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Do projeto de tradução de Liffey Swim, de Jessica Traynor, para o processo de tradução do poema Sin-Eater

From the Translation Project of Jessica Traynor’s Liffey Swim to the Translation Process of Sin-Eater

Resumo

Liffey Swim é um livro de poemas da autora irlandesa Jessica Traynor (2015) com características peculiares à literatura irlandesa contemporânea, como traços da identidade e cultura irlandesa relacionados a outras culturas. O projeto de tradução de Liffey Swim leva em conta a irlandesidade ao lado das reflexões teóricas e metodológicas de tradução de poesia. O processo de tradução foi composto por etapas de tradução que contemplaram forma e conteúdo. Este artigo apresenta resultados de duas etapas do processo tradutório de um dos poemas da obra, “Sin-eater”, poema que representa um ritual de morte na Irlanda, um dos temas marcantes da literatura irlandesa. A primeira etapa compreende o resultado de uma revisão cultural e linguística, enquanto a segunda etapa teve como enfoque o ritmo e outros aspectos fonéticos, para a reconstrução de imagem e espírito.

Palavras-chave:
Irlandesidade; Poesia; Processo de Tradução

Abstract

Liffey Swim is a book of poems written by the Irish writer Jessica Traynor (2015). It features characteristics of contemporary Irish literature, such as Irish identity and local culture related to other cultures. The Liffey Swim translation project takes into account the question of Irishness alongside theoretical and methodological reflections on translation of poetry through different translation stages with emphasis on form and content. This article presents the two-step results from the translation process of one of the poems, “Sin-eater”. The poem depicts a death ritual in Ireland, one of the defining themes of Irish literature. The first stage comprises the result of a cultural and linguistic revision, while the second one focuses on rhythm and other phonetic aspects to the reconstruction of image and spirit.

Keywords:
Irishness; Poetry; Translation Process

Introdução

Liffey Swim, da irlandesa Jessica TraynorTRAYNOR, J. Lifey Swim. Dublin: Dedalus Press, 2014., é uma obra de 48 poemas em versos livres divididos em três partes que compreendem três rios irlandeses: o Dodder, o Liffey e o Tolka. Trata-se da primeira publicação de Traynor - autora, dramaturga e professora irlandesa -, publicada em 2014, pela editora irlandesa Dedalus Press. Os poemas apresentam traços culturais irlandeses, abordando questões históricas, retratos de família, vivências e ideologias pessoais da autora. Além disso, existem referências a outras culturas, como a grega, a chinesa e a islandesa, mas todas sempre ligadas, de um modo ou de outro, à Irlanda. Sua linguagem dialoga com a sociedade contemporânea, valendo-lhe a nomeação para Shine/Strong Award de 2015. Alguns de seus poemas já foram traduzidos para o tcheco, húngaro, italiano, português, polonês e espanhol. Porém, a primeira tradução completa de Liffey Swim será para o português.

O projeto para a tradução dessa obra surgiu a partir do grupo de pesquisa Cityscapes in Contemporary Irish Literatures and Films: Local Histories, Global Conflict do Departamento de Letras Germânicas do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia. Esse grupo de pesquisa tem como enfoque a cidade e o indivíduo da Irlanda contemporânea. A tradução de Liffey Swim é parte do leque de pesquisas voltado para a questão local. Para este projeto de tradução, os pesquisadores organizaram-se em diferentes grupos, com tarefas especiais, que eram levadas às reuniões, discutidas e ajustadas.

No projeto, foram estabelecidos alguns critérios de tradução e revisão que pudessem nortear as decisões tradutórias dos pesquisadores. Dentre eles, procuramos usar um vocabulário que pudesse espelhar o texto fonte na questão identitária, ou seja, preservação da identidade nacional, ou da irlandesidade. Também houve a preocupação de preservar o “estrangeiro” (BERMAN, 2007BERMAN, A. A tradução e a letra ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan, Andreia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.; VENUTI, 2002VENUTI, L. Escândalos da tradução: por uma ética da diferença. Tradução de Laureano Pelegrin, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias Esqueda, Valéria Biondo. Bauru: EDUSC, 2002.) no texto em português, além de levar em conta as especificidades da tradução do texto poético. Considerou-se a tradução como um ato de recriação (BLY, 1986) utilizado como aparato metodológico para o processo de tradução.

Durante o processo, manter inicialmente aspectos semânticos para depois os aspectos fonéticos dos poemas foi o primeiro passo. Assim, foi elaborado um projeto de tradução em que critérios de prioridade foram traçados como guias, sem perder de vista a homogeneidade dos poemas.

Nas próximas seções, apresentamos o suporte teórico junto aos critérios de tradução estabelecidos e a metodologia utilizada. Por fim, selecionamos um poema da obra cujo título é “Sin-eater”, para mostrar alguns resultados do processo tradutório e as discussões. Tais resultados evidenciam os vários conflitos e buscas por soluções tradutórias, de acordo com as prioridades pré-estabelecidas no projeto de tradução. Esse poema, assim como tantos outros da obra, mostram questões da subjetividade e irlandesidade de Traynor.

Irlandesidade

Objetivando desenvolver uma análise profunda e ter embasamento para as decisões tradutórias dos poemas de Traynor, fez-se necessário ter uma percepção acerca de traços relativos à identidade irlandesa, ou irlandesidade. Apoiado em Benedict Anderson (2006), sabe-se que questões identitárias estão comumente associadas à ideia de nação. O conceito de nação é relacionado a uma comunidade política imaginada permeada de sentimentos inventados que ligam os sujeitos em uma “camaradagem horizontal”. Dentro desse enquadre, diferenças são diluídas em nome de uma união que muitas vezes está associada a ideologias puristas, ou atribuem à nacionalidade um caráter divino. Assim, o conceito é utilizado para classificar pessoas em um panorama mundial, sendo um traço praticamente obrigatório na sociedade contemporânea. Apesar da percepção da identidade nacional como inerente a qualquer um, a nação como organização social é um construto relativamente recente. Preocupar-se com esse traço identitário tornou-se relevante na tradução da obra de Traynor, para não nos distanciarmos da sua intrínseca realidade.

