência da ação coletiva.
A sequência inicial do videoclipe já propõe uma inversão imagética em relação à letra: embora a primeira palavra cantada seja “said”, remetendo a uma ameaça relatada, os versos seguintes enunciam “you’re gonna shoot me down”, expressão que evoca a ideia de abater um alvo. Em contraste com essa violência verbal, as imagens exibem cartuchos vazios ascendendo lentamente, como se buscassem reverter o gesto da agressão. Essa leitura ganha força na progressão textual, que narra um resgate: “ele atirou nela e jogou seu corpo no rio/ele a cobriu, mas eu fui resgatá-la/então eu disse ‘minha menina, o que fizeram com você?’/eu disse ‘minha menina, a gente precisa acabar com isso’” (Segarra, 2014, tradução minha). O início com um reporting verb (Murphy, 2015), posiciona a narradora como testemunha da ameaça – alguém que escuta e reconta, mas também se posiciona de forma a intervir nesse contexto. A imagem de Alynda Segarra no banco traseiro de um carro, sem indícios de quem pode a estar conduzindo, reforça essa postura de testemunha-observadora e pode, inclusive, tensionar as possibilidades de agência frente à violência. Ao cantar, ela se inscreve como agente de denúncia e afeto, especialmente ao se referir à vítima de feminicídio como “minha menina”.
A subversão da violência, inicialmente apresentada na inversão imagética dos cartuchos e na narrativa de resgate, encontra um aprofundamento na análise das escolhas verbais da canção. A Tabela 1, a seguir, detalha como os tempos e modos verbais empregados constroem camadas complexas de significado, que serão exploradas a seguir à luz de teorias sobre a performatividade da linguagem e a violência de gênero.
A análise linguística de trechos do primeiro verso da canção revela, portanto, a articulação entre linguagem e violência, especialmente quando certos enunciados operam simultaneamente como atos de fala performativos e como dispositivos de poder. Apesar de não esgotarem todo o conteúdo da canção, permitem visualizar caminhos interpretativos sustentados por um estudo dirigido de estruturas – linguísticas, mas não só. Ao implicar intencionalidade na escolha verbal, por exemplo, a ameaça de morte, além de projetar uma decisão futura, constitui um ato de dominação enraizado em relações históricas de gênero. Trata-se de uma enunciação que produz efeitos reais sobre corpos racializados e feminizados, atualizando, por meio da linguagem, uma hierarquia social violenta. De acordo com Melgarejo e Roehe (2023), discursos de ódio devem ser compreendidos como práticas estruturais atravessadas por marcadores interseccionais de opressão, nas quais expressões como “vou te matar” reiteram rituais de poder patriarcal já sedimentados socialmente.
Contudo o relato indireto da ameaça introduz um deslocamento crítico na lógica performativa da violência. Ao reinscrever o enunciado em uma narrativa na qual uma mulher assume o controle da fala, o texto produz uma fissura no poder opressivo dessa linguagem. Esse gesto se aproxima do que Melgarejo e Roehe denominam “esperança performativa feminista”: a capacidade de subverter pela recontextualização os efeitos do discurso violento. A narração opera como um “contra-ato” de fala, desativando parcialmente a força ilocucionária da ameaça ao reinscrevê-la em outro regime de sentido. A ameaça proferida não se dirige a um corpo neutro, mas se inscreve sobre sujeitos historicamente vulnerabilizados – negros, indígenas, trans, periféricos – cujas existências são atravessadas por múltiplas camadas de violência estrutural, reforçado pelo verso que relembra a figura histórica de Delia. A performatividade da linguagem violenta, conforme compreendida pelas autoras a partir de Judith Butler (1997), só pode ser plenamente analisada à luz das relações de poder que determinam quem pode ser ouvido, quem pode falar e quem é reduzido à condição de alvo. A crítica de Butler à soberania do sujeito falante revela que o poder da linguagem não reside exclusivamente na intenção individual, mas na repetição normativa que sustenta determinados enunciados e silencia outros. Assim, não se trata apenas de representar a violência por meio da linguagem, mas de entender como ela é executada, reiterada e legitimada pelo discurso.
