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DO TEATRO AO MUSEU DE HORRORES: ESTRATÉGIAS DE AUTORREFLEXIVIDADE NO SERIADO DE TELEVISÃO PENNY DREADFUL

FROM THE THEATER TO THE HORROR MUSEUM: SELFREFLEXIVITY STRATEGIES IN THE TV SERIES PENNY DREADFUL

Resumo

Partindo do conceito de complexidade narrativa na televisão americana contemporânea, abordado por Jason Mittell (2012), que elege a autorreflexividade como um dos elementos complexos na narrativa televisual dos séculos XX e XXI, este artigo objetiva discutir os elementos metaficcionais e autoconscientes no seriado de televisão anglo-americano Penny Dreadful. Assim, escolhemos analisar estratégias de performance e simulação que atuam através de dois espaços ficcionais na série, o teatro e o museu de cera, além de outros elementos que materializam o discurso autorreflexivo do programa televisivo ao longo de duas temporadas. Os estudos de Jost (2007, 2012), Eco (1989), Schechner (2013), Lee e King (2016), entre outros, serviram como base teórica e crítica para esta investigação.

Palavras-chave
Autorreflexividade; Performance; Teatro; Museu; Seriado de televisão

Abstract

From Jason Mittell’s (2012) concept of narrative complexity in contemporary American television, who declares self-reflexivity as one of the complex elements in television narrative in the centuries XX and XXI, this article aims to discuss the metafictional and self-conscious features in the Anglo-American television series Penny Dreadful. For that, we chose to investigate strategies of performance and simulation that act through two fictional spaces in that TV series, the Theatre and the Wax Museum, and other elements which materialize the self-reflexive discourse of that television program along by two seasons. Studies by Jost (2007, 2012), Eco (1989), Schechner (2013), Lee and King (2016), among others, were used as a theoretical and critical framework for this investigation.

Keywords
Self-reflexivity; Performance; Theater; Museum; Television series

Introdução

Termos como “televisão de qualidade” (McCABE; AKASS, 2007MCCABE, Janet; AKASS, Kim. Quality TV: Contemporary American Television and Beyond. London: I.B. Tauris, 2007.) e “complexidade narrativa na televisão” (MITTELL, 2012MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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) norte-americana, apesar da subjetividade e relatividade que denotam, têm sido aplicados em pesquisas acadêmicas de Estudos da Televisão. As implicações dos conceitos nos levam a refletir o quanto os estudos televisivos, em específico aqueles sobre os seriados de televisão, têm despertado debates acadêmicos pertinentes para uma mídia que, até pouco tempo, era posta em segundo plano, se comparada ao cinema.

A partir dessa perspectiva, apresentaremos uma discussão que objetiva elencar e discutir elementos narrativos e estéticos autorreflexivos no seriado de televisão Penny Dreadful, a partir das considerações de complexidade narrativa e autoconsciência, apontadas por Mittell (2012)MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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. Também levaremos em conta os apontamentos de Jost (2007, p. 31)JOST, François. Compreender a televisão. Tradução de Elizabeth Bastos Duarte, Maria Lília Dias de Castro e Vanessa Curvello. Porto Alegre: Sulina, 2007., ao afirmar que o cinema tem influência sobre a televisão. Estudiosos argumentam sobre a especificidade do discurso televisivo em relação ao cinema, o que já havia sido defendido por Christian Metz, ao afirmar que as duas mídias apresentam “diferenças tecnológicas, sócio-político-econômicas, sócio-psicológicas e afetivo-perceptivas... [e] na programação” (METZ, 1976METZ, Christian. Language and cinema. Tradução de Donna Jean Umiker-Sebeok. The Netherlands: Mouton & Co. N.V., Publishers, 1974., p. 234-235), mas esteticamente dialogam e se complementam.

Assim sendo, voltamos nossa análise para a “forma televisiva” (WILLIAMS, 2016WILLIAMS, Raymond. Televisão: tecnologia e forma cultural. Tradução de Márcio Serelle e Mário F. I. Viggiano. São Paulo: Boitempo; Belo Horizonte, PUCMinas, 2016.) de Penny Dreadful, seriado de televisão anglo-americano criado por John Logan, cuja carreira no cinema como roteirista, diretor, produtor e dramaturgo já conta com mais de dez filmes bem-sucedidos.

A trama do seriado ocorre durante a Era Vitoriana e sua narrativa é, sobretudo, formada a partir de alguns personagens provenientes da literatura inglesa do século XIX: Drácula, O médico e o monstro, Frankenstein eO retrato de Dorian Gray, que, na série, ganham uma nova caracterização, o que aprofunda questões de sexualidade, identidade e, principalmente, a monstruosidade.

Penny Dreadful foi coproduzido pelos canais Showtime e Sky Atlantic e foi ao ar entre 2014 e 2016, em três temporadas. O programa surgiu numa época em que os seriados de televisão começavam a ganhar cada vez mais adeptos, dando início à “seriefilia”, nas palavras de François Jost (2012, p. 24)JOST, François. Do que as séries americanas são sintoma?Tradução de Elisabeth B. Duarte e Vanessa Curvello. Porto Alegre: Sulina, 2012., antes da popularização das plataformas de streaming como Netflix e Amazon Prime Video.

O enredo do seriado apresenta a história de personagens que se conectam por um objetivo em comum: Vanessa Ives, uma cartomante possuída por espíritos e com poderes mediúnicos, junta-se ao explorador Malcolm Murray para resgatar sua amiga de infância Mina Murray, que foi raptada por forças sobrenaturais., Por outro lado, como Davino (2014, p. 72)DAVINO, Vanessa. Penny Dreadful: rastros de clássicos góticos em palimpsesto televisivo de horror. Babel: Revista Eletrônica de Línguas e Literaturas Estrangeiras, n. 7, p. 69-78, ago./dez. 2014. explica “os personagens de Penny dreadful estão ligados pela morte e são suas experiências com ela que os permitem interagir entre si”. Tais afirmações se materializam nessa narrativa seriada até a última temporada.

O seriado tornou-se aclamado pela crítica televisiva sendo referenciado, majoritariamente, como um seriado gótico que mistura elementos do horror, do drama, do sobrenatural e de outros gêneros, através de uma trama literária. Assim, Penny Dreadful reúne textos literários pertencentes à tradição inglesa, de William Shakespeare a Oscar Wilde.

Além da literatura, a construção narrativa de Penny Dreadful também faz uso de elementos culturais do imaginário vitoriano, a exemplo da fotografia e formas literárias populares, como os próprios penny dreadful, um gênero literário popular que, como explica Flanders (2012)FLANDERS, Judith. The Victorian city: everyday life in Dickens’ Londres: Thomas Dunne Books, 2012.,

foi o nome original para o que, na década de 1860, ganhou o nome depenny dreadfuls. Osbloods se desenvolveram a partir de [personagens populares nos] contos góticos do final do século XVIII: os baronetes assassinos, e damas viciadas no estudo de toxicologia, ciganos e salteadores-chefes, homens mascarados e mulheres com adagas, crianças roubadas, bruxas velhas, apostadores de jogos sem coração, princesas estrangeiras, padres jesuítas, coveiros, homens ressuscitados, lunáticos e fantasmas

(FLANDERS, 2012FLANDERS, Judith. The Victorian city: everyday life in Dickens’ Londres: Thomas Dunne Books, 2012., p. 58, minha tradução1 1 No original: “was the original name for what, in the 1860´s, were renamed penny-dreadfuls. [...] Bloods developed out of late eighteenth-century gothic tales dormant peerages, of murderous baronets, and ladies of title addicted to the study of toxicology [the study of poison], of gipsies and brigand-chiefs, men with masks and women with daggers, of stolen children, withered hags, heartless gamesters, nefarious roués, foreign princesses, Jesuit fathers, gravediggers, ressurection men, lunatics and ghosts” (FLANDERS, 2012, p. 58). ).

No tocante à recuperação literária, Penny Dreadful utiliza-se de uma colagem de versos de poemas do Romantismo inglês e da Era Vitoriana, mas não se limita a eles. Há também referências a trechos das peças de Shakespeare, “A tempestade”, “Os dois cavaleiros de Verona” e “Macbeth”, além de “Paraíso Perdido”, de John Milton, e uma infinidade de intertextos literários da tradição inglesa.

Nesse sentido, apontamos as contribuições de Antoine Compagnon (1996)COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Tradução de Cleonice P. B. Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996. sobre as funções da citação. O autor afirma que

a citação representa a prática primeira do texto, o fundamento da leitura e da escrita: citar é repetir o gesto arcaico do recortar-colar [...] o suporte do texto manuscrito ou impresso, uma forma da significação e da comunicação linguística

(COMPAGNON, 1996COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Tradução de Cleonice P. B. Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996., p. 41).

Tratando a citação como um suporte que provê diversos significados ao texto que a utiliza como intertexto, Compagnon foca sua discussão na arte literária, mas tais considerações podem também ser uteis para discutirmos as produções de sentidos em textos audiovisuais. Compagnon (1996)COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Tradução de Cleonice P. B. Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996. também argumenta sobre a função da citação na prática textual, apontando o seu ‘trabalho’. De acordo com o autor, se atribuirmos os sentidos que a citação pode realizar em um texto, então “não é mais possível falar da citação por si mesma, mas somente de seu trabalho, do trabalho da citação. A noção de trabalho é rica: é a potência em ação, o poder simbólico ou mágico da palavra” (COMPAGNON, 1996COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Tradução de Cleonice P. B. Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996., p. 44). Assim, a citação realiza um labor no texto, que atua em níveis semânticos e simbólicos, multiplicando os sentidos.

As citações literárias e referências também desempenham um trabalho importante para a decodificação de sentidos ao analisarmos Penny Dreadful. Porém, não só estas se apresentam ao longo do seriado. Há também uma gama de estratégias ficcionais que revelam o discurso autoconsciente. Assim, dividiremos este artigo em tópicos que abordam elementos autoconscientes. Na primeira seção, apontaremos discussões acerca do conceito de complexidade narrativa na televisão a partir de Mittell (2012)MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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e Capanema (2016)CAPANEMA, Letícia Xavier de Lemos. A narrativa complexa na ficção televisual: por um modelo de análise. In: SAMPAIO, Sofia; REIS, Filipe Reis; MOTA, Gonçalo (Eds.). V Encontro Anual da AIM. Atas [...]. Lisboa: AIM, 2016. p. 573-585.. Em seguida, discorreremos sobre elementos do film noir perceptíveis na construção estética do objeto de estudo em análise para, então, examinarmos citações literárias e referências à arte teledramática e, por fim, abordaremos estratégias de performance a partir da análise dos dois espaços fictícios que elencamos: O Teatro Grand Guignol e o Museu de Cera.

Complexidade televisiva e autorreflexividade

Pellegrini (2003)PELLEGRINI, Tânia. Narrativa verbal e narrativa visual: possíveis aproximações. In: PELLEGRINI, Tânia et al. Literatura, cinema e televisão. São Paulo: SENAC, 2003. aponta que presenciamos a ênfase visual da cultura contemporânea, cuja “retórica reside [...] na imagem e secundariamente no texto escrito” (PELLEGRINI, 2003PELLEGRINI, Tânia. Narrativa verbal e narrativa visual: possíveis aproximações. In: PELLEGRINI, Tânia et al. Literatura, cinema e televisão. São Paulo: SENAC, 2003., p. 16). Então, a partir do diálogo entre o texto audiovisual e o texto literário, discutiremos como algumas questões narratológicas, definidas como complexas (MITTELL, 2012MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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), são representadas em seriados de televisão contemporâneos.

