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A MARVELLOUS SIGHT, A MIGHTY REVELATION: VASHTI, O GÊNIO EM VILLETTE

A MARVELOUS SIGHT, A MIGHTY REVELATION: VASHTI, THE GENIUS IN VILLETTE

Resumo

Villette (1853), o terceiro romance publicado de Charlotte Brontë, trata da história da gelada Lucy Snowe e sua experiência como professora na terra estrangeira do país fictício de Labassecour. A narrativa é profundamente controlada pela narradora, Lucy, e são poucos os momentos em que as emoções tomam formas não reprimidas no texto. Um dos momentos em que o oposto acontece é no capítulo intitulado “Vashti”, no qual Lucy assiste a uma peça e se impressiona com a performance da atriz, Vashti. O presente trabalho relaciona a tradição do conceito de gênio, em sua evolução pela história ocidental, e a representação da artista figurada no romance de Brontë, de modo a demonstrar o entendimento da escritora sobre o gênio feminino. Pode-se concluir que, para Brontë, a imagem da artista está relacionada a figuras iconicamente rebeldes da tradição ocidental, e que sua abordagem em Villette sobre a representação da genialidade feminina desvia do padrão vitoriano que ela mesma segue em outras obras.

Palavras-chave
Villette ; Gênio feminino; Charlotte Brontë; Vashti

Abstract

Villette (1853), the third published novel by Charlotte Brontë, is about Lucy Snowe’s icy story, and her experience as a teacher in a foreign land in the fictitious country of Labassecour. The narrative is profoundly controlled by the narrator, Lucy, and few are the moments in which emotions take non-repressed forms within the text. One of the moments in which the opposite happens is in the chapter entitled “Vashti”, in which Lucy watches a play and gets impressed by the performance of the actress Vashti. The present work makes the relation between the history of the concept of genius, in its evolution through Western history, and the representation of the artist depicted in Brontë’s novel, in order to demonstrate her understanding of women genius. We can conclude that, for Brontë, the image of the artist is related to iconically rebel figures of Western tradition, and that the approach found in Villette about the representation of women geniality deviates from the Victorian standard Brontë herself follows in other works.

Keywords
Villette ; Women Genius; Charlotte Brontë; Vashti

A narração e a autoria de Villette

Villette, publicado em 1853, é o terceiro romance de Charlotte Brontë, precedido por Jane Eyre (1847) e Shirley (1849). O momento biográfico da escrita do romance não é ideal: depois de perder os irmãos Branwell e Emily em 1848, e Anne em 1849, Charlotte se encontra como a última sobrevivente dos filhos do reverendo Patrick Brontë, doente física e mentalmente. Talvez isso explique a diferença no tom dessa obra para as demais. Enquanto em Jane Eyre percebemos as fibras do coração da protagonista em constantes chamas, desde a infância no quarto vermelho, até o final de Thornfield Hall, em Villette o mundo está debaixo das camadas frias da narração de Lucy Snowe. O tom geral do romance, sublinhando o controle e a autorrepressão da narradora, é contraposto no capítulo intitulado “Vashti” pelo chamuscar do fogo que a protagonista percebe na atriz da peça a que assiste. A singularidade desse capítulo é expressiva no esquema geral do romance, e o presente artigo analisa a reação de Lucy Snowe à performance de Vashti, a atriz, atentando aos reflexos de sua reação para a constituição da ideia de gênio dentro da obra de Brontë.