Nesse sentido, torna-se fundamental a distinção proposta por Austin (1991 apud Butler 1997) entre enunciados constatativos e performativos, recuperada por Butler e mobilizada criticamente por Melgarejo e Roehe para compreender os discursos de ódio como práticas que realizam ações violentas ao serem proferidas. A reformulação butleriana da teoria dos atos de fala, que incorpora a noção de ritual social, permite compreender a identidade de gênero e os regimes de exclusão como construções reiteradas performativamente, contudo passíveis de subversão. Quando um corpo racializado – tal como o de Delia ou o da nova Vênus – é atingido por um discurso ofensivo, a violência não se esgota no conteúdo da fala, mas se ancora em sua historicidade, e as autoras recordam Toni Morrison (1993), que defende que a linguagem opressiva é, em si, um ato de violência. A performatividade da linguagem de ódio, ao reiterar normas de gênero, raça e classe, sustenta a aniquilação como destino para determinados corpos. Todavia, como demonstram os deslocamentos operados pela denúncia do eu-lírico, há fendas possíveis nesse regime. A reapresentação da ameaça como narrativa não elimina a violência, mas a reinscreve em um outro circuito de sentido, capaz de tensionar a norma e revelar sua arbitrariedade como por exemplo na mudança de aliança na narração.
A fissura performativa é, justamente, o que permite que os discursos de dominação sejam interrompidos ou desestabilizados a partir do deslocamento de sua função disciplinadora. Nesse gesto, emerge uma prática discursiva contra-hegemônica, que opera não pela negação do discurso dominante, mas por sua recontextualização crítica. É nesse contexto que a canção mobiliza uma das imagens mais impactantes da narrativa: o movimento reverso das ações – como se fosse possível fazer subir os cartuchos deflagrados, anulando o disparo. Essa imagem não apenas desafia o tempo linear da violência, mas também alegoriza o chacoalhar de estruturas aparentemente irreversíveis, como o colonialismo e o patriarcado. Se parece impossível impedir que mulheres sejam assassinadas, e se não se pode voltar no tempo para salvar as que já tombaram, ainda assim é possível organizar na linguagem a urgência de que homens parem de matá-las. Ao reimaginar esse gesto impossível – suspender o disparo já efetuado –, a narrativa cria espaços de reexistência. A escolha sintática pela voz ativa, o uso da primeira pessoa e de um verbo modalizador de urgência são elementos que produzem esse efeito de insurgência formal: reorganizar o tempo, a agência e mobilizar a audiência.
Essa prática contra-hegemônica, que opera pela reformulação discursiva crítica do discurso dominante, pode ser observada na escolha da voz ativa nos versos que relatam a agressão. Em nenhum momento a canção omite o agente da violência: “He” – pronome pessoal do caso reto (subject pronoun) – é quem age; “Her” – pronome pessoal do caso oblíquo (object pronoun) – é quem sofre. Essa construção sintática rompe com um padrão recorrente nas narrativas midiáticas sobre feminicídios, em que se recorda o nome das vítimas, mas raramente o de seus agressores. Ao nomear o agressor e explicitar a ação, o eu lírico desmantela o apagamento simbólico desses sujeitos e resgata os corpos das mulheres do fundo do rio – como metáfora da visibilização e da memória. Escolher a voz ativa é, também, recusar a impunidade discursiva. Nesse gesto, observamos o que Judith Butler (2018) entende como política da performatividade: uma ação que emerge da precariedade e que reverte o apagamento pela afirmação da existência. Ao apontar os responsáveis pela violência e demandar uma escuta ética, a canção encarna o que descreve como a “forma corporificada da ação em conjunto”, que desafia políticas que destituem populações do direito a uma vida vivível e afirma, na linguagem, o valor dessas vidas. Em contextos nos quais a fome, a ausência de abrigo, o desemprego e a violência estrutural configuram a vida de determinados grupos sociais, aquilo que era visto como pano de fundo da vida privada por Hannah Arendt (2009 apud Butler, 2018) torna-se, enfim, o objeto explícito da política. É nesse cenário que a visibilidade de sujeitos historicamente marginalizados – como mulheres negras, pessoas trans e especialmente mulheres trans ou pessoas não binárias negras – adquire potência performativa e insurgente.
Nesse gesto de ressignificação, a obra mobiliza a linguagem como campo de disputa e reinvenção, convertendo uma estrutura de ameaça em denúncia poética. O refrão se constrói a partir da imagem do homem com uma arma em punho, que é interpelada por uma pergunta que se repete: “E diga-me, o que um homem com uma arma na mão / vai fazer por um mundo tão doente e triste?”. O apelo, dirigido tanto ao agressor quanto à sociedade que o produz e o sustenta, convoca à responsabilização. Em vez de reiterar a naturalização da violência, a narrativa questiona seu lugar num mundo em colapso, exigindo um posicionamento. Assim, a canção não apenas representa a violência, mas intervém sobre ela – ao nomeá-la e recusar o apagamento dos sujeitos envolvidos, bem como ao transformar espectadores em interlocutores. Nesse processo, os corpos antes ameaçados pela invisibilidade passam a reivindicar presença, valor e luto – recusando a lógica biopolítica que os relega à não existência. Na seção a seguir, analisamos que corporeidades visuais ampliam as percepções aqui desenhadas.