Em seu artigo “Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea”, Jason Mittell (2012)MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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destaca que, para compreender as práticas narrativas da televisão, “é necessário considerar a complexidade narrativa como um modelo de narração diferenciado, como nos indica a análise que David Bordwell faz da narrativa fílmica” (MITTELL, 2012MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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, p. 30). É nesse sentido que propomos uma análise estética comum ao cinema e à televisão, uma vez que esses construtos artísticos partilham o mesmo código semiótico (JOST, 2007JOST, François. Compreender a televisão. Tradução de Elizabeth Bastos Duarte, Maria Lília Dias de Castro e Vanessa Curvello. Porto Alegre: Sulina, 2007.) de uma linguagem híbrida2 2 Nos apoiamos nas palavras de Stam (2006, p. 23) sobre a linguagem híbrida do cinema que, por conseguinte, também pode ser aplicada à linguagem da televisão: “Bakhtin chama de ‘construção híbrida’, a expressão artística que sempre mistura as palavras do próprio artista com as palavras de outrem. A adaptação, também, deste ponto de vista, pode ser vista como uma orquestração de discursos, talentos e trajetos, uma construção ‘híbrida’, mesclando mídia e discursos, um exemplo do que Bazin na década de 1950 já chamava de cinema ‘misturado’ ou ‘impuro’”. única (METZ, 1974METZ, Christian. Language and cinema. Tradução de Donna Jean Umiker-Sebeok. The Netherlands: Mouton & Co. N.V., Publishers, 1974.).

Em seu estudo, Mittell (2012)MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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enfatiza que a complexidade narrativa na TV norte-americana não se restringe a todos os programas e às formas de televisão mais populares, mas a uma minoria, principalmente por ainda existir uma minoria que convive com modelos teledramáticos convencionais que não se enquadram na complexidade. “A televisão dos últimos 20 anos será lembrada como uma era de experimentação e inovação narrativa, desafiando as regras do que pode ser feito nesse meio” (MITTELL, 2012MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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, p. 31), definindo as regras formais denominadas complexas, termo que o próprio autor destaca não estar livre de um possível juízo de valor, “da mesma forma que termos como primitivo e clássico assinalam pontos de vista analíticos nos estudos fílmicos” (MITTELL, 2012MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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, p. 31). No âmbito das narrativas televisuais, Mittell aponta que é a mistura de gêneros narrativos e elementos autoconscientes que irão definir a complexidade da televisão contemporânea, principalmente quando muitas séries televisivas buscam “um equilíbrio volátil” (MITTELL, 2012MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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, p. 36) entre os formatos seriais (serial) e episódicos (episodic).

Além disso, “a reflexividade operacional nos convida a pensar no ambiente ficcional ao mesmo tempo em que apreciamos sua construção” (MITTELL, 2012MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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, p. 43). Uma vez que através de “um elevado nível de autoconsciência nos mecanismos de relatar e demandas por um espectador intenso em seu envolvimento e concentrado tanto na fruição diegética quanto no conhecimento formal” (MITTELL, 2012MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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, p. 50), o espectador passará a ter uma postura mais atenta na decodificação de sentidos de uma determinada narrativa e será capaz de deslindar a partir de quais artifícios diegéticos a própria narrativa conta sua história.

Uma das possíveis razões para a emergência da complexidade narrativa na televisão atual “é a mudança de perspectiva em relação à necessidade de legitimidade do meio e o apelo que ele exerce para quem cria” (MITTELL, 2012MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160....
, p. 33), pois hoje inúmeras produções televisivas têm realizadores cujas carreiras se iniciaram no cinema, “um meio culturalmente mais distinto” (MITTELL, 2012MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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, p. 33). Entre eles, citamos “David Lynch (Twin Peaks) e Barry Levinson (Homicide: Life on the Street e Oz) como diretores, [...] Joss Whedon (Buffy, Angel, e Firefly), Alan Ball (Six Feet Under), J. J. Abrams (Alias e Lost) como roteiristas” (MITTELL, 2012MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160....
, p. 33) e John Logan, produtor e criador de Penny Dreadful.

Capanema (2016, p. 576)CAPANEMA, Letícia Xavier de Lemos. A narrativa complexa na ficção televisual: por um modelo de análise. In: SAMPAIO, Sofia; REIS, Filipe Reis; MOTA, Gonçalo (Eds.). V Encontro Anual da AIM. Atas [...]. Lisboa: AIM, 2016. p. 573-585. retoma a ideia de “transgressão narrativa” para discutir a complexidade na narrativa televisual, defendendo que o conceito de complexidade narrativa na literatura se deu a partir das discussões de Figures III, de Gerárd Genette, e que uma das noções do termo está ligada à metalepse3 3 Em Discurso da narrativa, Genette define metalepse como “a passagem de um nível narrativo para outro” (GENETTE, 1979, p. 233). . Essa autora reitera que a partir do período “do modernismo literário de Joyce e de Proust e aqueles do modernismo tardio do nouveau roman, nos anos de 1950” (CAPANEMA, 2016CAPANEMA, Letícia Xavier de Lemos. A narrativa complexa na ficção televisual: por um modelo de análise. In: SAMPAIO, Sofia; REIS, Filipe Reis; MOTA, Gonçalo (Eds.). V Encontro Anual da AIM. Atas [...]. Lisboa: AIM, 2016. p. 573-585., p. 576), a ficção tornou-se mais complexa e sofisticada, “por meio do uso de estratégias subversivas do código narrativo clássico, tais como diversos níveis narrativos, reflexividade, incoerência temporal, múltiplos pontos de vistas, monólogos interiores, ambiguidades etc” (CAPANEMA, 2016CAPANEMA, Letícia Xavier de Lemos. A narrativa complexa na ficção televisual: por um modelo de análise. In: SAMPAIO, Sofia; REIS, Filipe Reis; MOTA, Gonçalo (Eds.). V Encontro Anual da AIM. Atas [...]. Lisboa: AIM, 2016. p. 573-585., p. 576). Tais transformações estruturais migraram para a cultura em seriados produzidos a partir dos anos 1980, tornando ainda mais complexas as narrativas televisuais contemporâneas.

Dentre os modos que denotam complexidade na televisão estão a hibridização estrutural (MITTELL, 2012MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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), a transmidiação (JENKINS, 2009JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Tradução de Susana L. de Alexandria. 2. ed. São Paulo: Editora Aleph, 2009.) e a construção do personagem nas séries televisivas (JOST, 2007JOST, François. Compreender a televisão. Tradução de Elizabeth Bastos Duarte, Maria Lília Dias de Castro e Vanessa Curvello. Porto Alegre: Sulina, 2007.), “cujo enfraquecimento das fronteiras entre as noções de vilão e herói nas séries [norte-]americanas” (CAPANEMA, 2016CAPANEMA, Letícia Xavier de Lemos. A narrativa complexa na ficção televisual: por um modelo de análise. In: SAMPAIO, Sofia; REIS, Filipe Reis; MOTA, Gonçalo (Eds.). V Encontro Anual da AIM. Atas [...]. Lisboa: AIM, 2016. p. 573-585., p. 580) é a mais perceptível. Entretanto, focaremos nosso estudo nas ideias de Mittell (2012)MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
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, a partir da noção de complexidade aliada à reflexividade e autoconsciência, e de Capanema (2016)CAPANEMA, Letícia Xavier de Lemos. A narrativa complexa na ficção televisual: por um modelo de análise. In: SAMPAIO, Sofia; REIS, Filipe Reis; MOTA, Gonçalo (Eds.). V Encontro Anual da AIM. Atas [...]. Lisboa: AIM, 2016. p. 573-585., que considera a ambiguidade como outro elemento relevante para a complexidade na narrativa televisual.

Film noir

A construção estética de Penny Dreadful é permeada por artifícios advindos do film noir. A utilização de sombras, espelhos, simulacros, o uso expressivo da iluminação chiaroscuro, ressaltam características psicológicas dos personagens, geralmente envoltos na criminalidade e na violência da Londres Vitoriana do final do século XIX.

Considerando a linguagem audiovisual, elementos estéticos advindos do film noir também podem atuar como função autorreflexiva, a exemplo do cinema de terror até meados da década de 1960, com o uso expressivo do doppelgänger4 4 Do alemão; duplo: no folclore alemão, o doppelgänger designa uma aparição de uma pessoa viva, distinta de um fantasma. O conceito da existência de um espírito duplo, uma réplica exata, mas geralmente invisível, de todo homem, pássaro ou animal, é uma crença antiga e difundida. Conhecer o duplo é um sinal de que a morte é iminente. O doppelgänger tornou-se bastante popular na literatura de horror e o tema assumiu considerável complexidade (DOPPELGÄNGER. In: Encyclopaedia Britannica. Disponível em: https://www.britannica.com/art/doppelganger. Acesso em: 19 jun. 2019). , tão popular na ficção gótica vitoriana. Para Markendorf (2013)MARKENDORF, Márcio. Pactos fáusticos e doppelgänger no cinema. In: GARCÍA, Flavio; BATALHA, Maria Cristina; MICHELLI, Regina Silva (Orgs.). Vertentes teóricas e ficcionais do insólito – Comunicações em Simpósios e Livres I Congresso Internacional Vertentes do Insólito Ficcional / IV Encontro Nacional O Insólito como Questão na Narrativa Ficcional / XI Painel Reflexões sobre o Insólito na narrativa ficcional. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2013. p. 325-335. Disponível em: http://www.dialogarts.uerj.br/arquivos/[1]XI%20painel%20textos%20completos.pdf. Acesso em: 29 nov. 2020.
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,

o aparato técnico da sétima arte – no qual a imitação dramática combina-se às possibilidades narrativas da Imagem e do som – fornece meios de abordagem potencialmente mais densos psicologicamente e visualmente mais dinâmicos do que as narrativas literárias

(MARKENDORF, 2013MARKENDORF, Márcio. Pactos fáusticos e doppelgänger no cinema. In: GARCÍA, Flavio; BATALHA, Maria Cristina; MICHELLI, Regina Silva (Orgs.). Vertentes teóricas e ficcionais do insólito – Comunicações em Simpósios e Livres I Congresso Internacional Vertentes do Insólito Ficcional / IV Encontro Nacional O Insólito como Questão na Narrativa Ficcional / XI Painel Reflexões sobre o Insólito na narrativa ficcional. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2013. p. 325-335. Disponível em: http://www.dialogarts.uerj.br/arquivos/[1]XI%20painel%20textos%20completos.pdf. Acesso em: 29 nov. 2020.
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, p. 325).

Na arte cinematográfica, o duplo é mais esteticamente representado pela iluminação e, aliado à intensidade do chiaroscuro do ambiente, materializa a atmosfera de medo característica nos filmes do gênero terror. Além disso, essa inovação estética relacionada à fotografia do cinema de terror advém do film noir, em voga nos anos 1940 e 1950, “cuja fotografia em preto e branco vai desfrutar de um mergulho ao submundo e da criminalidade das grandes cidades, através de flashbacks, profundidades de campo, contraluz, sombras, espelhos” (ORTEGOSA, 2010ORTEGOSA, Marcia. Cinema noir: espelho e fotografia. São Paulo: Annablume, 2010., p. 39), elementos que compõem o universo do crime e da sedução.

