Open-access IMPLICAÇÕES DO INGLÊS COMO LÍNGUA FRANCA MANIFESTADAS EM PLANOS DE AULA PRODUZIDOS POR PROFESSORES EM FORMAÇÃO INICIAL EM UM CURSO DE LETRAS

IMPLICATIONS OF ENGLISH AS A LINGUA FRANCA IN LESSON PLANS PRODUCED BY PRE-SERVICE TEACHERS IN THEIR LANGUAGE ARTS UNDERGRADUATE COURSE

Resumo

Tendo em vista a expansão do inglês como uma língua de contato entre falantes de diferentes contextos, isto é, o inglês como língua franca (ILF) e suas implicações no ensino-aprendizagem do idioma, este artigo tem como objetivo analisar planos de aula de acadêmicos do terceiro ano do curso de Letras, elaborados durante aulas que abordavam a perspectiva do ILF, em uma disciplina de formação de professores de uma universidade pública paranaense. O estudo é de natureza qualitativa e epistemologia interpretativista, caracterizando-se como um estudo de caso do tipo etnográfico. A pesquisa baseia-se nos trabalhos de alguns estudiosos do ILF, como Jenkins (2009), e do ILF na formação de professores, a exemplo de Gimenez (2015) e Duboc (2018). Os resultados evidenciam, nos planos de aula, uma menor ênfase no modelo do falante nativo e uma ampliação de variedades de língua inglesa. No que tange à formação docente inicial e ILF, é preciso continuar com as discussões sobre a perspectiva em variados contextos na universidade

Palavras-chave
Inglês como língua franca; formação docente inicial; planos de aula; curso de Letras

Abstract

In view of the expansion of English as a language of contact between speakers from different contexts, i.e. English as a lingua franca (ELF), and its implications for language teaching and learning, the aim of this paper is to analyse the lesson plans of third-year undergraduate students, drawn up during classes that addressed the ELF perspective in a teacher education course. The study is qualitative and has an interpretivist epistemology, characterizing it as an ethnographic case study. The research is based on the work of ELF scholars such as Jenkins (2009), and ELF in teacher education, such as Gimenez (2015) and Duboc (2018). The results show less emphasis on the native speaker model in the lesson plans and an expansion of English language varieties. Regarding initial teacher education and ILF, there is a need to continue discussions about the perspective in a variety of contexts at the university.

Keywords
English as a lingua franca; pre-service teacher education; lesson plans; Language Arts Undergraduate course

Introdução

Dada a sua relação de interdependência com o processo de globalização (Gimenez, 2009), a língua inglesa desfruta atualmente de um status privilegiado, sendo amplamente utilizada ao redor do globo como uma língua franca. Nenhuma outra língua espalhou-se pelo mundo da mesma forma que o inglês, que hoje é mais utilizado por falantes não nativos do que nativos, tornando-se heterogêneo e variável (Mauranen, 2018).

Estudiosos da linguagem consideram que “com ou sem resistência, o inglês é a língua franca de maior prestígio desses tempos pós-modernos” (Siqueira, 2018, p. 97). Isto posto, existe uma variedade de conceitos utilizados para tratar desse fenômeno, uma verdadeira “salada global” de termos (Siqueira, 2018, p. 100), dentre os quais está o ILF, inglês como língua franca, terminologia adotada neste trabalho.

O ILF pode ser definido como a “função do inglês como língua de contato em comunicações envolvendo usuários de inglês de diferentes contextos linguísticos e culturais, nos quais cada usuário faz uso da variedade da LI com a qual se sente mais familiarizado e confortável” (Santos; Siqueira, 2019, p. 66). Os falantes podem empregar variadas estratégias para estabelecer uma comunicação efetiva e, além disso, é preciso pontuar que o falante nativo não está excluído desse tipo de interação, mas está em uma posição de negociação de sentidos (Santos; Siqueira, 2019).

Considerar o inglês como uma língua franca envolve implicações políticas, linguísticas e educacionais que, por sua vez, impactam diretamente a formação de professores. Esses aspectos serão explorados a seguir, com ênfase nos fatores mais relevantes para este artigo: a formação docente e as implicações pedagógicas do ILF.

Tendo em vista o exposto, nosso propósito neste artigo é compartilhar os resultados da análise de planos de aula de acadêmicos do terceiro ano de Letras-Inglês, principalmente no que diz respeito às implicações pedagógicas do ILF, em uma disciplina de formação de professores durante aulas que abordavam a perspectiva do ILF, em uma universidade paranaense. Este é um recorte de uma pesquisa de mestrado, que teve como foco entendimentos e representações sobre ILF. A pesquisa teve natureza qualitativa e epistemologia interpretativista. Além dos planos de aulas, excertos das transcrições dos encontros em que os planos foram debatidos pelos discentes, docente e pesquisadora também serão trazidos.

A disciplina foi ministrada em 2020, em meio à pandemia do Covid-19, e, como consequência, os encontros ocorreram na modalidade de ensino remoto emergencial com o auxílio do Google Meet e do Google Classroom. Um grupo de 26 acadêmicos participou das 11 aulas nas quais o ILF foi abordado, que aconteceram de 04/11/2020 a 16/12/2020, às quartas e sextas-feiras. A fim de preservar a identidade dos participantes, as nomenclaturas Acadêmico 1, Acadêmica 2, assim por diante, foram adotadas.

A análise dos dados foi feita pelo método indutivo-dedutivo (André, 2013), isto é, as categorias e elementos representativos que surgiram durante as análises foram investigadas/interpretadas com base em estudos sobre formação de professores e ILF. Durante a leitura dos planos de aula foi possível identificar as implicações pedagógicas que se destacaram nas atividades propostas e que serão analisadas neste artigo, partindo do pressuposto de que as escolhas feitas pelos acadêmicos refletem suas percepções sobre as prioridades em um ensino de LI alinhado à perspectiva do ILF.

Aspectos mais específicos dos planos de aula, oferecendo uma visão geral dos objetivos, recursos didáticos e materiais utilizados, serão também apresentados para uma visão mais detalhada. Esses elementos estão presentes em todos os planos, conforme orientações fornecidas pela professora da turma.

Antes de abordar especificamente os planos, discutimos, na seção seguinte, algumas implicações pedagógicas do ILF e a formação docente.