A morte de Vênus
Aos 33 segundos do videoclipe, a imagem focaliza os joelhos levemente curvados de uma mulher negra. Em suas pernas, notam-se hematomas. Flores caem nessa cena, enquanto na sequência paralela os projéteis do início do vídeo sobem em direção ao colo de uma outra mulher. Por volta do primeiro minuto, o movimento ascendente da câmera permite ver o rosto da primeira mulher, que nos lembra uma figura que habita o repertório de representações femininas da cultura eurocentrada. Na marcação de 1 minuto e 16 segundos, o início do refrão coincide com a abertura do enquadramento que estabelece o que entendo aqui como uma referência intermidiática, conforme Rajewsky (2012), à pintura renascentista O nascimento de Vênus (Botticelli, 1485). O conceito, na perspectiva da autora, configura-se como uma estratégia de produção de sentido na qual uma mídia específica emprega seus próprios recursos materiais e expressivos para evocar, tematizar ou imitar elementos característicos de outra mídia percebida como distinta, entendido aqui como o posicionamento quase estático das personagens, como que “posando” para a pintura ou encenando-a, numa referência que busca estabelecer uma relação constitutiva com o referente. O ponto central é que a mídia referenciadora aciona códigos e convenções da mídia referenciada, sem abrir mão dos seus, para ampliar sua própria significação. Ao fazer isso, ela não apenas dialoga com a outra mídia, mas também pode expandir as possibilidades representacionais de ambas.
Nesse sentido, nesta análise, investigo a referência intermidiática a partir dos tensionamentos de ordem visual que ampliam as percepções estruturais apontadas na seção anterior. Se na organização sintática da canção o uso da voz ativa subverte a reportagem sobre assassinatos, aqui as imagens do videoclipe permitem ressignificar discursos naturalizadores de violência e apagamentos do imaginário popular, construídos a partir da colonialidade, conforme expresso no quadro a seguir:
De imediato, observa-se uma subversão da figura tradicional da Vênus. Enquanto na pintura renascentista ela é representada como extremamente branca, com cabelos dourados esvoaçantes e traços alongados, no videoclipe, Vênus é uma mulher negra possivelmente transsexual, travesti ou não binária, de cabelos vermelhos que cobrem os seios, em contraste com o seio direito aparente na pintura. É possível afirmar que a figura feminina na tradição pictórica europeia, especialmente nas representações de Vênus, revela uma construção simbólica do feminino forjada pelo olhar masculino, que a transforma em objeto de desejo e idealização. A própria incidência da luz no quadro de Botticelli reforça essa leitura: ela penetra pela lateral esquerda da tela, dirigindo-se à deusa juntamente com os sopros de Zéfiro, como se ambos – luz e vento – dirigissem o olhar do observador para essa representação do corpo feminino.
Em contraponto, no quadro encenado de The Body Electric, a luz parece emergir dos pés da nova Vênus e posicionar-se atrás de seu corpo, em um gesto simbólico de ocupação de um espaço historicamente interditado. Em vez de destacar uma idealização estética, essa luz contorna um corpo que, por séculos, foi sistematicamente apagado por construções simbólicas como a da Vênus renascentista. Quando a imagem se abre e revela a encenação do quadro, é possível perceber que os pés da Vênus contemporânea estão firmemente apoiados no chão – diferentemente dos joelhos levemente flexionados que, no início, espelhavam a figura europeia. Suas pernas organizam-se de forma a sustentar sua postura. Seu queixo está erguido e seu olhar de soslaio contrasta com os semblantes levemente abaixados da pintura. Também há uma alteração no ângulo da cabeça: enquanto, na obra renascentista, a inclinação parece sugerir submissão, a posição frontal assumida no videoclipe rompe com essa impressão, olhando – encarando – algo fora do quadro, não apenas sendo vista.
Como discute Silveira (2008), a imagem da mulher a partir do olhar masculino está intrinsecamente ligada ao papel dos mitos na consolidação de um imaginário coletivo sustentado por valores patriarcais. Dentre eles, o mito de Pigmaleão, narrado por Ovídio em Metamorfoses (1983), é particularmente revelador: o escultor, incapaz de amar mulheres reais por considerá-las promíscuas demais, cria sua própria versão da mulher ideal em pedra – Galatéia – e se apaixona pela figura moldada segundo sua fantasia. Ao longo dos séculos, a arte reiterou essa lógica, como se observa na Vênus de Botticelli, em que o nu feminino não é apresentado como sujeito de desejo, mas como objeto dele – passivo, “sublime” e feito para o olhar. Ao analisar tais obras, Silveira propõe uma reflexão crítica sobre os modos como o feminino foi estetizado, silenciado e encapsulado em padrões que ainda reverberam nas imagens midiáticas contemporâneas.
