Open-access INTERNACIONALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DOCENTE: O CASO DO PROGRAMA “GANHANDO O MUNDO PROFESSOR” NO PARANÁ

INTERNATIONALIZATION OF TEACHER TRAINING: THE CASE OF THE GANHANDO O MUNDO PROFESSORES PROGRAM

Resumo

Neste artigo1 analisamos o Programa Ganhando o Mundo Professor (GMP), promovido pelo Governo do Estado do Paraná, por meio da Secretaria de Estado da Educação (SEED/PR), a partir da perspectiva dos Parâmetros para Internacionalização da Educação Básica (Brasil, 2022) e de internacionalização crítica. Pautamo-nos em Köhler, Britz e Morosini (2023) para tratar da internacionalização na educação básica, nos autores Vavrus, Pekol (2015); Piccin, Finardi, (2019); Finardi, Mendes, Silva, (2022) sobre a internacionalização crítica e em Hudzik (2011) que apresenta o conceito de internacionalização abrangente. As visões dos gestores da (SEED/PR) foram captadas por meio de notícias de jornal e de documentos públicos (leis e editais) relativos ao GMP. Como resultado, o programa GMP, sob o ponto de vista de gestores, apresenta divergências, em relação a esses referenciais, tais como, desvalorizar conhecimentos locais, ao requerer que os participantes repliquem localmente o que aprenderam em um curto espaço de tempo no exterior.

Palavras-chave
Educação Básica; Formação de Professores; Internacionalização

Abstract

In this article, we analyze the Ganhando o Mundo Professor Program (GMP), promoted by the Government of the State of Paraná, through the State Secretariat of Education (SEED-PR), from the perspective of the Parameters for the Internationalization of Basic Education (Brasil, 2022) and critical internationalization. The theoretical framework is based on Köhler, Britz and Morosini (2023) to address internationalization in basic education, Vavrus, Pekol (2015); Piccin, Finardi, (2019); Finardi, Mendes, Silva, (2022) on critical internationalization and Hudzik (2011) who presents a comprehensive concept of internationalization. The views of the managers of (SEED/PR) were captured through newspaper articles and public documents (laws and notices) related to the GMP. As a result, the GMP program, from the point of view of managers, presents divergences in relation to these references, such as devaluing local knowledge by requiring participants to replicate locally what they learned in a short space of time abroad.

Keywords
Basic Education; Teacher Training; Internationalization

Introdução

O impulso para a internacionalização do ensino superior no contexto brasileiro, alimentado por políticas públicas, como o Programa Ciência sem Fronteiras (CSF), provocou iniciativas também em nível da educação básica. Embora a ideia de “estudar fora” tenha feito parte das práticas de camadas mais abastadas da sociedade desde a colonização portuguesa, na atualidade ela vem sendo reforçada por discursos que defendem sua ampliação para diminuir o fosso entre quem frequenta as chamadas “escolas de elite” e os que frequentam escolas públicas. Não é surpresa, portanto, que recentemente, uma candidata à prefeitura do município de São Paulo anunciou como uma das suas principais propostas de campanha o envio de jovens da escola pública para estudos no exterior, provavelmente inspirada em sua própria história de vida (Facebook, 2024).

O Programa “Ganhe o Mundo” (PGM), pelo governo de Pernambuco, é uma dessas iniciativas, alegando princípios de equidade e inclusão. Conforme noticiou o site Porvir em 9/12/2012, a justificativa para sua criação se deveu à possibilidade de participação de estudantes de escolas pernambucanas no CSF e em eventos internacionais que aconteceriam no Brasil em 2014:

A experiência de intercâmbio, afirma o secretário, vai garantir aos estudantes mais chances em outros programas já existentes como o Ciências Sem Fronteiras. “Muitos alunos perdem a oportunidade de estudar fora, como é o caso desse programa federal, por conta da baixa ou nenhuma fluência de uma segunda língua. Daqui a três anos, os estudantes pernambucanos estarão em uma plataforma diferenciada, capazes de competir por essas vagas”, diz. Outra preocupação, afirma Gomes, é o fato de Recife ser uma das sedes da Copa do Mundo de 2014

(Porvir, 2012, n.p.).

Apostando, portanto, na melhoria do ensino de inglês (e espanhol), o PGM, destinou recursos para o ensino terceirizado nas escolas públicas e para um grupo seleto que teve possibilidade de realizar estudos da língua no exterior. Semelhantes a ele surgiram outros programas em nível estadual, como o Cidadão do Mundo (Maranhão) e o Gira Mundo (Paraíba). No Estado do Paraná, em 2019 foi criado o Programa Ganhando o Mundo, nos moldes do similar pernambucano, similaridade essa até no nome. Mais recentemente, foi ampliado para abranger não apenas estudantes de ensino médio, mas também professores, gestores e, ainda, mais recentemente, pesquisadores, com o Ganhando o Mundo Ciência e técnicos agrícolas (Paraná, 2024g). O rótulo passou a denominar todas as iniciativas de mobilidade internacional do governo estadual do Paraná.

O Programa Ganhando o Mundo - Professor (PGMP) busca ampliar os objetivos de um outro programa governamental, o Formadores em Ação, dando a alguns de seus participantes a oportunidade de um estágio de curta duração no exterior. Esse modelo de formação continuada adotado pela SEED-PR em 2020, se define como “uma formação continuada em serviço que oportuniza a realização de trocas de experiências e aprendizados entre pares” (Paraná, 2024i). O objetivo final é a “melhoria da aprendizagem e o protagonismo dos estudantes, pautada na valorização de saberes e troca de experiências, entre os profissionais da educação do Paraná”. Podem participar do programa, a partir da abertura de editais, professores e pedagogos.