Eric Hobsbawm (1996) postula que comunidades foram unificadas em estados nacionais por questões políticas. Esse tipo de organização pertence a um momento histórico relativamente recente, se observarmos a constituição dos estados nacionais no continente europeu. A nacionalidade como característica inata e obrigatória a todo ser humano está ligada a interesses de lideranças que agrupam os sujeitos em laços imaginários. Hobsbawm ainda afirma que o mito da nação não é estático, sendo modificável por acontecimentos políticos e históricos, o que torna incoerente pensar na identidade nacional como originária ou imitável. Destaca-se o relevante papel ativo dos membros da comunidade nesse contínuo processo de transformação. O ser humano é ativo e responsável pelas contínuas modificações na comunidade, podendo ser visto como o escultor de uma maleável estrutura cultural:

[... ] independentemente da desigualdade e da exploração efetivas que possam existir dentro dela, a nação sempre é concebida como uma profunda camaradagem horizontal. No fundo, foi essa fraternidade que tornou possível, nestes dois últimos séculos, tantos milhões de pessoas tenham-se disposto não tanto a matar, mas sobretudo morrer por essas criações imaginárias limitadas. (ANDERSON, 2008ANDERSON, B. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008., p. 34)

Atualmente, a cultura nacional pode ser observada em uma perspectiva sócio-antropológica através de traços de homogeneidade cultural entre representantes de uma mesma nação. Porém, faz-se necessário destacar que esse conceito aparece somente após o século XX no imaginário dos indivíduos. Mesmo em pequenas comunidades, é possível que seus membros não se conheçam entre si, mas em suas mentes existe a imagem de sua comunhão. Trata-se de um acordo implícito, até mesmo forçoso, no qual esses sujeitos vinculam-se por compartilhar traços étnicos, culturais e, muitas vezes, linguísticos pelo fato de pertencerem ao mesmo território (HOBSBAWN, 1996HOBSBAWN, E. Language, culture, and national identity. Social research. Baltimore, v. 63, n. 4, p. 1065-1080, 1996.).

Porém, é importante destacar que esses indivíduos possuem características, personalidades e comportamentos distintos. Segundo Kathryn Woodward (1997WOODWARD, K. Identity and Diference. Londres: SAGE Publications/The Open University, 1997.), tais diferenças não comprometem a ideia de comunidade imaginada. A autora afirma que os indivíduos tendem a minimizar suas diferenças por uma maior homogeneidade na comunidade. Assim, observam-se sujeitos entrelaçados pela ideia de nação e que diluem suas diferenças objetivando alcançar objetivos comuns. Tais questões são perceptíveis nos poemas de Traynor, cuja forte presença da irlandesidade está simultaneamente entrelaçada com sua individualidade.

Levando em consideração questões culturais dos poemas traduzidos, torna-se relevante caracterizar a identidade nacional irlandesa. A busca por um entendimento da irlandesidade, mesmo que em parte, está ligada ao fato de que a compreensão do contexto cultural auxiliará na tomada de decisões no processo tradutório.

Para explicitar traços identitários da Irlanda, faz-se necessário destacar alguns episódios de sua história que provocam reações coletivas refletidas diretamente na literatura irlandesa. Segundo Jane Ohlmeyer (2016OHLMEYER, J. 1916: Contextos e Consequências. Tradução de Alzira L. V. Allegro. In: MUTRAN, M. H.; IZARRA, L. P. Z. (Org.). Lectures: 2016. 1ed. São Paulo: Humanitas, 2016, p. 69-90.), a Irlanda é a mais antiga colônia do Império Britânico. Os anglo-normandos assumiram seu controle ao fim do século XII. Em 1530, a partir do início da reforma protestante na Inglaterra, as diferenças entre as duas nações se alargaram. Mesmo com a presença de colonos britânicos protestantes, a maior parte da população da Irlanda era católica. Tal conjuntura levou a coroa inglesa a desenvolver medidas para subjugar completamente os irlandeses:

No final do século XVI e início do século XVII, a coroa inglesa também embarcou em uma série de iniciativas que buscavam “civilizar” e “anglicizar” a Irlanda. Um elemento central disso foi o amplo uso de leis inglesas, a promoção da língua, da cultura, da arquitetura da religião (protestantismo) e das práticas agriculturais inglesas estabelecidas. (OHLMEYER, 2016OHLMEYER, J. 1916: Contextos e Consequências. Tradução de Alzira L. V. Allegro. In: MUTRAN, M. H.; IZARRA, L. P. Z. (Org.). Lectures: 2016. 1ed. São Paulo: Humanitas, 2016, p. 69-90., p. 72)

O intuito dos ingleses foi tomar o controle dos territórios irlandeses através de uma progressiva obliteração da cultura local. Contudo, a população não estava disposta a ceder, o que gerou uma série de conflitos em oposição ao domínio britânico. Dentre tais embates, Ohlmeyer (2016OHLMEYER, J. 1916: Contextos e Consequências. Tradução de Alzira L. V. Allegro. In: MUTRAN, M. H.; IZARRA, L. P. Z. (Org.). Lectures: 2016. 1ed. São Paulo: Humanitas, 2016, p. 69-90.) destaca e desenvolve uma discussão acerca da Revolta de 1916. O conflito começou em uma segunda-feira de Páscoa, no dia 24 de abril de 1916. Ohlmeyer afirma que revolucionários irlandeses invadiram o centro e locais estratégicos em Dublin, e proclamaram uma República Irlandesa livre. O responsável pelo discurso de independência foi Patrick Pearse, decretando assim o direito do povo irlandês a sua soberania. Contudo, a resposta do Império Britânico foi tempestiva, resultando na morte de 440 pessoas, incluindo 250 civis:

No dia 30 de abril, para evitar mais mortes, Pearse declarou rendição incondicional. A rebelião foi um fracasso militar e a reação inicial dos meios de comunicação foi de total condenação. Tudo isso iria mudar rapidamente, quando o governo submeteu a julgamento perante a corte marcial e executou quinze dos principais líderes do levante, apesar de crescentes protestos na Irlanda, Grã-Bretanha e América. (OHLMEYER, 2016OHLMEYER, J. 1916: Contextos e Consequências. Tradução de Alzira L. V. Allegro. In: MUTRAN, M. H.; IZARRA, L. P. Z. (Org.). Lectures: 2016. 1ed. São Paulo: Humanitas, 2016, p. 69-90., p. 70)