Apreendo que a encenação da pintura de Boticelli em um contexto de denúncia à violência de gênero contra mulheres de cor, no contexto estadunidense, permite traçar paralelos com a crítica decolonial contra as construções estéticas da dupla modernidade/colonialidade. Nesse sentido, retomo Mignolo (2017) quando argumenta que o Renascimento não foi apenas um marco cultural europeu, mas o ponto de inflexão na constituição de um padrão de conhecimento eurocentrado que se universalizou à força. A valorização das línguas clássicas – grego e latim – como fundamentos do saber, e sua posterior difusão por meio das línguas vernáculas europeias, instaurou uma lógica de legitimação epistêmica que excluía saberes produzidos fora desse eixo linguístico e cultural. Tal estrutura hierarquizou o conhecimento, marginalizando epistemologias indígenas, africanas e asiáticas, ao mesmo tempo que naturalizou o Ocidente como locus privilegiado da razão e da ciência. A estética da representação, consolidada especialmente nas artes visuais e na literatura renascentista, seguiu o mesmo princípio: normas de composição, proporção, beleza e mimese foram construídas como cânones universais e, mais tarde, exportadas aos territórios colonizados. Nesse processo, formas locais de expressão artística foram desvalorizadas, silenciadas ou convertidas em folclore, sendo substituídas ou moldadas segundo os parâmetros europeus. Assim, a nova Vênus apresentada no videoclipe, ao incorporar um corpo historicamente apagado pelas construções hegemônicas do saber e do ver, encarna também uma resistência simbólica à episteme colonial moderna. O gesto firme, o queixo erguido e o olhar oblíquo instauram uma nova gramática de presença, na qual o corpo não é mais objeto de idealização, mas sujeito de enunciação política, estética e histórica.
Além disso, Mignolo destaca a íntima conexão entre a economia e a produção cultural do Renascimento. O florescimento artístico e intelectual europeu – especialmente na Itália – esteve ancorado em condições materiais específicas, como o acúmulo de capital e o patrocínio das elites, elementos que se replicaram no processo colonial. A expansão europeia levou consigo instituições culturais e religiosas, utilizando a arte (como a pintura sacra) como instrumento de pedagogia colonial e de legitimação simbólica da ordem europeia. Assim, o Renascimento forneceu tanto o arcabouço epistemológico – que definiu o que conta como conhecimento válido – quanto o estético – que determinou o que deve ser considerado belo, verdadeiro ou representável. Esses dois pilares foram fundamentais para a construção da colonialidade, ao estabelecer uma matriz de pensamento e sensibilidade que hierarquizou povos, línguas e modos de existência, naturalizando a dominação europeia como civilizadora e universal.
Nesse contexto, a figura da Vênus renascentista pode ser compreendida não apenas como um símbolo estético, mas como um instrumento ativo na constituição de uma gramática colonial do corpo e do gênero. A construção visual desse ideal feminino – branco, jovem, submisso – não se limita a uma concepção artística, mas participa de um processo mais amplo de codificação de normas identitárias que seriam exportadas como universais ao longo da expansão colonial europeia. A idealização do corpo feminino, como se observa na Vênus de Botticelli, contribuiu para a naturalização de um sistema binário, racializado e hierarquizado de gênero, em que a feminilidade é associada à passividade e à brancura, ao passo que corpos dissidentes foram sistematicamente apagados, subalternizados ou convertidos em “outros” exóticos. É nesse ponto que a reflexão de Maria Lugones (2020) se torna especialmente pertinente, ao desenvolver o conceito de colonialidade de gênero como uma crítica ao modo como o sistema de gênero binário e hierarquizado – tal como concebido na modernidade ocidental (homem/mulher, com o homem branco, heterossexual e burguês como norma) – foi imposto e naturalizado pelos projetos colonizadores. Para a autora, o gênero não é uma categoria universal nem pré-existente à colonialidade; ao contrário, ele é um produto direto de sua lógica, que articulou simultaneamente as ideias de raça e gênero para construir um sistema de dominação. Antes da colonização, muitas sociedades operavam com organizações de gênero múltiplas, fluidas ou mesmo não estruturadas segundo a ficção do binarismo sexual, esta última tese facilmente desmontada pela existência de pessoas intersexo. A imposição colonial, no entanto, instaurou uma ordem política, econômica e simbólica que exigia a classificação binária dos corpos e a subordinação das mulheres e dos sujeitos não conformes a esse regime.