São poucos os estudos sobre esse programa (ver, contudo, Tozetto; Domingues, 2023), dado seu caráter recente. Neste artigo analisamos o GMP a partir da perspectiva da internacionalização crítica (Mendes e Silva, 2022) e dos parâmetros para internacionalização da educação básica (Brasil, 2022). Na primeira seção, apresentamos o programa e em seguida os conceitos orientadores de nossa análise. Após explicar a metodologia adotada, apresentamos os resultados da análise e, finalmente, as conclusões.

Programa Ganhando o Mundo Professor

O GMP foi criado para designar um programa de intercâmbio/formação continuada de professores e pedagogos no exterior2, que amplia as possibilidades de formação continuada de servidores participantes dos Grupos de estudos Formadores em Ação, instituído pela Resolução n.º 4.817 – GS/SEED, de 13 de outubro de 2021, com os seguintes objetivos:

Art. 1.º Autorizar a formação de Grupos de Estudo “Formadores em Ação” com os professores da Rede Estadual de Ensino, a fim de ofertar formação continuada por meio de docência colaborativa na modalidade à distância, visando à melhoria da qualidade de ensino e o cumprimento do disposto na Lei Complementar Estadual n.º 103, de 15 de março de 2004, que institui o Plano de Carreira do Professor da Rede Estadual de Educação Básica do Paraná

(Paraná, 2024i).

Estudo realizado por Tozetto e Domingues (2023) analisou as características dos projetos formativos disponibilizados no site da SEED-PR, com ênfase em plataformas digitais. Descrevem os grupos de estudos Formadores em Ação do seguinte modo:

Cada disciplina da Educação Básica conta com um grupo específico de estudos, com a “[...] proposta de abordar a prática em sala de aula aliada a metodologias ativas e tecnologias educacionais” (PARANÁ, 2022h, n.p.). Todo o material dos grupos é elaborado pela Secretaria de Educação, que o divide em jornadas de formação com cargas horárias pré-estabelecidas em 40 horas trimestrais, distribuídas em encontros semanais de uma hora e 40 minutos. O professor que for habilitado a ministrar o curso, que é online, fica responsável por até 20 professores da Rede Estadual de Ensino, tanto do Quadro Próprio de Magistério (QPM), que diz respeito a docentes concursados que possuem carreira na Rede Estadual de Ensino, quanto professores oriundos do Processo Seletivo Simplificado (PSS), com contrato temporário de até dois anos junto à SEED-PR.

(Tozetto; Domingues, 2023, p.11)

Esse tipo de formação está atrelada à progressão na carreira, ainda que constituindo-se principalmente pela formalidade da certificação, conforme argumentam os autores citados. Os potenciais participantes do GMP foram, portanto, os formadores dos grupos de estudos. Assim como em outras iniciativas da SEED-PR, essa também posiciona professores como meros executores de atividades prontas, com pouca ou nenhuma possibilidade de constituir-se como “formador-autor” (Garcez; Schlatter, 2017).

Outra característica do GMP é o deslocamento dessa formação para o exterior:

[...] oferta aos estudantes, professores e pedagogos da rede pública estadual de ensino, formação acadêmica em instituições estrangeiras, além de experiências culturais e pedagógicas que possam ser compartilhadas, posteriormente, nos colégios estaduais do Paraná

(Paraná, 2024e).

Quando o GMP foi lançado, em 28 de março de 2023, o Ganhando o Mundo High School já havia enviado estudantes ao exterior. Na vertente para professores, com objetivo de promover a formação continuada dos professores da rede pública estadual de ensino por meio de uma imersão, de três a quatro semanas, no exterior, onde poderão eventualmente ser expostos a outras línguas estrangeiras.3

A primeira etapa beneficiou 96 profissionais da educação do Paraná com destino ao Canadá e Finlândia por serem países de referência no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA4). Segundo seus gestores, os profissionais da educação que foram a esses países tiveram a oportunidade de conhecer técnicas e metodologias de ensino consideradas inovadoras por serem aplicadas em grandes centros educacionais do mundo, selecionados a partir de um edital (Paraná, 2024a).

A formação continuada no exterior foi realizada no mês de outubro de 2023, e o período de imersão foi de três semanas para os 72 professores que foram para instituições canadenses que integram a associação Colleges and Institutes no Canadá. Esses profissionais não precisavam ser proficientes em inglês, tendo em vista que os cursos seriam ministrados em língua portuguesa. Por outro lado, para os 24 professores que foram para a Hämepara Häme University of Applied Sciences, na Finlândia, a imersão foi de quatro semanas e para esses profissionais foi realizado um teste de proficiência em inglês. O candidato que tivesse nota igual ou superior ao nível B2, conforme o Quadro Comum Europeu de Referência para Línguas (CEFR5), foi classificado para as vagas na Finlândia. Aos selecionados que tiveram nota inferior ao nível B2, foi ministrado um curso preparatório de inglês, online, com duração de 3 meses, ofertado pela SEED-PR, visando a interação no país de destino, Canadá. Outros requisitos utilizados para a seleção:

Serão selecionados os candidatos melhor classificados em relação à nota, formada a partir de dois fatores: experiência no Formadores em Ação (serão atribuídos pontos a cada jornada concluída) e prova didática. Esta consiste na entrega de um plano de ação e de um vídeo, ambos abordando uma situação-problema do ambiente escolar e uma proposta de solução, dentro de um dos temas propostos no edital: currículo, metodologias ativas, educação inclusiva, avaliação de aprendizagem gestão de sala de aula ou baixa aprendizagem

(Paraná, 2024a).