ILF, implicações pedagógicas e formação docente

O termo ILF tem sido amplamente utilizado por estudiosos que compartilham a perspectiva de que o inglês, atualmente, é predominantemente empregado em contextos de comunicação entre falantes de diferentes línguas maternas, em vez de ser restrito a interações centradas em falantes nativos (Gimenez et al., 2015).

É consenso entre os pesquisadores do ILF que a descentralização do falante nativo é uma das implicações da expansão do idioma, juntamente com a inclusão de variedades de inglês em sala de aula, a articulação entre temas de alcance local e global, o ensino de cultura e o debate sobre o estatuto da língua e seus objetivos de ensino (El Kadri; Calvo, 2015).

Ana Paula Duboc (2018) reforça ainda que é preciso questionar qual inglês é ensinado nas escolas e ir além do ensino de estruturas ou funções comunicativas da língua, buscando o “desenvolvimento da sensibilização e autorreflexão em relação ao papel das línguas estrangeiras nas sociedades, bem como a promoção de novos processos de criação de significado para modos semióticos escritos e orais nas aulas de inglês” (p. 163).

Diante desse cenário, é imprescindível olhar para a formação de professores de inglês, afinal, os profissionais devem estar preparados para lidar com o impacto de tais implicações pedagógicas, ainda mais se levarmos em conta a inclusão da perspectiva do ILF na Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil, 2017), que passou a tratar do caráter formativo da língua inglesa, em vez de nomeá-la simplesmente como uma língua estrangeira.

Na visão de Jacyara Santos e Sávio Siqueira (2019), a inclusão do ILF na formação de professores de inglês, especialmente na formação inicial, é extremamente importante, uma vez que traria oportunidades de refletir sobre suas práticas e pensar em melhorias “a fim de possibilitar que seus aprendizes possam se tornar usuários preparados para se comunicar de forma bem sucedida com pessoas de diferentes contextos linguísticos e culturais” (p. 73).

Nesse sentido, ainda há um longo caminho a ser percorrido, pois os debates sobre questões relacionadas aos estudos do ILF são majoritariamente iniciativas isoladas, e, consequentemente, a discussão sobre ILF na formação de professores inicial e continuada é quase inexistente (Santos; Siqueira, 2019; Duboc, 2019).

Segundo Telma Gimenez, Michele El Kadri e Luciana Calvo (2018), por mais que existam profissionais interessados em repensar o ensino de inglês, a influência do mercado, que valoriza a ideologia do falante nativo, sobre os professores e a falta de apoio governamental ainda são obstáculos a serem transpostos. Para as autoras, embora pesquisadores venham há tempos destacando a necessidade de incluir as implicações do ILF em programas de formação docente, o maior desafio para a formação de professores é lidar com a reconceitualização de princípios que a perspectiva traz para o ensino da língua.

Nicos Sifakis (2020) também acredita que a abrangência da prática do ensino de inglês como uma língua estrangeira, pautada pelo modelo de um falante nativo, é um obstáculo à integração da perspectiva do ILF. Diante disso, o autor defende que desafios como esse podem ser superados com uma perspectiva consciente do ILF, ou seja, é necessário que os docentes se tornem conscientes de suas atitudes diante do ILF.

Como Gimenez et al. (2015) já havia ressaltado ao retomar os estudos de Llurda (2014), para que os professores desenvolvam uma consciência sobre o ILF, é fundamental que eles também participem das interações e percebam as diversas possibilidades de uso da língua. Assim, eles poderão reconhecer que o ILF não possui formas linguísticas fixas e entender sua natureza dinâmica e fluida.

De acordo com Siqueira (2018, p. 109), “vivemos tempos de rompimentos de fronteiras, de negociação de poder e imprevisibilidades”, no qual o ILF é uma zona transcultural de poder, repleta de tensionamentos entre visões mais ou menos tradicionais da língua e do ensino. Nesse cenário, ser professor de inglês também requer que o docente se reconheça como um brasileiro falante de uma língua internacional, livre de imposições culturais, ideológicas ou da expectativa de se assemelhar a um falante nativo.

Os planos de aula

A formadora instruiu os acadêmicos a produzir um plano de aula como atividade que encerraria o tópico ILF na disciplina. Segundo o comando da atividade, retirado do Google Classroom, eles deveriam elaborar um plano de aula, abordando uma implicação pedagógica do ILF, de modo a considerar os seguintes aspectos: Contexto de ensino, público-alvo, tema da aula, duração, objetivo(s), descrição das pre-/while/post-activities1, materiais utilizados e referências.

Vale ressaltar que a docente não disponibilizou um modelo específico de plano de aula, apenas as instruções acima, porém, a maior parte dos alunos utilizou o modelo da disciplina de estágio. A estrutura desse modelo segue o padrão 1) Pre-activity, 2) While-activity e 3) Post-activity.

No total, foram entregues dez planos de aula, dos quais consideramos oito, visto que há planos de duplas cujos membros não assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. É importante frisar que a pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética da universidade.

Antes da entrega final do plano de aula, os participantes tiveram a oportunidade de interagir com a docente da turma e com a pesquisadora, que fizeram questionamentos e deram sugestões. Durante estes encontros, nos quais todos puderam conversar sobre as ideias para os planos de aula e tirar dúvidas, percebemos que alguns acadêmicos estavam com dificuldade de desenvolver a ideia inicial do plano, o que pode ter relação com um sentimento de insegurança, de necessidade de validação da formadora sobre suas ideias, tendo em vista que são professores em formação inicial. Além disso, essas dúvidas podem fazer parte do processo de familiarização com o ILF, especialmente por ser a primeira vez que eles planejam aulas considerando trabalhar com as implicações do ILF para o ensino de língua inglesa.

Os participantes pareciam estar à vontade para trafegar entre português e inglês na escrita, visto que muitos escreveram os objetivos, os materiais e a descrição do passo a passo da aula proposta em língua portuguesa e as perguntas e outros tipos de atividades em inglês. Devido ao uso das duas línguas nos planos, optamos por deixá-las da forma apresentada pelos acadêmicos nos excertos analisados, sem traduções.

No que diz respeito ao público alvo das aulas, a maioria dos participantes indicou turmas do ensino médio e o contexto de escolas públicas. Duas duplas especificaram ainda o formato presencial ou remoto, característico do momento vivenciado durante a pandemia.

Os objetivos

No tocante aos objetivos, grande parte deles levava uma discussão, uma reflexão sobre o próprio estatuto do ILF ou sobre alguma de suas implicações. Nesse sentido, locuções verbais, algumas expressões e verbos utilizados foram: “Abrir discussão; Debater; Levantar reflexões”.