É nesse horizonte que a refiguração da Vênus como uma figura negra e trans potencializa seu sentido crítico. Sua presença não apenas desestabiliza o cânone visual herdado do Renascimento, mas também expõe as articulações históricas entre raça e gênero como dimensões co-constitutivas da colonialidade, tal como propõe Maria Lugones. Sua representação opera uma crítica radical à matriz de poder que produziu o apagamento de corpos como o seu e desafia, portanto, não apenas as normas estéticas, mas as próprias categorias pelas quais fomos ensinados a perceber e classificar os corpos. Ironicamente, o “nascimento” de Vênus e suas ligações com a colonialidade – especialmente a forma como concretiza, de certo modo, a construção da diferença a partir desse ideal de beleza, marginalizando os corpos que fogem dessa matriz – é também co-responsável pela morte de mulheres de cor hoje no continente americano. Ou o genocídio colonial ao longo dos séculos. Porque para cada pintura que glorificava o ideal branco como padrão-ouro da beleza ocidental/universal, milhares de corpos dissidentes desse padrão tombaram na África, América, Ásia e Oceania.
Uma expectativa comum dos estudantes em relação à aula de línguas é a de estudar músicas ou ver videoclipes. Práticas comprometidas com a justiça social podem responder a essas expectativas promovendo o encontro dos estudantes com videoclipes como The Body Electric, fomentando discussões que se propõem como práticas indisciplinadas, para tomar emprestada a reflexão de Moita Lopes (2006), e mobilizam saberes des-enclausurados de seus movimentos disciplinares. É possível escutar uma canção e traduzi-la por exemplo, ou responder a um questionário interpretativo, ou ainda preencher lacunas com os verbos ou palavras faltantes. E em todos esses exemplos, ainda que comuns em nossos repertórios tradicionais, é possível mobilizar questionamentos pela intencionalidade ou simples adição de perguntas que promovam reflexões. Perguntar aos estudantes sobre o que veem em cada imagem e de que forma o que veem se relaciona com o que está sendo cantado.
Na imagem abaixo, por exemplo, é possível notar diversas marcas nas pernas de Vênus. Ao serem motivados a descreverem a imagem, os estudantes podem se perguntar o que poderia ter ocasionado tais marcas. Podemos nos valer de conhecimentos de análise do discurso cinematográfico para pensar em perguntas outras também, uma vez que, segundo Ismail Xavier (2005), a partir da decupagem – a divisão de uma obra audiovisual em planos, cenas e sequências – podemos perceber de que forma a obra enuncia. Assim, quando Vênus é apresentada com destaque para suas pernas, com o joelho centralizado em relação ao enquadramento de seu corpo, sabemos que há uma ênfase visual intencional, que convida o espectador a atribuir sentido àquele enquadramento fílmico. Portanto, essa noção pode “sulear” perguntas sobre o porquê dessa ênfase e sobre os significados que ela pode carregar no contexto da obra.
O verso simultâneo à essa sequência é “he shot her down, he put her body in the river”, que é seguido pelo movimento da câmera de baixo para cima – e percebemos que nesse plano as cápsulas do início do clipe estão subindo ao que mais tarde perceberemos como em direção aos braços da mulher que os “acolhe”. O verso que segue diz “but I went to get her”, o movimento reverso pode ser visto nos pontos dourados do frame abaixo:
É curioso notar que, conforme se observa no Quadro 1, tanto o manto quanto o vestido da figura feminina que se veem no canto direito de O Nascimento de Vênus são estampados com flores enquanto na releitura do videoclipe há apenas a cor rosa sólida, com ausência de qualquer adorno. Flores aparecem, no entanto, no vestido com as barras rasgadas da mulher que acolhe os cartuchos vazios. Nesse sentido, os estudantes podem ser motivados a pesquisar o que as flores simbolizavam em diferentes culturas para estabelecer hipóteses sobre o que sua ausência na representação do quadro significa. Podem ser motivados a compartilhar o que sabem sobre flores e o que elas simbolizam para eles, suas comunidades e famílias e serem convidados a articularem isso com a mudança operada no videoclipe.
Seu reposicionamento no vestido rasgado pode também nos motivar a buscar referências forjadas na América Latina pré-colombiana. Glória Anzaldúa, em Borderlands/La Frontera (2012), cita os poetas indígenas que se reuniam em torno do Xochicuahuitl, a “Árvore Florida”, em imagem associada ao poder xamânico da palavra poética. Nesse contexto, as flores são emblemas vivos da criação, da sabedoria ancestral e da fusão indissociável entre arte e espiritualidade. A evocação do conceito nahua in xochitl in cuicatl – traduzido como “flor e canto” – é central para essas cosmovisões, pois representam simultaneamente o conhecimento profundo e a manifestação da verdade por meio da arte. No poema “Letting Go”, Anzaldúa convida o leitor a abrir o corpo – especialmente o umbigo (navel) – para extrair “orquídeas e girassóis”, entre lagartos, sapos e ratos mortos. De certa forma, é o que essa personagem faz ao “aninhar” os projéteis “descarregados”, especialmente quando a canção enuncia “mas eu fui resgatá-la”. A denúncia da violência está em camadas cheias de nuances construídas pelas imagens evocadas no videoclipe, em construções que evocam a morte e vida de diferentes maneiras, que não se esgotam e podem servir de provocações múltiplas em tempos em que ainda precisamos fazer com que mulheres deixem de ser mortas. Mas quem tem matado mulheres incessantemente?