A imersão realizada em instituições de ensino no Canadá e Finlândia, em 2023, proporcionou aos docentes, cursos de gestão de sala de aula, metodologias ativas, currículo por habilidades e competências, orientação pedagógica, sistema educacional local, avaliação de aprendizagem, educação inclusiva, além de momentos de vivência nas escolas de educação básica do país de destino, acessando outras culturas e trocando informações com profissionais de outros países.

Nas palavras do governador:

A gente tem buscado criar ferramentas para que o Paraná se consolide cada vez mais como a melhor educação do Brasil. A nossa missão é poder criar ambientes para que estes professores estejam cada vez mais preparados. Neste caso, eles vão se capacitar em dois países que são referência nesta área, para voltar e replicar este conhecimento nas escolas onde trabalham

(Paraná, 2024a).

Conforme a SEED-PR, ao concluir o período de formação no exterior, foi ofertada aos professores e pedagogos quatro semanas de mentoria remota com profissionais das instituições de ensino onde fizeram o curso de capacitação, para auxiliar na implementação dos projetos educacionais nas escolas públicas paranaenses. No dia 27 de maio de 2024, foi realizado o primeiro Congresso Ganhando o Mundo Professor:

Promovido pela Secretaria de Estado da Educação, reuniu 150 pessoas, sendo a maioria intercambistas6 da edição de 2023 do programa criado pelo Governo do Estado. O objetivo do evento foi permitir a troca de conhecimento e aplicação prática em sala de aula e na formação de outros professores

(Paraná, 2024b).

Na sequência, o Secretário da Educação faz referência ao evento como um momento para disseminar o conhecimento adquirido, assim como refletir sobre a experiência vivenciada em países com educação de ponta a ser repassada aos alunos.

A ideia é disseminar o conhecimento adquirido a partir de pesquisas, reflexões e estudos vivenciados ao longo do intercâmbio. Além disso, o encontro foi uma oportunidade de confraternização no encerramento da primeira edição. O evento demonstrou o resultado e a importância dessa experiência na contribuição para a formação dos nossos professores que, pela primeira vez, puderam vivenciar um período em países com educação de ponta e que será repassada aos nossos alunos, afirmou o secretário estadual da Educação, Roni Miranda

(Paraná, 2024b).

O evento contou com a realização de mesas-redondas, palestras e apresentações de trabalhos dos profissionais que participaram da capacitação no exterior. O professor Ettore Alberto Marenda, destaca que tal evento é relevante porque possibilita medir o impacto que isso tem na educação do Paraná.

Professor de História no Colégio Francisco Carneiro Martins, em Guarapuava, viajou para a Finlândia em novembro de 2023. “Apresentei os relatos sobre o aprendizado por lá. A importância deste congresso é, justamente, podermos medir o impacto que isso tem na educação do Paraná. Foi um grande momento de síntese, de reunião, de trocas de ideias e de novos projetos de pesquisa que virão para o futuro”, disse

(Paraná, 2024b).

A organização do evento foi realizada pelas equipes responsáveis pelos programas de intercâmbio e por profissionais que atuam na formação da língua inglesa dos professores que foram para o exterior realizar a capacitação, “o Congresso contou, ainda, com a presença de coordenadores, professores e orientadores parceiros da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), da Paraná Educação (Preduc) e da Fundação Araucária” (Paraná, 2024b).

Moldado a partir do modelo ‘em cascata’ ou de multiplicação, a formação docente realizada no exterior se ancora na ideologia de meritocracia (Kennedy, 2005), conforme critérios de participação já elencados. Esse caráter elitista é reforçado pela aderência a outro discurso frequente no campo acadêmico, isto é, a internacionalização calcada na mobilidade como sinônimo de qualidade. Soma-se a isso a preferência por países onde a Língua Inglesa (LI) exerce papel de língua majoritária ou como língua de instrução. A permanência no exterior por um curto período de tempo também pode ser vista como um aligeiramento da formação e, embora não se tenha acesso aos conteúdos dos cursos ali ministrados, seria natural esperar que estivessem de acordo com as expectativas do contratante, i.e., a SEED/PR, conforme as áreas indicadas no Edital de seleção dos participantes: orientação pedagógica, sistema educacional local, currículo, metodologias ativas, educação inclusiva e avaliação da aprendizagem.

Internacionalização e a educação básica

Tem crescido, nos últimos anos, a demanda por iniciativas de internacionalização, que, fomentadas principalmente para a formação de pesquisadores (geralmente professores universitários) no exterior, atingem hoje todos os níveis educacionais. Esse crescimento levou a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC), em 2022, a elaborar o documento “Parâmetros Nacionais para a Internacionalização na Educação Básica no Brasil, [...] em cuja origem esteve a percepção de que era necessário pensar a internacionalização do binômio ensino-aprendizagem desde a formação inicial dos estudantes brasileiros” (Brasil, 2022, p. 6). A motivação para tal iniciativa é a crença na internacionalização como alavanca para “o desenvolvimento de competências essenciais para o mundo do trabalho crescentemente exigente, bem como para a constituição de uma cidadania global” (p. 6). A aderência às “exigências do mercado” se revela igualmente na definição de internacionalização na educação básica como:

um processo que internaliza a perspectiva de abertura para o mundo para todas as crianças e adolescentes, jovens e adultos da Educação Básica, promovendo transformações nos ambientes educativos para uma educação de qualidade, e preparando os estudantes e demais atores para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho no cenário local, regional, nacional e internacional (p. 10).