O romance acompanha a narradora desde sua adolescência, centrada no período que passa na casa de sua madrinha, Mrs. Bretton, durante o qual convive com Graham Bretton e Paulina Home, em uma aparente pausa em sua atribulada vida familiar sobre a qual as leitoras têm poucas informações. A saída de Lucy da casa de Mrs. Bretton é mergulhada em silêncio, deixando ver apenas uma ou outra alusão a experiências dolorosas a que a moça é submetida. A figura de Lucy Snowe aparece novamente quando se torna a cuidadora de Miss Marchmont, papel que a personagem inicialmente reluta em assumir, mas que acaba aceitando e ao qual se afeiçoa. A morte da senhora impele a protagonista ao movimento, e motiva sua mudança de país em busca de sustento. Ela se instala, então, no país ficcional de Labassecour, na cidade de Villette, onde constrói uma vida como preceptora e professora na escola de Mrs. Beck, e reencontra Graham Bretton já crescido e formado médico. Sua paixão por Bretton, subestimada na narração, mas clara no andamento da narrativa, é desafiada pelo interesse do jovem médico pela irresponsável Miss Fanshawe, e depois pela volta de Pauline, com quem Bretton finalmente se casa. Lucy, enfraquecida por crises depressivas, acaba por se interessar pelo professor de literatura da escola, Monsieur Paul Emanuel, com quem se casa no final do romance. Ela termina a narrativa como diretora de sua própria escola, enquanto o destino do marido, possivelmente morto em um naufrágio, é deixado em aberto.

A narração de Villette, na voz de Lucy Snowe, compartilha com Jane Eyre (e com muitas das obras do século XIX) a interação constante com a leitora. O diálogo é estabelecido com frequentes perguntas ou comentários dirigidos diretamente a uma leitora imaginada. O aspecto dialógico do romance, contudo, não diminui o forte controle que a narradora parece necessitar para concentrar a intensidade da história. Ao contrário, a constante interpelação que a interlocutora sofre parece reforçar a necessidade que Lucy tem de estabelecer parâmetros específicos de entendimento de sua história. F. B. Pinion (1975, p. 138)PINION, F.B. A Brontë companion: literary assessment, background and reference. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 1975. ressalta como é saliente a falta de relaxamento de Charlotte Brontë ao não se permitir a digressão e insistir em um estilo narrativo menos intenso. Ainda que Pinion se refira à escritora, é possível pensar na figura da autora em Villette como duplicada na personagem-narradora, compartilhada, principalmente no início do romance, quando escolhe não tratar de sua vida familiar, ou no fim, quando se nega a afirmar o destino de M. Paul, para citar algumas das características da autoria1 1 Existem alguns trabalhos que desenvolvem a ideia de que Villette utilizaria elementos do Künstlerroman (o romance de formação do artista) a partir da narração de Lucy Snowe. Apesar de o argumento do presente artigo compartilhar alguns pontos de análise com esses estudos, o foco deste trabalho é o capítulo intitulado “Vashti”. Para mais informações sobre o problema de Villette como Künstlerroman, consultar Cho (2006) e Hanks (2020). . Isto é, Lucy Snowe retém um poder derivado da posse de informações que ela decide ou não compartilhar com sua leitora, escavando a narrativa de acordo com suas próprias diretivas, para além da atuação como narradora.

O mergulho na psicologia de Lucy Snowe só é atingido na interpretação, pois a tessitura do texto impede que os processos mentais estejam claramente postos. Não é à toa que seu nome contém a palavra inglesa para neve – os verdadeiros pensamentos da personagem são cobertos de branco, apagados ou disfarçados assim como em um cenário de inverno. Originalmente, a personagem seria chamada Lucy Frost, e a mudança, efetuada pouco antes de o romance ser publicado, parece muito apropriada. Ainda que ambas, neve e geada, compartilhem características, a primeira parece ser mais opaca e mais apropriada para uma personagem que constantemente procura despistar a leitora sobre a direção de seus sentimentos e opiniões.

Paradoxalmente, é preciso em Villette olhar para as superfícies, para as descrições e para as fisionomias de modo a compreender a obra. Ainda que a narradora dispense uma ou outra ação com afetada indiferença, o rubor, a magreza, a palidez ou o desgrenhar dos cabelos das personagens pode indicar outros significados. Ao discutir o lugar da psicologia no período vitoriano, Athena Vrettos ressalta como os aspectos fisionômicos, ligados a pseudociências como a frenologia, têm particular importância na descrição psicológica em Brontë:

Quando, em Villette, Lucy Snowe descreve Rosine como “uma jovem senhora em cujo crânio os órgãos da reverência e do pudor não estavam bem desenvolvidos” e analisa a testa “alta e estreita” de Mme. Beck, concluindo que “expressava capacidade e alguma benevolência, mas não muita expansividade,” ela invoca categorias frenológicas para interpretar e prever comportamentos humanos (cap. 30; cap. 8). Ambas, frenologia e fisiognomia, convidam-nos a ler o caráter interno a partir de sinais externos, mas Brontë vê, em última instância, o eu como algo cindido, contraditório e sujeito a forças opostas. Isto é, não nos é oferecido determinado conhecimento da natureza essencial de uma personagem, como propunha a fisiognomia de Lavater; ao invés, Brontë usa a frenologia para revelar as complexas relações entre diferentes componentes da mente humana

(VRETTOS, 2002VRETTOS, Athena. Victorian Psychology. In: BRATLINGER, Patrick; THESING, William B. (Eds.). A companion to the Victorian novel. Oxford: Blackwell Publishers, 2002, p. 67-83., p. 81)2 2 Todas as traduções apresentadas ao longo do artigo são de minha autoria. 3 3 No original: “When, in Villette, Lucy Snowe describes Rosine as “a young lady in whose skull the organs of reverence and reserve were not largely developed” and studies Mme. Beck’s “high and narrow” forehead, finding that “it expressed capacity and some benevolence, but no expanse,” she invokes phrenological categories to interpret and predict human behavior (ch. 30; ch. 8). Both phrenology and physiognomy invite us to read internal character from external signs, but Brontë ultimately views the self as divided, contradictory, and subject to competing forces. That is, we are not offered certain knowledge of a character’s essential nature, as Lavater’s physiognomy proposed; rather, Brontë uses phrenology to reveal the complex relationships among different components of the human mind” (VRETTOS, 2002, p. 81). .

O lugar de “Vashti” no romance

O capítulo XXIII do romance, intitulado “Vashti”, apresenta um exemplo paradigmático para a análise do funcionamento da narrativa de Villette, além de discutir temas essenciais para a compreensão do pensamento de Charlotte Brontë sobre a escrita, a autoria e a arte. A interpretação desse capítulo tem sido objeto de estudo de numerosos pesquisadores nos últimos tempos, o que reforça sua relevância para a interpretação da obra. Um desses textos é de autoria de Patrícia Johnson (1990)JOHNSON, Patricia E. This heretic narrative’: the strategy of the split narrative in Charlotte Brontë’s Villette. Studies in English Literature, 1500-1900, Rice University, Houston, v. 30, n. 4, p. 617-631, 1990., e analisa a estratégia da narrativa dividida no romance. A análise de Johnson parece ser reiterada pela descrição de Vrettos (2002)VRETTOS, Athena. Victorian Psychology. In: BRATLINGER, Patrick; THESING, William B. (Eds.). A companion to the Victorian novel. Oxford: Blackwell Publishers, 2002, p. 67-83. sobre a bipartição dos processos psicológicos nas narrativas bronteanas. No entanto, também aponta direções de leitura importantes para a obra. Essa autora descreve como o capítulo inicia com a troca de cartas entre Lucy e Graham, e ressalta como o processo de composição de Lucy Snowe reflete a atividade de escrita de Brontë:

Ela escreve duas cartas para ele – a primeira, um derramamento apaixonado de seus sentimentos; a segunda, uma expressão apropriadamente reservada de interesse amigável. Esse modo único de escrita oferece uma escolha ao leitor. Ele interpreta a primeira carta como a Lucy “real” em virtude de sua efusão emocionada? Ou é a segunda carta, a apresentação pública, a verdadeira expressão de sua personalidade? Há, ainda, uma terceira possibilidade: que ambas as cartas devam ser levadas em consideração. Independentemente de quais sejam os complicados sentimentos de Lucy, e do que ela decida enviar a Graham, sua narrativa dá ao leitor uma descrição dos dois modos de escrita

(JOHNSON, 1990JOHNSON, Patricia E. This heretic narrative’: the strategy of the split narrative in Charlotte Brontë’s Villette. Studies in English Literature, 1500-1900, Rice University, Houston, v. 30, n. 4, p. 617-631, 1990., p. 617)4 4 No original: “She writes two letters to him – the first, an impassioned outpouring of her feelings; the second, a properly reserved expression of friendly interest. This unique way of writing gives the reader a choice. Does the reader interpret the first letter as the "real" Lucy because of its uncensored outpouring of emotion? Or is the second letter, the public presentation, the truer expression of her personality? There is, however, still a third possibility: that both letters should be retained and given equal consideration. For whatever Lucy's complicated emotions are and whatever she may send to Graham, her narrative gives the reader a description of both methods of writing” (JOHNSON, 1990, p. 617). .