Tais concepções da estética do film noir remetem à atmosfera e espaços de narrativas góticas. Dessa forma, “o noir abre portas para conhecermos um mundo de simulacros, permeado por sombras, réplicas do homem, duplicidades de imagens” (ORTEGOSA, 2010ORTEGOSA, Marcia. Cinema noir: espelho e fotografia. São Paulo: Annablume, 2010., p. 40). Além desses elementos, o reino do noir “encontra-se sempre envolto numa constante cortina de fumaça, de neblina, ou de chuva, onde a transparência é pouco percebida e as ações acontecem essencialmente sobre o império da noite” (ORTEGOSA, 2010ORTEGOSA, Marcia. Cinema noir: espelho e fotografia. São Paulo: Annablume, 2010., p. 40).

Como herança do expressionismo alemão, o noir beira a artificialidade através de um “jogo de luz e sombras, numa atmosfera oscilante entre o visível e o invisível, reflexo da realidade ambígua, o noir, traz o espelho como elemento metaforizante na narrativa” (ORTEGOSA, 2010ORTEGOSA, Marcia. Cinema noir: espelho e fotografia. São Paulo: Annablume, 2010., p. 41), resultando numa reduplicação e autorreflexividade dos elementos em cena. Uma semelhança entre o noir e o filme de terror é o uso intenso do close-up, que nesse último gênero é utilizado como recurso visual na criação do suspense e do medo repentino na cena.

Brincando com uma infinidade de recursos autorreflexivos, desde a inclusão de um teatro popular à atuação dos atores no palco fictício, Penny Dreadful apresenta elementos metaficcionais já no primeiro episódio. Em torno das discussões sobre reflexividade, temos a noção de metaficção, que é definida como

um fenômeno estético, intencionalmente autorreferencial e autorreflexivo, que orienta o modo de representatividade da arte, inovando a obra artística com suas manifestações em múltiplas formas e intensidades; não estando, evidentemente, restrito a um determinado meio, tempo, lugar, ou cultura

(NOBRE, 2019NOBRE, Lucia Fátima Fernandes. Jogos de espelhos em Atonement: trajetórias e implicações da metaficcionalidade. João Pessoa: Ideia, 2019., p. 50).

Ao considerar tais apontamentos de Nobre (2019)NOBRE, Lucia Fátima Fernandes. Jogos de espelhos em Atonement: trajetórias e implicações da metaficcionalidade. João Pessoa: Ideia, 2019., partiremos para uma leitura dos componentes autorreferenciais presentes no seriado citado. Penny Dreadful utiliza inúmeros elementos autoconscientes para chamar a atenção para o seu modo de representatividade artística. Seja através de referências ao teatro e/ou a elementos dramáticos, como atuação e performance, ao sensacionalismo de narrativas de terror vitoriano, a diálogos que se referem à própria cultura dos seriados e a citações de trechos de poemas que reverberam ou refletem a ação dos personagens, o seriado criado por John Logan manifesta seu status da arte que se refere à própria arte. É nesse sentido que objetivamos elencar esses elementos metaficcionais do seriado.

Formas e estratégias autorreflexivas em Penny Dreadful

Citações literárias e referências à arte (tele)dramática

No episódio-piloto do seriado, a personagem Vanessa Ives assiste ao Show do Oeste Selvagem, evento norte-americano de atiradores profissionais, quando vê pela primeira vez Ethan Chandler, um tipo de herói romanesco, “cujas ações são maravilhosas, movendo-se num mundo em que as leis comuns da natureza se suspendem ligeiramente: prodígios de coragem e persistência, inaturais para nós, são naturais para ele” (FRYE, 1973FRYE, Northrop. Anatomia da crítica. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Cultrix, 1973., p. 39-40). Ao entreter (e surpreender) a plateia com sua destreza ao atirar com armas de fogo, Ethan Chandler conta a seguinte história:

ETHAN CHANDLER: Nessa hora... vejo o Cavaleiro Maluco, chegando com seu bando de assassinos sanguinários. General Custer disse, com seu cabelo loiro voando ao vento, como algo mítico, “Fiquem aqui e lutem, garotos. Lutem por suas vidas!” Então eu lutei. Sou um dos poucos que viveram para lhes contar essa história, de bravura e ousadia. Obrigado por virem. Espero que os tenha agradado, estimados senhores

(PENNY DREADFUL, 2014PENNY DREADFUL (Temporada 1). Criado por John Logan. Direção: J.A. Bayona, Dearblha Walsh, Coky Giedroyc e James Howes. Produção: James Flynn e Morgan O’Sullivan. Produtores Executivos: John Logan, Pippa Harris e Sam Mendes. Estados Unidos e Inglaterra. Produtora Desert Wolf Productions e Neal Street Productions. Showtime e SkyAtlantic. 2014. DVD., T01E01).

Nessa segunda cena do primeiro episódio do seriado, torna-se notória a presença da história dentro da história como uma das características da metaficção, “ficção sobre ficção – ou seja, ficção que inclui em si mesma um comentário sobre sua própria identidade narrativa e/ou linguística” (HUTCHEON, 1980HUTCHEON, Linda. Narcissistic narrative: the metafictional paradox. Waterloo: Wilfrid Laurier University Press, 1980., p. 1, minha tradução)5 5 No original: “Metafiction, as it has now been named, is fiction about fiction-that is, fiction that includes within itself a commentary on its own narrative and/or linguistic identity” (HUTCHEON, 1980, p. 1). . Ao levarmos em conta essa afirmação de Hutcheon e dos comentários que Penny Dreadful realiza sobre sua própria identidade narrativa, essa história contada por Ethan se refletirá ao longo da primeira temporada através dos personagens Drácula e Lúcifer que comandam um exército de seres sobrenaturais para aniquilar Vanessa até a última temporada. E, de fato, Ethan Chandler é um dos poucos personagens que sobrevive no fim do programa televisivo depois de combater as forças demoníacas.

Posteriormente, Vanessa Ives vai ao encontro de Ethan, já descaracterizado do seu personagem no Show do Oeste Selvagem, e diz:

[VANESSA IVES]: Você mentiu. Pelas minhas contas, era um garoto quando General Custer morreu. E todos sabem que não houve sobreviventes.

[ETHAN CHANDLER]: Chamamos isso de faz de conta, querida.

[VANESSA IVES]: Faz de conta mesmo.

[ETHAN CHANDLER]: É um costume de meu país. Somos contadores de histórias

(PENNY DREADFUL, 2014PENNY DREADFUL (Temporada 1). Criado por John Logan. Direção: J.A. Bayona, Dearblha Walsh, Coky Giedroyc e James Howes. Produção: James Flynn e Morgan O’Sullivan. Produtores Executivos: John Logan, Pippa Harris e Sam Mendes. Estados Unidos e Inglaterra. Produtora Desert Wolf Productions e Neal Street Productions. Showtime e SkyAtlantic. 2014. DVD., T01E01).

Nesse diálogo, Ethan Chandler demonstra a consciência da inverdade que proferiu para o público, que pareceu acreditar no que ele chama de ‘faz de conta’. Num primeiro nível de metaficcionalidade, tal fala de Ethan revela a consciência do status ficcional que ele faz uso. Na conversa, Vanessa chama atenção para a omissão de fatos na história contada por Ethan, e diz que esses não se adequam ao que ele contou. Nesse contexto do diálogo entre os dois, cabem as palavras de Bernardo, ao apontar que a metaficção gera “uma mistura interessante entre realidade e ficção” (BERNARDO, 2010BERNARDO, Gustavo. O livro da metaficção. Rio de Janeiro: Tinta Negra Bazar Editorial, 2010., p. 211), uma vez que o próprio personagem posteriormente revela-nos que suas palavras não passam de fingimentos.

Ao ser questionada por Chandler sobre a sua apresentação com armas, Vanessa diz: “Eu vi, foi impressionante, principalmente o gran finale”, quando Ethan retruca: “Temos que deixá-los querendo mais, como dizemos no show business” (PENNY DREADFUL, 2014, T01E01). Esse breve diálogo expõe o caráter autoconsciente da série quando os dois personagens se referem a elementos característicos da própria estrutura da narrativa seriada, como gran finale, que lembra-nos também outro termo comum no mundo dos seriados, season finale, o último episódio de uma temporada de um seriado, e os cliffhangers (ganchos), elementos narrativos que despertam suspense nos espectadores das séries para continuar acompanhando a narrativa a cada episódio e, sucessivamente, a novas temporadas, como Ethan adiciona ao dizer que os atores e toda a produção do seriado espera deixar os telespectadores “querendo mais” (PENNY DREADFUL, 2014, T01E01) episódios do seriado.

Ademais, na ficção, essa mesma fala dos dois personagens evidencia o desejo dos produtores da série para que o público “aprove” o primeiro episódio, o que provavelmente fará com que mais temporadas da série sejam produzidas para o canal de assinatura Showtime. Obviamente, todo produtor deseja que sua obra seja aprovada pelo público.

Aqui, tornam-se claras duas leituras que fazemos desses termos: Vanessa revela estar impressionada ao ter visto os truques desenvolvidos na performance de Ethan e diz-se surpresa ao presenciar o fim do espetáculo, o gran finale. Outro sentido é dado à inserção do termo show business na fala de Ethan,que além de fazer referências à própria indústria do entretenimento, em que produções cinematográficas e seriados de TV estão inseridos, também podem referir-se à parte das produções televisivas consideradas ‘populares’, mas não tão artísticas ou sérias. Ocorrência semelhante também é notável na segunda temporada, a partir da fala dos proprietários da Putney’s Wax Works, local que expõe cenas de crimes violentos reproduzidos em bonecos de cera. O diálogo a seguir também demonstra a autoconsciência estética do programa televisivo:

[SRA. PUTNEY]: O problema é que sempre muda a programação.

[SR. PUTNEY]: A imaginação do público logo se cansa do conhecido. Repetição é a perdição do sensacionalismo.

[SRA. PUTNEY]: Veremos em breve, não é?

(PENNY DREADFUL, T02E06PENNY DREADFUL (Temporada 2). Criado por John Logan. Direção: J.A. Bayona, Dearblha Walsh, Coky Giedroyc e James Howes. Produção: James Flynn e Morgan O’Sullivan. Produtores Executivos: John Logan, Pippa Harris e Sam Mendes. Estados Unidos e Inglaterra. Produtora Desert Wolf Productions e Neal Street Productions. Showtime e SkyAtlantic. 2015. DVD., grifos meus).

Nessa cena do sexto episódio da segunda temporada, o breve diálogo entre os personagens Sr. e Sra. Putney explicita outros elementos autoconscientes da estrutura narrativa do seriado televisivo. Assim, os personagens utilizam sua fala para se referir ao próprio formato dos seriados de televisão, apontando uma crítica sobre como os produtores têm de usar sua imaginação para os programas televisivos não se tornarem enfadonhos e serem cada vez mais aprovados pelo público. Após a última fala da Sra. Putney, há um corte abrupto na fala da sua filha Lavinia. Essa ocorrência brinca diretamente com o público com a criação de expectativa e com a interrupção. Os pais ouvem com atenção o que a sua filha lhes tem a dizer:

[LAVINIA]: Sr. Clare. Há algo de errado com o Sr. Clare.

[SR. PUTNEY]: O que quer dizer?

[LAVINIA]: Toquei a mão dele hoje. Era fria.

[SRA. PUTNEY]: Muitas pessoas têm mãos frias.

[LAVINIA]: Não como as dele. Era como... Era como se ele não estivesse vivo.

[SR. PUTNEY]: Continue, minha querida

(PENNY DREADFUL, T02E06PENNY DREADFUL (Temporada 3). Criado por John . Direção: J.A. Bayona, Dearblha Walsh, Coky Giedroyc e James Howes. Produção: James Flynn e Morgan O’Sullivan. Produtores Executivos: John Logan, Pippa Harris e Sam Mendes. Estados Unidos e Inglaterra. Produtora Desert Wolf Productions e Neal Street Productions. Showtime e SkyAtlantic. 2016. DVD.).