De acordo com Köhler, Britz e Morosini (2023, p. 274), os eixos dos parâmetros7 estão “alinhados no processo da internacionalização, com a finalidade de preparar os indivíduos para o exercício da cidadania numa perspectiva de compreensão holística, preservando valores universais e desenvolvendo pensamento crítico por meio do diálogo e das interações interculturais”.

Com relação à formação de professores, aquele documento especifica tarefas para gestores (das Secretarias da Educação e das escolas), para o professor da educação básica e para os demais profissionais da educação básica na Área 3: FORMAÇÃO DOS PROFESSORES E DEMAIS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA. No que tange os gestores das Secretarias de Educação, os parâmetros reafirmam valores positivos para internacionalização para desenvolvimento de “competências internacionais e interculturais”, “competências digitais”, advogando ainda o reconhecimento da “autonomia e a capacidade de decisão do professor mediante a valorização da pesquisa e da reflexão fundamentadas na teoria e nas próprias experiências docentes, potencializadores de transformações nas práticas educativas” (3.1.4).

A respeito das línguas estrangeiras, fundamentais aos processos de internacionalização, são dedicados 4 parâmetros, a saber:

3.1.7. Incentivar a formação em Pedagogia, como segunda licenciatura, aos docentes licenciados em línguas estrangeiras para atuação na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, com vistas ao desenvolvimento de repertórios linguísticos possibilitadores da inserção dos estudantes no mundo globalizado, plurilíngue e multicultural;

3.1.8. Incentivar os professores habilitados em pedagogia a participarem de formação inicial para aquisição de habilitação em língua estrangeira com vistas à atuação no ensino em línguas estrangeiras na Educação Básica;

3.1.9. Incentivar os professores que atuam na Educação Básica à (sic) participarem de formação inicial para aquisição de habilitação em língua estrangeira com vistas à atuação no ensino em línguas estrangeiras em todas as etapas e modalidades deste nível de ensino;

3.1.10. Fomentar ações de formação continuada de professores para proficiência em uma segunda língua para o ensino em língua estrangeira, assegurando aperfeiçoamento profissional que fortaleça a presença de múltiplas culturas no processo de Internacionalização na Educação Básica

(Brasil, 2022, p 78- 79).

Depreende-se desse rol que os redatores do documento endossam o ensino de línguas estrangeiras nos anos iniciais da educação básica, assim como o ensino por meio de uma língua estrangeira como indicadores de internacionalização. Embora não seja singularizada a LI, não podemos deixar de notar que esses parâmetros dialogam com outras iniciativas como a adoção crescente de “educação bilíngue” inclusive em escolas públicas (El Kadri et al. 2024), e o ensino por meio do inglês no contexto universitário (British Council, 2018). Ficam também evidentes os pressupostos desses parâmetros que transparecem a visão de que a presença de línguas estrangeiras garantiria “a inserção dos estudantes no mundo globalizado” e fortalecimento da “presença de múltiplas culturas”.

Nas recomendações para professores, a mesma postura positiva sobre internacionalização é apresentada, quando esta é colocada como “imprescindível” à compreensão da multiculturalidade:

3.1.35. Compreender a formação docente para a Internacionalização, em conexão com outros setores da Educação Básica, como imprescindível à mudança educacional no que se refere ao reconhecimento de um mundo constituído por múltiplas culturas, que se fazem presentes nos níveis global, regional, nacional e institucional

(Brasil, 2022, p. 83).

Em relação às estratégias, parece que o documento aposta nas línguas estrangeiras como indexadores da internacionalização. Os parâmetros seguintes espelham os apresentados para gestores das Secretarias de Educação:

3.1.36. Participar de formação inicial para aquisição de habilitação em língua estrangeira com vistas à atuação no ensino em línguas estrangeiras na Educação Básica;

3.1.37. Buscar a formação em Pedagogia, como segunda licenciatura, aos docentes licenciados em línguas estrangeiras, para atuação na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, com vistas ao desenvolvimento de repertórios linguísticos possibilitadores da inserção dos estudantes no mundo globalizado, plurilíngue e multicultural;

3.1.38. Participar de ações de formação continuada de professores para proficiência em uma segunda língua para o ensino em língua estrangeira, assegurando aperfeiçoamento profissional continuado que fortaleça a presença de múltiplas culturas no processo de Internacionalização na Educação Básica (p. 83 -84).

Os parâmetros projetam, portanto, escolas da educação básica como lugares livres de problemas relacionados a desigualdades de aprendizagem e de acesso a bens culturais. Nenhuma referência aos resultados insatisfatórios das nossas escolas conforme acompanhamento feito pelo INEP para as metas do Plano Nacional de Educação, cujo relatório assim descreve a meta 7 (Fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem):

De modo geral, esses resultados apontam que, em que pesem os progressos efetuados na vigência do PNE, as metas referentes à melhoria da qualidade da educação básica não foram atingidas em nenhuma das etapas de ensino. Verificam-se ainda os baixos níveis de aprendizado de um contingente expressivo de estudantes, cujo desempenho está situado nos níveis mais baixos das escalas de proficiência de Língua Portuguesa e de Matemática do Saeb, indicando aprendizado precário (INEP, 2024, p. 187).