Apesar da rebelião ter favorecido significativamente uma modificação ideológica local, a Irlanda só consegue tornar-se uma República em 1948 - mais de trinta anos depois. Para Alexandre Sampaio (2008SAMPAIO, A. O olhar pós-colonial na construção de uma identidade irlandesa: um estudo da peça Translations, de Brian Friel. 2008. 249 f. Dissertação. (Mestrado em Letras) Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto. Disponível em: [Disponível em: [https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/99117/sampaio_a_me_sjrp.pdf?sequence=1&isAllowed=y ]. Acesso em: 21 jul. 2018.
https://repositorio.unesp.br/bitstream/h...
), a Revolução de 1916 foi influenciada principalmente pelo renascimento literário. O conflito atingiu grande fervor em nome da ideia de uma Irlanda livre, católica e gaélica; ou seja, foi uma revolução impulsionada por intensas ideologias nacionalistas e culturais. Além disso, no mesmo período, houve um resgate dos grandes heróis, mitos e sagas, que passaram a fazer parte das novas expressões literárias dos escritores anglo-irlandeses. Tal forma de nacionalismo, ao qual Sampaio (2008) chama de “nacionalismo cultural”, pode ser compreendido a partir da ideia de um saudosismo ao passado:

[... ] convicção segundo a qual a essência e espiritualidade de um povo são tidas como subsistentes em sua cultura, a ela conectadas pela Antigüidade e pré-história. Esse nacionalismo cultural serviu como adjunto para uma luta direcionada em grande parte aos interesses de um nacionalismo político, cujo objetivo era apenas a independência legislativa. A relação entre as duas forças funcionou nessa ordem: o nacionalismo cultural ofereceu um fundamento lógico segundo o qual a luta política pela independência poderia ser levada a cabo com um sentido de justificativa. (SAMPAIO, 2008SAMPAIO, A. O olhar pós-colonial na construção de uma identidade irlandesa: um estudo da peça Translations, de Brian Friel. 2008. 249 f. Dissertação. (Mestrado em Letras) Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto. Disponível em: [Disponível em: [https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/99117/sampaio_a_me_sjrp.pdf?sequence=1&isAllowed=y ]. Acesso em: 21 jul. 2018.
https://repositorio.unesp.br/bitstream/h...
, p.38)

Portanto, percebe-se que o nacionalismo cultural irlandês não apenas embasou lutas políticas, mas também forneceu impulso para o desenvolvimento da literatura local. Hugo HamiltonHAMILTON, H. The speckled people. Londres: A&C Black, 2003., em seu romance memorial Speckled People (2004), narra episódios de sua infância no período pós-independência. O autor descreve atitudes de irlandeses, inclusive seu próprio pai, que demonstram aversão a outras culturas. Outro autor contemporâneo, Roddy DoyleDOYLE, R. Uma estrela chamada Henry. Tradução de Lidia Luther. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. faz uso dos eventos da Rebelião de 1916 para ambientar seu romance Uma estrela chamada Henry (2001). Trata-se da história do jovem soldado Henry, que luta pela independência da Irlanda ao lado de personagens históricos como o já mencionado Patrick Pearse. Com isso, é possível observar que autores irlandeses contemporâneos tendem a evocar temáticas e cenários históricos em suas obras, contribuindo para o nacionalismo cultural nos dias atuais.

Além do sentimento nacionalista historicamente justificado, damos destaque ao sentimento da morte refletido na literatura irlandesa. A literatura irlandesa do século XIX é marcada por encontros com a morte, o que pode ser um reflexo do histórico local de lutas sangrentas por questões políticas, religiosas e sociais. Bridget English (2018ENGLISH, B. What Irish novels can teach us about death. The Irish Times. 2 de fevereiro de 2018. <https://www.irishtimes.com/culture/books/what-irishnovels-can-teach-us-about-death-1.3376957> (Último acesso em 28/10/2018).
https://www.irishtimes.com/culture/books...
) observa esse enfoque na morte através de uma perspectiva histórica:

A Grande Fome, que resultou em morte e emigração de milhões de irlandeses, é um dos exemplos mais claros. A incapacidade das vítimas enfraquecidas pela Fome de enterrar ou cuidar de seus mortos impactou, sem dúvida, nos conceitos sobre a morte, especialmente para o leito de morte e as ansiedades crescentes para um enterro inapropriado. (ENGLISH, 2018ENGLISH, B. What Irish novels can teach us about death. The Irish Times. 2 de fevereiro de 2018. <https://www.irishtimes.com/culture/books/what-irishnovels-can-teach-us-about-death-1.3376957> (Último acesso em 28/10/2018).
https://www.irishtimes.com/culture/books...
, s.p., tradução nossa)1 1 The Great Famine, which resulted in the death and emigration of millions, is the starkest example. The inability of the weakened Famine victims to bury or attend to their dead undoubtedly impacted conceptions of death and dying, particularly in terms of the living dead, the undead, and increasing anxieties surrounding improper burial

Segundo English, este episódio deixou um legado cultural que ainda afeta a sociedade irlandesa, marcada pelos velórios. Mesmo os imigrantes na América do Norte não se distanciaram dessa característica social como forma de negociar morte com a partida. Rituais a respeito da morte, comuns na sociedade e refletidos na literatura, marcam, portanto, ainda a cultura dos indivíduos da Irlanda contemporânea.

A obra de Jessica Traynor não é diferente. Nessa obra, percebe-se como a poeta compartilha episódios históricos e elementos da cultura contemporânea da Irlanda relacionados aos valores impregnados em seus poemas, como questões de nacionalismo e rituais de morte, conforme elucidado acima. Muitos escritores irlandeses contemporâneos, tal como a referida autora, analisam eventos históricos e a sociedade de maneira crítica. O poema que mostramos ao final deste artigo representa um ritual de morte que Traynor parece querer eternizá-lo na literatura ao mesmo tempo em que o critica.

3 A irlandesidade no português brasileiro

A tradução da obra de Traynor faz parte de um projeto cujo objetivo é promover mais acessibilidade a obras literárias irlandesas contemporâneas para que leitores brasileiros conheçam parte da grande estrutura da construção cultural identificada como irlandesidade. Deste modo, entendemos que a presença da identidade irlandesa seja fundamental para a referida tradução. Por isso, seguimos o pensamento de Antoine Berman (2007BERMAN, A. A tradução e a letra ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan, Andreia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.) quando defende o estranhamento da tradução de uma obra estrangeira para a língua-alvo como uma forma de “intercâmbio cultural”. Ele critica traduções etnocêntricas que tendem a apagar marcas culturais do texto estrangeiro ao serem mascaradas por marcas da cultura da língua-alvo.

Lawrence Venuti (2002VENUTI, L. Escândalos da tradução: por uma ética da diferença. Tradução de Laureano Pelegrin, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias Esqueda, Valéria Biondo. Bauru: EDUSC, 2002.), por sua vez, também critica traduções etnocêntricas, preferindo o termo “domesticadoras”, especialmente aquelas produzidas nos Estados Unidos, levando em consideração o apagamento de uma cultura “minoritária”, devido a uma forte relação de poderes do mercado editorial. Ao contrário da vertente domesticante, nosso propósito é manter viva a irlandesidade disseminada por Traynor em seus poemas.