Lavinia revela suas impressões no encontro que teve com John Clare, o que parece deixar o Sr. Putney interessado na possibilidade de usar o personagem como uma atração inédita em seu futuro plano na Putney´s Wax Works, a Ala das Aberrações. Assim, determinada ideia poderia gerar mudanças e prover maior visibilidade ao museu, uma vez que o local se encontra com dificuldades financeiras. Mais uma vez, a fala de um personagem tem um corte abrupto no fim da citação, que deixa o telespectador na expectativa de algo que não ocorrerá.

Além disso, nesse episódio específico, o complemento da fala do Sr. Putney expõe a consciência de um elemento estético característico das séries de TV, a repetição (ECO, 1989ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139.).

O discurso do Sr. Putney, ao afirmar que a “repetição é a perdição do sensacionalismo” (PENNY DREADFUL, T02E06), também pode ser entendido como um comentário negativo sobre a repetição nas narrativas penny dreadful, conhecidas por seu sensacionalismo de crimes violentos. Embora a repetição seja representada como negativa na fala do personagem, elementos reincidentes ocorrem dentro do episódio autoconscientemente.

Nesse sentido, aqui cabem as contribuições de Umberto Eco sobre a concepção que a arte pós-moderna gira em torno da repetição. Esse autor afirma que nas HQ’s, na música, na dança, no cinema comercial e no “assim chamado seriado de televisão, [...] tem-se a impressão de ler, ver, escutar sempre alguma coisa nova enquanto, com palavras inócuas, nos contam sempre a mesma história” (ECO, 1989ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139., p. 121).

O autor questiona a presença da serialidade dos meios de comunicação, indagando que essas formas de arte foram menosprezadas pela arte ‘moderna’, mas adequam-se à estética pós-moderna (ECO, 1989ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139.), uma vez que a presença da arte em série, no sentido geral do termo, é tão significativa nos meios de comunicação de massa contemporâneos que esse fator não pode ser ignorado. Seja através da repetição (ECO, 1989ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139.), persistência (JOST, 2012JOST, François. Do que as séries americanas são sintoma?Tradução de Elisabeth B. Duarte e Vanessa Curvello. Porto Alegre: Sulina, 2012.) ou por variações, “o programa de televisão é concebido como um sintagma-padrão, que repete o seu modelo básico ao longo de um certo tempo com variações maiores ou menores” (MACHADO, 2000MACHADO, Arlindo. A narrativa seriada. In: MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. 4. ed. São Paulo: Editora Senac, 2000. p. 83-98., p. 84).

Abordando a repetição como fator importante na história da arte, Eco (1989)ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139. adiciona cinco fatores concernentes à série e à serialidade: 1) a retomada, “de um tema de sucesso” (ECO, 1989ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139., p. 122); 2) o decalque, que “consiste em reformular, normalmente sem informar ao consumidor, uma história de sucesso; uma espécie de decalque explícito e declarado como tal é o remake” (ECO, 1989ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139., p. 123); 3) a série, em que “uma situação fixa e um certo número de personagens principais [...] fixos, em torno dos quais giram personagens secundários que mudam exatamente para dar a impressão de que a história seguinte é diferente da [...] anterior” (ECO, 1989ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139., p. 123); 4), a saga, “uma sucessão de eventos, aparentemente novos, que se ligam, ao contrário da série, ao processo ‘histórico’ de um personagem, ou melhor, uma genealogia de personagens” (ECO, 1989ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139., p. 122-125) e 5) o dialogismo intertextual. Sobre este, Eco (1989, p. 125) destaca que “algumas formas de dialogismo vão além dos limites dessas considerações”, como é o caso das citações estilísticas. Nesse contexto, para Eco (1989)ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139., não há problemas se a citação escapa ao leitor ou mesmo se é produzida inconscientemente pelo autor, pois a própria arte se repete.

Como já discutido anteriormente, Penny Dreadful se constrói a partir de diálogos intertextuais conscientes, como é o caso da “citação explícita” (ECO, 1989ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139., p. 125). Nesse contexto, “estamos próximos da paródia ou da homenagem ou, como acontece na literatura e na arte pós-moderna, do jogo irônico sobre a intertextualidade, romance sobre o romance e sobre as técnicas narrativas, poesia sobre poesia, arte sobre arte” (ECO, 1989ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139., p. 125). Dessa forma,

temos a obra que fala de si mesma, [...] que fala da própria estrutura, do modo como é feita. A rigor, tal procedimento aparece só em relação a obras de vanguarda, e parece estranho às comunicações de massa. [...] Mas nos últimos anos aconteceram casos em que produtos dos meios de comunicação de massa foram capazes de ironizar a si mesmos

(ECO, 1989ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139., p. 128).

De fato, concordamos com os aportes de Eco (1989)ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139. sobre a presença de inúmeras citações explícitas como uma forma de o produtor/criador pagar tributo ao texto fonte, embora não consideremos Penny Dreadful como paródia. Por outro lado, Penny Dreadful materializa o jogo metaficcional através da recuperação de citações, alusões, referências, e também conscientemente reflete sobre sua própria natureza narrativa, comentando sobre o próprio gênero e explicitando recursos narrativos próprios da televisão.

Nesse mesmo contexto, Lee e King (2015)LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
https://doi.org/10.4000/cve.2343...
apontam que “a série é divertidamente autorreflexiva sobre sua posição como uma adaptação. As coisas, simultaneamente, são e não são o que parecem” (LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
https://doi.org/10.4000/cve.2343...
, n.p., minha tradução6 6 No original: “The series is playfully self-reflexive about its position as an adaptation. Things, simultaneously, are and are not what they seem” (LEE; KING, 2015, n.p). ), abrindo espaço para pensarmos a série como metaficção, uma “ficção que autoconsciente e sistematicamente chama a atenção para o seu status como um artefato a fim de levantar questões acerca do relacionamento entre ficção e realidade” (WAUGH, 1984WAUGH, Patricia. What is metafiction and why are they saying such awful things about it? In: WAUGH, Patricia. Metafiction: The theory and practice of self-conscious fiction. Londres e Nova York: Routledge, 1984. p. 1-19., p. 2, minha tradução7 7 No original “A term given to fictional writing which self-consciously and systematically draws attention to its status. as an artefact in order to pose questions about the relationships between fiction and reality” (WAUGH, 1984, p. 2). ).

Outro elemento autorreflexivo ocorre no episódio T01E02 quando o personagem Victor Frankenstein começa a examinar a anatomia de uma criatura capturada durante as caçadas do quarteto de Sir Malcon. Os hieróglifos presentes no corpo do ser pertencem ao Livro dos Mortos dos egípcios. Num plano filmado em zoom, percebemos que símbolos grafados no corpo da criatura contam uma história em sequência, adicionando outra narrativa dentro da série.

Essa pequena história também está relacionada à trama geral da série: a junção de duas forças sobrenaturais que, de acordo com uma profecia, causarão o caos e a destruição no mundo caso se unam, sinalizando assim um dos arcos narrativos que irão guiar a narrativa seriada de Penny Dreadful até o fim. Dessa maneira, os hieróglifos, compreendidos aqui como micronarrativas presentes no corpo inerte do monstro, antecipam para o espectador alguns elementos temáticos da série até a sua última temporada: a luta de Vanessa Ives, que protagonizará a Mãe do Mal ou a Deusa Amunet, para não ceder à tentação de se entregar ao Amon, Lúcifer, Demônio, entre tantos outros nomes que aparecem e denominam o Mal na série.

Assim, a micronarrativa dentro da macronarrativa ocorre através do mise-en-abyme. Esse recurso metaficcional não apenas duplica (ou multiplica) a produção de sentidos dos elementos representados na cena, mas também exprime a natureza autoconsciente da ficção que não esconde seu status de ficção.

A mise en abyme onsiste num processo de reflexividade literária, de duplicação especular. Tal autorrepresentação pode ser total ou parcial, mas também pode ser clara ou simbólica, indireta. [...] A mise en abyme favorece, assim, um fenômeno de encaixe na sintaxe narrativa, ou seja, de inscrição de uma micro-narrativa em outra englobante, a qual, normalmente, arrasta consigo o confronto entre níveis narrativos. Em qualquer das suas modalidades, a mise en abyme denuncia uma dimensão reflexiva do discurso, uma consciência estética ativa ponderando a ficção, em geral, ou um aspecto dela, em particular, e evidenciando-a através de uma redundância textual que reforça a coerência e, com ela, a previsibilidade ficcionais

(RITA, 2010RITA, Annabela. Mise en abyme (ou mise en abîme). In: E-dicionário de termos literários de Carlos Ceia. Junho, 2010. Disponível em: http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/mise-en-abyme/. Acesso em: 10 abr. 2019.
http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/mis...
, n.p.)

Através da ocorrência de inúmeras narrativas dentro de outras narrativas, a exemplo daquela contida nos hieróglifos, percebemos que “um segredo é revelado, mas leva o espectador a mais um mistério” (LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
https://doi.org/10.4000/cve.2343...
, n.p., minha tradução8 8 No original “a secret is revealed but it leads the viewer to a further mystery” (LEE; KING, 2015, n.p.). ), gerando, assim, outros textos a serem decifrados. “A série brinca com essas camadas: a renda do vestido de Vanessa é padronizada de modo a imitar os mesmos hieróglifos e prenuncia o desenvolvimento dos hieróglifos queimados em sua carne durante sua possessão” (LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
https://doi.org/10.4000/cve.2343...
, n.p., minha tradução9 9 No original “The series plays with such layering throughout: the lace on Vanessa’s dress is patterned in a such a way as to mimic the same hieroglyphs and foreshadows the development of the hieroglyphs burned into her flesh during her possession” (LEE; KING, 2015, n.p.). ).

Igualmente, a segunda criatura criada por Victor Frankenstein nasce das entranhas do personagem Proteus no fim do T01E02. Na cena da metamorfose de Proteus dando origem à segunda criatura, a violência gráfica remete às temáticas e às personagens dos penny dreadfuls e filmes de horror gore, cujo efeito se dá através do excesso de sangue e do desmembramento físico dos personagens.

Ainda nesse episódio, recursos autorreflexivos podem ser vistos na cena em que Sir Malcolm Murray se dirige ao Escritório de Investigação da Polícia para saber informações sobre os crimes brutais que estão ocorrendo em Londres. Num painel de fotografias montado na parede da Delegacia, vemos imagens em close-up que reproduzem o efeito gore.

A violência dos crimes logo é enfatizada na fala do delegado: “Agora que os jornais e penny dreadfuls expuseram, temos lunáticos vindos de todo canto confessar” (PENNY DREADFUL, 2014, T01E02). Desse modo, mais uma vez a série utiliza conscientemente recursos narrativos que remetem ao próprio contexto do programa televisivo.