Embora o documento mencione diferentes formas de internacionalização, os parâmetros já elencados revelam endosso à visão de internacionalização do currículo, com ênfase no desenvolvimento da interculturalidade, tratada como o terceiro eixo, “Interculturalidade”, por sua vez, enfatiza a importância do respeito à diversidade cultural e do diálogo intercultural como forma de construção de sociedades mais justas e igualitárias – o que supõe a valorização e a promoção da diversidade cultural e linguística existente no país, bem como a promoção do conhecimento e do diálogo intercultural (Köhler, Britz e Morosini, 2023, p. 273). Ainda que o parâmetro 1.1.10 indique oportunidades de mobilidade para estudantes, professores e demais profissionais da educação básica, nas modalidades presencial e virtual. Como um todo, os parâmetros revelam uma visão acrítica de internacionalização, mediadora de cidadania global e qualificação profissional, mesmos propósitos salientados por Hatsek, Woicolesko e Rosso (2023) e Köhler, Britz e Morosini (2023).

Esses entendimentos serão usados como referência para análise da proposta do GMP, assim como os conceitos de internacionalização crítica, introduzidos a seguir.

Internacionalização crítica

No âmbito da internacionalização do ensino superior, tem se intensificado o debate sobre hierarquias que são (re)produzidas pelo crescimento de iniciativas para intercâmbios e projetos conjuntos entre instituições do chamado Norte Global e Sul Global (Vavrus; Pekol, 2015; Piccin; Finardi, 2019; Finardi; Mendes; Silva, 2022). As definições frequentemente remetem a autores como Hudzik (2011) com seu conceito de internacionalização abrangente entendida como um compromisso, confirmado por ações, para infundir perspectivas internacionais e comparativas por meio do ensino, pesquisa e extensão do ensino superior. Knight (2003), por outro lado, a definia como um processo de integração de uma dimensão internacional, intercultural ou global aos propósitos, funções e realização da educação pós-secundária. Este conceito foi posteriormente atualizado por De Wit et.al.2015), acrescentando intencionalidade ao processo “a fim de incrementar a qualidade do ensino e pesquisa para todos os estudantes e corpo docente, e oferecer uma contribuição significativa para a sociedade8”.

Leal, Finardi e Abba (2024), abordando o conceito a partir de reflexões inspiradas em autores decoloniais, desafiam a visão de que internacionalização seria sempre benéfica. Alinhando-se a estudos de internacionalização crítica (Stein, 2017; Vakrus; Pekol 2015), as autoras chamam a atenção para imprimir ao conceito visões mais sensíveis aos mecanismos que mantêm e reforçam as assimetrias de poder entre conhecimentos e pessoas. Longe de assumir que as relações internacionais são livres de hierarquizações, elas defendem que a internacionalização deveria ser mais inclusiva e menos elitista.

Rompendo com perspectivas centradas em valorizar os benefícios sociais, materiais e psicológicos dos programas de mobilidade estudantil, por exemplo, esses autores argumentam que pessoas no Norte Global e no Sul Global9 vivenciam a internacionalização de modos distintos e, muitas vezes, apenas marginalmente. Chamam a atenção para os sistemas ideológicos que nutrem as relações políticas e econômicas desiguais evidentes na internacionalização atual.

Assim, uma perspectiva crítica questiona o modelo dominante que, inserido na matriz colonial/moderna, reforça ideologias de superioridade de uma cultura ou modo de conhecer de determinados lugares, geralmente baseados em parâmetros ditados pelo Norte Global. No caso da internacionalização da educação básica, isto vem associado a indicadores de qualidade educacional baseados em padrões estabelecidos por organizações como OCDE-Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico que avalia os sistemas educacionais a partir dos resultados do exame PISA, por exemplo. Assim, os fluxos são unidirecionais, no movimento norte-sul, mas raramente sul-norte. Este é o caso do GMP.

Metodologia

Neste recorte da pesquisa, temos como foco as visões dos gestores da Secretaria de Educação do Estado do Paraná, captadas em notícias de jornal e documentos públicos (leis e editais) relativos ao GMP.

A restrição a gestores se deve à dificuldade de acesso a professores. Desde 2018 a Resolução 406, da SEED, i nstitui procedimentos para realização de pesquisas acadêmicas e científicas na Secretaria de Estado da Educação do Paraná e unidades vinculadas. De acordo com essa resolução, “Pesquisas acadêmicas e científicas que envolvem seres humanos são analisadas e autorizadas pela Secretaria de Estado da Educação na intenção de não afetar as atividades do cotidiano escolar.” Por esse motivo, comitês de ética em pesquisa podem requerer autorização da SEED/PR, para estudos envolvendo profissionais da rede, o que não apenas atrasa o início dos projetos como pode também inviabilizá-los. Além disso, a exigência de que “Pesquisa de maior abrangência ou que necessita de informação em grande escala deve fazer uso de questionário online que será, após os procedimentos legais, disponibilizado pela Secretaria de Estado de Educação em canais institucionais de comunicação”, pode funcionar como uma espécie de censura. Isto pode ser inferido da observação de que “A dinâmica de realização da pesquisa está subordinada às necessidades e peculiaridades da administração pública, devendo ser ajustada, incorporada e monitorada pela unidade correspondente ao objeto da pesquisa.”

Assim, primeiramente elencamos os documentos normatizadores do programa Ganhando o Mundo, e adicionalmente, a vertente GMP, conforme Quadro 1.

Quadro 1
Documentos oficiais relativos ao GMP analisados

Outros documentos, listados a seguir, dizem respeito ao Ganhando o Mundo, especialmente na modalidade High School, e não serão objeto de análise, ainda que permitam compreender a cronologia do programa até o lançamento do GMP.