Há ainda os objetivos que, além de ter em vista as discussões, enfatizavam aspectos críticos e lançavam mão de verbos e expressões como “Problematizar, Desmistificar, Trabalhar [...] criticamente, Desenvolver conhecimento mais consciente”, a exemplo do Acadêmico 1, cujo plano de aula teve como objetivo geral “Trabalhar a noção de ILF criticamente”.

Mesmo para as aulas de língua inglesa do contexto regular, muitos dos licenciandos trouxeram propostas de reflexões e problematizações, inclusive sobre o próprio estatuto da língua inglesa na atualidade. Há a possibilidade de que alguns acadêmicos tenham entendido que as aulas deveriam ser sobre ILF, o que explicaria o fato de muitos dos objetivos apresentarem ideias de discussões sobre ILF e não discussões sob a perspectiva do ILF, a exemplo dos trechos abaixo:

Buscar a compreensão dos alunos sobre o inglês como língua franca por meio de vídeos de entretenimento [...]

(Plano das Acadêmicas 6 e 24)

Trabalhar a noção do Inglês como língua franca criticamente; [...]

(Plano do Acadêmico 1)

Isso provavelmente se deve ao fato de que os discentes, durante as aulas de formação com a docente da turma, tiveram acesso a diversos exemplos e discussões reflexivas relacionadas ao ILF, o que os levou a adotar o estilo seguido pela professora. Além disso, é possível que, ao formular perguntas sobre o conceito e pensar em aulas mais teóricas, os acadêmicos estejam construindo sentidos sobre os conteúdos estudados na disciplina, tendo em vista que este é o primeiro contato deles com a perspectiva do ILF. Esse cenário evidencia o quanto os debates ainda são incipientes e se limitam a iniciativas isoladas (Duboc, 2019).

Recursos didáticos e materiais utilizados

Todos os planejamentos envolveram a utilização de tecnologias e necessitaram do acesso à internet para a exibição de vídeos, áudios e outras ferramentas digitais. A dupla Acadêmica 2 e Acadêmico 12 propuseram uma atividade que utiliza a ferramenta Google Jamboard e o Mentimeter, enquanto os Acadêmicos 7 e 20 elaboraram atividades com o Google Meet e o Google Classroom.

Tendo em vista que os participantes são estudantes que tiveram que passar por vários desafios impostos pela pandemia, como a adaptação ao uso de ferramentas tecnológicas utilizadas por seus professores, é interessante observar como eles se apropriaram facilmente dessas tecnologias em suas práticas docentes.

Alguns acadêmicos lançaram mão de materiais apresentados anteriormente pela docente durante suas aulas, sendo que alguns foram sugeridos por ela. Isso demonstra que os materiais e as reflexões sobre eles fizeram sentido para esses discentes, que articularam essas ideias em seus planos. No entanto, alguns deles não levaram em consideração a transposição didática para o ensino básico, visto que alguns materiais eram muito teóricos e mais voltados para o mundo acadêmico.

Análise das implicações pedagógicas presentes nas atividades elaboradas

Os acadêmicos articularam diferentes maneiras de abordar algumas implicações pedagógicas do ILF. De modo geral, as implicações presentes nos planos de aula são a ampliação das variedades de inglês a serem trabalhadas em sala de aula e também da menor ênfase na pronúncia do “nativo”, o ensino de cultura (problematizar estereótipos); a articulação do local com o global, a conscientização sobre o papel das línguas nas sociedades e especialmente do inglês como língua de comunicação internacional (El Kadri; Calvo, 2015). Todas elas serão detalhadas a seguir como Implicação 1, 2, 3 e 4.

Observamos que várias das propostas tratam da ampliação da exposição a diferentes variedades de inglês a serem trabalhadas em sala de aula, com menor ênfase na pronúncia do “nativo” (Implicação 1), o que é um reflexo do grande interesse no tópico “sotaque” demonstrado pelos licenciandos ao longo da pesquisa. Outra implicação que aparece em variadas atividades diz respeito ao ensino de cultura (Implicação 2), enquanto a articulação entre temas de alcance local/global (Implicação 3) e a conscientização sobre o papel da língua inglesa (Implicação 4) aparecem de forma menos abrangente nos planos de aula.

Nesta seção, iremos explicar e analisar as atividades que foram formuladas pelos acadêmicos utilizando excertos dos próprios planejamentos. Ademais, quando preciso for, resgataremos trechos das interações dos encontros que antecederam a entrega dos planos, nos quais as ideias foram debatidas. É necessário pontuar, contudo, que não apresentaremos todas as atividades de todos os planos de aula, devido ao limite de extensão do artigo.

Implicação 1: Ampliação das variedades de inglês e menor ênfase na pronúncia do “nativo”

A fim de trabalhar com diferentes variedades de língua inglesa, diversas duplas propuseram atividades de listening com falantes de diversas partes do mundo, além dos Acadêmicos 7 e 20, que planejaram também colocar os alunos em breakout rooms via Google Meet, para que eles conversassem com estudantes de língua inglesa de outros países, como Bangladesh, Itália, Japão, Turquia, dentre outros.

Consideramos que, por mais que os objetivos de alguns planos indicassem a busca por uma discussão mais aprofundada sobre a descentralização do falante nativo, algumas das perguntas sugeridas para trabalhar com os áudios limitavam, de certa forma, o debate, pois focavam em aspectos muito específicos, como o reconhecimento de sotaques ou a identificação da nacionalidade dos falantes. Um exemplo disso é a forma como os Acadêmicos 7 e 20 conduziriam a discussão após tocarem um áudio de um falante brasileiro:

We would play an audio recorded by a Brazilian person and the students should answer questions like: ‘Can you identify the nationality of the person who is talking? How did you notice that?’, then they would have to listen to 2 other audios from a Filipino person and a Russian person and answer the same questions.

(Plano dos Acadêmicos 7 e 20)

Dependendo do conteúdo do áudio, os licenciandos poderiam trazer outras perguntas que não focassem unicamente na questão da identificação da origem dos falantes, já que há potencialmente muitos outros aspectos a serem abordados.

De maneira semelhante, as Acadêmicas 8 e 11 trabalharam com diversas implicações, sendo a variedade de falantes a que obtém maior destaque no plano. As licenciandas selecionaram quatro artistas de diferentes nacionalidades (Enrique Iglesias, Anitta, Cardi B. e Shakira) e fizeram um compilado de alguns videoclipes com as letras das músicas impressas.