Outro exemplo disso ocorre quando o personagem Victor Frankenstein encontra o Professor Van Helsing. O título do sexto episódio da primeira temporada, “What Death can join together” [“O que a Morte pode unir”], é um verso do poema “Adonais”, do poeta romântico inglês Percy Shelley. Tal citação se desdobra em níveis distintos no decorrer do episódio: 1) na conversa com seu professor, Victor Frankenstein antecipa que foi “amaldiçoado com poesia muito cedo” (PENNY DREADFUL, 2014, T01E06), ao dialogar com Van Helsing sobre relações amorosas e retribuições por “enfrentar as consequências de seus atos que resultam em tragédia” (PENNY DREADFUL, 2014, T01E06), o que revela a relação do poema citado e sua relação com a vida pessoal de Victor. No mesmo diálogo Victor continua, 2): “Há um verso de Shelley que me persegue: Um único verso de ‘Adonais’. Não consigo tirá-lo da cabeça. ‘Que a Vida não separe o que a Morte pode unir’” (PENNY DREADFUL, 2014, T01E06). Assim, o título do episódio é refletido três vezes ao longo do diálogo: no próprio título do T01EP06, na fala de Victor que repete o verso e diz que ele faz parte do poema “Adonais” e, por fim, em uma paráfrase do verso que é proferida por Van Helsing no diálogo a seguir:

[VAN HELSING]: Você conhece a palavra “vampiro”?

[VICTOR FRANKENSTEIN]: Não.

[VAN HELSING]: Não lhe é familiar de alguma forma?

[VICTOR FRANKENSTEIN]: Claro que não.

[VAN HELSING]: Nem para muitos outros. Apenas uma pequena porção de leitores que gostam de um certo tipo de literatura.

[VICTOR FRANKENSTEIN]: Penny dreadful?

[VAN HELSING]: Uma em particular. Literariamente não é impressionante, mas como o folclore balcânico a tornou popular, tem seu mérito. Sr. Rymer não viu os fatos, mas chegou à verdade. Existe uma criatura nessa terra que supera o que entendemos como o limite entre a vida e a morte

(PENNY DREADFUL, 2014PENNY DREADFUL (Temporada 1). Criado por John Logan. Direção: J.A. Bayona, Dearblha Walsh, Coky Giedroyc e James Howes. Produção: James Flynn e Morgan O’Sullivan. Produtores Executivos: John Logan, Pippa Harris e Sam Mendes. Estados Unidos e Inglaterra. Produtora Desert Wolf Productions e Neal Street Productions. Showtime e SkyAtlantic. 2014. DVD., T01E06, grifos meus).

Outra vez, temos uma incursão reflexiva em torno do título do episódio e como esse se desdobra indiretamente na fala de Van Helsing, através da ênfase que damos na citação acima. Apesar de agora o assunto da conversa entre esses dois personagens ser os penny dreadfuls, o personagem Van Helsing faz uso, em sua fala, de um recurso que se refere ao título do poema, os limites que há entre a vida e a morte.

Na conversa entre os dois médicos, Van Helsing mostra a Victor o penny dreadfulVarney the vampire or the feast of blood”, de James Malcolm Rymer. Esse recurso de transtextualidade é a segunda referência literária explícita de um penny dreadful que a série indica em um episódio, depois de “Sweeney Tood” (T01EP03). A crítica na fala do personagem Professor Van Helsing sobre a “qualidade” estética de Varney, o vampiro e dos penny dreadfuls vitorianos, de um modo geral, é óbvia. Além disso, esse penny dreadful, em específico, foi um dos mais importantes e populares entre os leitores vitorianos da classe média baixa, sendo um dos primeiros produzidos semanalmente em grande escala. Com 220 capítulos, a história de J. M. Rymer chegou a ter quase 900 páginas enquanto circulou (DZIEMIANOWICS, 2014DZIEMIANOWICS, Stefan. Penny Dreadfuls: sensational tales of terror. United States of America: Sterling, 2015.).

Como expõem as próprias palavras do personagem da série, os leitores assíduos desse tipo de literatura “não buscavam padrões da alta literatura. Eles os liam para sentir as crueldades e sustos” (DZIEMIANOWICS, 2014DZIEMIANOWICS, Stefan. Penny Dreadfuls: sensational tales of terror. United States of America: Sterling, 2015., p. ix, minha tradução10 10 No original “They did not search for high literature standards. They read them for their crude thrills and shock value” (DZIEMIANOWICS, 2014, p. ix). ). Quando Varney surgiu, John Polidori, médico e biógrafo de Lord Byron, já havia escrito e publicado o conto O Vampiro, cujas características aristocratas do personagem principal, Lord Ruthvan, foram posteriormente atribuídas ao próprio Byron. Mas se o texto de Rymer apresenta qualidades questionáveis, se comparado às grandes narrativas vampíricas, por outro lado, tem sua relevância no imaginário popular vitoriano.

Performance

No seriado, também temos elementos relativos à performance que, em um nível metaficcional, expõem o jogo autoconsciente da série. Por exemplo, quando “Ethan, apresentado como ator, usa um bigode falso e um traje de caubói sobre um bigode já existente e roupas de cowboy mais verossímeis, o que Vanessa sugere que seja outra mentira” (LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
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, n.p., minha tradução11 11 No original “Ethan, introduced as an actor, wears a false moustache and cowboy costume over an existing moustache and more believable cowboy clothing which Vanessa suggests is another lie” (LEE; KING, 2015, n.p.). ), desvelando as relações de performance, atuação e mesmo a qualidade dessa atuação; quando a personagem Vanessa Ives diz: “Você fez seu papel muito bem, Mr. Chandler, mas isso não é quem você é” (PENNY DREADFUL, 2014, T01E01). Novamente percebemos o jogo entre ficção e realidade, quando uma personagem da ficção comenta que a atuação de outro personagem fictício não é real, deixando os espectadores conscientes do anti-ilusionismo do seriado, permitindo que vejamos a mão do artista. Tal ocorrência dialoga com as considerações de Stam (1981, p. 55) sobre a arte anti-ilusionista, quando o artista “se intromete acintosamente nos eventos ficcionais, separando-os deles e de seus personagens e chamando a nossa atenção para a caneta, papel ou câmera que os criou” (STAM, 1981STAM, Robert. Homo Ludens: o gênero autorreflexivo no romance e no filme. In: STAM, Robert. O espetáculo interrompido: literatura e cinema de desmistificação. Tradução de José Eduardo Moretzsohn. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 54-81., p. 55).

Nos basearemos nas questões apontadas por Schechner (2006)SCHECHNER, Richard. O que é performance? Tradução de R. L. Almeida. In: SCHECHNER, Richard. Performance studies: an introduccion, second edition. Nova York, Londres: Routledge, 2006. p. 28-51. que discute que performances existem enquanto ações, interações e relações. Esse autor ainda argumenta que há dois tipos de performances que se que distinguem pela sua intenção; uma nos faz acreditar nas realidades em que elas encenam, a outra, segue uma premissa oposta. Assim, as performances da vida cotidiana, as que “fazem acreditar”, “[...] elas criam as realidades sociais que encenam, [...] mantendo um limite claramente marcado entre o mundo do artista e a realidade cotidiana” (SCHECHNER, 2006SCHECHNER, Richard. O que é performance? Tradução de R. L. Almeida. In: SCHECHNER, Richard. Performance studies: an introduccion, second edition. Nova York, Londres: Routledge, 2006. p. 28-51., p. 42, grifos meus). Enquanto as performances que objetivam “fazer de conta” são aquelas “que intencionalmente apagam ou sabotam este limite” (SCHECHNER, 2006SCHECHNER, Richard. O que é performance? Tradução de R. L. Almeida. In: SCHECHNER, Richard. Performance studies: an introduccion, second edition. Nova York, Londres: Routledge, 2006. p. 28-51., p. 43, grifos meus). Tais afirmações são relevantes para discutirmos a natureza performática dos eventos que ocorrem em Penny Dreadful. Contudo, é pertinente comentar que nos estudos da performance, os termos performance e performatividade apresentam significações diferentes, embora refiram-se à apresentação e à execução de uma ação.

Os termos “performatividade” e “performance” derivam do verbo “executar/representar”. Eles denotam a capacidade de executar uma ação, realizar algo de maneira real e completa [...]. “Representar” também pode ser usado no sentido de “executar uma obra artística”, isto é, atuar em uma peça, tocar um instrumento, cantar ou dançar. Na narratologia, performatividade denota modos de apresentar ou evocar ação. Uma performance, ou seja, a apresentação ao vivo incorporada de eventos na co-presença de uma plateia em um local e hora específicos, é performativa no sentido restrito: performatividade I. Aqui, a plateia experimenta os atores e a ação diretamente, ou seja, visual e acusticamente, no mínimo. A performance pode ocorrer no mundo real (como em uma cerimônia de casamento ou julgamento) ou pode representar eventos fictícios (como em uma peça de teatro). Roteiros verbais ou visuais podem preparar a performance em textos de peças teatrais e direções de palco, roteiros de filmes e esboços coreográficos. Isso também pode detalhar gestos, expressões faciais e voz. Num sentido mais amplo, o termo performatividade também pode ser aplicado a apresentações não corporais, por exemplo, nas narrativas escritas: performatividade II. Aqui, performatividade se refere à imitação ou à ilusão de uma performance. Nesse caso, os leitores reconstroem a dimensão da performance em suas mentes – a performance é imaginada

(BERNS, 2014, n.p., minha tradução12 12 No original “The terms “performativity” and “performance” derive from the verb “to perform.” They denote the capacity to execute an action, to carry something out actually and thoroughly [...]. “To perform” may also be used in the sense of “to perform an artistic work,” i.e. to act in a play, to play an instrument, to sing or dance. In narratology, performativity denotes modes of presenting or evoking action. A performance, i.e. the embodied live presentation of events in the co-presence of an audience at a specific place and time, is performative in the narrow sense: performativity I. Here the audience experiences the actors and the action directly, i.e. visually and acoustically at a minimum. Performance can take place in the real world (as in a wedding ceremony or a court trial) or it can depict fictional events (as in a theater performance). Verbal or visual scripts can prepare the performance in playtexts and stage directions, film scripts and choreographic sketches. These may also detail gestures, facial expressions and voice. In a wider sense, the term performativity can also be applied to non-corporeal presentations, e.g. in written narratives: performativity II. Here performativity refers to the imitation or illusion of a performance. In this case, readers reconstruct the performance dimension in their minds―the performance is imagined” (BERNS, 2014, n.p.). ).

Conectando esse pensamento à performance da peça “Sweeney Todd”, apresentada no terceiro episódio da primeira temporada no teatro fictício da série, o Grand Guignol, primeiramente, vemos uma atriz que está sendo aparentemente decapitada violentamente, mas logo em seguida, Vincent, o proprietário do Teatro, diz-nos que esses artistas irão performar a peça “Sweeney Todd”, baseada em um penny dreadful, perante uma plateia que observa a performatividade das ações diante de seus olhos.

O Grand Guignol

No quarto episódio da primeira temporada do seriado, a performance de outra peça, “A fera transformada”, representa um evento fictício em que a plateia interage com risos, palmas, sustos e parece se ‘deliciar’ com os efeitos gore e cenas violentas que ocorrem diante de si. Além disso, as apresentações de Ethan Chandller e das peças “Sweeney Todd” e “A fera transformada” se enquadram na perspectiva de “faz de conta” (SCHECHNER, 2006SCHECHNER, Richard. O que é performance? Tradução de R. L. Almeida. In: SCHECHNER, Richard. Performance studies: an introduccion, second edition. Nova York, Londres: Routledge, 2006. p. 28-51.), uma vez que mostram a ação e depois o processo por trás da performance.