Quadro 2
Ganhando o Mundo High School

Serão ainda objeto de análise, notícias veiculadas nos canais oficiais, a saber:

Quadro 3
Notícias veiculadas em órgãos oficiais a respeito do GMP

Esses textos foram lidos pelas duas autoras, com o objetivo de localizar: a) entendimentos sobre internacionalização; b) benefícios esperados do intercâmbio, inclusive para as escolas e estudantes; c) papel das línguas estrangeiras. Os trechos relativos a esses temas foram selecionados para explicitar até que ponto o programa se encaixa nos parâmetros da internacionalização da educação básica e na abordagem de internacionalização crítica.

Resultados

Entendimentos sobre internacionalização

A visão de que encontram-se no exterior “sistemas educacionais de excelência” está refletida no parágrafo 1º. do artigo 8º. da resolução 4817/2021 (modificado pela Resolução SEED 6164), que permite a realização de intercâmbio no exterior, apostando na melhoria da qualidade da educação pela participação em atividades com duração de 21 a 28 dias em país estrangeiro.

No imaginário dos elaboradores de políticas, são países do Norte Global que detém conhecimento válido e de qualidade, pois conforme se lê no site do Paraná Educação (https://www.paranaeducacao.pr.gov.br/Pagina/Ganhando-o-Mundo):

O programa tem por objetivo ampliar o repertório cultural e acadêmico, bem como permitir a vivência e experiência na realidade de outros países. [,,,] Já os professores, além de adquirirem maior fluência na língua inglesa, vão aprender sobre o que está dando certo nos países visitados em relação à educação, para, posteriormente, sugerir a implementação de inovações nas escolas públicas do Paraná

(Paraná, 2024e).

O que está dando certo, na visão dos gestores, é explicado no site do programa (https://www.ganhandoomundo.pr.gov.br/professor/1edicao)

O motivo é conhecer sistemas educacionais de excelência e a escolha do local foi feita com base em critérios como: qualidade do sistema educacional (referência no Pisa) e instituições capazes de ofertar uma formação personalizada para os professores da rede

(Paraná, 2024f).
Figura 1
Notícia I - Ganhando o Mundo Professores

Provavelmente foi a facilidade da consultoria em conseguir instituições capazes de acolher os professores e pedagogos brasileiros que determinou a escolha desses países, pois tanto o Canadá quanto a Finlândia tiveram desempenho aquém dos países asiáticos em 2022 (OECD, 2023).

De acordo com Morosini (2006), a internacionalização surge como um dos resultados produzidos pela globalização, pautada pela economia, resultado da produção do sistema capitalista, tendo em vista o interesse de expansão comercial e sem fronteiras. Nesse contexto, a educação é vista como parâmetro de excelência medido internacionalmente.

Além da desqualificação de eventuais experiências locais, a referida resolução também prevê:

Para execução do curso de formação no exterior, poderá ser firmado convênio, acordo, contrato de gestão, parceria e congêneres com entidades públicas e/ou privadas do Brasil e/ou do exterior, inclusive em formato de reciprocidade, respeitada a legislação em vigor, visando à operacionalização e logística do processo de envio e permanência dos intercambistas no país de destino

(Paraná, 2024i).

É no site do Ganhando o Mundo que, em um canto da chamada para inscrições, aparece Edufuturo, que se descreve da seguinte forma, na plataforma Linkedin https://www.linkedin.com/company/edufuturo/?originalSubdomain=br:

A Edufuturo é uma empresa de impacto social que tem como propósito ser protagonista na inovação da educação brasileira. Nossos quatro eixos de negócios se articulam com o objetivo de transformar domínios estratégicos para a oferta de educação com qualidade. Através de novas metodologias de aprendizagem, difusão de conteúdos audiovisuais sobre educação, formação de gestores educacionais e educadores, e consultorias customizadas, desenvolvemos inovações para ajudar a enfrentar os principais desafios educacionais do Brasil

(LinkedIn, 2024).

A privatização de serviços educacionais não configura novidade no contexto da educação pública paranaense e, depreende-se, do acréscimo da marca dessa empresa na chamada de inscrições para o GMP, que foi ela a responsável pela seleção dos docentes, mediante contrato de consultoria.

Figura 2
Site Oficial I - Inscrições - Ganhando o Mundo Professores

Quanto ao Paranaeducação - Preduc (site onde a notícia GMP foi veiculada) se autodefine como “parceiro da educação no Paraná, há 27 anos busca colocar a educação pública do estado como a melhor do país”.

O Serviço Social Autônomo PARANAEDUCAÇÃO atua como articulador para ações de apoio à Gestão do Sistema Estadual de Ensino do Paraná, por meio da assistência institucional, técnico-administrativa e de infraestrutura em educação.

Fortalecendo a educação no Paraná desde 1997, somos um parceiro comprometido na gestão do sistema educacional do estado do Paraná. Juntos, construímos a melhor educação pública do Brasil.

[...] Ser fonte de ações de desenvolvimento e disseminação de boas práticas de educação, infraestrutura e inovação e fornecer apoio no enfrentamento dos desafios locais e globais.

(Paraná, 2024d).

Assim como a Edufuturo, “o Paranaeducação (Preduc) é responsável pelo processo de licitação e coordenação do programa Ganhando o Mundo” (Paraná, 2024e), reforçando a preferência pela terceirização de iniciativas educacionais.

No GMP, a internacionalização é compreendida como um processo unilateral, necessariamente benéfico. Calcada na mobilidade de curta duração, projeta, ainda que apenas simbolicamente, padrões de “excelência” definidos por e para contextos muito distintos do nosso. Ainda assim, espera-se que esses padrões sejam aqui replicados.