Na mitologia greco-romana, Zéfiro é o deus do vento oeste, responsável por conduzir Vênus até a costa em sua chegada ao mundo dos humanos. Na obra de Hurray for the Riff Raff, entretanto, ele surge com uma expressão séria e os lábios cerrados, sem assoprar. Seu olhar, dirigido à figura feminina, parece carregar um desejo de devoração. É emblemático que, no videoclipe, Zéfiro apareça em posição inferior à de Vênus, contrastando com a composição original em que ele voa envolto por um manto azul, sendo possível notar também a ausência das asas na referência intermidiática.
A figura masculina, quando aparece pela primeira vez no videoclipe, é acompanhada apenas por arranjos instrumentais, sem a presença da voz, enquanto a montagem intercala imagens de balas subindo em sincronia com o ritmo. Não há momento em que Zéfiro apareça sozinho com voz. Ao surgir em plano geral, junto às demais personagens inspiradas na pintura renascentista, ele movimenta a mão direita em direção a Vênus com o indicador em riste e o polegar levantado – gesto que remete visualmente ao de uma arma. Esse mesmo braço, na obra de Botticelli, envolvia a Ninfa pela cintura, enquanto o esquerdo fazia um gesto semelhante ao da releitura, porém invertido. À primeira vista, pode parecer que o caráter ameaçador se encontra apenas na releitura contemporânea; no entanto, a epígrafe de Bocaccio trazida por Marcelino (2014) já revela um traço violento no modelo clássico. O trecho descreve a Ninfa fugindo com tamanha rapidez que parecia voar, tendo erguido as vestes e as prendido à cintura para facilitar a fuga – o que, por consequência, expunha suas pernas e joelhos, partes do corpo que, segundo o autor, despertariam o desejo de qualquer observador. Interpreto essa descrição como evidência da romantização da violência, pois, a fuga por si só já anuncia o não-desejo do encontro. A narrativa masculina, ao erotizar a perseguição e sexualizar o corpo feminino, já torna a figura de Zéfiro, mesmo na tradição clássica, uma presença, para dizer o mínimo, controversa.
A canção contribui para essa leitura ao apresentar, logo no segundo verso, ameaças diretas de um interlocutor masculino: “ele vai atirar em mim, jogar meu corpo no rio2” – imagem que estabelece a água como elemento de tensão. Se, por um lado, Vênus chega à costa pelo mar, marcando um nascimento celebrado, por outro, a figura feminina da canção é ameaçada de ser ocultada no rio após a morte. Na sequência, o verso “ele vai me cobrir com as folhas de setembro, como uma canção velha e triste que você já conhece faz tempo3” (tradução minha) é acompanhado, no videoclipe, pela imagem de pés suspensos – sugerindo um corpo enforcado. O contraste entre esse gesto fúnebre e o ideal de beleza representado por Vênus é intensificado pela oposição simbólica entre flores e folhas: enquanto o nascimento de Vênus é associado à primavera e ao florescer, setembro, no hemisfério norte, marca o início do outono, estação ligada ao declínio, à perda e à morte. Assim, o pano preto que substitui a imagem da Ninfa no videoclipe acentua essa inversão simbólica, e propõe interpretações outras para a obra do século XV.
Esse tensionamento ressignifica a própria imagem renascentista: se a chegada de Vênus à costa representa a construção de um ideal de beleza feminino eurocentrado, também revela os corpos que esse ideal exclui e desumaniza. O videoclipe reforça esse contraste ao destacar fragmentos de corpos femininos – joelhos, pés suspensos, cabeça – enquanto Zéfiro, em todos os enquadramentos, aparece com rosto, torso e mão visíveis. Nota-se ainda que, nas cenas em que a vocalista canta dentro do carro, sua postura ecoa a do deus: sua mão direita, com os dedos posicionados de modo semelhante ao dele, repousa sobre a porta, mas com uma inversão que parece transformar a violência implícita em um gesto de resistência. Em outro momento, ela afirma: “bom, Delia se foi, mas estou acertando as contas” (tradução minha), frase que reitera o enfrentamento dessa violência e sugere uma reconfiguração das performances dos corpos.