Assim, “essa combinação de violência e autoconsciência está longe de incomum em Penny Dreadful” (LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
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, n.p., minha tradução13 13 No original “This combination of violence and self-consciousness is far from unusual in Penny dreadful” (LEE; KING, 2015, n.p.). ) e relacionando a autoconsciência à performance e encenação dos personagens fictícios no seriado, Lee e King (2015)LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
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apontam que

a base dos segredos e desempenho social da série é enfatizada por várias apresentações encenadas que direcionam a atenção para a relação entre espectador e artista. Momentos significativos na primeira temporada acontecem em cenários teatrais: Vanessa desempenha uma performance para os convidados do Sr. Lyle durante a sessão de Madame Kali; Os convidados da casa de Dorian se apresentam para ele em uma orgia; Vincent e a companhia no Grand Guignol realizam uma peça de lobisomem enquanto um lobisomem se senta na plateia

(LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
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, n.p., minha tradução14 14 No original “The series’ basis in secrets and social performance is further emphasized by various staged performances that direct attention to the relationship between viewer and performer. Significant moments in season one take place in theatrical settings: Vanessa performs for Mm[r Lyle’s guests during Madam Kali’s séance; Dorian’s house guests perform for him in an orgy; Vincent and the company at the Grand Guignol perform a werewolf play while a werewolf sits in the audience” (LEE; KING, 2015, n.p.). ).

Como observa Stam (1981, p. 68), “a inserção de representações dentro de representações e o resultado dessa multiplicidade têm a finalidade de nos forçar a refletir sobre a natureza da representação em si”. A inclusão de um teatro frequentado por parte dos personagens e as apresentações de peças violentas, sensacionalistas e populares em Penny Dreadful enfatizam ainda mais a artificialidade e o caráter performático da série, bem como marcam sua estrutura narrativa autoconsciente.

O Grand Guignol da série foi inspirado em um teatro real da França do final do século XIX, famoso pelos espetáculos de horror naturalista. Comandado por Oscar Méténier, o Grand Guignol era um prédio com arquitetura gótica próximo ao Moulin Rouge, região frequentada por prostitutas, mendigos e pela classe trabalhadora da Paris fin-de-siècle. Assim como o teatro de Penny Dreadful, o Grand Guignol real era especializado em apresentar peças com enredos sanguinários, com personagens decapitados e estrangulados em cena, representações de necrofilia, estupro e outros crimes (SIMONS, 2013SIMONS, Paul Z. Curtains of Blood: A Peek Behind the Phenomena of the Grand-Guignol. The Anarchist Library. Spring, 2013. Disponível em: https://theanarchistlibrary.org/library/paul-z-simons-curtains-of-blood.pdf. Acesso em: 20 dez. 2018.
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), diante da plateia que parecia apreciar os mais bizarros horrores.

Em Penny Dreadful, conhecemos o Grand Guignol através do ponto de vista da personagem da criatura, depois de ter sido abandonada por seu criador Victor Frankenstein: “E assim eu aprendi a capacidade humana para o ódio. E a misericórdia, em uma única noite” (PENNY DREADFUL, T01E03). Na série, tal ação é descrita quando a personagem da criatura é convidada para trabalhar no “lugar onde os malformados acham graça, onde o horrendo pode ser belo, onde a estranheza não é evitada, mas celebrada. Esse lugar é o teatro” (PENNY DREADFUL, T01E03). A aparência física da criatura, descrita como malformada, horrenda, estranha, também a caracteriza como um freak, como aponta Spooner (2006)SPOONER, Catherine. Gothic contemporary. Great Britain: Reaktion Books, 2006. sobre uma das tendências do gótico contemporâneo no cinema e na televisão.

Todavia, de acordo com Louttit (2016)LOUTTIT, Chris. Victorian London redux: adapting the Gothic metropolis. Critical Survey and Berghahn Books, Nova York, v. 28, n. 1, p. 2-14, 2016. DOI: https://doi.org/10.3167/cs.2016.280102.
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, a inserção do espaço do Grand Guignol é relevante para as próprias temáticas que a série explora, além de oferecer “um exemplo pertinente da maneira pela qual o show molda e encena seu próprio tipo peculiar de paisagem urbana gótica” (LOUTTIT, 2016LOUTTIT, Chris. Victorian London redux: adapting the Gothic metropolis. Critical Survey and Berghahn Books, Nova York, v. 28, n. 1, p. 2-14, 2016. DOI: https://doi.org/10.3167/cs.2016.280102.
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, p. 9, minha tradução15 15 No original “a pertinent example of the way in which the show shapes and stages its own peculiar sort of Gothic cityscape” (LOUTTIT, 2016, p. 10). ), reproduzindo a teatralidade gore do seriado.

Na cena que descrevemos anteriormente, em que Vincent apresenta o teatro à criatura, vemos numa tomada rápida, uma atriz sendo decapitada com uma navalha e seus gritos e expressões de pânico, no momento em que essa ação é representada, causam um efeito de horror. Logo em seguida, Vincent passa pelo teatro e a câmera nos mostra a construção do processo teatral da peça e a magia é quebrada, caracterizando a presença da metaficção, que “articula a construção e posterior desconstrução do mundo criado, joga com essas duas possibilidades” (NÓBREGA, 2020NÓBREGA, Caio Antônio. “Os meus encantos (não) se acabaram”: observações sobre a literatura que fala de si mesma. In: FERNANDES, Auricélio Soares; NÓBREGA, Caio Antônio; SANTOS, Jenison Alisson dos (Orgs.). Reflexões sobre a metaficção: quando a literatura fala de si mesma. Rio de Janeiro: Mares, 2020. p. 14-38., p. 25). Logo, a magia nos é apresentada e então mostrada.

Assim, Penny Dreadful brinca com o espectador, mostrando a verdade e então a mentira, de modo que tudo aquilo não passara de uma ficção teatral. Embora o Grand Guignol esteja ausente na segunda temporada da série, “o espírito autoconsciente do compromisso da 1ª temporada com a Londres vitoriana não desaparece inteiramente” (LOUTTIT, 2016LOUTTIT, Chris. Victorian London redux: adapting the Gothic metropolis. Critical Survey and Berghahn Books, Nova York, v. 28, n. 1, p. 2-14, 2016. DOI: https://doi.org/10.3167/cs.2016.280102.
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, p. 10, minha tradução16 16 No original “the self-conscious spirit of season 1’s engagement with Victorian London does not entirely disappear” (LOUTTIT, 2016, p. 10). ), pois na segunda temporada ele é substituído por outra “forma de metateatralidade: A casa de cera da Família Putney” (LOUTTIT, 2016LOUTTIT, Chris. Victorian London redux: adapting the Gothic metropolis. Critical Survey and Berghahn Books, Nova York, v. 28, n. 1, p. 2-14, 2016. DOI: https://doi.org/10.3167/cs.2016.280102.
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, p. 10, minha tradução17 17 No original “form of metatheatricality: Putney’s Family Waxworks” (LOUTTIT, 2016, p. 10). ), que recria cenas de crimes de assassinatos famosos e outros que ocorrem na própria série.

É relevante também discutir que o episódio final da primeira temporada é intitulado “Grand Guignol” e é justamente nesse espaço que os cinco personagens se reúnem para a última tentativa de resgatar Mina Murray das garras do Mestre. Em mais uma luta entre vampiros, necromantes e outras criaturas da noite, Vanessa Ives é mantida refém nos braços de Mina, já transformada em vampira, que diz ao atirador: “Não Sr. Chandler. Você não tem papel nessa peça” (PENNY DREADFUL, T01E08), quando este tenta atirar nela para salvar Vanessa.

A cena nos mostra outro elemento autorreflexivo: o teatro popular que apresenta peças de terror se encontra agora assombrado por vampiros e criaturas sobrenaturais. No mesmo episódio, temos também outras autorreferências ao teatro e à artificialidade teatral: a criatura se maquia para encontrar (e tentar atacar) a atriz Maud no seu camarim, fato que leva Vincent, o proprietário do Grand Guignol, a despedi-lo da função de assistente de palco do teatro. Logo em seguida, diz: “Me desculpe por isso. Somos ridicularmente teatrais, não?” (T01E08).

Em Penny Dreadful, John Logan, ao utilizar o personagem Vincent, que dirige o teatro, nos exprime outra ambiguidade característica da autorreflexividade: não sabemos se o produtor da série usa a fala citada acima para se referir às apresentações que são encenadas no Grand Guignol, a nós, que assistimos à série e partilhamos a magia da ficção, ou mesmo se a frase indicaria uma autocrítica do diretor, roteirista e produtores para com a “qualidade” da série televisiva, definida de maneira pejorativa como muito “teatral”, ou falsa, pois saberíamos que a magia da ficção é apenas parcial.

Ademais, é importante apontar que “ao chamar a atenção dos espectadores para seu próprio status como texto, Penny Dreadful sugere que a adaptação é uma forma de visualização e que o espectador é um cocriador” (LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
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, n.p., minha tradução18 18 No original “By drawing viewers’ attention to its own status as text,Penny Dreadfulsuggests that adaptation is a form of viewing, and that the viewer is a co-creator” (LEE; KING, 2015, n.p.). ). Dessa forma, ao tornar explícito o caráter metaficcional da série, John Logan é um exemplo de artista que revela os segredos da própria construção narrativa da série para seus espectadores e, como aponta Stam (1981)STAM, Robert. Homo Ludens: o gênero autorreflexivo no romance e no filme. In: STAM, Robert. O espetáculo interrompido: literatura e cinema de desmistificação. Tradução de José Eduardo Moretzsohn. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 54-81.:

todo artista tem a opção de guardar os códigos como se fossem segredos profissionais ou iniciar o público em suas operações. Todo artista tem a opção de mistificar ou desmistificar, com o intuito de criar ilusão. A ideologia da transparência explora aquilo que o público não sabe. O anti-ilusionismo, ao contrário, inicia o público no ofício secreto de sua arte, esperando transformar leitores e espectadores em colaboradores. O anti-ilusionismo não degrada a arte para desmistificá-la, apenas restaura as suas funções críticas

(STAM, 1981STAM, Robert. Homo Ludens: o gênero autorreflexivo no romance e no filme. In: STAM, Robert. O espetáculo interrompido: literatura e cinema de desmistificação. Tradução de José Eduardo Moretzsohn. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 54-81., p. 48).

No fim da primeira temporada (T01EP08), vemos a personagem Vanessa Ives ir em direção a uma igreja gótica enquanto uma trilha sonora de vozes infantis é ouvida no decorrer da cena. Quando enfim a personagem adentra a igreja à procura do padre, percebemos que um regente está ensaiando a canção com um coral de crianças.

Dessa forma, a série mais uma vez brinca com a imaginação do espectador, que supõe que a música de fundo imposta na cena seja um elemento do som não diegético, ou seja, “aquele que não é [percebido] pelos personagens, mas que tem um papel muito importante na interpretação da cena, ainda que de uma forma quase subliminar para a audiência” (BARBOSA, 2000BARBOSA, Álvaro. O som em ficção cinematográfica: análise de pressupostos na criação de componentes sonoras para obras cinematográficas / videográficas de ficção. Escola das Artes – Som e Imagem, 2000/01. Universidade Católica Portuguesa. Disponível em: http://www.abarbosa.org/docs/som_para_ficcao.pdf. Acesso em: 20 mar. 2019.
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, p. 2), mas que, na verdade, é um som diegético, passando a ser “perceptível pelos personagens em cena” (BARBOSA, 2000BARBOSA, Álvaro. O som em ficção cinematográfica: análise de pressupostos na criação de componentes sonoras para obras cinematográficas / videográficas de ficção. Escola das Artes – Som e Imagem, 2000/01. Universidade Católica Portuguesa. Disponível em: http://www.abarbosa.org/docs/som_para_ficcao.pdf. Acesso em: 20 mar. 2019.
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, p. 2). Assim, percebemos novamente que a canção não passa de mais uma encenação no contexto narrativo da série.