Defender a estrangeirização, no entanto, também tem seu lado utópico. Venuti (2002VENUTI, L. Escândalos da tradução: por uma ética da diferença. Tradução de Laureano Pelegrin, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias Esqueda, Valéria Biondo. Bauru: EDUSC, 2002.), apesar de seu posicionamento em relação à tradução de textos literários ser bastante clara, reconhece que a estrangeirização só pode ser registrada por meio de outra língua, possivelmente em outro tempo e em outro país. Ainda assim, a domesticação se faz presente em algum nível, justamente porque uma língua, para ser textualmente compreensível, precisa se adaptar a algumas condições culturais:

Uma tradução sempre comunica uma interpretação, um texto estrangeiro que é parcial e alterado, suplementado com características peculiares à língua de chegada, não mais inescrutavelmente estrangeiro, mas tornado compreensível num estilo claramente doméstico. As traduções, em outras palavras, inevitavelmente realizam um trabalho de domesticação. (VENUTI, 2002VENUTI, L. Escândalos da tradução: por uma ética da diferença. Tradução de Laureano Pelegrin, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias Esqueda, Valéria Biondo. Bauru: EDUSC, 2002., p. 17)

Deste modo, Venuti, assim como Berman, defende uma tradução estrangeirizante, mas ciente de uma inevitável domesticação e afirma que as traduções mais responsáveis são aquelas que recriam valores culturais estrangeiros através de palavras e construções domésticas, ou seja, da língua fonte.

Portanto, com o propósito de uma tradução estrangeirizante, ainda que exista uma força domesticadora em toda a tradução, o objetivo prioritário da tradução de Liffey Swim é levar a poesia de Traynor, em sua individualidade e irlandesidade, ao leitor brasileiro através do português brasileiro.

Tradução de poesia

Considerando que o presente projeto é voltado à tradução de poemas, o foco na irlandesidade que procuramos trazer ao leitor brasileiro não se encaixa somente em nível semântico. Vale lembrar aqui Walter Benjamin (2001BENJAMIN, W. A tarefa-renúncia do tradutor (edição bilíngue) - Os clássicos da teoria da tradução. HEIDERMANN, Werner (Ed.). Clássicos da teoria da tradução: Antología bilíngüe Alemão-português. Universidade Federal de Santa Catarina, Núcleo de tradução, 2001.), quando aborda a tradução de poesia como um gênero literário que pouco comunica. Para Benjamin, a função comunicativa de um texto poético parece ser, de todas as suas funções textuais, a menos essencial. Benjamin pondera se essa talvez seja uma das grandes dificuldades dos tradutores de textos poéticos, pois costumam colocar seus esforços em comunicar aquilo que não comunica.

Seja como for, Benjamin defende que as línguas, de um modo ou de outro, convergem, ainda que não seja linguisticamente, mas em analogias, signos e outras possíveis referências. A principal diferença é que o autor do texto original, em seu processo de criação, apresenta uma intenção “ingênua, primeira, intuitiva”, enquanto o tradutor apresenta uma intenção “derivada, última, ideativa” (BENJAMIN, 2001BENJAMIN, W. A tarefa-renúncia do tradutor (edição bilíngue) - Os clássicos da teoria da tradução. HEIDERMANN, Werner (Ed.). Clássicos da teoria da tradução: Antología bilíngüe Alemão-português. Universidade Federal de Santa Catarina, Núcleo de tradução, 2001., p. 203 e 205). Ou seja, um texto que nasce intuitivamente da língua fonte passa pelo processo constante de tomadas de decisões conscientes para a tradução. A irlandesidade intrínseca de Jessica Traynor, portanto, passa a ser consciente e premeditada na sua tradução.

Ademais, além do nível semântico, poesia apresenta forma e ritmo que também devem ser levados em consideração durante o processo tradutório. Segundo G.G. Flores (2016FLORES, G. G. Da tradução em sua crítica: Haroldo de Campos e Henri Meschonnic. CIRCULADÔ - Revista de Estética e Literatura do Centro de Referência Haroldo de Campos. São Paulo, v. 1, n. 5, p. 9-26, 2016.), Haroldo de Campos discute tais questões, criticando os tradicionais discursos ocidentais acerca da intraduzibilidade da poesia e da poesia como recriação:

Não é à toa, afinal, que comumente vemos afirmações sobre a intraduzibilidade da poesia, já que é sobretudo nela que vemos um alto grau de trabalho formal que não pode ser inteiramente repetido na cadeia fônica de outra língua. (FLORES, 2016FLORES, G. G. Da tradução em sua crítica: Haroldo de Campos e Henri Meschonnic. CIRCULADÔ - Revista de Estética e Literatura do Centro de Referência Haroldo de Campos. São Paulo, v. 1, n. 5, p. 9-26, 2016., p. 10)

Campos sugere que se percebermos o processo de tradução de uma obra poética através do tradicional pensamento ocidental da tradução como um processo de perda - pensamento construído sobretudo através da observação de traduções das escrituras sagradas -, podemos já, antes mesmo de iniciá-lo, condená-lo ao fracasso, pois o texto traduzido é inevitavelmente diferente do original. Por esta razão, Campos preferiu encarar a tradução como um processo de transcriação, evitando a lógica tradicional vinculada ao “leva-e-traz” do texto original ao leitor. Assim, saindo da visão tradicionalista do texto original, da semântica e da intraduzibilidade da cadeia fônica, Campos preferiu considerar sua própria tradução levando em conta o “espírito” ou “clima” do poema (FLORES, 2016FLORES, G. G. Da tradução em sua crítica: Haroldo de Campos e Henri Meschonnic. CIRCULADÔ - Revista de Estética e Literatura do Centro de Referência Haroldo de Campos. São Paulo, v. 1, n. 5, p. 9-26, 2016., p. 13).

Em termos de metodologia, Robert Bly (1982BLY, R. The eight stages of translation. The Kenyon Review, Gambier, v. 4, n. 2, p. 68-89, 1982.) observa o processo de tradução como um processo de recriação. Através da tradução de um soneto de Rilke do alemão para o inglês, Bly propõe uma metodologia dividida em oito estágios em que tenta, na medida do possível, levar em conta questões do espírito, clima, ou tone, como chama em inglês. Resumidamente, os oito estágios observados como processo metodológico de tradução do poema são:

  1. a tradução literal como um primeiro esboço;

  2. o trabalho minucioso de conteúdo, tais como referências culturais, contexto sócio-histórico, linguístico, etc.;

  3. a verificação da língua-alvo, na sua essência normativa;

  4. a verificação da língua-alvo, na sua essência oral e contemporânea;

  5. o tom do poema, de acordo com o tom do texto-fonte;

  6. o som do poema e seu ritmo quando recitado;

  7. a revisão de um profissional nativo da língua-fonte proficiente na língua-alvo; e

  8. os ajustes finais.