As tatuagens que Zéfiro possui no videoclipe também são significativas: em seu peito, há o símbolo da justiça; em sua costela, uma imagem de Maria com Jesus no colo, em uma representação que parece ser bizantina; e entre a balança e a figura de Maria há uma rosa:
No contexto da obra audiovisual, é difícil não pensar em como o sistema judiciário não protege suficientemente mulheres da violência de gênero. Que essa figura que representa o exercício da violência estampe no peito o símbolo da justiça podemos inclusive inferir (quase em déja-vu) que ele é a justiça. Cabe reforçar que à época do assassinato de Delia Green, aos 14 anos, seu assassino, Moses “Cooney” Houston, recebeu quanta clemência se podia ter. Houston, também um adolescente, foi condenado à prisão perpétua, mas cumpriu pouco menos de 13 anos antes de ser liberado sob liberdade condicional, devido ao seu comportamento durante o julgamento, e a argumentos de sua juventude como atenuantes (Smith, 2025). Esse perdão processual e institucional reflete a conivência de um sistema judiciário que demonstra indulgência com agressores, sobretudo em contextos marcados pela desigualdade racial e de gênero.
O discurso religioso mais famoso relacionado às costelas de um homem é a costela de Adão como origem de Eva, reforçando uma narrativa patriarcal que atribui à mulher uma posição secundária e dependente. É exatamente nas costelas de Zéfiro que se vê a imagem de Maria com Jesus, uma iconografia religiosa profundamente enraizada no imaginário cristão ocidental, marcada por uma concepção maternal idealizada, branca e submissa. Essa feminilidade sacralizada funciona como um modelo de pureza e devoção, exaltando a passividade e conformidade feminina em contraste direto com a corporeidade insurgente da nova Vênus. É interessante notar que as tatuagens – ainda que possam ser apenas mero acaso – inscrevem de forma irônica no corpo masculino imagens que sustentam discursos de poder sobre corpos femininos. Nesse jogo, há uma inversão sugestiva: se historicamente o corpo masculino foi aquele que decidiu o destino dos corpos femininos, ali é ele quem aparece marcado por esses signos, carregando na própria pele a materialidade ou a denúncia desses discursos.
A leitura crítica de construções simbólicas enraizadas em nossos imaginários coloniais permite que estudantes reconheçam e problematizem como raça, gênero e classe operam na produção de sentidos. Como afirma Maria Lugones, a colonialidade de gênero não diz respeito apenas à intersecção entre categorias, mas à própria estrutura que as torna possíveis, organizando o mundo por meio de eixos hierárquicos que se reforçam mutuamente. Assim, trabalhar criticamente com essas imagens em sala de aula é um gesto de letramento visual e um ato político de insurgência epistemológica – um modo de combater o fascismo com multiletramentos críticos e nos fazer revisitar construções históricas de masculinidades opressivas que nem sempre tiveram sua ênfase marcada. Enquanto professores, temos a possibilidade de descolonizar nosso olhar sobre a língua e as imagens que estruturam nossa forma de ver e agir sobre o mundo, a partir de práticas que compreendam que os saberes são situados socio historicamente, mas sempre sujeitos a novos tensionamentos. Mobilizamos uma série de saberes ao agir sobre o mundo e quando o mundo age sobre nós: palavras, imagens, discursos nos dizem quem somos, o que podemos fazer e ser e o que acontece conosco, dependendo de como somos vistos na matriz colonial que ainda nos atravessa a todos. A partir dessa percepção, somos chamados a agir para que novos horizontes surjam.
Assim, a releitura de O Nascimento de Vênus no videoclipe não apenas subverte o ideal eurocêntrico de beleza e passividade feminina, mas também propõe uma insurgência estética e política que desafia as estruturas coloniais e patriarcais historicamente naturalizadas. Ao vitalizar essas tensões por meio da intermidialidade e da poética visual, a obra convida seus interlocutores a questionarem e problematizarem as narrativas hegemônicas, abrindo espaço para uma reflexão crítica sobre como as imagens e discursos moldam percepções e práticas sociais. Nesse sentido, o videoclipe torna-se uma valiosa ferramenta pedagógica que, aliada a práticas de letramento visual e discursivo, pode fomentar o despertar para as múltiplas dimensões da colonialidade, da violência de gênero e das possibilidades de insurgência e transformação. Também pode treinar nosso olhar para outros artefatos que podem vir a fazer parte de nossas aulas.
Importa ainda ressaltar que a questão central não é apenas a representação da violência ou a hierarquização tradicional entre gêneros, mas também a agência daqueles que, performando a violência, representam e reproduzem essas estruturas de poder. No videoclipe, essa tensão se inscreve também no corpo de Zéfiro. Esta inscrição irônica evidencia como o videoclipe, por meio da intermidialidade cria um espaço crítico para a desconstrução dessas violentas performances sociais. Assim, além de denunciar a opressão, a obra oferece um campo fecundo para práticas pedagógicas que treinam o olhar e a compreensão crítica, possibilitando a desconstrução de papeis fixos e convidando a refletir sobre o lugar de cada sujeito na matriz colonial, de gênero e racial.