Como apontamos anteriormente, na segunda temporada de Penny Dreadful, o teatro Grand Guignol é deslocado da posição de principal elemento autorreferente na série. Dessa vez, a representação do horror e dos crimes sensacionalistas se materializa através da inserção da Putney’s Family Waxhouse. É nesse local que a criatura, agora autonomeado de John Clare, encontrará emprego. O próprio local é apresentado como um “tableau19 19 Tableau; é uma descrição gráfica e vívida; uma cena marcante e incidental, como a de um grupo pitoresco de pessoas; um intervalo durante uma cena quando todos os atores no palco ficam estáticos em posição e então voltam à ação anterior; um tableau vivant. (TABLEAU. In: The free dictionary. Disponível em: https://www.thefreedictionary.com/tableau. Acesso em: 10 jan. 2019). histórico, trágico e cômico” (PENNY DREADFUL, T0201). Porém, além disso, torna-se relevante fazermos algumas conjecturas sobre esse espaço e como ele produz outros sentidos no plano estético da série.

O museu de cera

Ao longo dos episódios da segunda temporada do seriado, a Putney’s Family Waxworks também funciona como um tipo de tableau vivant, em que “a noção de imagem encenada coloca simetricamente a questão do modo de construção das imagens engendradas por uma ação (sua interpretação)” (POIVERT, 2016POIVERT, Michel. Notas sobre a imagem encenada, paradigma reprovado da história da fotografia? Tradução de Fernanda Verissimo. Porto Arte, Revista de Artes Visuais. Porto Alegre, v. 21, n. 35, p. 103-114, mai. 2016. DOI: https://doi.org/10.22456/2179-8001.73728.
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, p. 104-105). Desse modo, o Sr. Putney, proprietário do espaço, (re)constrói cenas de assassinatos no seu museu de cera, a partir das imagens de crimes violentos e sensacionalistas expostos nos jornais e penny dreadfuls.

Porém, no tableau de Penny Dreadful, a teatralidade representada no museu de cera não vem de pessoas reais ou de atores (no plano narrativo) que performam uma cena; assim, a imagem não é encenada, mas reproduzida por bonecos de cera em tamanhos reais, o que se supõe apresentar uma noção mais realista à representação da mise-en-scène. Nesse sentido, o simulacro, elemento bastante popular no gótico contemporâneo (SPOONER, 2006SPOONER, Catherine. Gothic contemporary. Great Britain: Reaktion Books, 2006.), é inserido na série como forma de representação.

Nesse momento, vemos John Clare visitando algumas salas do Putney’s e admirando-se com as cenas retratadas naquele espaço. Mas é pela ala das representações “grotescas e violentas” (PENNY DREADFUL, T02E01) que o personagem mais se interessa. A partir da introdução de John Clare às salas do Putney’s Family Waxworks, vemos a representação do tableau dos bonecos de cera. O Sr. Putney, então, apresenta a cena diante de si a John Clare e diz:

Minha Câmara do Crime! Cenas de homicídios retiradas de jornais e recriadas aqui nos mínimos detalhes. Aqui está o próprio Jack. O assassino de Annie Chapman. O que não descobrimos, inventamos, é claro. Ninguém saberá a diferença. Se diz ao público que é real, eles acreditam. Estou preparando uma série delas. Com todo o sensacionalismo que eu puder

(PENNY DREADFUL, T02E01).

A partir dessa ocorrência no seriado, vemos a representação e simulação da cena de um crime noticiado em um jornal. Para Jean Baudrillard, “simular é fingir ter o que não se tem” (BAUDRILLARD, 1991BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulações. Tradução de Maria João da Costa Pereira. Lisboa: Relógio d’água, 1991., p. 9) e, assim, “fingir, ou dissimular, deixam intacto o princípio da realidade: a diferença continua a ser clara, está apenas disfarçada, enquanto que a simulação põe em causa a diferença do ‘verdadeiro’ e do ‘falso’, do ‘real’ e do ‘imaginário’” (BAUDRILLARD, 1991BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulações. Tradução de Maria João da Costa Pereira. Lisboa: Relógio d’água, 1991., p. 9-10), o que ocorre na cena. Compreendendo que a representação da cena de Jack, o estripador, tenta simular um crime, temos então a “simulação interpreta[da] como falsa representação” (BAUDRILLARD, 1991BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulações. Tradução de Maria João da Costa Pereira. Lisboa: Relógio d’água, 1991., p. 13) do real. É nesse artifício ambíguo de questionar o real e o imaginário (WAUGH, 1984WAUGH, Patricia. What is metafiction and why are they saying such awful things about it? In: WAUGH, Patricia. Metafiction: The theory and practice of self-conscious fiction. Londres e Nova York: Routledge, 1984. p. 1-19.) que mais uma vez a metaficção se faz presente na série, expondo o anti-ilusionismo e mostrando ao público os segredos da arte (STAM, 1981STAM, Robert. Homo Ludens: o gênero autorreflexivo no romance e no filme. In: STAM, Robert. O espetáculo interrompido: literatura e cinema de desmistificação. Tradução de José Eduardo Moretzsohn. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 54-81.).

Ainda apontamos que uma das cenas autorreferentes mais representativas na série é a representação do crime ocorrido na Pousada do Marinheiro, protagonizado pelo lobisomem Ethan Chandler. Entusiasmado, o Sr. Putney mostra a reprodução da cena para John Clare:

Aqui, dê uma olhada. Meu novo crime, ainda em construção, é claro. Detalhes estão difíceis de encontrar, já que é tão recente. Embora os jornais tenham provido um caminho. Mas antes disso, estávamos meio perdidos. [...] Eu apresento o Massacre da Pousada Mariner

(PENNY DREADFUL, T02E01).

Os detalhes retratados em primeiríssimo plano enfatizam o gore representado nos bonecos de cera. Além desse elemento de teatralidade presente no seriado, a fala desse personagem também corrobora a autoconsciência do programa: “Não gosto que os clientes vejam a mágica do trabalho [...]. Para conseguir competir com a aterrorizante Madame Tussaud’s, estou instituindo alguns novos artifícios para mandar aqueles malditos franceses de volta para Paris” (PENNY DREADFUL, T02E01). Apesar de, no plano narrativo da série, essa fala se referir ao próprio dono do Putney’s e sua decisão de não mostrar como os bonecos de cera e como as cenas de crimes são produzidas e recriadas antes de serem expostas, compreendemos a ambiguidade e uma possível significação no tocante ao discurso autorreferente em Penny Dreadful.

A fala do Sr. Putney poderia se referir à intenção do criador John Logan em escolher mostrar ou esconder os artifícios artísticos da série, expressos no jogo metaficcional/anti-ilusionista (STAM, 1981STAM, Robert. Homo Ludens: o gênero autorreflexivo no romance e no filme. In: STAM, Robert. O espetáculo interrompido: literatura e cinema de desmistificação. Tradução de José Eduardo Moretzsohn. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 54-81.). Mais adiante, os termos “conseguir competir” e “estou instituindo alguns novos artifícios”, num segundo plano, também funcionariam como uma autorreferência ao discurso mercadológico de Penny dreadful, que, de fato, competia com outros seriados populares de terror em 2015 (na exibição da segunda temporada) como American Horror Story,Diários do Vampiro, The Walking Dead, Sobrenatural e The Originals.

Também argumentando sobre a performatividade advinda do tableau, os bonecos de cera no Museu Putney representam uma cena de um crime hediondo, imitando-o ou simulando-o. E, assim, a dimensão performática da cena “paralisada” é compreendida em dois níveis narrativos, o das pessoas (personagens fictícios no seriado) que pagam para ver a exposição e pensam como a cena ocorreu e nós, que assistimos a cena diante da tela e observamos os personagens a vê-la. Uma vez mais essa duplicação de sentido se materializa através da simulação, elemento intrinsicamente ligado à performance, como aponta Schechner (2013)SCHECHNER, Richard. Perfomativity. In: SCHECHNER, Richard. Performance studies: an introduction. 3. ed. Media editor: Sara Brady. Londres e Nova York: Routledge, 2013. p. 123-169..

Sobre o termo simulação nos estudos da performance, Schechner (2013SCHECHNER, Richard. Perfomativity. In: SCHECHNER, Richard. Performance studies: an introduction. 3. ed. Media editor: Sara Brady. Londres e Nova York: Routledge, 2013. p. 123-169., p. 133, minha tradução20 20 No original “At the level of popular culture, simulation is closely related to “reality” television and “real life” internet sites” (SCHECHNER, 2013, p. 133). ) afirma que “no nível da cultura popular, a simulação está intimamente relacionada à televisão da ‘realidade’ e aos sites da internet da ‘vida real’”. Mas uma “simulação não é uma pretensão nem uma imitação. É uma replicação dela mesma... como outro. Isso torna as simulações performativas perfeitas” (SCHECHNER, 2013SCHECHNER, Richard. Perfomativity. In: SCHECHNER, Richard. Performance studies: an introduction. 3. ed. Media editor: Sara Brady. Londres e Nova York: Routledge, 2013. p. 123-169., p. 133, minha tradução21 21 No original “a simulation is neither a pretense nor an imitation. It is a replication of … itself as another. That makes simulations perfect performatives” (SCHECHNER, 2013, p. 133). ). Esse autor adiciona ainda que “uma simulação convincente é a presença de uma aparência (onde não há original) ou uma replicação tão perfeita que é indistinguível de um original. É possível, é claro, progredir de fingir para agir, para representar [e] para simular” (SCHECHNER, 2013SCHECHNER, Richard. Perfomativity. In: SCHECHNER, Richard. Performance studies: an introduction. 3. ed. Media editor: Sara Brady. Londres e Nova York: Routledge, 2013. p. 123-169., p. 133, minha tradução22 22 No original “A convincing simulation is the presence of an appearance (where there is no original) or a replication so perfect it is indistinguishable from an original. It is possible, of course, to progress from pretending to acting to performing to simulating” (SCHECHNER, 2013, p. 133). ). Nesse sentido de convencer os visitantes que assistem às cenas grotescas e violentas do museu, a simulação dos crimes chega a ser tão convincente que deixa a personagem Lily Frankenstein, em um dos episódios da segunda temporada, assustada ao confundir os bonecos do museu com seres reais.

Considerações Finais

A trama de Penny Dreadful materializa-se, primeiramente, a partir da explicitação de diversos textos-fontes. Ao longo das três temporadas (2014-2016), é possível visualizar um “mosaico de citações” (SAMOYAULT, 2008SAMOYAULT, Tiphaine. A intertextualidade. Tradução de Sandra Nitrini. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008.) e alusões que vão de versos de poemas românticos, a personagens fictícios e reais, lendas urbanas e relatos de crimes sensacionalistas provindos dos penny dreadfuls da Era Vitoriana. Mas como um seriado de televisão essencialmente literário, formado a partir de personagens clássicos de romances ingleses do século XIX, como Frankenstein, O médico e o monstro, O retrato de Dorian Gray e Drácula e narrativas sensacionalistas de horror, Penny Dreadful apresenta outras estratégias (meta)ficcionais que refletem sobre o seu caráter artístico e autoconsciente, como aquelas que elencamos e discutimos neste artigo.

Na construção narrativa e estética da série, evidencia-se o discurso autorreflexivo a partir de simulacros e espaços como o Teatro Gran Guignol e o museu de cera da família Putney, que revelam elementos de performance e simulação e, principalmente, a metateatralidade gore característica do seriado. Ainda, os diálogos de alguns atores no seriado fazem referência, comentam e criticam artifícios do próprio mundo da arte (tele)dramática.