Bly sugere que através destes oito estágios, a tradução de seu poema consegue se aproximar da totalidade do original, em forma, conteúdo, tom, ritmo e som. Ainda assim, Bly permanece sempre ciente que a partir do processo de recriação surge uma nova poesia, pois encontra-se em outra língua e dentro de um contexto aceitável desta língua.

Portanto, consideramos as características filosóficas e metodológicas de tradução supracitadas para elaborar um projeto de tradução dos poemas de Jessica Traynor. Traduzir poesia é um ato de transcriação ou recriação, que toma como importante a estética em toda sua dimensão acima de uma proposta comunicativa.

O projeto de tradução

Considerando questões que envolvem irlandesidade dentro do gênero poesia e outras características que observamos nos poemas de Traynor, como a contemporaneidade e a individualidade da poeta, elaboramos um projeto de tradução que passa pelas mãos de diversos tradutores/pesquisadores do grupo de pesquisa em revisões coletivas. Ao todo, foram oito tradutores/pesquisadores: a professora líder do projeto Noélia Borges de Araújo em colaboração com a professora Monique Pfau e os pesquisadores Sanio Santos, Daniela Pereira, Ione Souza, Rosilaine Costa, Lara Rebeca da Mata, Manoel Carlos Alves e Fernando Biagini Junior.

O grupo se reuniu semanalmente para discutir as traduções dos poemas, revisando-as e chegando a conclusões coletivamente. Para tal empreendimento, o grupo precisou entrar em sintonia a respeito dos caminhos trilhados para chegar a um consenso sobre o processo de tradução dos poemas em português. Após algumas discussões, elencamos prioridades do projeto de tradução para guiar nossas decisões tradutórias, conforme elucidado abaixo.

Primeiramente, seguindo alguns passos básicos para a elaboração do projeto de tradução, baseamo-nos em alguns fatores extra e intratextuais elencados por Christiane Nord (2018NORD, C. Análise textual em tradução: bases teóricas, métodos e aplicação didática. Tradução de Christiane Nord, Hutan do Céu Almeida, Juliana de Abreu, Meta Elisabeth Zipser, Michelle de Abreu Aio, Silvana Ayub Polchlopek. São Paulo: Rafael Copetti Editor, 2018.). Dentre os fatores extratextuais, levamos especialmente em conta o receptor, ou público-alvo, a intenção, o propósito da tradução e a função do texto. Dentre os fatores intratextuais, damos destaque a estruturação, o léxico e o efeito do texto. Passemos a estas características:

  1. Receptor: o livro traduzido deve ser enviado para bibliotecas de universidades brasileiras, objetivando oferecer material de estudo para estudantes dos cursos de Letras/Língua Estrangeira. A publicação será realizada com o texto original, ou seja, texto-fonte e texto-alvo lado a lado, uma estratégia pensada para que estudantes tenham a chance de relacionar e refletir sobre o processo de tradução, sobre a língua inglesa, em sua forma e uso.

  2. Intenção: contribuir para a maior diversidade dos estudos literários no contexto acadêmico brasileiro. A literatura irlandesa não é frequentemente pesquisada e publicada no país, sobretudo na Bahia. A publicação de Liffey Swim poderá ampliar o espaço de diálogo entre as culturas irlandesa e brasileira. Além disso, essa publicação oferece maior oportunidade de espaço para uma autora irlandesa contemporânea, além de favorecer a atualização do panorama de obras irlandesas traduzidas para o português brasileiro.

  3. Propósito: de acordo com nossos estudos sobre irlandesidade e questões específicas que permeiam o gênero poesia e sua tradução, a prioridade é apresentar a irlandesidade de Traynor através de seus poemas traduzidos, considerando a estética dos poemas agregada à preservação de referências culturais.

  4. Função do texto: a principal função do texto é a função poética ou estética, que, conforme Roman Jakobson (1960), é aquela que traz o sentimento na mensagem através de sua estrutura, tom, ritmo e sonoridade. A função expressiva, centrada na opinião do autor (neste caso, do “eu lírico), e a função fática, como um canal ou fator de contato, também aparecem como secundárias.

  5. Estruturação: publicação bilíngue de poemas, para cumprir com o propósito para o público-alvo. Por esta razão e também para manter o propósito estrangeirizante, mantemos a forma, na medida do possível, conforme o original. A extensão dos versos aparece como desafio que algumas vezes precisa ser sacrificado devido às disparidades entre o inglês e o português. No entanto, como são versos livres, a métrica, ainda que relevante, acaba ganhando pouco espaço nos confrontos de prioridades entre a semântica e a fonética. Ainda assim, trabalhamos com o ritmo, procurando semelhanças ou compensações. Já o número de estrofes e versos é mantido, assim como a pontuação, ainda que possa ferir a gramática normativa e causar alguns estranhamentos.

  6. Léxico: seguindo a linguagem contemporânea de Traynor, ou seja, em versos livres, também utilizamos o português brasileiro contemporâneo dentro da língua normativa; porém, no caso de gírias, figuras de linguagem e marcas de oralidade no texto-fonte, procuramos utilizá-las nos poemas em português, na medida do possível - pois nem sempre há correspondentes diretos. Os poemas são permeados de aliterações, consonâncias e assonâncias, assim como rimas internas e fracas. Para isso, tentamos compensar, na medida do possível, estas características ainda que nem sempre com as mesmas figuras de linguagem. Por exemplo, uma rima interna pode ter sido compensada por aliterações.

  7. Efeito do texto: de acordo com o propósito e a função textual seguindo alguns aspectos mais estruturais do texto, o leitor brasileiro deve reconstruir uma imagem parcial da irlandesidade através da perspectiva de uma poeta irlandesa. O leitor deve vir a conhecer algumas particularidades culturais, mas, acima de tudo, perceber alguns sentimentos representados nos poemas, tais como melancolia, revolta, terror e amor.

Levando em consideração os aspectos mencionados acima, criamos critérios para seguirmos uma linha consistente de tradução do primeiro ao último poema, pois cada tradutor/pesquisador apresenta seus valores e estilos individuais. Por isso, os critérios estabelecidos junto a longas análises, discussões e revisões coletivas, buscam um estilo homogêneo com prioridades pré-estabelecidas.