Alguns comentários
The Body Electric apresenta um vocabulário visual e discursivo potente que pode ser explorado acadêmica e pedagogicamente desde níveis básicos até o ensino superior. Com isso em mente, optei por não desenvolver uma sequência didática ou um plano de aula fechado neste artigo, pois as propostas aqui descritas funcionam como caminhos provisórios e possibilidades a serem adaptadas conforme as demandas e os saberes específicos de cada realidade educativa. Considerando que as perguntas que iniciam uma aula ou introduzem um tema são aquelas que podem ser elaboradas por quem conhece seus interlocutores – numa perspectiva freireana que valoriza o diálogo e a experiência dos estudantes –, defendo que a educação linguística crítica não se limita à análise formal da linguagem, mas pode e deve se valer dela, desde que como meio e não como fim, impulsionando reflexões e transformações mais amplas. Minha proposta foi, portanto, dialogar com a prática, buscando ilustrar caminhos possíveis dentre muitos, para que o trabalho ultrapasse a mera discussão teórica.
Pondero que pedagogias decoloniais demandam abertura para que educadores possam construir, junto aos seus estudantes, modos próprios de abordar temas complexos como a violência de gênero, o racismo e a colonialidade – temas nos quais a linguagem configura e materializa realidades. Logo, os comentários que realizei aqui não pretendenderam esgotar a riqueza das imagens e sentidos presentes em The Body Electric, mas apontar vias pedagógicas para uma educação linguística comprometida com a transformação social, especialmente em um mundo no qual, infelizmente, mulheres seguem sendo assassinadas – assim como denuncia a própria canção de Hurray for the Riff Raff. Se a desumanização persiste, um esforço pedagógico reflexivo e crítico torna-se urgente para rastrear e desmontar as construções simbólicas e discursivas que naturalizam essa violência. Espero encontrar interlocutores que coloquem a conversar as reflexões que aqui proponho com seus próprios contextos, repertórios e saberes.
Por fim, este artigo buscou defender o percurso decolonial como caminho para a desnaturalização da violência e dos modos como ela é discursivamente construída, alertando para a necessidade de práticas pedagógicas que, abertas à diversidade e à complexidade sociocultural, fomentem a insurgência epistemológica e a justiça social no campo da educação linguística e das artes visuais. Que possamos treinar olhares sensíveis e críticos para outros artefatos culturais, ampliando horizontes de conhecimento e ação em contextos educativos diversos.
Notas finais
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1
Você disse que vai atirar em mim, jogar meu corpo no rio/Atirar em mim, jogar meu corpo no rio/Enquanto o mundo todo canta, canta como uma canção/O mundo todo canta como se nada estivesse errado/Ele atirou nela, jogou seu corpo no rio/Ele a escondeu, mas eu fui procurá-la/E eu disse: “Minha menina, o que aconteceu com você?”/Eu disse: “Minha menina, temos que acabar com isso” /Oh, e me diz, o que um homem com uma arma na mão/Pode fazer por um mundo que está tão doente e triste? /Me diz, o que um homem com uma arma na mão/Pode fazer por um mundo que ficou tão louco? /Ele vai atirar em mim, jogar meu corpo no rio/Me cobrir com as folhas do outono /Como uma canção velha e triste, você já ouviu isso antes/Bem, Delia se foi, mas estou acertando as contas/Oh, e me diz, o que um homem com uma arma na mão/Pode fazer por um mundo que está morrendo devagar? /Me diz, o que um homem com uma arma na mão/Vai fazer por sua filha quando for a vez dela de ir? (Segarra, 2014, tradução minha).
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2
No original: “He’s gonna shoot me down, put my body in the river”.
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3
No original: “cover me up with the leaves of September”.
DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS
Dados da pesquisa serão disponibilizados mediante solicitação aos autores.
Referências
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Editado por
-
Editores convidados:
Leonardo da Silva, Priscila Fabiane Farias, Graham V. Crookes
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Nov 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
02 Jun 2025 -
Aceito
11 Set 2025




Frame do videoclipe The Body Electric, da banda Hurray for the Riff Raff. Direção: Joshua Shoemaker, 2014. Disponível em:
Frame do videoclipe The Body Electric, da banda Hurray for the Riff Raff. Direção: Joshua Shoemaker, 2014. Disponível em:
Frame do videoclipe The Body Electric, da banda Hurray for the Riff Raff. Direção: Joshua Shoemaker, 2014. Disponível em: