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“VIEMOS PARA FICAR”: UMA INTRODUÇÃO (E ALGUNS QUESTIONAMENTOS) AOS ESTUDOS SOBRE COLONIALISMO DE POVOAMENTO

“WE ARE HERE TO STAY”: AN INTRODUCTION (AND A FEW INTERROGATIONS) TO SETTLER COLONIALISM

Resumo

Os Estudos sobre Colonialismo de Povoamento propõem uma diferenciação entre o colonialismo tradicional e o colonialismo de povoamento, baseada nas teorias precursoras de Patrick Wolfe, segundo as quais enquanto no colonialismo o colonizador explora o trabalho do colonizado para eventualmente retornar à metrópole do Império, no colonialismo de povoamento o settler (colonizador-povoador), objetivando apropriar-se da terra dos povos indígenas, “vem para ficar”. Assim, o colonialismo de povoamento seria uma estrutura, e não um evento, na vida do colonizado. A lógica dominante no colonialismo de povoamento, segundo Wolfe, é a da eliminação (literal e/ou metafórica) do indígena. Partindo das ideias de Wolfe, Lorenzo Veracini, aprimora e desenvolve conceitos, temáticas e instrumentos teóricos visando à organização dos Estudos sobre Colonialismo de Povoamento como disciplina. Desenvolvidas para um contexto anglófono, as teorias sobre colonialismo de povoamento se voltam especialmente à elucidação do modus operandi desse tipo de dominação nos EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, e, até o momento, têm sido pouco divulgadas no Brasil. Propondo um movimento dialógico, após apresentar algumas de suas premissas básicas, este artigo considera a possível aplicabilidade dos Estudos sobre Colonialismo de Povoamento ao contexto brasileiro, encorajando reflexões sobre a ampliação e adaptação desse campo de pesquisa majoritariamente anglófono a novas ambiências histórico-culturais.

Palavras-chave
Colonialismo de povoamento; Patrick Wolfe; Lorenzo Veracini; Lógica da eliminação; Povos indígenas; Brasil

Abstract

Settler Colonial Studies proposes a differentiation between franchise colonialism and settler colonialism, based on Patrick Wolfe’s pioneering theories, according to which in colonialism per se the colonizer exploits colonized labour to, eventually, return to the Imperial metropolis. In settler colonialism, on the other hand, the settler, aiming at possessing the land belonging to indigenous people, “comes to stay.” Settler colonialism would therefore be a structure, rather than an event, in the life of the colonized. The main logic of settler colonialism, according to Wolfe, is the (literal or metaphorical) elimination of indigenous people. Departing from Wolfe’s ideas, Lorenzo Veracini refines and develops concepts, themes and theoretical tools, aiming at organizing Settler Colonial Studies as a discipline. Theories on settler colonialism have been developed in an anglophone context, aiming at examining this type of domination as it occurs mainly in the USA, Canada, Australia and New Zealand and, at present, have been little acknowledged in Brazil. After presenting some of the basic tenets of Settler Colonial Studies, this article considers the possible applicability of Settler Colonialism to the Brazilian context, encouraging reflexion on the expansion and adaptation of this mostly anglophone field of studies to new historical and cultural environments.

Key words
Settler colonialism; Patrick Wolfe; Lorenzo Veracini; Logic of elimination; Indigenous people; Brazil

Introdução: Colonialismo e temporalidade

“Colonialismo”, como nos lembra Jürgen Osterhammel (1999, p. 4-5)OSTERHAMMEL, Jürgen. Colonialism: A theoretical overview. Tradução de Shelley Frisch. Princeton: Markus Wiener Publishers, 1999. é um termo impreciso e multifacetado, gerando interpretações diversas, tanto nas esferas acadêmicas como no imaginário popular. Dentre as variadas representações mentais que é capaz de suscitar, talvez uma das mais frequentes esteja relacionada aos mitos fundacionais de uma nação, como é o caso desse icônico óleo sobre tela do período romântico tardio da pintura estadunidense:

Figura 1
The first thanksgiving, 1621

Composto entre 1912 e 1915, por Jean-Leon Gerome Ferris (1863-1930), a pintura representa uma visão “patriótica” da primeira celebração do Dia de Ação de Graças. Ferris recria o momento em que os colonos ingleses provenientes de Plymouth teriam compartilhado com membros da etnia Wampanoag os frutos de sua primeira colheita bem-sucedida, em 1621. De acordo com Carrie Tirado Bramen (2017, p. 87-88)BRAMEN, Carrie Tirado. American niceness: a cultural history. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2017., o período da criação da pintura (primeiras décadas do século XX) inauguraria uma crença: a de que a gentileza (niceness) e o orgulho do estadunidense (características supostamente autodefinidoras da personalidade nacional) seriam um reflexo da generosidade indígena na era colonial. O objetivo seria mascarar a “selvageria inconveniente” (inconvenient savagery) dos fatos históricos que, de forma geral, caracterizaram a coabitação forçada entre os “peregrinos” ingleses e os povos nativos no século XVII.

Voltando-nos agora para um contexto brasileiro, é possível que o que venha à mente, quando da menção da palavra “colonialismo”, seja uma imagem semelhante a essa:

Figura 2
Sauvages civilizés soldats indiens de la province de la Coritiba ramenant des sauvages prisonnères

Essa ilustração de Jean-Baptiste Debret (1768-1848), também bastante icônica, compõe uma das coletâneas pictográficas do Brasil oitocentista. Debret foi um dos membros da Missão Artística Francesa, um grupo de artistas europeus patrocinado por D. João VI para atualizar o ensino e a prática da arte no Brasil. De acordo com a legenda da imagem (tradução própria), a litografia mostra “indígenas prisioneiras selvagens” da região de Curitiba sendo conduzidas (ao cativeiro, presume-se, pela presença das amarras) por “soldados indígenas selvagens civilizados”. Diferentemente da representação idealizada de Ferris, os termos paradoxais que compõem a descrição são um indício da complexidade da sociedade colonial brasileira, caracterizada pela coexistência de “indígenas livres”, “indígenas escravizados” e “indígenas civilizados” e hibridismo étnico.

Independentemente de seu contexto histórico e grau de idealização, ambas as representações pictóricas alocam o colonialismo no passado e estão relacionadas a manifestações pós-renascentistas do imperialismo europeu. As raízes do imperialismo estão na antiguidade, época em que, segundo Ashcroft, Griffiths e Tiffin (2007, p. 111-112)ASHCROFT, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. Post-colonial studies: The key concepts. London: Routledge, 2007., a expansão imperial aparentava almejar um caráter agregador. No entanto, a atitude mais nitidamente aquisitiva do imperialismo firmou-se com os “descobrimentos” nos séculos XV e XVI e com o mercantilismo nos séculos XVII e XVIII, atingindo seu ápice no último quartel do século XIX.

O êxodo de grandes contingentes de europeus em direção às colônias além-mar, impulsionados por questões econômicas, sociais, ambientais, políticas e/ou religiosas em suas terras natais resultou em uma importante variante nas modalidades de exploração motivadas pelo imperialismo. Diferentemente do que alguns críticos chamam de franchise colonialism – algo como “colonialismo de franquia”, em que os agentes do colonialismo passam por um “período de serviço” (tour of duty) na colônia (Hayes, 2020HAYES, Alan. Settler colonialism. 2020. Disponível em: http://individual.utoronto.ca/hayes/indigenous/indigenous6_settler_colonialism.html. Acesso em: 01 nov. 2023.
http://individual.utoronto.ca/hayes/indi...
) – esses indivíduos saíram da Europa com o propósito específico de povoar as colônias e lá reestabelecer suas vidas em termos definitivos. Também, diferentemente dos migrantes tradicionais, esses povoadores carregam consigo além-mar sua soberania para estabelecer novas ordens sociais e políticas nas colônias (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 53). Isso constitui, metafórica e literalmente, um “detalhe fatal” para os povos originários desses territórios.

Mais do que ter produzido cicatrizes nas sociedades por ele afetadas, advindas da exploração econômica, do racismo e de relações interculturais desiguais entre potências europeias e seus domínios além-mar, como costumamos pensar o colonialismo de forma geral, a modalidade de dominação de que trata este artigo – o colonialismo de povoamento – mantém feridas abertas.

Voltando para o domínio das artes plásticas, essas feridas são bem visíveis no conjunto de pinturas intitulado “Necrobrasiliana”, composto por cerca de dez obras expostas originalmente em 2019 em São Paulo (Galeria Leme, 30/03 a 04/05) e Brasília (Museu Nacional da República, de 25/06 a 04/08) pelo artista maranhense Thiago Martins de Melo e que têm percorrido o Brasil desde então. A obra que dá nome à exposição pode representar a dupla visão sobre a qual o colonialismo de povoamento baseia sua existência. Vistas de longe, as três figuras que compõem a tela explicitam o título da pintura e da exposição: uma caveira ladeada por duas pilastras, que lembram também totens indígenas, remetendo ao extermínio que, de modo generalizado, jaz por detrás da história de toda ex-colônia europeia:

Figura 3
Necrobrasiliana

Ao ampliar o zoom sobre a imagem, no entanto, perceberemos detalhes ainda mais conspícuos aludindo diretamente a circunstâncias sociopolíticas do Brasil contemporâneo: sobre um fundo cinzento e estéril, os totens são compostos por cabeças decapitadas de indígenas de diferentes etnias, expostas sobre uma pilastra com o brasão nacional. Essas colunas são grosseiramente sustentadas por pneus e decoradas com armas diversas: armamentos pesados e motosserras na parte superior e instrumentos de corte na parte inferior. A sugestão é a de que os pilares que sustentam o Brasil contemporâneo são compostos de violência, morte e depredação do meio ambiente, já que o látex branco e puro das árvores da Amazônia aparece aqui transformado em pneus, objetos rudes, feios e poluidores. Mas também há resistência, representada pelas armas brancas, mais especificamente pelas flechas que transpassam uma das pilastras.

O peso visual da composição recai principalmente sobre a caveira, com sua simbologia explícita: a decadência do que já foi a face viva e exuberante da terra que hoje chamamos de Brasil. Esse elemento central da pintura é formado por belas imagens de figuras indígenas de diferentes etnias e faixas etárias, lutando pela sobrevivência e manutenção do que resta de sua vida tradicional. Há sofrimento nas faces dessas figuras, que a paleta cinza e lilás ajuda a intensificar. Distribuídas por toda a composição estão figuras que se agridem e se matam; a boca da caveira é formada por escudos de uma tropa de choque; nas fossas nasais jaz um Cristo Redentor dilapidado, cercado por figuras encapuzadas e armadas. Por outro lado, a composição revela também a intimidade desses povos com a natureza e a presença de crianças, aludindo às lutas das novas gerações contra a violência institucionalizada que compõe o restante da imagem.

Ao exprimir a contemporaneidade, a banalização da violência contra indígenas e a necessidade de resistência, a obra de Thiago Martins de Melo revela que, na coexistência de povos indígenas e descendentes de indígenas e europeus, a perpetuação da dominação se baseia em necropolíticas, ou “formas contemporâneas [de política] que subjugam a vida ao poder da morte”, na famosa definição de Achille Mbembe (2016, p. 146)MBEMBE, Achille. Necropolítica. Tradução de Renata Santini. Arte & Ensaios. n. 32, p. 123-151, dez. 2016.. A pintura de Melo se torna ainda mais relevante para este artigo considerando-se que esses dois elementos específicos – a contemporaneidade do colonialismo de povoamento e a tentativa de eliminação do indígena – constituem duas das premissas básicas das teorias do Colonialismo de Povoamento (Settler Colonialism), que este artigo pretende discutir.

Classificações de “colônia”

Crucial para os estudos sobre colonialismo é a diferenciação entre modelos de colônia. Apesar da complexidade do tema e das muitas variantes advindas de contextos histórico-culturais diversos ao redor do mundo, a distinção mais frequentemente citada na historiografia e adotada pelos teóricos pioneiros do pós-colonialismo Bill Ashcroft, Helen Tiffin e Gareth Griffith (2002)ASHCROFT, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. The empire writes back: theory and practice in post-colonial literatures. London: Routledge, 2002., ocorre entre as chamadas colônias de invasão, intervenção ou exploração e as colônias de povoamento (settler colonies). O primeiro grupo inclui sociedades tais como a Índia e a Nigéria, onde “as populações indígenas foram colonizadas em seus próprios territórios” e nas quais, por questões demográficas e linguísticas, as “culturas pré-coloniais tradicionais continuaram a coexistir com as novas formas imperiais” (Ashcroft; Griffiths; Tiffin, 2002ASHCROFT, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. The empire writes back: theory and practice in post-colonial literatures. London: Routledge, 2002., p. 24-25, tradução própria).1 1 “indigenous peoples were colonized on their own territories” / “traditional, pre-colonial cultures which continued to coexist with the new imperial forms.” Já nas colônias de povoamento, como por exemplo os EUA, o México e o Brasil, os europeus “desapropriaram e dominaram as populações indígenas”, estabelecendo uma “civilização transplantada que eventualmente asseguraria sua independência, mantendo, ao mesmo tempo, uma língua não-nativa” (Ashcroft; Griffiths; Tiffin, 2002ASHCROFT, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. The empire writes back: theory and practice in post-colonial literatures. London: Routledge, 2002., p. 24, tradução própria).2 2 “dispossessed and overwhelmed the Indigenous populations”/ “transplanted civilization which eventually secured political independence while retaining a non-Indigenous language.”

Os contornos dessa diferenciação básica são turvados por particularidades históricas e culturais que geram imprecisões e ambiguidades analíticas, tais como os casos da África do Sul, que apresenta características de invasão e povoamento concomitantemente, as colônias “duplamente colonizadas” do Caribe, em que se sucederam diferentes levas de povoadores e imigrantes (Ashcroft; Griffiths; Tiffin, 2002ASHCROFT, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. The empire writes back: theory and practice in post-colonial literatures. London: Routledge, 2002., p. 25-26) e a situação do Zimbabwe (previamente conhecido como Rodésia do Sul), em que as regiões mais férteis foram “povoadas” por europeus, que empurraram a população local para as chamadas “reservas”, compostas de terras menos produtivas, desenraizando-os geográfica e culturalmente (ver Msindo, 2017MSINDO, E. Settler Rule in Southern Rhodesia, 1890-1979. In: CAVANAGH, E.; VERACINI, L. (eds.). The Routledge handbook of the history of settler colonialism. London: Routledge, 2017. p. 247-262.; Scheidt, 2022SCHEIDT, Déborah. Displacement in Doris Lessing’s “The old chief Mshlanga”: A settler postcolonial bildung. Revista de Letras (UNESP), v. 62, p. 37-52, 2022.). Decidir se um local sofreu ou não colonialismo de povoamento, em alguns casos, pode ser uma questão de perceber sua posição em um espectro, no qual, de acordo com seus padrões políticos e socioculturais de colonização, ele pode aproximar-se ou afastar-se dos polos “povoamento” ou “exploração” (Ashcroft; Griffiths; Tiffin, 2007ASHCROFT, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. Post-colonial studies: The key concepts. London: Routledge, 2007., p. 193).

Assim, à medida que os Estudos pós-coloniais amadureciam como campo teórico e se popularizavam como instrumento analítico, articulando diversos campos do conhecimento, novas complexidades vieram à tona. Uma das obras de referência na área, Colonialism: A Theoretical Overview, de Jürgen Osterhammel, publicado originalmente em 1997, já apontava para a necessidade de esmiuçamento crítico de diversas questões. Nos capítulos introdutórios o historiador chega à seguinte definição de colonialismo:

Colonialismo é uma relação de dominação entre uma maioria indígena (ou importada à força) e uma minoria de invasores estrangeiros. As decisões fundamentais que afetam as vidas dos indivíduos colonizados são tomadas e implementadas pelas autoridades coloniais, favorecendo interesses que são geralmente definidos em uma metrópole distante. Ao rejeitarem um compromisso cultural com a população colonizada, os colonizadores se convencem de sua própria superioridade e da legitimidade de seu mandato para governar.

(Osterhammel, 1999OSTERHAMMEL, Jürgen. Colonialism: A theoretical overview. Tradução de Shelley Frisch. Princeton: Markus Wiener Publishers, 1999. , p. 16-17, tradução própria)3 3 “Colonialism is a relationship of domination between an indigenous (or forcibly imported) majority and a minority of foreign invaders. The fundamental decisions affecting the lives of the colonized people are made and implemented by the colonial rulers in pursuit of interests that are often defined in a distant metropolis. Rejecting cultural compromises with the colonized population, the colonizers are convinced of their own superiority and of their ordained mandate to rule.”

Desde o princípio, no entanto, Osterhammel (1999, p. 4)OSTERHAMMEL, Jürgen. Colonialism: A theoretical overview. Tradução de Shelley Frisch. Princeton: Markus Wiener Publishers, 1999. se coloca na contramão de muitas das correntes críticas tradicionais ao desarticular o conceito de colonialismo (um “sistema de dominação”) do conceito de colônia (uma “categoria específica de organização socioeconômica”). De um lado há colônias resultantes de conquistas militares que visam primordialmente exploração econômica (as “colônias de invasão”) tais como Índia, Indochina e Egito – que apresentam uma minoria de residentes europeus temporários provenientes da metrópole (burocratas, militares, comerciantes...). Essas se enquadram muito bem na definição de colonialismo de Osterhammel. Do outro, estão as colônias resultantes de programas governamentais almejando fixar povoadores brancos (principalmente os ligados às tarefas agrárias) permanentemente nas terras colonizadas, ignorando os direitos dos povos originários (Osterhammel, 1999OSTERHAMMEL, Jürgen. Colonialism: A theoretical overview. Tradução de Shelley Frisch. Princeton: Markus Wiener Publishers, 1999. , p. 11-12). Essas “colônias de povoamento”, tais como Cuba, Nova Zelândia e Argélia, contrapõem-se à definição de colonialismo acima.

Em um aparente paradoxo, Osterhammel (1999, p. 17)OSTERHAMMEL, Jürgen. Colonialism: A theoretical overview. Tradução de Shelley Frisch. Princeton: Markus Wiener Publishers, 1999. categoriza as colônias de povoamento como “colônias sem colonialismo”. As colônias que ele classifica como pertencentes ao “modelo Nova Inglaterra”, tais como o Canadá e a Austrália, seriam as que mais claramente representam esse modelo. Tendo erradicado a totalidade ou grande parte das populações indígenas e se tornado sociedades “brancas” em terras que consideravam “vazias” essas colônias sem colonialismo

buscavam, de maneira ativa, a colonização da fronteira, ou seja, o desenvolvimento agrário do interior “selvagem”, o que destruiu as condições ambientais propícias a caçadores e pastores. Por falta de indivíduos “nativos”, no entanto, não se podia construir um sistema de dominação, componente básico do colonialismo. Essas sociedades não foram, portanto, “descolonizadas” pela retirada do poder dos colonizadores seguida de sua expulsão, como no caso da Argélia. Elas obtiveram sua autonomia como estados nacionais devido a secessões revolucionárias abruptas (como ocorreu com as treze colônias que tornar-se-iam os EUA), ou por uma separação gradual do centro do império europeu em termos relativamente pacíficos (Canadá, Austrália)4 4 “These colonies actively pursued frontier colonization, i.e., agrarian development of inland ‘wilderness,’ which destroyed the environments of native hunters and herdsmen. Because “native” elements were lacking, however, they could not construct a system of domination, which is a basic component of colonialism. These societies were not, therefore, ‘decolonized,’ by stripping the power of the colonists and driving them out, as was the case in Algeria. They won their autonomies as national states as a result of abrupt revolutionary secession (as happened with the thirteen colonies, which then constituted the United States), or by gradual dissociation on basically good terms (Canada, Australia) from the European center of Empire.”

(Osterhammel, 1999OSTERHAMMEL, Jürgen. Colonialism: A theoretical overview. Tradução de Shelley Frisch. Princeton: Markus Wiener Publishers, 1999. , p. 17, tradução própria).

A própria complexidade semântica do termo “colônia” possibilita esse tipo de complexidade linguística. Examinando os possíveis significados para “colônia”, Lorenzo Veracini (2010, p. 1-2, tradução própria)VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010. percebe que “colônia” pode significar tanto um “corpo político dominado por um agente exógeno” quanto “uma entidade exógena que se reproduz em um dado ambiente”. Isso nos faz pensar que, no primeiro caso, “colônia” se caracteriza como uma entidade dominada, enquanto que, no segundo, refere-se a um ente que tem, ou almeja ter, um certo grau de dominância sobre o espaço colonizado. De fato, uma “colônia” pode significar tanto o objeto quanto o sujeito da ação de “colonizar”, como nesses dois exemplos: “As colônias do norte se rebelaram contra as forças opressoras da metrópole” e “As colônias do norte se estenderam sobre as terras indígenas”. Apesar de poderem aludir a situações diferentes e até mesmo contraditórias, ambos se referem à “ascendência localizada de um elemento externo”, o que aproxima os dois significados. Muitas das imprecisões e discordâncias no tratamento do tema podem advir do fato de que o colonialismo de povoamento abrange características de ambas as acepções (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 2-3).