O processo

Seguindo os passos metodológicos sugeridos por Bly (1982BLY, R. The eight stages of translation. The Kenyon Review, Gambier, v. 4, n. 2, p. 68-89, 1982.), tentamos realizar as etapas de tradução, conforme o contexto da nossa realidade.

Primeiramente, assim como na primeira etapa sugerida por Bly, os poemas foram divididos entre os pesquisadores para uma primeira tradução, ou seja, uma tradução mais literal. Terminada esta etapa, o grupo passou a se reunir semanalmente para analisar os poemas, um a um, na busca pelos ajustes de conteúdo, buscando referências culturais e a língua normativa. Essa etapa, que pode ser comparada às etapas dois e três sugeridas por Bly, foi um longo processo de pesquisa coletiva para investigar as entranhas dos poemas, principalmente no que tange aos aspectos sócio-históricos e culturais da Irlanda.

Terminada a primeira revisão, partimos para a segunda revisão completa da obra, mas desta vez com foco na oralidade, tom e ritmo dos poemas. Para isso, novamente dividimos os poemas entre os pesquisadores/tradutores, desta vez encarregados de recitá-los, tanto os textos fonte como alvo, para observar a oralidade, o tom e o ritmo dos poemas. Com isso, os pesquisadores/tradutores foram encarregados de projetar um mapa fonético para os dois textos, sugerindo novas edições. Assim que terminavam, esses mapeamentos eram levados novamente a reuniões coletivas para o olhar de todos. Os mapeamentos foram então discutidos, as edições foram aceitas ou recusadas ou ainda surgiram novas.

Durante a primeira revisão do processo, reunimo-nos, eventualmente, com Jessica Traynor por audioconferência para elucidar as muitas dúvidas que surgiam ao longo do processo tradutório. As reuniões aconteceram no intuito de nos familiarizarmos com particularidades culturais e individuais da poeta. Essas reuniões também serviram para conhecermos não apenas a narrativa por trás de cada poema, mas também muitas discussões semânticas e morfossintáticas presentes nos seus versos. Ao concluirmos a segunda revisão, solicitamos ao Dr. Luciano Lima, professor de literatura do Departamento de Letras Germânicas do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, com vasta experiência em ensino de poesia da língua inglesa e tradução de textos poéticos. Estes dois passos, as conversas com a poeta da obra e a revisão do professor Lima, correspondem ao sétimo passo sugerido por Bly. De fato, Bly sugere que a revisão seja realizada por um falante nativo da língua-fonte proficiente na língua alvo, mas tivemos que adaptar este passo para nossa realidade. Por isso, tivemos a ajuda da poeta em si para melhor compreensão dos poemas e a proficiência poética e linguística do inglês e português de um profissional da área.

Após a revisão do professor Luciano Lima, trabalhamos nos ajustes finais de todos os poemas, conforme a oitava etapa sugerida por Bly.

A tradução do poema “Sin-eater”

Nesta seção, apresentamos o resultado de duas etapas importantes de revisão da tradução através do poema Sin-eater. A escolha deste poema como exemplificação do processo de tradução da obra “Liffey Swim” se deu por dois motivos principais. O primeiro porque é um poema com características de irlandesidade visíveis, quando representa o momento da morte, tão presente na literatura irlandesa, conforme elucidado anteriormente. O segundo motivo é que, ao compararmos o resultado da primeira revisão com o da segunda, é perceptível como diversas questões relacionadas à cultura e língua, prioritárias na primeira revisão, contrastam com a estética da oralidade, fonética e ritmo, prioritários da segunda.

Apresentamos o poema original em inglês e alguns comentários gerais sobre esse poema em particular. Logo, apresentamos a primeira revisão coletiva da tradução do poema - após as etapas de tradução literal e de revisão cultural e linguística, juntamente às observações sobre as decisões tomadas. Finalmente, apresentamos o resultado da revisão da tradução do poema após a revisão da oralidade, tom e som, também seguido de comentários.

Nosso objetivo nesta seção é mostrar dois grandes momentos de tomadas de decisão até o resultado final. Algumas escolhas sacrificam alguns critérios estabelecidos no projeto de tradução, para favorecer outro critério mais prioritário em diferentes contextos. Como a irlandesidade, o ritmo, a oralidade e a forma combinados no texto-fonte às vezes se chocam no texto-alvo, foi preciso eleger prioridades.

O poema que apresentamos a seguir foi escrito em versos livres, com onze estrofes de dois versos cada. Apesar de não termos priorizado a métrica, alguns aspectos são perceptíveis, como, por exemplo, três acentos primários em cada um dos quatro primeiros versos e um ritmo iâmbico2 2 Versos formados por uma sílaba átona e uma sílaba tônica. em vários outros versos ao longo do poema. Nossas decisões, no entanto, levam em consideração outros aspectos formais como aliterações e rimas, conforme elucidamos após apresentar a segunda revisão da tradução.

O poema representa um ritual que ocorre em localidades da Irlanda e Grã-Bretanha. Este ritual, uma espécie de extrema-unção, acontece quando, por algum motivo, o padre não pode comparecer para a última confissão e expurgação de pecados daquele que está em seu leito de morte. Assim, um outro membro da comunidade precisa assumir esse momento. O título do poema, “Sin-eater”, representa uma pessoa “contratada” para devorar os pecados do moribundo. Em casos como este, uma refeição é oferecida para que essa pessoa possa “comer” os pecados sem que seja afetada pelos pecados. Jessica Traynor, ao expor a ideia geral do poema para os membros do grupo, lembra-se de ter vivenciado tal experiência com a morte de seu avô.

Sin-Eater 1 He blows on his hands to warm them; it looks like some ritual, some totem. Between us, nothing but certainty — the death-sound in the old woman’s throat — 5 and uncertainty — the priest’s whereabouts. Our whispers summon only a flutter in her eyelids. Someone mentioned the man down the road who lives alone, who gives some kind of absolution, 9 so here we find ourselves with this stout man in a muddied fleece, who breathes on his hands and places them on the woman’s shoulders. Tears come first, spilling from her eyes; 13 those milky shallows that have mirrored us all evening clear for a moment as he bows his face to hers. He doesn’t look at her tears, allows her gaze to travel to the ceiling above her bed. Only we invade her privacy. 17 He says nothing. Not one prayer or word of comfort. We give him a fifty, and wonder. Some begin to mutter; one man asks what he did. He tells us that at that late stage she had no voice left, 21 so he took her sins upon himself, allowing her to pity him for all he carried.