Benefícios esperados

De acordo com o Edital 1/2023 — GS/SEED, os participantes teriam acesso a cursos com os seguintes temas: I – Orientação pedagógica; II – Sistema educacional local; III – Currículo; IV – Metodologias ativas; V – Educação inclusiva e VI – Avaliação de aprendizagem. E ainda, com possibilidade de alterações de acordo com a disponibilidade da instituição de ensino no exterior que ofertará a formação.

Após o retorno ao Brasil, o participante deveria ainda participar de até 4 semanas de “mentoria com professores das Instituições de Ensino do exterior, de maneira on-line e síncrona, a fim de concluir a última etapa do processo de formação antes da disseminação das metodologias e objetos de aprendizagem”.

Dentre as obrigações do participante, constavam a “produção de objetos educacionais ou proposta de curso de curta duração, cuja disseminação ocorrerá por meio de atividades formativas que serão realizadas após seu retorno ao Brasil; e participação em ações de disseminação dos conhecimentos a partir do material a ser desenvolvido durante o curso em instituição de ensino do exterior sempre que solicitado pela SEED”.

Observamos um foco de viés tecnicista em contraste com a visão de desenvolvimento de interculturalidade, apregoada pelos Parâmetros de Internacionalização da Educação Básica. A proposta de “reprodução” da experiência localmente contrasta com o que sugerem aqueles parâmetros: “competências internacionais e interculturais”, “competências digitais”, advogando ainda o reconhecimento da “autonomia e a capacidade de decisão do professor mediante a valorização da pesquisa e da reflexão fundamentadas na teoria e nas próprias experiências docentes, potencializadores de transformações nas práticas educativas” (3.1.4).

Na contramão dos eixos estruturantes dos referidos parâmetros, a aposta da SEED-PR é a de reprodução do conhecimento adquirido no exterior, sem qualquer espaço para reflexões sobre sua viabilidade em nosso contexto. Nada sobre “Educação para Cidadania Global”, Internacionalização para Todos, Interculturalidade ou Plurilinguismo. O foco está em conteúdos nos temas propostos pelo Edital 1/2023 — GS/SEED.

Podemos assim imaginar que os benefícios esperados estejam em função da imagem projetada para o Estado do Paraná. De fato, de acordo com a agência de notícias da SEED/PR, no dia 29 de agosto de 2024, no Salão Nobre do Colégio Estadual do Paraná (CEP), oito profissionais da educação que trabalham nas escolas da rede estadual de ensino do Núcleo Regional de Educação de Curitiba, receberam uma homenagem por meio da entrega de certificados dos cursos de capacitação realizados no Canadá e na Finlândia. Esses oito professores representaram os 96 professores que participaram da primeira edição do programa Ganhando o Mundo Professores.

Figura 3
Notícia 3 - Homenagem aos Participantes do PMG

O evento foi uma maneira de comemorar o primeiro intercâmbio de professores realizado na história da rede estadual de ensino do Paraná, assim como de “reconhecer a dedicação dos professores intercambistas, valorizando suas conquistas e o impacto positivo do programa na sua formação profissional e na qualidade da educação” (Paraná, 2024c). E prossegue fazendo referência a uma “educação cada vez mais forte”, sem que saibamos quais foram esses impactos.

O uso de imagens para projetar a iniciativa governamental está igualmente refletido quando do embarque dos professores, conforme Notícia 2.

Figura 4
Notícia 2 - O Embarque dos Professores

O PGM é considerado uma “vitrine” do governo do Paraná, conforme podemos observar na imagem, momento em que alguns políticos estavam presentes e demais autoridades para registrar o acontecimento. Os benefícios esperados, portanto, não são apenas aqueles esperados pela replicação do que aprenderam no exterior, mas também os não ditos, os de promoção da imagem do Estado como um líder no campo educacional brasileiro.

Papel das línguas estrangeiras/adicionais

De acordo com os Parâmetros Nacionais para a Internacionalização da Educação Básica no Brasil, as línguas estrangeiras exercem um papel importante nesse processo. No PGMP este aspecto foi tratado apenas como um requisito para participação na mobilidade. Durante a seleção dos participantes, os candidatos aprovados e selecionados se submeteram ao teste de proficiência em LI ofertado pela SEED. O teste foi uma forma de distribuir os candidatos, isto é, os que apresentaram o conhecimento do idioma, com nível de proficiência igual ou superior a B2, foram para a Finlândia, que ofertou a Formação em LI e os que apresentaram nível de proficiência igual ou inferior a B1 foram para a instituição no Canadá, onde os cursos foram ofertados em língua portuguesa. Independentemente do resultado, todos os aprovados participaram do curso de inglês proporcionado pela SEED/PR.

Apesar da questão linguística ter um peso significativo em experiências de mobilidade, a solução encontrada pelo PGMP parece ter contemplado as exigências das instituições parceiras. Enquanto os que foram para o Canadá podem ter necessitado apenas de uma proficiência mínima para interagirem localmente, os que se destinaram à Finlândia, encontraram um ambiente no qual o inglês é usado como língua franca. Até que ponto essa experiência pode ter trazido reflexões sobre internacionalização e interculturalidade é um aspecto em aberto, assim como se propiciou compreensões sobre o papel da LI em um mundo multicultural. Um estudo com os próprios participantes ou acesso aos produtos por eles construídos poderiam auxiliar na compreensão do papel da LI como mediadora da construção de conhecimentos.