A ascensão dos Estudos sobre Colonialismo de Povoamento

As preocupações com o colonialismo de povoamento vêm de longa data e nos chegam por diferentes vieses e áreas do conhecimento. A questão da destruição ambiental do colonialismo de povoamento que Osterhammel menciona en passant acima, por exemplo, foi abordada na década de 1980 por Alfred Crosby, que se inquietava com as devastadoras consequências ecológicas trazidas pelo estabelecimento das colônias estilo Nova Inglaterra (que ele chama de “novas Europas”), já que grande parte desses europeus viajavam além-mar com o objetivo de cultivar as “novas terras”. Essas regiões, que são hoje campeãs de exportação de trigo, cevada, centeio, além de gado, equinos, suínos, ovinos e caprinos, não dispunham desses vegetais ou animais no século XV. A agricultura e pecuária europeias não encontraram muitas barreiras para sobrepujar a fauna e flora locais, gerando, entre vários dos efeitos perversos por ele elencados ao redor do mundo, a substituição do guanaco e da ema nos pampas por gado e equinos de raças ibéricas e da pastagem Themeda triandra (capim canguru) pelo dente de leão na Oceania. Crosby admite que que o triunfo dos “humanos europeus” ao dominar o mundo possa mesmo estar relacionado à sua obstinação e à sua superioridade armamentícia e organizacional. Porém, reflete, “qual seria, em nome dos céus, a razão pela qual o sol nunca se põe no império do dente de leão? Talvez o sucesso do imperialismo europeu tenha um componente biológico, ecológico”5 5 “what in heaven’s name is the reason that the sun never sets on the empire of the dandelion? Perhaps the success of European imperialism has a biological, an ecological, component.” (Crosby, 2006CROSBY, Alfred. Ecological imperialism. In: ASHCROFT, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen (eds.). The post-colonial studies reader.London: Routledge, 2006. p. 494-497. p. 496). A devastação ecológica acionada pela implantação das Novas Europas / settler colonies é um dos efeitos atribuídos ao colonialismo de povoamento que os anos 1980 e 1990 trouxeram à tona, mas ainda sem fazer uso do termo.

Nos anos 2000, por sua vez, os teóricos do pós-colonialismo Anna Johnston e Alan Lawson observaram que grande parte da crítica tradicional até então havia se limitado ao estabelecimento de uma diferenciação entre tipos de colônia, reconhecendo que há questões específicas relacionadas ao colonialismo de povoamento, sem, no entanto, se aprofundar suficientemente em certas especificidades e consequências desse tipo de dominação. Johnston e Lawson (2005, p. 361, tradução própria)JOHNSTON, Anna; LAWSON, Alan. Settler Colonies. In: SCHWARZ, Henry; RAY, Sangeeta (eds.). A companion to postcolonial studies. Oxford: Blackwell Publishing, 2005. p. 360-376. utilizam o termo “pós-colonialismo de povoamento” para se referir a uma necessária “categoria política ou analítica” dedicada especificamente a esse fenômeno. Eles chamam a atenção para o fato de que, em algumas sociedades criadas por colonialismo de povoamento, tais como Israel e África do Sul, o termo settler já se referia à “agência política de comunidades locais específicas, pois para judeus israelenses e afrikaners o verbo settle e seus derivados sempre estiveram claramente relacionados à “posse literal de terras e a ocupação física de espaços disputados” (Johnston; Lawson, 2005JOHNSTON, Anna; LAWSON, Alan. Settler Colonies. In: SCHWARZ, Henry; RAY, Sangeeta (eds.). A companion to postcolonial studies. Oxford: Blackwell Publishing, 2005. p. 360-376., p. 361)6 6 “the literal possession of land and the physical occupation of disputed space” . Em colônias tais como Austrália, Canadá e Nova Zelândia (classificadas como “do tipo Nova Inglaterra” por Osterhammel, como vimos acima), no entanto, o caráter político da dominação tende a ser mitigado ou até ignorado.

Para um texto escrito em português, faz-se necessário, a esta altura, abrir um parêntese para tratarmos da questão da tradução do verbo settle e seus derivados. Como verbo, settle remete a diversas variações no campo semântico de “assentamento”, “permanência”, “organização”, “acordo” e “apaziguamento”. O Dicionário Michaelis de Inglês Moderno aponta nada menos que 16 acepções para o verbete:

1 assentar, estabelecer. 2 determinar, decidir, fixar. 3 pôr em ordem, arranjar, arrumar. 4 pagar, liquidar. 5 estabelecer-se, vir morar, fixar residência. 6 casar-se. 7 colonizar, estabelecer colônias. 8 pousar, instalar-se. 9 acomodar-se. 10 apaziguar, acalmar, acalmar-se, sossegar, diminuir. 11 descer, cair, depositar-se, assentar. 12 ficar límpido. 13 afundar, baixar. 14 solidificar, endurecer. 15 firmar (tempo). 16 chegar a um acordo, concordar

(Settle, [s. d.])

Há também várias expressões idiomáticas com o verbo, tais como settle down e settle in que, quando associadas a um espaço geográfico, podem significar “fixar-se”, “estabelecer-se”, “acomodar-se”, “criar raízes”.

No entanto, quando o sufixo agentivo -er é adicionado ao verbo, formando o substantivo settler, o mesmo dicionário aponta uma única equivalência: “colonizador”. Isto é, diferentemente da língua inglesa, não parece haver um vocábulo em português específico para um agente/executor do colonialismo de povoamento que reflita a psique e as particularidades históricas desses indivíduos. A expressão “colono”, que também é proposta por alguns dicionários como sinônima de settler, no português brasileiro cotidiano parece remeter mais às levas de imigrantes europeus não-lusitanos que chegaram ao Brasil nos séculos XIX e XX do que aos próprios portugueses fundadores da colônia além-mar. Com efeito, há publicações que investigam os mecanismos do colonialismo de povoamento pós-abolição no chamado Cone Sul (Cono Sur em castelhano), que inclui regiões do Brasil populadas por “colonos”. Michael Goebel (2016, p. 144)GOEBEL, Michael. Settler Colonialism in Postcolonial Latin America. In: CAVANAGH, Edward; VERACINI, Lorenzo (eds.). The Routledge handbook of the history of settler colonialism. London: Routledge, 2016. p. 139-151. chama a atenção para o fato de que o termo “colono” acabou se tornando a forma padrão para se referir ao grande contingente de imigrantes do sul europeu que chegou ao Brasil após 1888 para tocar (o verbo utilizado por ele é settle) as fazendas de café do sul e sudeste, principalmente no estado de São Paulo. No entanto, nessas regiões do Cone Sul, como Goebel conclui, o status desses colonos está mais próximo ao do imigrante (o Outro Exógeno) do que do settler, no sentido defendido pelos Estudos sobre Colonialismo de Povoamento. Por referir-se mais diretamente à atividade migratória pós-abolição ao invés dos portugueses do Brasil colônia, o substantivo “colono” não parece, assim, no nosso entendimento, traduzir com clareza suficiente as especificidades do termo settler.

Talvez uma expressão hifenada, tal como “colonizador-povoador” pudesse dar conta da tarefa. No entanto, essa expressão, além de não compor o léxico normativo da língua portuguesa, é bastante longa. Por falta de uma solução melhor e para fins de praticidade, optamos por adotar o próprio termo em inglês settler para nos referirmos a um indivíduo que pratica o colonialismo de povoamento.

Como vimos, grande parte dos possíveis significados de settle tem acepções positivas. Alex Young (2018, p. 75)YOUNG, Alex Trimble. Settler. Western American Literature. v. 53, n. 1, 2018, p. 75-80. observa como os dicionários costumam dar ares “bucólicos” e “nostálgicos” ao termo, ao mesmo tempo que “apagam”, de forma conspícua, suas implicações “coloniais”. Desse modo, a própria denominação settler colonialism, cimentada pelo uso no campo dos estudos sobre colonialismo, pode ser considerada eufemística. Johnston e Lawson (2005, p. 362)JOHNSTON, Anna; LAWSON, Alan. Settler Colonies. In: SCHWARZ, Henry; RAY, Sangeeta (eds.). A companion to postcolonial studies. Oxford: Blackwell Publishing, 2005. p. 360-376. chamam a atenção para o fato de que uma denominação historicamente mais acurada seria settler-invader colonies. Mas mesmo que o termo “invasor” não apareça, advertem os autores (eles mesmos adotam a versão simplificada settler colonies), é prudente mantê-lo, juntamente com as suas nefastas conotações, em mente em todas as ocasiões em que se trata do assunto “colonialismo de povoamento”.

O fato é que tanto a ausência do qualificativo invader quanto a utilização do termo de conotação benigna settler servem bem aos propósitos desse tipo de dominação, já que atuam para suavizar ou tentar mascarar os altos níveis de violência presentes nessas sociedades e para criar uma cortina de fumaça para as atividades imorais/criminosas dos settlers. Por detrás de várias das estratégias discursivas do colonialismo de povoamento – tais como imensidão das terras “vazias”, “não cultivadas” ou “sem dono”, as “previsões” e argumentos pseudocientíficos sobre o “desaparecimento iminente” dos povos nativos – estão as intenções de “apagamento” estatístico e representacional dos povos nativos por meio de práticas que causam seu deslocamento (ou, pode-se dizer ainda, desenraizamento) “físico, geográfico, espiritual, cultural e simbólico” (Johnston; Lawson, 2005JOHNSTON, Anna; LAWSON, Alan. Settler Colonies. In: SCHWARZ, Henry; RAY, Sangeeta (eds.). A companion to postcolonial studies. Oxford: Blackwell Publishing, 2005. p. 360-376., p. 363-364, tradução própria).

Outrossim, os teóricos do Colonialismo de Povoamento questionam em parte as chamadas “Teorias Pós-Coloniais”, que, apesar das distinções tradicionais entre tipos de colônia que vimos acima, não costumam tratar de maneira criteriosa as especificidades das colônias de povoamento. Até mesmo o prefixo “pós” seria problemático quando utilizado na análise dos fenômenos específicos às colônias de povoamento. Apesar das ressalvas de que a partícula “pós” não tem intenções cronológicas (Ashcroft; Griffiths; Tiffin, 2007ASHCROFT, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. Post-colonial studies: The key concepts. London: Routledge, 2007., p. 169) esse prefixo sugere um “antes” e “depois” da instauração do colonialismo. Esse, segundo Veracini (2015, p. 1, tradução própria)VERACINI, Lorenzo The Settler Colonial Present. Basingstoke (UK): Palgrave Macmillan, 2015. não é o caso das sociedades criadas por Colonialismo de Povoamento, baseadas na “imanência antiquada de relações fundamentalmente desiguais”7 7 “on the unreformed immanence of fundamentally unequal relations” . “O colonialismo de povoamento”, em suma, “não está terminado” (Veracini, 2015VERACINI, Lorenzo The Settler Colonial Present. Basingstoke (UK): Palgrave Macmillan, 2015., p. 68, tradução própria).8 8 “Settler colonialism is not finished”

Suprir uma lacuna teórica, estabelecendo o fato indigesto das violentas tentativas de apagamento/eliminação dos povos nativos como foco central de análise, assim como defender a tese de que o colonialismo de povoamento, apesar de manter características em comum com o colonialismo, “não é colonialismo” (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 4; p 9, minha ênfase) e deveria ser estudado como uma categoria política e analítica individualizada e autônoma, são objetivos centrais de uma série de obras de autoria do historiador italiano radicado em Melbourne Lorenzo Veracini. Dentre essas obras destacam-se: Settler colonialism: a theoretical overview (2010) e The Settler Colonial Present (2015). A obra de Veracini se propõe a aperfeiçoar conceitos e desenvolver ferramentas interpretativas para adequadamente estudar o fenômeno do colonialismo de povoamento. Veracini, por sua vez, inspirou-se fortemente nas ideias precursoras do antropólogo britânico-australiano Patrick Wolfe, expressas principalmente em Settler colonialism and the transformation of anthropology (1999) mas também em “Settler colonialism and the elimination of the native” (2006) e sua obra póstuma Traces of history: Elementary structures of race (2016).