Como todos os poemas que compõem a obra Liffey Swim passaram pelo mesmo processo de tradução e revisão, conforme elucidamos previamente, este poema passou primeiramente por uma tradução literal. Feito isso, a primeira versão da tradução foi discutida em uma reunião coletiva com todos os membros do grupo de pesquisa. Nessa reunião, levou-se em consideração, principalmente, a construção da imagem do poema em português. Questões estéticas foram, inevitavelmente, levantadas e levadas em consideração, porém ainda não eram parte do enfoque da revisão, agora mais voltada para referências culturais e os padrões linguísticos do português normativo. Segue o resultado da primeira revisão coletiva.

Devorador de Pecados 1 Ele bafora as mãos para esquentá-las; parece um ritual, um totem. Entre nós, nada além da certeza - o som mórbido na garganta da velha - 5 e a incerteza - o paradeiro do padre. Nossos suspiros apenas estremecem suas pálpebras. Alguém falou do homem ao sopé da rua que mora só e dá um tipo absolvição. 9 eis que aqui nos encontramos com esse homem robusto num casaco de lã lamacento, que bafora as mãos e as coloca nos ombros da mulher. As lágrimas vem primeiro, derramando de seus olhos; 13 aqueles olhos rasos d'água que nos fitaram a noite toda clarearam enquanto ele inclina o seu rosto ao dela. Ele não olha para suas lágrimas, deixa seu olhar viajar pelo o teto sobre sua cama. Apenas nós invadimos a privacidade dela. 17 Ele não diz nada. Nenhuma oração ou palavra de conforto. Damos cinquenta contos, e nos questionamos. Alguns começam a balbuciar; um homem pergunta o que ele fez. Ele nos diz que àquela altura ela já não tinha mais voz, 21 então ele assumiu os pecados dela, deixando que ela tenha pena dele por tudo que carregava.

No que se refere à língua normativa, foi necessário pensar nos personagens do poema, ou seja, o devorador de pecados, a mulher que está morrendo, o homem que questiona o trabalho do devorador de pecados e o “eu lírico”, representado por um grupo de observadores do evento -“nós”. O devorador e o homem que questiona seu trabalho quase se confundem nos versos 19 e 20, mas só o devorador de pecados é representado por “ele” se contrapondo com “ela”, a mulher que está morrendo. Neste sentido, mantivemos a avalanche de pronomes procurando deixar claro quem é cada personagem. Tivemos problemas, no entanto, com os pronomes possessivos. Enquanto no inglês “her” e “his” destacam claramente os pronomes possessivos da velha e do devorador de pecados, respectivamente, no português, tais pronomes às vezes se confundem. Por esta razão, para esta primeira revisão decidimos utilizar o pronome “dela” nos versos 14 e 16 para fazer a distinção entre o devorador de pecados e a mulher. Na segunda revisão, retomamos tal questão.

No que se refere aos aspectos culturais do poema, observamos, por exemplo, a expressão “muddied fleece”, no verso 10. O tecido fleece foi utilizado para representar a vestimenta do devorador de pecados. Este tecido é utilizado para jaquetas ou casacos. O material está se popularizando no Brasil, em regiões mais frias, por ser um tecido apropriado para o frio. Ainda assim, não parece ser um termo muito conhecido no país, ainda que, em sites de busca, encontramos lojas e blogs sobre esportes ao ar livre, mencionando o produto como “fleece” ou “blusa/jaqueta de fleece”.3 3 Alguns sites brasileiros onde o termo fleece foi encontrado: http://blogdescalada.com/como-escolher-um-fleece/, https://www.terratrekking.com.br/noticia/12/como-escolher-um-fleece, https://esportes.centauro.com.br/nav/subcategoria/fleece/grupo/vestuario/0. (Acesso em 27/10/2018) Como o material não é muito popular no vocabulário cotidiano dos brasileiros, optamos por evidenciar que tipo de vestuário se trata e utilizamos a palavra “casaco”, realizando assim, uma clarificação. Preocupados com a construção da imagem do poema, desistimos do material como está no original (uma possibilidade seria: um casaco de fleece lamacento). Poderíamos também ter representado o material por “flanela”, mas acabamos optando por “lã” justamente por ser uma palavra mais curta, pois já estávamos inserindo uma nova palavra no poema, “casaco”. Além disso, também faria aliteração com “lamacento”, resultando em /num casaco de lã lamacento, que bafora as mãos/.

Também realizamos uma clarificação para a expressão “those milky shallows”, no verso 13. A imagem representa os olhos já sem muito brilho, de uma pessoa velha, morrendo. Por esta razão, optamos por “aqueles olhos rasos d’água” para reconstruir esta cena. Ainda assim, sabíamos que seria necessário revisitar esta parte, porque acabamos de deixar explícito aquilo que fora simplesmente sugerido no texto fonte. Na segunda revisão, decidimos retirar esta clarificação como pode ser observado mais abaixo na versão final do poema e os comentários.

Finalmente, também tivemos problemas com a expressão “We give him a fifty” no verso 18. A poeta utilizou uma expressão coloquial da língua inglesa, não mencionando a moeda com o valor pago ao devorador de pecados. Pensando na gramática normativa, neste primeiro momento, houve a necessidade de estipular o valor, ainda que de forma coloquial. Por esta razão, decidimos traduzir esta expressão por “Damos cinquenta contos”, deixando implícita uma moeda corrente, seja ela qual for, mas procurando reconstruir a imagem de que se trata de um pagamento em espécie. Novamente, quando revisitamos a tradução, decidimos deixar mais subentendido, pensando então na oralidade do poema, como pode ser observado na segunda revisão coletiva seguida de seus comentários.

Feita esta primeira revisão, todos os poemas foram foneticamente mapeados e recitados para a percepção do panorama estético e, assim, trabalhamos com os últimos ajustes. Abaixo a versão final do poema e os comentários sobre as tomadas de decisões:

Devorador de Pecados 1 Ele sopra as mãos para esquentá-las; Parece um ritual, um totem. Entre nós, nada além da certeza - o som mórbido na garganta da velha - 5 e a incerteza - o paradeiro do padre. Nossos suspiros só estremecem suas pálpebras. Alguém falou do homem do fim da rua que mora só, que dá algum tipo de absolvição. 9 eis que aqui estamos com esse homem robusto num casaco sujo de lama, que sopra nas mãos e as coloca nos ombros da mulher. Lágrimas vêm logo, derramadas de seus olhos; 13 aqueles rasos brancos que nos espelharam a noite toda clareiam enquanto ele inclina seu rosto ao dela. Ele não olha para suas lágrimas, deixa seu olhar viajar para o teto sobre sua cama. Só nós invadimos sua privacidade. 17 Ele não diz nada. Nem uma oração ou palavra de conforto. Pagamos cinquenta, e nos questionamos. Alguns começam a resmungar; um homem pergunta o que ele fez. Ele nos diz que àquela altura ela não tinha mais voz, 21 então ele pôs seus pecados sobre si, deixando-a ter pena por tudo que carregou.