Considerações finais

Neste texto buscamos apresentar o Programa Ganhando o Mundo Professor, oferecido pelo Governo do Estado do Paraná, com a finalidade de ampliar a capacidade de promover a “contextualização social, histórica e cultural”, para o aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas. Analisado sob o prisma dos Parâmetros para Internacionalização da Educação Básica no Brasil e de abordagens críticas de internacionalização, o PGMP, sob o ponto de vista de gestores, captado em notícias de jornal e documentos públicos, apresenta divergências em relação a esses referenciais, especialmente em relação aos benefícios esperados. Enquanto os parâmetros privilegiam o desenvolvimento da interculturalidade, no discurso dos gestores, os ganhos estão relacionados a resultados de aprendizagem em um viés tecnicista.

Calcado na ideia de meritocracia e padrões de excelência, o PGMP desvaloriza conhecimentos locais, ao requerer que os participantes repliquem localmente o que aprenderam em um curto espaço de tempo no exterior. Seus temas focais implicam visão tecnicista da educação e desconsideram o potencial da mobilidade para construir reflexões sobre produção de conhecimento localmente contextualizado, a partir de perspectivas decoloniais. Dentre os benefícios esperados (ainda que não explicitados) observa-se a projeção da imagem do governo do Estado do Paraná como líder na qualificação da educação básica. O PGMP funciona, portanto, como uma espécie de “vitrine” da internacionalização passiva10, que busca replicar o conhecimento e a cultura adquiridos pelos professores que realizaram seus estudos no exterior para dentro das escolas, cujos resultados precisam ser avaliados, inclusive quanto a reflexões sobre o papel da LI nas oportunidades para promoção de visões de mundo alternativas e críticas de propostas que hierarquizam produtores de conhecimento.

Longe de querer descartar a possibilidade de formação continuada docente em diálogo com experiências de outros países, nossa visão é a de que esse processo tem mais probabilidade de provocar impacto significativo se realizado de forma contínua, em relações horizontalizadas e envolvendo coletivos escolares. Interações virtuais regulares, com aportes de experiências práticas em constantes movimentos de reflexão podem ser menos custosas aos cofres públicos e mais eficazes em provocar avanços.

Agradecimentos

Telma Nunes Gimenez agradece ao CNPq pela concessão de bolsa de produtividade em pesquisa (Proc. 307755/2022-3).

Notas

  • 1
    Este texto foi escrito no âmbito do projeto de pós-doutoramento de Marlene Neri Sabadin, intitulado “Programa Ganhando o Mundo e a Formação Continuada” junto à Universidade Estadual de Londrina, com o objetivo de verificar quais concepções de formação continuada embasam o programa, assim como a visão de professores participantes, por meio de suas experiências no exterior.
  • 2
    Regulamentado pelo art. 2.º do Decreto Estadual n.º 444, de 24 de fevereiro de 1995, art. 87, item V, da Constituição Estadual, da Lei Estadual n.º 19.848, de 3 de maio de 2019, acrescido à Resolução n.º 4.817/2021 – GS/SEED art. 8º, incluído pela Resolução 6164 de 30/09/2022, publicado no Diário Oficial nº 11273 de 04 de outubro de 2022.
  • 3
    Curso intensivo de até 4 (quatro) semanas em instituição de ensino no exterior e até 4 (quatro) semanas de mentoria síncrona realizada on-line, além de curso de inglês ofertado pela SEED, quando for o caso (Edital 01/2023).
  • 4
    O PISA é um Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, tradução de Programme for International Student Assessment, é um estudo comparativo internacional realizado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Pisa oferece informações sobre o desempenho dos estudantes na faixa etária dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países, vinculando dados sobre seus backgrounds e suas atitudes em relação à aprendizagem, e também aos principais fatores que moldam sua aprendizagem, dentro e fora da escola (INEP, 2024).
  • 5
    Common European Framework of Reference for Languages -CEFR.
  • 6
    De acordo com o dicionário “1. Troca, permuta. 2. Estabelecimento de relações recíprocas de ordem cultural, comercial, social etc., entre nações ou instituições” (Priberam, 2024). Neste caso, para exemplificar, um professor vai para uma instituição de outro país e logo, outro professor dessa mesma instituição, ou do país de destino, deveria vir para o Brasil, no caso, para uma instituição de ensino superior ou para a escola da rede pública do Paraná, em especial de onde esse professor saiu, para permanecer o mesmo período que foi concedido ao professor paranaense, para compartilhar o conhecimento, cultura, língua, tradições, e até assumir a sala de aula se for o caso. Porém o termo é utilizado apenas para adjetivar quem foi/irá para o exterior fazer um curso de capacitação para repassar o conhecimento adquirido aos colegas, ao retornar.
  • 7
    Os eixos são: Educação para Cidadania Global, Internacionalização Integral (para todos), Interculturalidade e Plurilinguismo.
  • 8
    No original: the intentional process of integrating an international, intercultural or global dimension into the purpose, functions and delivery of post-secondary education, in order to enhance the quality of education and research for all students and staff, and to make a meaningful contribution to society’.
  • 9
    O conceito de Norte Global refere-se aos países desenvolvidos, com economias avançadas, altos níveis de renda per capita e grande influência nas instituições internacionais. O Sul Global engloba os países em desenvolvimento, geralmente enfrentando desafios de pobreza, desigualdade e desenvolvimento, segundo o site, relacoesexteriores.com.br
  • 10
    Segundo Pessoni & Pessoni (2021, p. 15) a internacionalização passiva “ocorre a partir da mobilidade de pesquisadores, docentes e discentes para as instituições estrangeiras ou pela publicação das pesquisas dos seus atores em veículos de divulgação externos”.

DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS

Os dados de pesquisa estão disponíveis no corpo do documento.

Referências

Editado por

  • Editora responsável:
    Roberta Pires de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    19 Jan 2024
  • Aceito
    06 Ago 2025
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