Teorias sobre o colonialismo de povoamento, apesar de chocantes e difíceis de serem digeridas, são razoavelmente bem difundidas em países de colonização inglesa, especialmente nas “colônias do modelo Nova Inglaterra”, de onde parte o interesse inicial pelos fenômenos examinados. Replenishing the Earth: The settler revolution and the rise of the anglo world (2009), de James Belich, por exemplo, tem seções específicas para o colonialismo de povoamento promovido pela Espanha, Portugal, Rússia e China para fins comparativos, mas centra-se no caso especial da Grã-Bretanha, cujas colônias, após o reconhecimento da independência dos EUA, tornaram-se uma espécie de “entidade transcontinental e transnacional”, em que a língua e a cultura compartilhadas serviram como “lubrificante” para a transferência de “coisas, pensamentos e pessoas”, incentivando o fluxo e a aceitação de inovações. Isso se configuraria numa verdadeira revolução em termos de colonialismo, colocando as colônias de povoamento anglófonas em evidência na história mundial (Belich, 2009BELICH, James. Replenishing the Earth: The Settler Revolution and the Rise of the Anglo World, 1783-1939. Oxford: Oxford University Press, 2009., p. 49).

No Brasil, no entanto – onde a herança de Casa Grande e Senzala e as ideias do brasileiro cordial e de uma colonização mais gentil que o hibridismo teria proporcionado ainda persistem em certos círculos e influenciam a mentalidade popular, colocando muito mais ênfase na exploração dos afrodescendentes do que na exploração dos povos indígenas (Wolfe, 2016WOLFE, Patrick. Traces of History: Elementary structures of race. London: Verso, 2016., p. 136) – os estudos sobre colonialismo de povoamento não são suficientemente conhecidos, assim como, até o momento, tampouco há muitos textos a esse respeito em língua portuguesa, ou sobre a aplicabilidade dos conceitos à situação brasileira. Este artigo, como seu próprio título expressa, pretende contribuir para essa área de pesquisa no Brasil, atenuando essa carência teórica e procurando identificar, elucidar e questionar alguns dos conceitos fundamentais desse campo de conhecimento, incentivando abordagens comparativas e adaptação de teorias criadas mais especificamente para o mundo anglófono ao contexto brasileiro.

Patrick Wolfe e a lógica da eliminação

A obra de Veracini, como vimos, parte dos preceitos basilares de Patrick Wolfe sobre a diferenciação entre colonialismo e colonialismo de povoamento. No colonialismo per se (franchise colonialism), o objeto principal do colonizador, Wolfe (1999, p. 163, minha ênfase e tradução própria)WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the transformation of anthropology. London: Cassel, 1999. assevera, é o trabalho do colonizado, ou seja, “o valor excedente que deriva da mistura do trabalho nativo com a terra”. A característica primária do colonialismo é a exploração. Já o colonialismo de povoamento tem como objeto de desejo a própria terra. Sua característica primária é a substituição dos indivíduos indígenas pelos europeus; sua lógica é, portanto, a eliminação (que pode ser, como veremos, literal ou metafórica) da população indígena, por genocídio ou várias outras estratégias. Dessas reflexões provêm a famosa tese de Wolfe (1999, p. 163, tradução própria): no colonialismo de povoamento “a invasão é uma estrutura, não um evento” na vida do colonizado.

O artigo de 2006 de Wolfe “Settler colonialism and the elimination of the native” fundamenta-se na contraposição evento/estrutura para examinar a “lógica da eliminação” que esse binarismo esconde. Mais especificamente, a popularidade acadêmica desse texto (que muito contribuiu por consolidar o nome de Wolfe nesse campo de estudos) jaz no pressuposto de que o colonialismo de povoamento, com seu interesse fundamental na terra do colonizado, “destrói para substituir” (Wolfe, 2006WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. n. 8. vol. 4, p. 387-409, dez. 2006., p. 388, tradução própria),9 9 “destroys to replace” o que transforma o processo de descolonização em algo muito mais complexo, mas não impossível, como a última seção de Settler colonialism: A theoretical overview (2010, p. 104-116) procura demonstrar.

A centralidade desse tema para os estudos sobre colonialismo de povoamento e a relevância acadêmica do artigo justificam uma análise mais aprofundada desse texto.

Um dos exemplos citados por Wolfe que melhor elucida os movimentos de destruição e substituição instaurados pelo colonialismo de povoamento é o episódio histórico conhecido como Trail of Tears (“Caminho das Lágrimas”), referindo-se às calamitosas remoções em massa de indígenas das etnias Cherokee, Creek, Choctaw, Chickasaw e Seminole de suas terras ancestrais no sudeste dos EUA (hoje Georgia, North Carolina, Tennessee e Alabama) para a região do “Território Indígena” (hoje Oklahoma). Essas remoções forçadas custaram a vida de multidões.10 10 Devido à exiguidade das fontes primárias e à imprecisão dos dados, o número total de óbitos varia grandemente e é bastante contestado. As remoções foram resultado da lei conhecida como Indian Removal Act, aprovada em 1830 após grande mobilização e pressão dos settlers sulistas. Essa legislação, sustentada pessoalmente pelo então Presidente Andrew Jackson, ignorava acordos legais e tratados firmados anteriores entre indígenas e governo, e tinha como objetivo converter terras indígenas em latifúndios produtores de algodão, o “ouro branco do extremo sul” cultivado por mão de obra negra escravizada (Wolfe, 2006WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. n. 8. vol. 4, p. 387-409, dez. 2006., p. 392), assim como explorar tudo o que a terra produzisse em sua superfície ou abaixo dela.

Prósperas comunidades foram obrigadas, à ponta de baioneta, segundo relatos (Thornton, 1991THORNTON, Russel. The demography of the trail of tears period: a new estimate of Cherokee population losses. In: ANDERSON, William L. (ed.) Cherokee removal: Before and after. Athens: University of Georgia Press, 1991. p. 75-95., p. 79), a abandonar suas propriedades e a embarcar, com pouquíssimas posses, em caravanas precárias organizadas pelo governo. Foram várias as caravanas que percorreram cerca de 8.000 km, cruzando 9 estados, por diversas rotas terrestres e fluviais durante as décadas de 1830 a 1850. A mais emblemática de todas, no entanto, envolveu o povo Cherokee no inverno rigoroso de 1838-39. O percurso sinistro foi denominado pelos Cherokees de Nunna daul isunyi, que significa “O caminho no qual choramos” (Thornton, 1991THORNTON, Russel. The demography of the trail of tears period: a new estimate of Cherokee population losses. In: ANDERSON, William L. (ed.) Cherokee removal: Before and after. Athens: University of Georgia Press, 1991. p. 75-95., p. 77), expressão que acabou se tornando “The Trail of Tears” e abarcando uma vasta gama de eventos migratórios forçados e afetando cerca de 70.000 pessoas indígenas, que foram sendo gradualmente substituídas por centenas de milhares de africanos escravizados (Takaki, 1979, apud Wolfe, 2016WOLFE, Patrick. Traces of History: Elementary structures of race. London: Verso, 2016., p. 29).

Ao contrário do que o senso comum ou até mesmo a historiografia tradicional possam sugerir, a “lógica da eliminação” que rege o colonialismo de povoamento não é, segundo Wolfe (2006, p. 388), motivada diretamente pelo fator fenotípico/raça (ou tampouco religião, etnia, ou grau de civilização), mas pela territorialidade. Isso explicaria o aparente paradoxo de que as etnias mais visadas para a remoção do século XIX foram as que tiveram maior “sucesso” nas negociações com os settlers para acesso às terras11 11 Diferentemente do que ocorreu nas colônias brasileiras ou australianas, em que não havia, ou praticamente não havia, competição de potências estrangeiras pelo território e os povos indígenas podiam simplesmente ser expulsos, os EUA foram aumentando sua área territorial por meio de negociações com potências estrangeiras e com os próprios povos indígenas. Por exemplo, Wolfe chama a compra da Louisiana por Thomas Jefferson (de Napoleão Bonaparte por um preço irrisório) em 1803 de “a maior negociação imobiliária da história”. Já os povos indígenas precisavam ser persuadidos a tomar lado nas negociações fundiárias internacionais e assim, assinavam “tratados” com esta ou aquela potência colonizadora, o que, na prática, simplesmente disfarçava ou postergava sua expulsão (Wolfe, 2006, p. 399-400). , tendo sido “assimiladas” mais prontamente à cultura euroamericana. Essas eram, em outros termos, as “tribos” que os colonizadores consideravam mais “obedientes” ou “civilizadas”. De fato, não é coincidência que as etnias citadas acima ficaram conhecidas como “As Cinco Tribos Civilizadas”. O fato de que esses indivíduos portavam-se “quase como [os colonizadores], mas não exatamente” para fazer uso da famosa conclusão de Bhabha (1994, p. 122)BHABHA, Homi K. Of mimicry and men: The ambivalence of colonial discourse. In; The location of culture. London: Routledge, 1994. p. 121-131. sobre o que o colonizador espera do colonizado, não as poupou da brutalidade do colonialismo de povoamento. Muito pelo contrário.

Os Creeks, Choctaws, Chickasaws e Seminoles e especialmente os Cherokees, eram conhecidos por suas bem-organizadas e produtivas fazendas, localizadas em terrenos férteis e que utilizavam, como as fazendas dos settlers, trabalho de africanos escravizados. Eles também tinham representação oficial na sociedade local, tendo estabelecido suas próprias constituições, seguindo o modelo euroamericano. Tinham seu próprio jornal, o Cherokee Phoenix, além de terem criado um sistema de escrita de sua língua original (Wolfe, 2016WOLFE, Patrick. Traces of History: Elementary structures of race. London: Verso, 2016., p. 169, tradução própria). “Por que”, então, ironiza Wolfe sobre os Cherokees, “os distintos habitantes da Georgia desejariam livrar-se desses vizinhos tão cultos?”12 12 “Why should genteel Georgians wish to rid themselves of such cultivated neighbours?” Além da óbvia cobiça por suas terras, a resposta está no fato de que eles formavam uma sociedade coesa, e o conjunto de adaptações à vida euroamericana que desenvolveram significava “permanência”, com todas as suas consequências ameaçadoras para o settler (Wolfe 2006WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. n. 8. vol. 4, p. 387-409, dez. 2006., p. 396). Ao tornarem-se bem-sucedidos fazendeiros, emulando o estilo de vida dos settlers e conquistando direitos à cidadania, os Cherokees estavam perigosamente desconstruindo estereótipos há muito utilizados para justificar sua expropriação e remoção: a “incurável selvageria” que impossibilitava o convívio com o branco, o mito do índio vadio e itinerante que não se adaptava a uma habitação fixa, ou o índio como um ser primitivo predestinado a desaparecer (Wolfe, 2016WOLFE, Patrick. Traces of History: Elementary structures of race. London: Verso, 2016., p. 168; 169).