Dessa forma, Penny Dreadful é um exemplo de forma televisiva que utiliza tendências estéticas complexas, a exemplo da autorreflexividade, como apontam Mittell (2012)MITTELL, Jason. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea. Tradução de Andrea Limberto. Revista Matrizes, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 29-52, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v5i2p29-52.
https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160....
e Capanema (2016)CAPANEMA, Letícia Xavier de Lemos. A narrativa complexa na ficção televisual: por um modelo de análise. In: SAMPAIO, Sofia; REIS, Filipe Reis; MOTA, Gonçalo (Eds.). V Encontro Anual da AIM. Atas [...]. Lisboa: AIM, 2016. p. 573-585., ou da arte que fala sobre si mesma (ECO, 1989ECO, Umberto. A inovação do seriado. In: ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 120-139.). O seriado criado por John Logan expõe autoconscientemente na tela o jogo entre histórias dentro de histórias, e críticas sobre as formas seriadas na televisão e sobre a arte dramática.

Além disso, a arte autorreflexiva e autoconsciente desperta no leitor e no telespectador inúmeras possiblidades de compreensão sobre os modos em que a ficção “é contada, [e] pode potencializar o desenvolvimento de uma criticidade no leitor da metaficção” (NÓBREGA, 2020NÓBREGA, Caio Antônio. “Os meus encantos (não) se acabaram”: observações sobre a literatura que fala de si mesma. In: FERNANDES, Auricélio Soares; NÓBREGA, Caio Antônio; SANTOS, Jenison Alisson dos (Orgs.). Reflexões sobre a metaficção: quando a literatura fala de si mesma. Rio de Janeiro: Mares, 2020. p. 14-38., p. 28), que não esconde sua posição como obra de arte televisiva.

Notas

  • 1
    No original: “was the original name for what, in the 1860´s, were renamed penny-dreadfuls. [...] Bloods developed out of late eighteenth-century gothic tales dormant peerages, of murderous baronets, and ladies of title addicted to the study of toxicology [the study of poison], of gipsies and brigand-chiefs, men with masks and women with daggers, of stolen children, withered hags, heartless gamesters, nefarious roués, foreign princesses, Jesuit fathers, gravediggers, ressurection men, lunatics and ghosts” (FLANDERS, 2012FLANDERS, Judith. The Victorian city: everyday life in Dickens’ Londres: Thomas Dunne Books, 2012., p. 58).
  • 2
    Nos apoiamos nas palavras de Stam (2006, p. 23)STAM, Robert. Teoria e prática da adaptação: da fidelidade à intertextualidade. Ilha do Desterro, Florianópolis, n. 51, p. 19-53, jul./dez. 2006. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8026.2006n51p19.
    https://doi.org/10.5007/2175-8026.2006n5...
    sobre a linguagem híbrida do cinema que, por conseguinte, também pode ser aplicada à linguagem da televisão: “Bakhtin chama de ‘construção híbrida’, a expressão artística que sempre mistura as palavras do próprio artista com as palavras de outrem. A adaptação, também, deste ponto de vista, pode ser vista como uma orquestração de discursos, talentos e trajetos, uma construção ‘híbrida’, mesclando mídia e discursos, um exemplo do que Bazin na década de 1950 já chamava de cinema ‘misturado’ ou ‘impuro’”.
  • 3
    Em Discurso da narrativa, Genette define metalepse como “a passagem de um nível narrativo para outro” (GENETTE, 1979GENETTE, Gerárd. Discurso da narrativa. Tradução de Fernando Cabral Martins. Lisboa: Arcádia, 1979., p. 233).
  • 4
    Do alemão; duplo: no folclore alemão, o doppelgänger designa uma aparição de uma pessoa viva, distinta de um fantasma. O conceito da existência de um espírito duplo, uma réplica exata, mas geralmente invisível, de todo homem, pássaro ou animal, é uma crença antiga e difundida. Conhecer o duplo é um sinal de que a morte é iminente. O doppelgänger tornou-se bastante popular na literatura de horror e o tema assumiu considerável complexidade (DOPPELGÄNGER. In: Encyclopaedia Britannica. Disponível em: https://www.britannica.com/art/doppelganger. Acesso em: 19 jun. 2019).
  • 5
    No original: “Metafiction, as it has now been named, is fiction about fiction-that is, fiction that includes within itself a commentary on its own narrative and/or linguistic identity” (HUTCHEON, 1980HUTCHEON, Linda. Narcissistic narrative: the metafictional paradox. Waterloo: Wilfrid Laurier University Press, 1980., p. 1).
  • 6
    No original: “The series is playfully self-reflexive about its position as an adaptation. Things, simultaneously, are and are not what they seem” (LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
    https://doi.org/10.4000/cve.2343...
    , n.p).
  • 7
    No original “A term given to fictional writing which self-consciously and systematically draws attention to its status. as an artefact in order to pose questions about the relationships between fiction and reality” (WAUGH, 1984WAUGH, Patricia. What is metafiction and why are they saying such awful things about it? In: WAUGH, Patricia. Metafiction: The theory and practice of self-conscious fiction. Londres e Nova York: Routledge, 1984. p. 1-19., p. 2).
  • 8
    No original “a secret is revealed but it leads the viewer to a further mystery” (LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
    https://doi.org/10.4000/cve.2343...
    , n.p.).
  • 9
    No original “The series plays with such layering throughout: the lace on Vanessa’s dress is patterned in a such a way as to mimic the same hieroglyphs and foreshadows the development of the hieroglyphs burned into her flesh during her possession” (LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
    https://doi.org/10.4000/cve.2343...
    , n.p.).
  • 10
    No original “They did not search for high literature standards. They read them for their crude thrills and shock value” (DZIEMIANOWICS, 2014DZIEMIANOWICS, Stefan. Penny Dreadfuls: sensational tales of terror. United States of America: Sterling, 2015., p. ix).
  • 11
    No original “Ethan, introduced as an actor, wears a false moustache and cowboy costume over an existing moustache and more believable cowboy clothing which Vanessa suggests is another lie” (LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
    https://doi.org/10.4000/cve.2343...
    , n.p.).
  • 12
    No original “The terms “performativity” and “performance” derive from the verb “to perform.” They denote the capacity to execute an action, to carry something out actually and thoroughly [...]. “To perform” may also be used in the sense of “to perform an artistic work,” i.e. to act in a play, to play an instrument, to sing or dance. In narratology, performativity denotes modes of presenting or evoking action. A performance, i.e. the embodied live presentation of events in the co-presence of an audience at a specific place and time, is performative in the narrow sense: performativity I. Here the audience experiences the actors and the action directly, i.e. visually and acoustically at a minimum. Performance can take place in the real world (as in a wedding ceremony or a court trial) or it can depict fictional events (as in a theater performance). Verbal or visual scripts can prepare the performance in playtexts and stage directions, film scripts and choreographic sketches. These may also detail gestures, facial expressions and voice. In a wider sense, the term performativity can also be applied to non-corporeal presentations, e.g. in written narratives: performativity II. Here performativity refers to the imitation or illusion of a performance. In this case, readers reconstruct the performance dimension in their minds―the performance is imagined” (BERNS, 2014BERNS, Ute. Performativity. 19 dez. 2012. In: HÜHN, Peter et al. (Ed.): The living handbook of narratology. Hamburg: Hamburg University. Disponível em: http://www.lhn.uni-hamburg.de/article/performativity. Acesso em: 26 jul. 2020.
    http://www.lhn.uni-hamburg.de/article/pe...
    , n.p.).
  • 13
    No original “This combination of violence and self-consciousness is far from unusual in Penny dreadful” (LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
    https://doi.org/10.4000/cve.2343...
    , n.p.).
  • 14
    No original “The series’ basis in secrets and social performance is further emphasized by various staged performances that direct attention to the relationship between viewer and performer. Significant moments in season one take place in theatrical settings: Vanessa performs for Mm[r Lyle’s guests during Madam Kali’s séance; Dorian’s house guests perform for him in an orgy; Vincent and the company at the Grand Guignol perform a werewolf play while a werewolf sits in the audience” (LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
    https://doi.org/10.4000/cve.2343...
    , n.p.).
  • 15
    No original “a pertinent example of the way in which the show shapes and stages its own peculiar sort of Gothic cityscape” (LOUTTIT, 2016LOUTTIT, Chris. Victorian London redux: adapting the Gothic metropolis. Critical Survey and Berghahn Books, Nova York, v. 28, n. 1, p. 2-14, 2016. DOI: https://doi.org/10.3167/cs.2016.280102.
    https://doi.org/10.3167/cs.2016.280102...
    , p. 10).
  • 16
    No original “the self-conscious spirit of season 1’s engagement with Victorian London does not entirely disappear” (LOUTTIT, 2016LOUTTIT, Chris. Victorian London redux: adapting the Gothic metropolis. Critical Survey and Berghahn Books, Nova York, v. 28, n. 1, p. 2-14, 2016. DOI: https://doi.org/10.3167/cs.2016.280102.
    https://doi.org/10.3167/cs.2016.280102...
    , p. 10).
  • 17
    No original “form of metatheatricality: Putney’s Family Waxworks” (LOUTTIT, 2016LOUTTIT, Chris. Victorian London redux: adapting the Gothic metropolis. Critical Survey and Berghahn Books, Nova York, v. 28, n. 1, p. 2-14, 2016. DOI: https://doi.org/10.3167/cs.2016.280102.
    https://doi.org/10.3167/cs.2016.280102...
    , p. 10).
  • 18
    No original “By drawing viewers’ attention to its own status as text,Penny Dreadfulsuggests that adaptation is a form of viewing, and that the viewer is a co-creator” (LEE; KING, 2015LEE, Alison; KING, Frederick D. From Text, to Myth, to Meme: Penny Dreadful and Adaptation. Cahiers victoriens et édouardiens, 82, outono, 2015. DOI : https://doi.org/10.4000/cve.2343.
    https://doi.org/10.4000/cve.2343...
    , n.p.).
  • 19
    Tableau; é uma descrição gráfica e vívida; uma cena marcante e incidental, como a de um grupo pitoresco de pessoas; um intervalo durante uma cena quando todos os atores no palco ficam estáticos em posição e então voltam à ação anterior; um tableau vivant. (TABLEAU. In: The free dictionary. Disponível em: https://www.thefreedictionary.com/tableau. Acesso em: 10 jan. 2019).
  • 20
    No original “At the level of popular culture, simulation is closely related to “reality” television and “real life” internet sites” (SCHECHNER, 2013SCHECHNER, Richard. Perfomativity. In: SCHECHNER, Richard. Performance studies: an introduction. 3. ed. Media editor: Sara Brady. Londres e Nova York: Routledge, 2013. p. 123-169., p. 133).
  • 21
    No original “a simulation is neither a pretense nor an imitation. It is a replication of … itself as another. That makes simulations perfect performatives” (SCHECHNER, 2013SCHECHNER, Richard. Perfomativity. In: SCHECHNER, Richard. Performance studies: an introduction. 3. ed. Media editor: Sara Brady. Londres e Nova York: Routledge, 2013. p. 123-169., p. 133).
  • 22
    No original “A convincing simulation is the presence of an appearance (where there is no original) or a replication so perfect it is indistinguishable from an original. It is possible, of course, to progress from pretending to acting to performing to simulating” (SCHECHNER, 2013SCHECHNER, Richard. Perfomativity. In: SCHECHNER, Richard. Performance studies: an introduction. 3. ed. Media editor: Sara Brady. Londres e Nova York: Routledge, 2013. p. 123-169., p. 133).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2020
  • Aceito
    16 Nov 2020
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