Uma das perguntas tinha o objetivo de levar os alunos a identificar palavras que foram faladas pelos artistas em que o sotaque deles ficou mais explícito. A professora formadora questionou a escolha das licenciandas, quando elas apresentaram a ideia da atividade. A docente perguntou qual seria o objetivo de identificar o sotaque em momentos específicos na música, sendo que esses cantores em todos os momentos possuem sotaque, visto que isso é uma parte da identidade deles enquanto falantes. Entretanto, as licenciandas optaram por manter a atividade, que foi justificada por elas na Aula 10 da seguinte maneira:

Acadêmica 8: A parte de identificar o sotaque é uma maneira de iniciar a discussão, porque, depois disso nós perguntaríamos “Você acha que eles precisam aprender inglês melhor? Você acha que eles não falam com fluência?” ou algo assim, e daí nós começaríamos a falar sobre ILF e mais sobre esse assunto, sabe…

(Aula 10)

No plano de aula, algumas das perguntas propostas pela Acadêmica 8 e pela Acadêmica 11 foram formuladas da seguinte forma:

Do you think they are fluent?; Do you think they speak English well or they need to study more?; Is it bad to have an accent?; Could you notice their cultural background in their lyrics, accent and video clip?; Was it easy to notice their accent? Why?; What accents do you think are the easiest to notice?

(Plano da Acadêmica 8 e Acadêmica 11)

Pode ser que algumas dessas perguntas gerem bons resultados e debates em sala de aula, a depender da maneira como as professoras guiem a discussão. Ao refletir sobre as questões formuladas, também procuramos entender as motivações delas, especialmente em relação às duas últimas. Em um dos encontros em que as ideias dos planos foram debatidas, a Acadêmica 11 explica algumas de suas escolhas:

Acadêmica 11: Okay, vamos perguntar se foi fácil reparar no sotaque deles porque queremos ver se conseguem relacionar o sotaque com o fato de serem latinos e também que sotaques acham que são mais fáceis de reparar, porque normalmente quando recebemos uma canção de estrangeiros, se não for latina, é mais difícil reparar se têm sotaque ou não.

(Aula 10)

É interessante notar como, na opinião da Acadêmica 11, “falantes latinos” de LI têm “um sotaque mais fácil de notar” do que outros falantes, o que entra até mesmo em choque com a ideia de algumas das atividades propostas pela dupla no plano de aula, que tratavam de desconstruir alguns estereótipos sobre sotaques e fluência, por exemplo. A acadêmica acaba colocando os latinos todos em um mesmo grupo, como se essa identidade fosse monolítica e homogênea.

Outra atividade da aula da dupla Acadêmica 8 e Acadêmica 11 trata, mais especificamente, da cantora brasileira Anitta e a maneira como o inglês dela é analisado na Internet. De acordo com o planejamento, o intuito é “analisar o ensino de língua inglesa no Brasil e a visão dos brasileiros sobre o que é fluência” e, para isso, as acadêmicas exibiriam aos alunos prints de uma pesquisa no YouTube com a pergunta “Por que Anitta começou a usar o inglês?”.

Segundo as professoras em formação inicial, a busca resultou em vídeos com títulos e chamadas como “Avaliando o inglês da Anitta”, “Anitta vs. Bruna Marquezine, comparando o inglês (Quem fala melhor?)”, “Analisando o inglês da Anitta”, “Anitta fala inglês fluente?” (Aula 10). A partir daí, as professoras em formação discutiriam estas questões com os alunos:

Looking at these YouTube prints, what comes to your mind?; Do you agree with these statements?; Do you think it is correct to analyze people’s English just because they are foreigners?; Do you think this happens with every foreigner artist?; How do you think this impacts the artist [herself]?; Do you think it is a way of teaching and learning English by analyzing accents and mistakes made by bilingual artists?

(Plano das Acadêmicas 8 e 11)

De certa forma, a atividade explicada anteriormente, que propõe a análise do sotaque dos cantores, entra em choque com algumas das perguntas acima, como a questão “Do you think it is correct to analyze people’s English just because they are foreigners?”.

Por sua vez, as Acadêmicas 6 e 24 também apresentaram atividades que trabalham com a ampliação das variedades de inglês em sala de aula, envolvendo música e celebridades do futebol, tema que pode chamar a atenção dos alunos e os motivar a realizar as atividades, pois faz parte do cotidiano de grande parte dos adolescentes. As acadêmicas fariam uma atividade de listening com alguns vídeos de entrevistas e clipes de vários ídolos da música e figuras do futebol de vários países como Colômbia, Coreia do Sul, Jamaica, Rússia, entre outros. Algumas das perguntas que elas utilizariam estão listadas abaixo:

What most caught your attention about the English presented?; Do you think they achieve the communication’s goal?; Do you think the accent is part of their identity?; How do you feel about talking in English?; Have you ever imagined yourself in those situations?

(Plano das Acadêmicas 6 e 24)

Notamos que as acadêmicas tiveram a preocupação de perguntar aos alunos como eles se sentem utilizando a língua inglesa, o que pode ser muito positivo, pois traz o aluno para o centro da atividade. Além disso, há um foco maior na comunicação e no sotaque como parte da identidade dos falantes. Esse tipo de atividade pode enfatizar o foco na inteligibilidade, em vez de privilegiar uma variedade específica da língua, ao mesmo tempo que aborda a importância de desenvolver habilidades de comunicação em uma ampla gama de variedades internacionais. (El Kadri; Calvo, 2015).

Como atividade final, as acadêmicas pediriam que os alunos fizessem, em grupos, uma apresentação de um vídeo e de um documento feito no Microsoft Word sobre escritores, celebridades e/ou artistas de diferentes continentes, após uma pesquisa. Diante disso, talvez por reflexo da pandemia e do ensino remoto emergencial, observamos que os participantes incluíram em seus planejamentos atividades que envolvem o uso de tecnologias e que são, de certo modo, um pouco complexas, como gravações de podcasts e compilações de vídeos. Talvez os acadêmicos tenham realizado atividades semelhantes a essas ainda como alunos em outras disciplinas no curso de Letras.