Enquanto o indígena “assimilado”, apartado de suas tradições e amalgamado no cadinho euroamericano era mais facilmente persuadido a vender suas terras, a sobrevivência pujante das “tribos civilizadas” em forma de comunidades íntegras e, em certa medida, mantenedoras de suas relações ancestrais com a terra, constituíam uma fonte de ansiedade constante para o settler, o chamado “Indian problem” (Wolfe, 2016WOLFE, Patrick. Traces of History: Elementary structures of race. London: Verso, 2016., p. 171). Além disso, se por um lado o “índio civilizado” precisava desaparecer literal e/ou metaforicamente para que o settler pudesse prosperar, por outro a civilidade do settler necessitava ser fabricada discursivamente, como Veracini (2010)VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010. vai explorar em detalhes nos capítulos 3 e 4 de Settler colonialism. O resultado é que até hoje nos chegam estereótipos dos desbravadores dessa época coloridos pela mitologia do Velho Oeste. Esse nobre settler, no entanto, imbuído do espírito de aventura, da bravura e da nobreza de caráter típica dos cowboys e famílias pioneiras construindo uma nação estava longe da realidade.

No frenesi de especulação fundiária encetado pela remoção indígena, logo após a expulsão dos antigos proprietários Cherokees, Creeks, Choctaws, Chickasaws e Seminoles, as fazendas, muito visadas por sua boa organização e produtividade, eram literalmente invadidas por uma categoria de indivíduos que, segundo relatos da época (Thornton, 1991THORNTON, Russel. The demography of the trail of tears period: a new estimate of Cherokee population losses. In: ANDERSON, William L. (ed.) Cherokee removal: Before and after. Athens: University of Georgia Press, 1991. p. 75-95., p. 79), eram chamadas de rabble (“gentalha”, “ralé”). Como ressalta Wolfe (2006, p. 392)WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. n. 8. vol. 4, p. 387-409, dez. 2006., as autoridades fechavam os olhos para os atos ilegais e a imoralidade dos indivíduos que normalmente seguiam na cola das tropas encarregadas da desapropriação dos povos indígenas. Esses grupos de homens aventureiros (no pior sentido da palavra), muitos deles provenientes das classes despossuídas na Grã-Bretanha, incluíam caça-fortunas, pilhadores, embusteiros, vagantes e usurários. Significativamente, dentre as primeiras ações desses invasores estava a queima das casas das fazendas, importantes símbolos de permanência e posse, que ameaçavam o colonialismo de povoamento. A isso normalmente se seguia o roubo do gado e de outros rebanhos e até mesmo a profanação de sítios sagrados em busca dos metais preciosos deixados em sepulturas indígenas (Wolfe, 2006WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. n. 8. vol. 4, p. 387-409, dez. 2006., p. 396).

As ações funestas desses indivíduos acabavam sendo úteis para o establishment e eram normalizadas após algum tempo, tornando-se, segundo Wolfe, a principal estratégia de expansão da fronteira. Assim era posta em prática a “soberania” que o settler carregava consigo desde a sua partida da metrópole europeia e que o diferia de um simples migrante: a si mesmo, por meio do que Wolfe denomina de “retórica” ou “doutrina do descobrimento”, o settler reservava o direito do “domínio” sobre as terras, enquanto ao indígena era imposto o “direito de ocupação” e a restrição de venda a outras partes que não ao “descobridor” das terras (Wolfe, 2006WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. n. 8. vol. 4, p. 387-409, dez. 2006., p. 392, tradução própria).

Mas o processo de destruir para substituir ainda não estava completo. Quanto aos retirantes sobreviventes ao Caminho das Lágrimas, após enfrentarem as penosas condições físicas e psicológicas da jornada – intempéries, subnutrição, enfermidades e brutalidade militar – e se estabelecerem no Território Indígena a eles alocado pelo Indian Removal Act ao oeste do Rio Mississipi, estes não teriam muito tempo ou condições físicas para se recuperarem e usufruir de suas novas propriedades, já que os efeitos danosos dos maus tratos da jornada rumo ao oeste seriam sentidos por décadas, em forma de redução da fertilidade e aumento na mortalidade nas comunidades (Thornton, 1991THORNTON, Russel. The demography of the trail of tears period: a new estimate of Cherokee population losses. In: ANDERSON, William L. (ed.) Cherokee removal: Before and after. Athens: University of Georgia Press, 1991. p. 75-95., p. 77; 2004THORNTON, Russel. Historical demography. In: BIOLSI, Thomas (ed.). A companion to the anthropology of American Indians. Malden: Blackwell Publishing, 2004. p. 24-48., p. 28).

Juntava-se a isso a questão da territorialidade. Enquanto os indígenas do leste eram direcionados para o oeste (convenientemente, para os settlers, durante o trajeto os retirantes entravam em conflito com os indígenas de outras etnias que já habitavam essas terras há gerações e não reconheciam os tratados realizados do outro lado do país), uma outra onda de “desbravamento” da fronteira já estava em curso no sentido inverso, vinda do Pacífico. O encontro das duas fronteiras gerou uma situação em que não havia mais espaço para novas remoções, significando, do ponto de vista do settler, o “fechamento da fronteira”, ou o fim da possibilidade de expansão das áreas a serem tomadas dos povos indígenas. A partir da década de 1870, a alternativa encontrada pelo governo foi encorajar os programas de assimilação para, assim, possibilitar aos settlers adquirir terras indígenas com maior facilidade. O Allotment Act, lei que possibilitava a divisão do território indígena em lotes que poderiam ser vendidos aos brancos, foi uma dessas iniciativas (Wolfe, 2006WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. n. 8. vol. 4, p. 387-409, dez. 2006., p. 399-400). Ao serem “assimilados” e conquistarem “cidadania”, os indígenas se individualizavam e tinham sua identidade ancestral enfraquecida pela perda de contato físico com suas comunidades: “a mágica da posse da propriedade privada retiraria os Índios de sua inércia coletiva como membros das tribos, impelindo-os para o progressivo individualismo do sonho americano” (Wolfe, 2006WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. n. 8. vol. 4, p. 387-409, dez. 2006., p. 400, tradução própria).13 13 “the magic of private property ownership would propel Indians from the collective inertia of tribal membership into the progressive individualism of the American dream.”

Desse modo, conclui Wolfe (2016, p. 166)WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. n. 8. vol. 4, p. 387-409, dez. 2006., contrariando o senso comum que sempre as consideraram antitéticas, remoção e assimilação seriam “dois lados da mesma moeda”(Wolfe, 2006WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. n. 8. vol. 4, p. 387-409, dez. 2006., p. 393, tradução própria), com a assimilação se tornando somente um eufemismo para as intenções de apagamento / destruição / extermínio / extinção de indígenas. Para provar esse ponto, Wolfe aproxima duas frases famosas, a primeira do General genocida da Guerra da Secessão e das Guerras Indígenas Phil Sheridan (1831-1888), de que “O único índio bom é um índio morto”14 14 “The only good Indian is a dead Indian.” e a segunda do “bem intencionado” Brigadeiro-General Richard Pratt (1840-1924), fundador de um internato filantrópico para jovens indígenas e determinado a exterminar somente a “raça” desses jovens, mantendo sua “essência” humana: “Mate o índio que há nele e salve o homem” (Wolfe, 2006WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. n. 8. vol. 4, p. 387-409, dez. 2006., p. 397, minhas traduções).15 15 “Kill the indian in him and save the man.” No colonialismo de povoamento, genocídio, mortes em massa, assassinatos e desapropriação cultural aparecem sob diversas formas e disfarces.

Essas reflexões de Wolfe sobre a eliminação, literal ou não, do indígena são elaboradas e organizadas por Veracini em Settler colonialism: A theoretical overview (2010). Ao examinar o que denomina de “economia da população” no colonialismo de povoamento e buscar um termo flexível o suficiente e que abrangesse tanto o aspecto literal (a morte) quanto o aspecto metafórico (o apagamento) da lógica de eliminação do Outro Indígena, Veracini (2010, p. 34)VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010. chega ao termo “transferência”, listando 26 táticas de transferência possíveis. Selecionamos abaixo algumas delas, seguidas de exemplos pertinentes ao contexto brasileiro:

Na transferência necropolítica (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 35) entidades militares promovem a “aniquilação” do Outro Indígena, incluindo genocídio e mortes em massa. Foi o que ocorreu no Brasil, conforme levantamentos publicados pelo Relatório da Comissão da Verdade, que trata da violação de direitos humanos durante o período do militarismo no país. Os estudos estimam em mais de 8.350 o número de pessoas indígenas mortas, por ação direta ou indireta do governo, durante a ditadura militar (KEHL, 2014KEHL, Maria Rita. Violação de direitos humanos dos povos indígenas. In: COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, Textos temáticos. Vol. 2. Dez. 2014. p. Disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/Volume%202%20-%20Texto%205.pdf Acesso em: 03 de agosto de 2023.
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, p. 205). Outro exemplo, ocorrido em abril de 1998, é a fala do então Deputado Federal Jair Bolsonaro, publicada no Diário da Câmara, durante uma discussão sobre intervenção das forças armadas norte-americanas na Amazônia. Bolsonaro, criticando o fato de que, segundo ele, somente 8.000 “índios” Yanomami viviam numa área equivalente a duas vezes o estado do Rio de Janeiro, observou que que “realmente, a Cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a Cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema” (República Federativa Do Brasil, 1998REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LIII, n. 64, 16 abr. 1998. Disponível em: https://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD16ABR1998.pdf. Acesso em: 15 mai 2024.
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). Ocorrem também, no momento de escrita deste artigo, várias discussões sobre a pertinência ou não do termo “genocídio” para caracterizar as centenas de mortes de pessoas indígenas no Território Indígena Yanomami seguindo recorrentes omissões e violações de direitos humanos fundamentais nos últimos anos (Steyner; Pereira, 2023STEYNER, Sylvia Helena; PEREIRA, Flávio de Leão Bastos. Extermínio do povo Yanomami e repercussões no direito penal internacional. Le Monde Diplomatique Brasil. 3 de fevereiro de 2023. Disponível em: https://diplomatique.org.br/exterminio-do-povo-yanomami-e-repercussoes-no-direito-penal-internacional/. Acesso em: 05 out. 2023.
https://diplomatique.org.br/exterminio-d...
).