Apesar de não haver rimas, o texto fonte conta com algumas características estéticas. Encontramos, por exemplo, aliterações, repetições de palavras, jogos de palavras e rimas pobres. Por exemplo, no caso de aliterações, encontramos his, hands, no verso 1, ou word, We, Wonder, nos versos 16 e 17. No caso de repetição de palavras, o pronome her aparece ao longo de todo o poema, com mais intensidade nos versos 15 e 16. Também há a repetição de some, no verso 2. Para jogos de palavras, há someone no verso 8 e some no verso 9 e também certainty no verso 3 e uncertainty no verso 5. Como exemplo de rimas pobres, temos them no final do verso 1 e totem no final do verso 2, assim como man e hands, no final dos versos 9 e 10.

Ao mapear estas características no texto fonte, procuramos encontrar meios para trabalhar com estas questões na tradução. Certamente não conseguimos inserir os mesmos efeitos nos mesmos lugares, porém encontramos algumas compensações. Para aliterações, conseguimos trabalhar o verso 6 com o som de /s/: /Nossos suspiros só estremecem suas pálpebras/. Além de aliterações, este verso realça o som de /s/ com consonâncias com a palavra “estremecem”. Também conseguimos aliterações nos versos 21 e 22, com o som de /p/: /então ele pôs seus pecados sobre si,/, /deixando-a ter pena por tudo que carregou./. O caso de repetições de palavras foi mais simples, pois mantivemos a mesma escolha lexical para cada termo traduzido neste poema. No verso 2, por exemplo, temos a repetição do termo “um”: /Parece um ritual, um totem/. O mesmo serviu para jogos de palavras, “alguém” e “algum” nos versos 8 e 9, “certeza” e “incerteza”, nos versos 3 e 5. Para compensar as rimas pobres, tivemos mais dificuldades. Conseguimos uma rima pobre no final dos versos 8 e 10: “absolvição” e “mãos”.

Além dos efeitos estéticos do poema, acabamos revisitando algumas questões da primeira revisão, como comentamos anteriormente. No verso 10, mantivemos “casaco” para traduzir “fleece”, mas decidimos tirar o material (que foi decidido por “casaco de lã” na primeira revisão) para encurtar o verso em duas sílabas e otimizar o ritmo. Decidimos manter a subjetividade do poema no verso 13, quando fala dos olhos da velha. A clarificação da primeira revisão foi retirada, resultando em: /aqueles rasos brancos que nos espelharam a noite toda/.

Outra questão foi o uso dos pronomes possessivos. Mantivemos o “dela” da primeira revisão no verso 14, para distinguir o rosto do devorador de pecados da velha: /clareiam enquanto ele inclina seu rosto ao dela./. Já nos versos 16 e 21, entretanto, decidimos retirar o pronome “dela” e “delas” e substituir por “sua” e “seus”: / para o teto sobre sua cama. Só nós invadimos sua privacidade/ e / então ele pôs seus pecados sobre si/. Ainda que possa gerar uma confusão entre a privacidade do homem e da mulher no verso 16 e de quem são os pecados no verso 21, escolhemos o pronome “sua” priorizando a fonética sobre a semântica, no que se refere principalmente ao ritmo e som do poema. Em ambos os versos, conquistamos aliterações com estas decisões. Perdemos, entretanto, algo que está claro no original, que estava claro na primeira revisão, mas obscureceu na versão final. Ainda assim, por questões estéticas, acreditamos que o poema conquistou um ritmo mais fluído.

Considerações finais

Após esta pequena amostra do processo tradutório, podemos considerar alguns aspectos da tradução de Liffey Swim. Primeiramente, apesar do projeto de tradução tentar se ater a minuciosos detalhes na busca de uma tradução consistente e homogênea, (levando-se em conta várias questões a serem observadas durante o processo, conforme sugere Bly (198)), muitas vezes precisamos eleger prioridades ou trabalhar com compensações linguísticas e fonéticas, para conseguirmos atingir o efeito desejado na língua alvo, atentando ao observado no processo de tradução do poema “Sin-eater”.

Outro aspecto a considerar sobre o processo tradutório deste projeto é o trabalho coletivo. As contribuições de cada tradutor/pesquisador para o trabalho mostram que há uma busca mais criteriosa e detalhista para a tradução. Tradutores são primeiramente leitores. Leitores apresentam leituras diferentes. As várias leituras junto às conversas com a autora contribuem para um maior entendimento e uma maior compreensão do todo, desde o léxico e a sintaxe, até referências e manifestações culturais implícitas no texto. Por outro lado, um grupo heterogêneo às vezes leva mais tempo para chegar a um consenso. Por esta razão, não há como dizer que as decisões tradutórias são de qualquer maneira intuitivas. Todo o trabalho é amplamente discutido.

Sabemos que a estrangeirização, na sua totalidade, é um ideal utópico, conforme previamente discutido. No entanto, continuamos a buscá-la o máximo possível, dentro do português brasileiro. O uso dela às vezes requer alguns sacrifícios, como a clarificação, por exemplo, conforme mostramos na seção anterior, quando clarificamos o termo fleece para casaco.

Ainda assim, o grupo não está engajado em uma proposta utópica. A partir da percepção dos limites técnicos de um processo tradutório estrangeirizante, o grupo passa a atuar de maneira mais cautelosa, refletindo, pesquisando e avaliando as melhores decisões para os conflitos. Durante as reuniões, os pesquisadores oferecem reflexões essenciais para o processo. Tais contribuições são fundamentais para uma produção de qualidade e, consequentemente, uma contribuição relevante para o cenário acadêmico de tradução no Brasil.

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  • 1
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  • 2
    Versos formados por uma sílaba átona e uma sílaba tônica.
  • 3
    Alguns sites brasileiros onde o termo fleece foi encontrado: http://blogdescalada.com/como-escolher-um-fleece/, https://www.terratrekking.com.br/noticia/12/como-escolher-um-fleece, https://esportes.centauro.com.br/nav/subcategoria/fleece/grupo/vestuario/0. (Acesso em 27/10/2018)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2018
  • Aceito
    20 Fev 2019
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