Implicação 2: Ensino de cultura (problematizar estereótipos)

Ainda que o objetivo central da aula fosse mostrar diferentes variedades de inglês e diminuir a ênfase no modelo do falante nativo, as Acadêmicas 6 e 24 propuseram como atividade inicial uma apresentação de slides com diversos aspectos culturais de países que utilizam o inglês tanto como segunda língua ou língua estrangeira, tais como Malta e Coréia do Sul. Após a exibição dos slides, elas fariam algumas perguntas orais como parte de uma pre-activity, para depois abordar artistas desses países, como os cantores de K-pop.

Notamos que a proposta é apresentar fatos mais pontuais sobre os países e sobre as culturas, como celebrações, estilos musicais populares e pratos típicos. O desenvolvimento dessa parte da aula dependeria muito da forma que as licenciandas apresentassem o conteúdo, tomando o cuidado de não reduzir a cultura desses países aos fatos expostos nos slides, visto que as perguntas em si também não aprofundam muito a discussão.

De forma semelhante, o planejamento da dupla Acadêmica 8 e Acadêmica 11 também menciona o que elas chamam de “traços culturais”, mesmo que esse não seja o cerne da aula. Segundo elas, após os alunos identificarem sotaques em trechos das músicas cantadas por artistas como Shakira e Enrique Iglesias, eles analisariam os videoclipes para perceber traços culturais. Inclusive quando questionadas sobre a atividade que visava à identificação de sotaques, as acadêmicas justificaram a escolha do exercício dizendo que também tinham o objetivo de abordar a questão cultural:

Acadêmica 8: Queríamos mostrar também a parte cultural e, por isso, teriam de analisar o videoclipe e também a letra e o sotaque na canção...

(Aula 10)

Apesar do que argumentaram no diálogo acima, a única questão que envolve cultura incluída no plano de aula é “Could you notice their cultural background in their lyrics, accent and video clip?”, que é uma pergunta mais geral e não explora a identidade cultural dos cantores de forma aprofundada.

Os videoclipes referenciados pelas acadêmicas são: “Enrique Iglesias - Bailando (English Version) ft. Sean Paul, Descemer Bueno, Gente De Zona”, “Shakira - Loca (Official Music Video) ft. Dizzee Rascal”, “Anitta - Me Gusta (Feat. Cardi B & Myke Towers) [Official Music Video]”.

Ao assistir os videoclipes, observamos que, com exceção do clipe da Shakira, que foca mais na artista andando e cantando pela cidade de Barcelona, os vídeos exibem elementos da cultura dos cantores. O clipe de “Bailando”, filmado em Cuba e na República Dominicana, exibe passos de danças típicas espanholas, como o flamenco. As filmagens de “Me Gusta” foram feitas no Pelourinho, em Salvador, e a cultura brasileira aparece no clipe por meio da baianidade, representada pela participação da Banda Didá, formada apenas por percussionistas mulheres.

Diante disso, acreditamos que os videoclipes são boas opções para iniciar um debate a respeito da cultura dos artistas, mas pensamos que, talvez, as professoras em formação precisassem guiar a discussão para um nível mais crítico, não apenas focar na identificação desses elementos. Além disso, é preciso cuidado ao abordar essas músicas, devido ao teor sensual que todas elas imprimem, tanto nos vídeos quanto nas letras, para que não se corra o risco de mostrar uma cultura latina estereotipada, comercial, que foque apenas numa visão “caliente” ou sexualizada desses povos.

A dupla Acadêmica 10 e Acadêmico 22, por sua vez, trabalhou com a implicação “Ensino de cultura (problematizar estereótipos)” de forma mais central ao longo do plano. A dupla iniciaria a aula com perguntas orais e com um caça-palavras, trabalhando com vocabulário relacionado ao Halloween. Algumas das perguntas formuladas por eles para introduzir o tema foram “Have you ever celebrated Halloween?; What does this holiday mean to you?”.

Em seguida, eles propuseram uma atividade em grupos, na qual cada grupo compartilharia com a turma aspectos sobre a maneira que o Halloween é “comemorado e aceito em diferentes países”, como Inglaterra, México, Alemanha, Japão, França e Irlanda. Após isso, os acadêmicos exibiriam o vídeo “10 Unusual Halloween traditions around the world”2 e fariam uma discussão oral sobre as experiências dos alunos com a celebração.

Na última etapa da aula, na qual a ideia era trabalhar com um episódio de Halloween da série de comédia americana Modern Family, uma das perguntas que chamou nossa atenção foi: “Do you know the character Claire, who loves Halloween? Do you think all Americans celebrate this holiday the same way?”, porque acreditamos que questões assim podem ajudar a desmistificar alguns estereótipos sobre o tema, abrindo espaço para uma visão mais plural.

Os acadêmicos também afirmaram que abordariam questões críticas sobre a personagem Gloria, que é colombiana e mora nos Estados Unidos, seu comportamento durante a comemoração do Halloween e seu sotaque. Porém, conforme a professora formadora comentou no documento do plano de aula, as perguntas ainda pareciam estar um pouco soltas, no que diz respeito a conectar os tópicos “Halloween” e “sotaque”. Algumas das perguntas feitas foram:

Does Gloria like this holiday? Is she understood by her family?; Why does she change her accent at the Halloween party? Why is Gloria misunderstood?; Where is Gloria from? Why does she have this accent?

(Plano da Acadêmica 10 e do Acadêmico 22)

Pode ter sido um desafio para os licenciandos conectar os tópicos Halloween e sotaque, por mais que a personagem passe por situações constrangedoras envolvendo seu sotaque durante uma festa dessa celebração.

Por sua vez, a Acadêmica 17 apresentou uma proposta que tem alguns pontos em comum com a proposta da dupla acima, visto que ela também trouxe uma série, a comédia The Big Bang Theory, para trabalhar com a questão dos estereótipos culturais. É interessante notar como a professora em formação faz uma associação direta, e potencialmente estereotipada, entre o que chama de “aspectos culturais” e sotaques, pois descreve a etapa inicial da aula da seguinte forma:

Para introduzir o tópico, a professora começará fazendo perguntas sobre sotaques brasileiros, e quais aspectos culturais podem ser inferidos a partir disso, além de introduzir a Língua Inglesa como detentora de vários sotaques dentro dos Estados Unidos

(Plano Acadêmica 17).

No vídeo do episódio selecionado, o personagem indiano Raj, segundo a Acadêmica 17, faz uma brincadeira sobre usar sotaque americano. Seu amigo Howard diz a Raj que seu sotaque americano não é bom, e ambos começam a fazer imitações dos sotaques americano e indiano em inglês, incorporando questões culturais, como o churrasco americano e o curry indiano.