Outra forma de suprimir a presença indígena é a deportação, ou transferência étnica (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 35), que seria a estratégia de transferência representada pelo Caminho das Lágrimas nos EUA. Esse tipo de transferência ocorreu no Brasil em diversos momentos históricos, entre eles nas décadas de 1970 e 1980, quando, por exemplo, o povo Avá-Guarani do oeste do Paraná perdeu parte da sua reserva para a construção de Itaipu e foi obrigado a se mudar para outros locais no Brasil e para o Paraguai (Navarra, 2019NAVARRA, Júlia C. Caso Avá-Guarani e a UHE Itaipu Binacional sob os olhares da Justiça de Transição. Campos: Revista de antropologia. v. 20, n. 2, p. 135-154, jul./dez. 2019., p. 141).

O discurso e as práticas de “adaptação” do Outro Indígena aos padrões hegemônicos do settler são denominados transferência por assimilação (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 37). Segundo o levantamento da Primeira Conferência Nacional de Política Indigenista (2015, p. 6-8), políticas de assimilação têm sido adotadas no país desde o século XVII, buscado suprimir os estilos de vidas tradicionais dos povos indígenas, almejando “assimilá-los” e torná-los “cidadãos comuns”. Por muito tempo, tais medidas desencorajaram a identificação de descendentes de indígenas com suas etnias originais, afetando os critérios de autodefinição e os levantamentos demográficos, o que contribuiu para a falsa impressão de que o Outro Indígena estava fadado a desaparecer por completo (ver transferência contábil abaixo).

Já a transferência contábil (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 39) consiste na manipulação de estudos estatísticos, com o objetivo de alterar a percepção da demografia de um grupo. Exemplos dessas mudanças de categorias podem ser verificadas nos recenseamentos demográficos brasileiros. O documento de 1872 incluía a categoria “caboclo”, substituída por “mestiço” em 1890 e por “pardo” em 1940, misturando categorias de cor e raça (Petruccelli; Saboia, 2013PETRUCCELLI, J. L.; SABOIA A. L. (Org.) Características étnico-raciais da população: classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE, 2013., p. 87-88) e afetando, como na transferência por assimilação citada acima, iniciativas de identificação étnica e critérios de autodefinição. Em sociedades criadas por colonialismo de povoamento, a reprodução de pessoas escravizadas vai ao encontro dos interesses econômicos do settler, enquanto, como vimos, a lógica da eliminação torna indesejável a presença de indígenas. Isso ajudaria a explicar o sistema de categorizações étnicas do Brasil que Wolfe considera “extravagante” e de “complexidade barroca”, já que se verificam cerca de 500 termos diferentes para descrever tipos raciais. Porém a maioria preponderante desses termos refere-se à combinação africano + branco e pouquíssimos à combinação indígena + branco (Wolfe, 2015WOLFE, Patrick. Traces of History: Elementary structures of race. London: Verso, 2016., p. 203-204). Essa constatação sugere que até mesmo linguisticamente o settler brasileiro tem resguardado seus interesses. Em uma nota positiva, o censo demográfico de 2022, registrou um crescimento de 88,8% na população indígena brasileira, em comparação com 2010. Isso pode se ser consequência de uma mudança da metodologia adotada pelo IBGE, ao incluir no questionário de recenseamento a pergunta “Você se considera indígena?”, que foi aplicada em locais não oficialmente considerados terras indígenas, mas que conhecidamente têm significativa presença de indivíduos descendentes de povos originários (Mori, 2023MORI, Letícia. O que explica alta de quase 90% na população indígena registrada pelo Censo 2022. BBC News Brasil. 7 ago 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c6pw10g6w4xo. Acesso em: 12 dez. 2023.
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). No recenseamento anterior utilizava-se a expressão “cor parda” para a autoidentificação indígena, uma expressão que, além de pejorativa em muitos contextos, se refere a uma cor de difícil definição. Percebe-se, assim que transferência contábil, transferência por assimilação e transferência por autenticidade repressiva (ver abaixo) podem estar intimamente relacionadas.

A transferência por autenticidade repressiva (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 40) estabelece regras para determinar quem pode ser considerado um “autêntico” indígena. Na década de 1970, por exemplo, o discurso jurídico do governo militar brasileiro tentava impor diferentes categorizações (tais como “isolados”, “silvícolas”, “aculturados”, “urbanos”, “citadinos”) sob a justificativa de “proteger” os povos indígenas, mas com o real intento de “tutelar” os “silvícolas” e “emancipar” os “urbanos” (Lima, 2015LIMA, Antonio Carlos de Souza. Sobre tutela e participação: Povos indígenas e formas de governo no Brasil, séculos XX/XXI. Documenta, v. 2, n. 21, ago. 2015.). Em um exemplo mais recente, de 2019, o Ministro da Educação do Governo Bolsonaro Abraham Weintraub entrou em uma altercação com manifestantes no Pará e, numa tentativa de questionar a autenticidade de um manifestante indígena que o criticava, dirigiu-lhe a seguinte frase, seguida de insultos: “Não é porque você está com cocar que você é mais brasileiro do que eu [...]” (Maisonavve, 2019MAISONAVVE, Fabiano. Ministro da Educação Abraham Weintraub discute com manifestantes no Pará. Folhapress. 22 de julho de 2019. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2019/07/ministro-da-educacao-abraham-weintraub-discute-com-manifestantes-no-para-cjyf6axq8011d01p1sw7poiyx.html. Acesso em: 13 out. 2023.
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).

Há também diversas categorias de transferência narrativa (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 41-43), bastante relevantes para os estudos literários, tais como: caracterizar povos indígenas como primitivos para sempre (se usa telefone celular a pessoa não deveria autodefinir-se como indígena, para citar um exemplo); narrativas “históricas” que determinam que os indígenas estão fadados a desaparecer; narrativas nas quais os settlers se autodefinem como “nativos” etc. O indianismo brasileiro do século XIX representa bem esse último tipo de transferência. Nessa época, em que, tanto em ambientes urbanos quanto rurais, a eliminação dos indígenas já estava adiantada, propagou-se um modismo em que muitos intelectuais brancos urbanos adotaram nomes indígenas para instituições e para si mesmos, em defesa da recém-conquistada identidade política independente de Portugal. Nessa veia surgiram célebres nomes, títulos e apelidos indianistas: os irmãos Andrada criaram o Jornal Tamoyo; o clérigo nacionalista Luís Gonçalves dos Santos adotou o apelido de Padre “Perereca”; outro patriota, José Caetano de Mendonça, acrescentou “Jararaca” ao sobrenome, dentre outros exemplos citados por Isabel Lustosa (2000, p. 51-55)LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos: a Guerra dos jornalistas na Independência (1821- 1823). São Paulo: Companhia das Letras, 2000..

Talvez o modo de transferência mais visível na contemporaneidade seja a transferência por mudança coagida de estilo de vida (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 44), um sinônimo para desapropriação cultural, que ocorre quando “o que é removido é o modo de vida e a organização social e política indígenas”. A gravura de Debret na introdução deste artigo evidencia esse tipo de transferência, que tem se repetido ao longo dos séculos. No início de 2023 foram trazidos a público fatos contundentes sobre as ações e consequências do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanonami. Mataveli et al. (2022)MATAVELI, Guilherme et al. Mining is a growing threat within indigenous lands of the Brazilian Amazon. Remote sensing, v. 14 n. 16, 2022. Disponível em: https://www.mdpi.com/2072-4292/14/16/4092. Acesso em: 10 de novembro de 2023.
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estimam que em 2022 existiam nada menos de 20.000 garimpeiros ilegais dentre os 30.000 habitantes da Terra Indígena Yanomami, causando mudanças devastadoras no estilo de vida dessas comunidades, que, historicamente, sempre sofreram com as consequências dessa modalidade de transferência. Em fevereiro de 2023, o líder Yanomami Davi Kopenawa apresentou o relatório “Yanomami sob ataque” ao Subsecretário Geral para Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, na sede do órgão em Nova Iorque. O relatório, de autoria da Hutukara Associação Yanomami e da Associação Wanasseduume (2022)HUTUKARA ASSOCIAÇÃO YANOMAMI; ASSOCIAÇÃO WANASSEDUUME. Yanomami sob ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo. Abril de 2022. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/documents/prov0491_0.pdf Acesso em: 17 set. 2023.
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, documenta, com base em dados de 2021 (governo Bolsonaro), os efeitos da maior onda de garimpo ilegal já ocorrida no Território Yanomami. O documento também denuncia a elevação de vários índices, tais como crime organizado, crimes sexuais, feminicídio, tráfico de armas e escravidão por dívida. Os dados que mais chocaram a sociedade brasileira, no entanto, foram os relativos ao agravamento do estado de saúde geral das comunidades (com aumento da ocorrência de malária, má formação congênita, neoplasias e doenças do sistema nervoso, entre outras) e à subnutrição alarmante entre a população, especialmente a infantil. O relatório explicita os mecanismos pelos quais o garimpo ilegal impacta radicalmente o estilo de vida da população indígena da região:

A desnutrição infantil é um fenômeno complexo e multicausal, mas no contexto Yanomami, a influência do garimpo é inequívoca e determinante. Como indicam os próprios indígenas, o problema não é a ausência absoluta de alimentos, mas a escassez relativa resultante da desestruturação social e econômica que a invasão garimpeira acarreta: as doenças impedem as pessoas de trabalhar e cuidar dos filhos; os jovens deixam de contribuir nas atividades produtivas para trocarem sua mão de obra por restos de alimentos e objetos usados no garimpo; armas e bebidas alcoólicas introduzidos pelos garimpeiros acirram conflitos internos e deflagram guerras intercomunitárias. Além é claro, da destruição ambiental que reduz a disponibilidade de terra fértil, pescado e alimentos para coleta no entorno das casas.

(Hutukara Associação Yanomami; Associação Wanasseduume, 2022, p. 55)

Ao realizar uma listagem exaustiva, incluindo tanto as diversas categorias de remoção física, quanto suas variantes discursivas, o trabalho de Veracini aprofunda, organiza e complementa as teorias pioneiras de Wolfe quanto à lógica da eliminação no colonialismo de povoamento. Já o fato de podermos encontrar exemplos de várias dessas estratégias de transferência ao longo da história do Brasil e na sociedade brasileira contemporânea, reforça um dos objetivos deste artigo que é o de sugerir a possibilidade de aproximação/adaptação de teorias criadas mais especificamente para o mundo anglófono ao contexto brasileiro.

Veracini e a complexidade do papel do settler

O axioma de Wolfe (2006, p. 392, tradução própria)WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. n. 8. vol. 4, p. 387-409, dez. 2006. de que a elaboração da complexidade do colonialismo de povoamento pode “sustentar bibliotecas”16 16 “the structural complexity of settler colonialism could sustain libraries of elaboration” expressa muito bem os meandros teóricos desse campo de estudos multidisciplinar. De fato, a complexidade do papel do settler nos Estudos sobre Colonialismo de povoamento se reflete nos vários dualismos utilizados por Veracini para se referir a ele, que seriam auto-excludentes no senso comum, mas que, no colonialismo de povoamento, são concomitantes: O settler se vê como colonizador e como colonizado (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 5); o settler tende à Europeização e à indigenização” (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 21-22); o settler ambiciona tornar-se mais “autenticamente” local / rústico / tradicional e mais sofisticado / metropolitanizado / europeizado / modernizado; o settler teme e inveja/deseja o Outro Indígena (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 9). Em suma: “Porque vem de outro lugar e se vê permanentemente alocada, a sociedade criada pelo settler é indígena e exógena ao mesmo tempo” (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 20).

Uma das justificativas para essa complexidade está na própria posição instável e ambivalente do settler, que assim é explicada por Johnston e Lawson:

O movimento teórico crucial a ser feito é enxergar o “settler” em sua posição incerta encurralado entre dois Primeiros Mundos, duas fontes de autoridade e autenticidade. Uma delas é o mundo originário da Europa, o Império – a fonte de sua autoridade cultural principal. Seu “outro” Primeiro Mundo é aquele das Nações Originárias cuja autoridade [os settlers] não só substituíram e apagaram, como também desejaram

(Johnston; Lawson, p. 370, tradução própria).17 17 “The crucial theoretical move to be made is to see the ‘settler’ as uneasily occupying a place caught between two First Worlds, two origins of authority and authenticity. One of these is the originating world of Europe, the Imperium – the source of its principal cultural authority. Its ‘other’ First World is that of the First Nations whose authority they not only replaced and effaced but also desired.”

Terry Goldie (1989, p. 13, tradução própria)GOLDIE, Terry. Fear and temptation: the Image of the Indigene in Canadian, Australian and New Zealand Literatures. Montreal: McGill-Queen’s University Press, 1989. aponta para outra questão relacionada à instabilidade da posição do settler em busca de sua própria indigenização. A “ilusão” de pertença ao lugar, construída após séculos de prática de transferência, acaba até mesmo invertendo, na imaginação, as posições settler/Outro Indígena (o que, na terminologia de Veracini, se constituiria em transferência por autenticidade repressiva e/ou transferência narrativa). Tomando como paradigma o settler canadense contemporâneo, Goldie observa: “O canadense branco olha para o Índio. O Índio é o Outro e, portanto, estrangeiro. Mas o Índio é indígena e, portanto, não pode ser estrangeiro. Portanto, o Canadense deve ser o estrangeiro. Mas como o canadense pode ser estrangeiro no próprio Canadá?”18 18 The White Canadian looks at the Indian. he Indian is Other and therefore alien. But the Indian is indigenous and therefore cannot be alien. So the Canadian must be alien. But how can the Canadian be alien within Canada? Veracini (2010, p. 21-22, tradução própria)VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., partindo dessa reflexão de Goldie, define indigenização no colonialismo de povoamento como a “necessidade premente [do settler] de transformar um laço histórico (“nós viemos aqui”) em um laço natural (“a terra nos fez”).19 19 “crucial need to transform an historical tie (‘we came here’) into a natural one (‘the land made us’)”

Com frequência, o settler também “usa máscaras” para disfarçar suas verdadeiras intenções e o caráter truculento do colonialismo de povoamento. Esses disfarces podem assumir diferentes formas, caracterizando-o ora como vítima, ora como herói, dependendo da alegação defendida. Veracini (2010, p. 14)VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010. assim resume algumas das possibilidades: O settler pode, por exemplo, se colocar como só mais uma categoria de migrante procurando uma vida melhor. Outra autocategorização é a do settler como vítima de uma metrópole injusta, um refugiado fugindo de um sistema político/religioso opressor (lembremos que o settler não é um migrante ou refugiado, mas alguém que transporta sua própria soberania consigo). Ele também pode se colocar no papel de um trabalhador extremamente esforçado que luta contra um ambiente hostil para sustentar sua família. A eugenia também pode servir de justificativa para o settler, quando este se transveste em purificador étnico, o que chega a uma “nova” terra, para começar uma “nova” vida, enquanto o Outro Indígena primitivo estaria fadado a desaparecer da face da terra, de qualquer modo. Outro discurso frequente é o de que esse tipo de violência, quem cometeu foram os antepassados europeus, enquanto “eu sou brasileiro (americano, canadense, australiano...) e não devo responder pelos crimes dos meus tataravós”. Mais uma variação do mesmo discurso é a de que a violência terminou com os aventureiros do passado, os desbravadores das florestas e sertões (os protagonistas das expedições conhecidas como “bandeiras” no Brasil, ou da corrida para o oeste nos EUA, por exemplo).

Uma estrutura triangular, com o settler encurralado entre dois mundos e desempenhando mais de um papel concomitantemente, explicaria, segundo Veracini, a maior complexidade do colonialismo de povoamento em relação ao colonialismo per se. No colonialismo a relação colonizador-colonizado é, basicamente, dúplice. Via de regra, no colonialismo o colonizador se desloca até a colônia para explorar o trabalho do colonizado na extração de riquezas. Após algum tempo de usufruto direto dos lucros dessa exploração, os agentes europeus retornam à metrópole imperial. Isso pode ser claramente identificado como um processo de descolonização, normalmente o resultado de ações de resistência encetadas pelo colonizado. Nesse caso, a metrópole se mantém permanentemente distinta da periferia: durante todo o período em que vigora o colonialismo de franquia, o europeu mantém sempre seu status de colonizador. Daí sua estrutura dúplice (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 6).

O colonialismo de povoamento, no entanto, se caracteriza por posições mais instáveis para as partes envolvidas, em comparação ao colonialismo per se. O Brasil pode servir como exemplo dessa maior instabilidade, como podemos observar na figura abaixo:

Figura 4
Desenvolvimento da relação triangular no colonialismo de povoamento

Percebe-se que, quando da chegada dos primeiros portugueses ao Brasil, a configuração colonial envolve, basicamente, duas categorias de atores sociais, que lembram o colonialismo tradicional. Nesse momento, o settler, representante da metrópole europeia, desempenha o papel de colonizador sobre toda a população indígena, numericamente muito superior. Com o passar do tempo, no entanto, os settlers vão eliminando, por meio, como vimos, de estratégias de transferência, o Outro Indígena, tornando-se demograficamente superiores.

A Independência marca o momento oficial em que o controle exercido pela metrópole (cada vez mais indesejado à medida que a linha do tempo avança) se dissipa. Quando essa interferência europeia não é mais aceita, a posição do settler vai se modificando: se no início ele representava a metrópole, reconhecendo, até certo ponto, a autoridade da potência europeia, agora ele é o colonizado rebelde. Porém, como manteve a soberania trazida da metrópole, ele continua exercendo, concomitantemente ao papel de colonizado ante a “pátria-mãe”, o papel de colonizador ante o Outro Indígena. A posição do settler é instável, não só porque seu status se transforma no decorrer do tempo e a triangulação é temporária, mas também porque a mera presença do Outro Indígena deslegitima seu direito autoproclamado ao território. A existência do Outro Indígena é uma constante fonte de ansiedade, pois remete à lógica da eliminação e à violência fundacional da “nação” sobre as quais o settler construiu seu poderio (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 33-34).

Segundo Veracini, nas colônias de povoamento a configuração triangular é crucial e é mantida mesmo com a remoção do elemento “metrópole imperial” da equação. Eventualmente, o Outro Exógeno (migrante livre ou forçado) é introduzido ou tem seu papel reforçado, para que o equilíbrio triangular se reestabeleça. Apesar da semelhança básica entre settler e migrante/Outro Exógeno (ambos vieram de outro lugar para estabelecer raízes), é de fundamental importância para o settler manter as diferenças entre seu próprio status e o status do Outro Exógeno. O settler, que, como vimos, mantém o autogoverno, não se vê como migrante e o contrato social que ele forma com o migrante determina que este esteja sempre sujeito à ordem estabelecida por aquele (ou seja, o migrante deve ser impedido de alcançar a soberania – fato que se comprova nas lutas das minorias étnicas exógenas por representação política nas nações multiculturais contemporâneas).

Enquanto a presença do Outro Indígena parece sempre ameaçar o direito do settler à terra e lhe recordar da violência fundacional, a presença do Outro Exógeno é muito bem-vinda, pois reforça a sensação de indigenização do próprio settler, que lhe é preciosa. O Outro Exógeno possibilita que o settler exerça sua soberania sobre mais um grupo social e reforça sua crença no direito (autoproclamado) à terra do Outro Indígena, que o Outro Exógeno também pode usufruir, desde que siga as regras estabelecidas pelo settler (Veracini, 2010VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 26-27).

Para a Área de Letras importa sobremaneira o fato de que a instabilidade da posição do settler e os dualismos e máscaras que isso gera tendam a se transformar em complexidade discursiva, complexidade essa que nem sempre se coaduna com narrativas utilizadas pelos meios oficiais para justificar o colonialismo de povoamento e que, após séculos de reforço, nos parecem “naturais”. Como exemplos de discursos oficiais institucionalizados pela história, direito e ciência podemos citar a retórica do descobrimento do Novo Mundo, o preceito de terra nullius (terra de ninguém), proveniente do direito romano e adotado para desapropriar os povos originários da Austrália, e os conceitos eurocentrados de primitivismo, paganismo e nomadismo utilizados para justificar a invasão das terras do Outro Indígena mundo afora.

Os dualismos, ambiguidades, dilemas, negações, paradoxos, ambivalências e contradições do colonialismo de povoamento, no entanto, são presença constante na ficção, poesia e drama. Assim a Literatura pode se tornar uma excelente ferramenta analítica para examinar o colonialismo de povoamento e o encontro entre colonizador e colonizado pois, como Veracini (2010, p. 84, tradução própria)VERACINI, Lorenzo. Settler Colonialism: A theoretical overview. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010. afirma, “abordagens não-históricas por vezes demonstram percepção analítica que raramente estão ao alcance de narrativas históricas tradicionais [e] uma reconstrução ficcional talvez seja capaz de capturar um encontro que é mais imaginado que praticado”.20 20 “non-historical approaches sometime display an analytical sharpness that is seldom within the reach of traditional historical narratives, a fictional reconstruction can perhaps better frame an encounter that is more imagined than practiced.” De fato, a obra de Veracini está repleta de exemplos da cultura popular e da literatura, que ele utiliza para ilustrar e esclarecer os fenômenos do colonialismo de povoamento, tais como a trajetória histórico-mítica de Daniel Boone, o pioneiro, caçador, explorador, militar, especulador de terras do final do século XVIII, ou a série Deadwood (2004-2006) da HBO . A fantasia e a ficção científica também podem ajudar a elucidar as sutilezas do colonialismo de povoamento, e Veracini cita o conjunto de contos de 1950, Crônicas marcianas de Ray Bradbury e várias narrativas vampirescas, tais como Drácula, a saga Crepúsculo de Stephanie Meyer, ou a série True Blood (Veracini, 2015VERACINI, Lorenzo The Settler Colonial Present. Basingstoke (UK): Palgrave Macmillan, 2015., p. 71-72). As possibilidades para a Área de Letras são inúmeras.