Um aspecto interessante dessa aula é a inclusão de perguntas que tratam da diversidade linguística até dentro de um mesmo país, como “Let’s think about Brazil. What different accents do we have in Portuguese?” (Plano Acadêmica 17). Entretanto, no nosso ponto de vista, a visão estereotipada da relação entre cultura e sotaque vem do episódio em si e a acadêmica, na tentativa de problematizar isso, acaba por reproduzir no discurso do seu plano de aula essa concepção.

Nos objetivos, por exemplo, ela afirma que o sotaque é parte da identidade cultural do falante, mas nos procedimentos de ensino ela dá a entender que é possível, por meio do sotaque, fazer pressuposições sobre a cultura em si, o que leva à construção de perguntas como essas: “What can you assume of a person who has a Northeastern accent? What about the Southwestern accent? Why?” (Plano Acadêmica 17). Acreditamos que tais perguntas devem ser trabalhadas com muito cuidado, a fim de evitar que o efeito na turma seja o contrário do desejado e que certos preconceitos sejam fortalecidos, em vez de questionados.

As perguntas finais sobre o vídeo, contudo, dão aos alunos a oportunidade de mostrar seu posicionamento diante da postura preconceituosa do personagem Howard, questionando“What is your opinion about Howard’s position on Raj’s American accent? Do you think Raj’s American accent needs to be corrected?” (Plano Acadêmica 17).

Por fim, a última atividade é uma discussão mais aprofundada sobre o papel do sotaque em comportamentos de intolerância cultural, com questionamentos como “What do you think are the problems with cultural stereotypes?; How do you think that accent is related to xenophobia and cultural intolerance?; Do you think a foreigner should change his accent to fit in? Why? What would he/she lose in identity?” (Plano Acadêmica 17), que parecem estar mais alinhadas com o propósito da Acadêmica 17 de desenvolver o pensamento crítico dos estudantes quanto aos malefícios de estereótipos culturais.

De modo geral, as questões relacionadas à cultura ainda parecem estar associadas a comportamentos generalizados de um determinado país ou comunidade, deixando pouco espaço para debates mais aprofundados sobre crenças, visões de mundo e outros aspectos complexos ligados à interculturalidade e à inteligibilidade. Essa percepção está alinhada com o que foi relatado por Gimenez et al. (2015), para quem o desafio de integrar a abordagem intercultural às práticas pedagógicas em ILF só será superado quando os professores tiverem a oportunidade de tentar, avaliar e redimensionar tais premissas. Nesse sentido, teria sido enriquecedor se os professores em formação inicial tivessem a chance de aplicar as atividades planejadas, pois isso permitiria obter um retorno e promover a reformulação de alguns exercícios.

Implicação 3: Articulação do local com o global

Além das atividades que trabalham com cultura, a dupla Acadêmica 10 e Acadêmico 22 propuseram uma atividade que articula o local com o global, tendo como pano de fundo a celebração do Halloween. O vídeo “10 Unusual Halloween Traditions around the World” trouxe uma visão global da comemoração dessa data, abordando diferentes maneiras de celebrá-la em vários países, como México, Áustria, República Tcheca, China, Alemanha, Reino Unido, Nigéria e Irlanda, transcendendo a visão estereotipada disseminada pela cultura norte-americana.

Por meio desse material, seria possível evidenciar a diversidade de sentidos, rituais e tradições ao redor do mundo, contribuindo para que os alunos tenham uma visão mais global e ampla a respeito do Halloween. Entretanto, ainda é preciso cuidado para não favorecer apenas comparações sobre diferenças e semelhanças.

Ao mesmo tempo, as perguntas “What are your experiences with Halloween? [...] How is Halloween celebrated in Brazil? And in your city? Does your neighborhood have a tradition in this period? Describe it” levaram a discussão para o âmbito local, articulando a vivência de cada aluno com o tema da aula e abrindo espaço para diálogos relevantes para aquela comunidade específica.

A dupla formada pela Acadêmica 2 e pelo Acadêmico 12, por seu turno, escolheu um tema muito atual e relevante: a pandemia de coronavírus, que é uma preocupação em nível global. Os acadêmicos criaram atividades que trazem o tema também para o contexto local, como um vídeo intitulado “How can science protect Brazil’s most vulnerable communities from coronavirus (Covid-19)3 com um cientista brasileiro falando sobre a doença.

Além disso, esses mesmos acadêmicos (2 e 12) trouxeram perguntas que conectam o tema discutido à realidade dos alunos: “Personal experience: Have you tried to talk to someone in English about the virus?; Have you searched for more information in English about the virus?”. Tais questões contribuíram não apenas para trazer o tema coronavírus ao contexto local, mas também para aproximar a língua inglesa da vivência dos alunos e mostrar de que forma ela pode ser útil para eles, favorecendo a obtenção de informações e ampliando a possibilidade de participação e acesso à debates que ocorrem primordialmente em língua inglesa (El Kadri, Calvo, 2015).

A construção de atividades em torno do tema “pandemia do Covid-19” pode representar preocupações genuínas desses participantes naquele momento, como se, por meio do desenvolvimento das atividades eles pudessem, ao mesmo tempo, construir sentidos sobre o que estavam aprendendo na disciplina de formação e dar vazão a alguns de seus anseios.

Implicação 4: Conscientização sobre o papel das línguas nas sociedades e especialmente do inglês como língua de comunicação internacional

A Acadêmica 2 e o Acadêmico 12 também incluíram várias atividades que abordavam a conscientização sobre o papel do inglês como língua de comunicação internacional. Logo no início da aula, eles sugeriram a confecção de um diagrama na ferramenta Jamboard, seguido de uma discussão guiada por perguntas orais, as quais apresentamos a seguir:

What is Coronavirus?; What do you know about pandemics?; Do you think English is the language of science? Why?; Do you think that scientists around the world can work together to discover a vaccine? How can they communicate with each other?; Why is the English language used to communicate worldwide?; What is the importance of having a specific language to communicate in the field of science?

(Plano Acadêmica 2 e Acadêmico 12)

A escolha de um tópico que estava tão presente na realidade de acadêmicos e alunos da educação básica naquele momento pode realmente ajudar a trazer consciência sobre o papel do inglês atualmente. Ademais, ainda na pre-activity, após a exibição dos vídeos de médicos e pesquisadores de diferentes localidades falando em língua inglesa sobre a situação da pandemia, os acadêmicos trouxeram uma discussão sobre a importância do idioma com perguntas como “Can you think of the importance of the English language in this scenario?”.