Porém, a questão da triangulação também é trazida por Veracini (2015, p. 30, tradução própria)VERACINI, Lorenzo The Settler Colonial Present. Basingstoke (UK): Palgrave Macmillan, 2015. para observar que estruturas populacionais híbridas em sociedades formadas por mestiçagem, como seria o caso da América Latina (ele cita especialmente o México e o Brasil), “transtornam estruturalmente a economia da população das sociedades de povoamento [...] e acabam por reproduzir um sistema dualista onde duas categorias constituintes são misturadas sem estarem subsumidas”. 21 21 “Hybrid forms also structurally upset a settler population economy [...] and ultimately reproduce a dual system where two constitutive categories are mixed without being subsumed.” Goebel (2016, p. 139) também faz observação semelhante sobre a dificuldade de inclusão de sociedades colonizadas pela Espanha e Portugal no modelo proposto por Veracini, já que, em países da América Latina, nos quais há altos índices de mestiçagem, a intenção primária do colonizador seria explorar o trabalho do colonizado, deixando a atividade povoadora para segundo plano. Belich (2009, p. 126-128)BELICH, James. Replenishing the Earth: The Settler Revolution and the Rise of the Anglo World, 1783-1939. Oxford: Oxford University Press, 2009. já tinha aventado questão análoga ao argumentar que a “settler revolution” que teoriza seria muito mais visível nas ex-colônias britânicas do que em outras, por envolver um maior contingente de migrantes por um maior período de tempo, por esses migrantes anglófonos tenderem a ser mais “permanentes” do que os provenientes de regiões ao sul da Europa e porque os migrantes anglófonos tentavam reproduzir melhor suas sociedades de origem no país-alvo.

Por outro lado, Sai Englert (2022, p. 17-20)ENGLERT, Sai. Settler colonialism: An introduction. London: Pluto Press, 2022. critica o modelo de Wolfe/Veracini por sua ênfase exagerada na dicotomia exploração/eliminação, que distinguiria o colonialismo de franquia do colonialismo de povoamento. Para Englert, os settlers “vieram para ficar”, mas também, em muitas das sociedades criadas pelo colonialismo de povoamento, exploraram o trabalho indígena, elemento que não deveria ficar em segundo plano. Englert também contesta o fato de que Veracini e Wolfe estariam criando um molde prévio de colonialismo de povoamento, para depois tentar encaixar os objetos de estudo do mundo anglófono nesse padrão, o que tornaria suas teorias excludentes às outras sociedades que sofreram esse tipo de dominação ou dominações semelhantes.

De fato, esses critérios de exclusão das sociedades ditas “híbridas” ainda são insuficientemente explicados nos textos de Veracini e parece haver algum espaço para contestá-los. Tome-se como exemplo o artigo de Desiree Poets, publicado em Settler Colonial Studies, periódico lançado em 2013, com introdução do próprio Veracini, para alavancar essa área de pesquisa. O artigo de 2021 de Poets, intitulado “Settler colonialism and/in (urban) Brazil: black and indigenous resistances to the logic of elimination”, ao explorar o funcionamento do colonialismo de povoamento nas comunidades (respectivamente indígena e quilombola) Maracanã e Sacopã, no Rio de Janeiro, desafia o binarismo apropriação da terra versus exploração do trabalho do colonizado e também a afirmação de Wolfe de que a assimilação ou o hibridismo significam “uma espécie de morte” (Poets, 2020POETS, Desiree. Settler colonialism and/in (urban) Brazil: black and indigenous resistances to the logic of elimination. Settler Colonial Studies. v. 11, n. 3, p. 271-291, 2021.).

Em meu próprio artigo de 2019 “Katharine Susannah Prichard’s Coonardoo and Rachel de Queiroz The year fifteen: a settler colonial reading” realizo uma tentativa tímida (e talvez contestável) de leitura do ponto de vista do colonialismo de povoamento do romance O quinze, de Rachel de Queiroz, colocando o personagem híbrido (“caboclo”) Chico Bento no local do indígena e analisando as diferentes implicações da utilização do termo “caboclo” no enredo, em contraposição à caracterização dos fazendeiros latifundiários que fazem o papel de settlers, virtuosos ou perversos. Afinal, a colonização do Brasil tem as características principais do colonialismo de povoamento como proposto por Wolfe e seus seguidores: os portugueses vieram em 1500 e aqui ficaram, eliminaram por meio de várias estratégias de transferência, como vimos acima, grande parte dos povos indígenas originários (mas também, como em colônias de povoamento anglófonas, exploraram seu trabalho, apesar de isso ser em grande parte desconsiderado na historiografia tradicional), trouxeram um grande contingente de pessoas escravizadas da África e, mais tarde, encorajaram Outros Exógenos de outras partes do mundo a migrarem para o Brasil. O grande desiquilíbrio fundiário no Brasil e a recente onda de invasões em terras indígenas, seguida da tentativa de aprovação de um novo “Marco Temporal” são fortes indícios de que uma maior divulgação, bem como adaptação das teorias sobre colonialismo de povoamento à realidade nacional seria extremamente benéfica.

Considerações finais

O colonialismo de povoamento proporciona um campo de estudos fértil e promissor. Contrariando a visão do colonialismo que o relega ao passado pré-independência, esse tipo de dominação continua produzindo violência e desigualdade na contemporaneidade, como ficou claro pelos exemplos trazidos por este artigo. O colonialismo de povoamento tem alto potencial interdisciplinar e inspirador de novas ideias, permitindo a utilização de ferramentas teóricas e a integração das mais variadas áreas do conhecimento humano: sociologia, antropologia, história, biologia, política, direito, geografia, artes, literatura, cultura popular... É socialmente relevante e encoraja a reflexão e o engajamento em causas urgentes para a justiça social e o bem-estar das sociedades contemporâneas. É uma área de estudos desafiadora das verdades comumente aceitas, mexendo em feridas do mundo atual, que normalmente ficam escondidas debaixo de camadas e camadas de autoengano e negação. Também é desafiadora, no sentido de que ainda se encontra pouco explorada no Brasil e necessita desenvolver uma vertente teórica própria.

  • 1
    “indigenous peoples were colonized on their own territories” / “traditional, pre-colonial cultures which continued to coexist with the new imperial forms.”
  • 2
    “dispossessed and overwhelmed the Indigenous populations”/ “transplanted civilization which eventually secured political independence while retaining a non-Indigenous language.”
  • 3
    “Colonialism is a relationship of domination between an indigenous (or forcibly imported) majority and a minority of foreign invaders. The fundamental decisions affecting the lives of the colonized people are made and implemented by the colonial rulers in pursuit of interests that are often defined in a distant metropolis. Rejecting cultural compromises with the colonized population, the colonizers are convinced of their own superiority and of their ordained mandate to rule.”
  • 4
    “These colonies actively pursued frontier colonization, i.e., agrarian development of inland ‘wilderness,’ which destroyed the environments of native hunters and herdsmen. Because “native” elements were lacking, however, they could not construct a system of domination, which is a basic component of colonialism. These societies were not, therefore, ‘decolonized,’ by stripping the power of the colonists and driving them out, as was the case in Algeria. They won their autonomies as national states as a result of abrupt revolutionary secession (as happened with the thirteen colonies, which then constituted the United States), or by gradual dissociation on basically good terms (Canada, Australia) from the European center of Empire.”
  • 5
    “what in heaven’s name is the reason that the sun never sets on the empire of the dandelion? Perhaps the success of European imperialism has a biological, an ecological, component.”
  • 6
    “the literal possession of land and the physical occupation of disputed space”
  • 7
    “on the unreformed immanence of fundamentally unequal relations”
  • 8
    “Settler colonialism is not finished”
  • 9
    “destroys to replace”
  • 10
    Devido à exiguidade das fontes primárias e à imprecisão dos dados, o número total de óbitos varia grandemente e é bastante contestado.
  • 11
    Diferentemente do que ocorreu nas colônias brasileiras ou australianas, em que não havia, ou praticamente não havia, competição de potências estrangeiras pelo território e os povos indígenas podiam simplesmente ser expulsos, os EUA foram aumentando sua área territorial por meio de negociações com potências estrangeiras e com os próprios povos indígenas. Por exemplo, Wolfe chama a compra da Louisiana por Thomas Jefferson (de Napoleão Bonaparte por um preço irrisório) em 1803 de “a maior negociação imobiliária da história”. Já os povos indígenas precisavam ser persuadidos a tomar lado nas negociações fundiárias internacionais e assim, assinavam “tratados” com esta ou aquela potência colonizadora, o que, na prática, simplesmente disfarçava ou postergava sua expulsão (Wolfe, 2006WOLFE, Patrick. Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. n. 8. vol. 4, p. 387-409, dez. 2006., p. 399-400).
  • 12
    “Why should genteel Georgians wish to rid themselves of such cultivated neighbours?”
  • 13
    “the magic of private property ownership would propel Indians from the collective inertia of tribal membership into the progressive individualism of the American dream.”
  • 14
    “The only good Indian is a dead Indian.”
  • 15
    “Kill the indian in him and save the man.”
  • 16
    “the structural complexity of settler colonialism could sustain libraries of elaboration”
  • 17
    “The crucial theoretical move to be made is to see the ‘settler’ as uneasily occupying a place caught between two First Worlds, two origins of authority and authenticity. One of these is the originating world of Europe, the Imperium – the source of its principal cultural authority. Its ‘other’ First World is that of the First Nations whose authority they not only replaced and effaced but also desired.”
  • 18
    The White Canadian looks at the Indian. he Indian is Other and therefore alien. But the Indian is indigenous and therefore cannot be alien. So the Canadian must be alien. But how can the Canadian be alien within Canada?
  • 19
    “crucial need to transform an historical tie (‘we came here’) into a natural one (‘the land made us’)”
  • 20
    “non-historical approaches sometime display an analytical sharpness that is seldom within the reach of traditional historical narratives, a fictional reconstruction can perhaps better frame an encounter that is more imagined than practiced.”
  • 21
    “Hybrid forms also structurally upset a settler population economy [...] and ultimately reproduce a dual system where two constitutive categories are mixed without being subsumed.”

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Fev 2024
  • Aceito
    15 Abr 2024
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