As perguntas da discussão tiveram o potencial de levar os alunos a refletirem sobre o papel desempenhado pela língua inglesa nesse cenário e sobre os motivos que estabeleceram o inglês como uma língua franca, o que é bastante relevante, de acordo com Duboc (2018). Posteriormente, os acadêmicos pediram que os alunos lessem o texto “English as the universal language of science: opportunities and challenges”, de David Drubin e Douglas Kellogg (2012), e respondessem às perguntas abaixo:

What are the advantages of having a specific language for scientific discussions?; What are the challenges faced by non-native English speakers?; What are the solutions mentioned in the text to minimize these challenges?; Do you think there is prejudice against non-native English speakers? Justify your answer based on the text.

(Plano Acadêmica 2 e Acadêmico 12)

Ainda na while-activity, os estudantes fariam uma discussão em grupos de cinco com base em questões sobre a relevância da língua inglesa para estabelecer a comunicação entre pesquisadores de diferentes países, como Brasil e Índia. Ao final da aula, haveria uma apresentação de uma nuvem de palavras no Mentimeter, com palavras-chave que demonstrassem as ideias de cada grupo sobre a importância da língua inglesa ao longo da pandemia como um meio de comunicação no campo científico.

É notável que os professores em formação inicial buscaram trazer reflexões sobre o papel desempenhado pela LI no âmbito científico e também ampliar o debate para aspectos críticos sobre as razões pelas quais o inglês é bastante utilizado na publicação de textos acadêmicos. No entanto, conforme a docente comentou no arquivo do plano de aula, o texto selecionado é um pouco preconceituoso em relação à distinção entre nativos e não nativos, isto porque é possível interpretar pelo texto que todos os falantes nativos têm facilidade nas questões de produção acadêmica, em oposição aos não nativos. Esses tensionamentos exemplificam a constante disputa de poder citada por Siqueira (2018) e reforçam o caráter não neutro e político do ILF.

Outro participante que abordou o papel do inglês como língua de comunicação internacional foi o Acadêmico 1, sendo que todos os exercícios preparados por ele envolviam essa implicação do ILF. Ele iniciaria uma discussão perguntando se os alunos entendem a língua inglesa como uma língua global para em seguida apresentar o vídeo “English: Global Language4. Consideramos que, apesar de ter sido descrita como breve, a discussão proposta é densa, tanto pela quantidade de perguntas quanto pelo teor das questões, como, “What is a Global Language?; Can you think of any social or historical reasons why English became the current Global Language?”. Além disso, o debate aconteceria antes mesmo de os alunos terem contato com algum tipo de material de base.

Após a reprodução do vídeo, o professor entregaria um questionário com o objetivo de promover reflexões mais longas a partir do conteúdo apresentado, de acordo com a descrição do plano de aula. Novamente, o questionário contém uma grande quantidade de perguntas complexas e que demandam tempo, especialmente com uma turma do 1º ano do ensino médio.

De acordo com o Acadêmico 1, a primeira parte da aula tinha como objetivo apresentar a expansão da LI para que, posteriormente, “a temática do ILF” fosse trabalhada de forma crítica. Por isso, no while-activity ele apresentaria aos alunos um excerto do artigo “Inglês como língua franca: desenvolvimentos recentes” de Gimenez et al. (2015) e, em seguida, exibiria uma entrevista com a professora Jennifer Jenkins sobre o ILF, intitulada “An Introduction to English as Lingua Franca: ELFpron speaks to professor Jennifer Jenkins”.

Após lerem o trecho e assistirem ao vídeo, os alunos se reuniriam em duplas/trios para responder um questionário. Várias das oito perguntas apresentadas são profundas, pedindo que os estudantes expliquem o conceito de língua franca com base no texto lido, por exemplo, além de questões sobre a diferença entre uso da língua, dialeto e variedades. Acreditamos que outros tipos de atividades poderiam ser utilizados, além de questionários. Além disso, os materiais são bastante teóricos e de teor acadêmico, e os exercícios exigem reflexões avançadas para alunos do ensino médio, visto que há até questões sobre ensino de inglês.

Considerando esses aspectos, essa aula poderia ser utilizada inclusive com alunos de graduação em Letras, ou adaptada para atender a um contexto de ensino regular, trazendo a reflexão/conscientização sobre o atual estatuto da língua inglesa via materiais mais próximos da vivência dos estudantes.

O professor em formação se aproxima um pouco mais da realidade dos alunos na última etapa da aula, com uma discussão oral embasada no vídeo “The Pink Panther (9/12) Movie CLIP – I Would Like To Buy a Hamburger (2006) HD5. O fragmento do filme “Pink Panther” é um material interessante para trabalhar com adolescentes, pois é uma cena divertida e que pode fazer com os alunos se engajem mais na atividade. Além disso, perguntas como “Have you ever felt like that student in some of your English classes? Can you think of any situations in which something similar happened?” voltam a atenção para a experiência pessoal do aluno, que pode se identificar com o personagem. Entretanto, a maior parte da atividade ainda traz aspectos muito profundos e relacionados ao ensino de línguas.

Por fim, o Acadêmico 1 propõe a produção de textos curtos com um relato de uma memória de uma aula de língua inglesa. A ideia era que os alunos refletissem sobre a própria aprendizagem, analisando inclusive o que poderia ser mudado nas aulas em que eles participam para que a perspectiva do ILF fosse considerada.

Refletir sobre o próprio aprendizado pode ser relevante para pensar de forma crítica sobre objetivos de ensino da língua inglesa (Calvo; El Kadri, 2015), porém, é necessário que as atividades sejam compatíveis com a faixa etária e realidade vivenciada pelos alunos. Mais uma vez, fica evidente que seria bastante benéfico se os acadêmicos tivessem a oportunidade de lecionar essas aulas, observando o seu impacto em sala de aula. Porém, tanto o escopo limitado da pesquisa quanto as restrições impostas pelo contexto da pandemia impediram essa vivência, que poderia integrar teoria e prática de forma mais satisfatória.

Considerações finais

Diante do que foi exposto dos planos de aula, observamos que diferentes implicações do ILF foram trabalhadas, em uma grande variedade de atividades, com destaque para a questão da menor ênfase na figura do modelo do falante nativo e da ampliação de variedades de língua inglesa em sala de aula. Como consequência, houve uma ampla gama de países incluídos, dentre eles: Filipinas, Rússia, Colômbia, Coreia do Sul, Jamaica, Índia, Inglaterra, México, Alemanha, Japão, França, Irlanda e Brasil. É muito positivo que os acadêmicos tenham selecionado os mais diversos países, de vários continentes, além de agregarem falantes brasileiros e trazerem perguntas que articularam o tema trabalhado na aula com a realidade local dos alunos.

Ressaltamos também que muitos planejamentos trabalharam aspectos culturais de múltiplos locais e, apesar de poucas perguntas abrirem margem para o estabelecimento de comparações e até para o reforço de alguns estereótipos, vários exercícios buscaram trazer um olhar de respeito para com a cultura do outro. Apesar disso, não houve um debate mais aprofundado sobre crenças e visões de mundo. Em meio aos temas escolhidos, observamos questões próximas da realidade vivenciada pelos próprios acadêmicos e que talvez fossem motivo de angústia para eles, como a pandemia de coronavírus e o desenvolvimento de uma vacina. Na nossa visão, a construção de atividades em torno desse tema pode representar preocupações genuínas deles naquele momento, como se, por meio da criação, eles pudessem dar vazão a alguns de seus anseios.

Dentre as potencialidades das atividades produzidas, destacamos a multiplicidade de recursos utilizados por eles: vídeos, músicas, séries, comerciais e textos. Possivelmente como consequência do contexto em que a disciplina foi ministrada, os professores em formação demonstraram habilidade de lidar com ferramentas digitais e de elaborar exercícios por meio delas, o que também é uma característica marcante de praticamente todos os planos de aula. Notamos também que, em muitas das atividades, eles se espelharam nas aulas da formadora, por ser o primeiro contato deles com o tema. Por isso, é importante que outras disciplinas também abordem a perspectiva do ILF, para que os acadêmicos vivenciem essas discussões como alunos de língua e não apenas pela perspectiva de professores em formação.

Mais um fator a ser ponderado é o espaço reduzido de tempo em que as aulas aconteceram, já que não se tratava de uma disciplina específica sobre ILF, mas algumas aulas que abordaram de forma direta essa perspectiva dentro de uma disciplina de formação de professores.

Ademais, levando em consideração que os planos de aula também foram avaliados como atividade integrante da disciplina, é relevante ponderar que os acadêmicos estão, de certa forma, tentando “acertar” o que a professora formadora espera deles. Outros acadêmicos, por outro lado, nem mesmo incorporaram em suas atividades as sugestões feitas pela docente e decidiram seguir com suas ideias originais, o que interpretamos como uma possível demonstração/afirmação de suas identidades enquanto professores que são os responsáveis pelas decisões finais em seus planos de aula.

Assim sendo, seria importante que, além de outras disciplinas abordarem o ILF, os acadêmicos pudessem desenvolver atividades que levassem em consideração essa perspectiva em outros contextos de formação, como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), tendo em vista que este último foi bastante citado pelos participantes ao longo da pesquisa.

Apesar de, em alguns casos, as atividades propostas exigirem dos alunos do ensino regular reflexões bastante profundas e delongadas sobre o ILF e sobre a expansão global da língua inglesa, é necessário reconhecer que elas não são atividades infundadas, visto que estão relacionadas à implicação que trata da conscientização sobre o papel das línguas nas sociedades e especialmente do inglês como língua de comunicação internacional (El Kadri; Calvo, 2015).

Ainda em relação ao tom mais teórico de alguns planos de aula, ressaltamos que muitos acadêmicos não apenas desenvolveram atividades de inglês sob a perspectiva do ILF, mas propuseram que os alunos refletissem sobre o que estavam fazendo, o que pode ser bastante positivo, a depender da forma como esses exercícios forem tratados em sala de aula. Possivelmente, a ideia era a de proporcionar oportunidades para que os alunos desenvolvessem uma consciência crítica sobre o próprio aprendizado, a língua e sobre as razões pelas quais se aprende inglês atualmente.

No tocante aos encaminhamentos para o trabalho com o ILF na formação docente inicial, acreditamos que as iniciativas dependerão também de uma maior disponibilidade de tempo e de contextos variados para a inclusão da perspectiva. Talvez fosse vantajoso que os acadêmicos pudessem planejar aulas que de fato eles pudessem trabalhar em algum contexto de ensino e ter um feedback sobre suas práticas.

Além disso, consideramos que seja relevante pensar em propostas como disciplinas optativas nos currículos de Letras, nas quais houvesse mais tempo para investir no desenvolvimento de atividades de formação docente sob a perspectiva do ILF. Ademais, os licenciandos poderiam se beneficiar de cursos de extensão sobre ILF e formação de professores, ou ILF e ensino-aprendizagem de línguas em espaços formativos da IES, ou até mesmo online, o que permitiria a interação de professores em formação docente inicial de várias instituições do Brasil.

Ainda, a fim de que os acadêmicos participassem mais das discussões na disciplina de formação, eles poderiam ficar responsáveis por dar feedback sobre os planos dos colegas, o que também estimularia a troca de ideias e conhecimento entre eles. Outro potencial a ser explorado é o diálogo com alunos que já atuam como professores, com o objetivo de refletir sobre ambiente de atuação deles e sobre quais mudanças, por menores que fossem, eles poderiam fazer nos materiais com que trabalham, tendo em vista a potencialidade de expandir esses materiais sob uma perspectiva de ILF, assim como apontou Siqueira (2020). Por fim, outra possibilidade seria incentivar os professores em formação inicial que participaram desta pesquisa a utilizar os planos que elaboraram e convidá-los a debater os resultados.

Os resultados aqui evidenciados demonstram que a articulação didática de conceitos e implicações do ILF por professores em formação docente inicial não é uma tarefa simples e fácil, o que observamos na nossa análise e nas ponderações sobre algumas atividades desenvolvidas pelos estudantes (e.g. foco apenas em identificação sotaques; risco em reforçar estereótipos ao invés de desafiá-los). No entanto, a oportunidade que tiveram de tentar articular didaticamente tais implicações, por meio da elaboração dos planos de aula, foi um dos caminhos formativos com potencial para considerar e refletir sobre o ILF em sala de aula. Neste sentido, acreditamos que é preciso continuar com a discussão sobre essa perspectiva, não apenas nas disciplinas com foco na formação de professores, mas em variados contextos na universidade.

Notas

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2024
  • Aceito
    10 Fev 2025
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