A proposta da estudiosa é observar o texto de Lucy a partir de uma posição instável entre dois polos de funcionamento – aquele tradicionalmente relacionado ao movimento romântico, de transmutação da emoção em texto; e o mais comumente presente em textos de pendor realista, que retrata os fatos, sem a intrusão da emoção. Johnson ressalta como essa tensão entre duas posições críticas sobre a abordagem narrativa parece ter sido um problema da obra de Charlotte Brontë como um todo, e a estratégia de Lucy um reflexo de sua posição como autora (JOHNSON, 1990JOHNSON, Patricia E. This heretic narrative’: the strategy of the split narrative in Charlotte Brontë’s Villette. Studies in English Literature, 1500-1900, Rice University, Houston, v. 30, n. 4, p. 617-631, 1990., p. 618).

A qualidade de Villette, na interpretação da pensadora, está em sua capacidade de se manter no interstício dos dois sistemas (o Romântico e o Realista), encontrando nesse espaço uma voz característica e singular. Isto é, ela transforma a tensão em potencial criativo (JOHNSON, 1990JOHNSON, Patricia E. This heretic narrative’: the strategy of the split narrative in Charlotte Brontë’s Villette. Studies in English Literature, 1500-1900, Rice University, Houston, v. 30, n. 4, p. 617-631, 1990., p. 622). A dicotomia a que ambas, Lucy e sua autora, estão submetidas vai além da escolha de um sistema representacional específico. Ela se estende a suas posições enquanto locutoras, em seus papéis de autoras de suas histórias. Como aponta Johnson, “à escritora é dada a escolha de acolher sua posição ‘não canônica’ ou de imitar os autores homens do ‘cânone’. Em outras palavras, usando os termos de Lucy Irigaray, à mulher escritora é dada a escolha de inscrever como o Outro ou como espelho” (JOHNSON, 1990JOHNSON, Patricia E. This heretic narrative’: the strategy of the split narrative in Charlotte Brontë’s Villette. Studies in English Literature, 1500-1900, Rice University, Houston, v. 30, n. 4, p. 617-631, 1990., p. 622)5 5 No original: “the woman writer is given the choice of either embracing her ‘noncanonical’ position or imitating male authors within ‘the canon’. To put it another way, using Luce Irigaray’s terms, the woman author is given the choice to inscribe herself either as Other or as mirror” (JOHNSON, 1990, p. 622). . A escolha de Lucy de se manter em uma terceira linha, que não se compromete totalmente com nenhuma das posições do binômio Outro/espelho, permite que ela seja capaz de usar a própria voz para contar sua história, e isso se reflete nas escolhas de Brontë como autora.

O capítulo, contudo, não é relevante apenas por tratar do modo de escrita de Lucy em suas cartas para o Dr. Bretton. A duplicidade presente emVillette e a profundidade do problema estão principalmente concentradas no fato de que esse é um momento da narrativa que descreve uma atriz em sua atuação como artista mulher. Como aponta Johnson (1990, p. 624)JOHNSON, Patricia E. This heretic narrative’: the strategy of the split narrative in Charlotte Brontë’s Villette. Studies in English Literature, 1500-1900, Rice University, Houston, v. 30, n. 4, p. 617-631, 1990., o aparecimento de Vashti, ao acontecer imediatamente depois da descrição do processo de escrita das cartas de Lucy Snowe, levanta questões sobre a relação entre mulher e representação (seja, de um lado, pela escrita, ou, de outro, pela performance no palco). Pode-se pensar, portanto, em Vashti como uma personagem palimpsesto, que traz em si tanto o desenho de Lucy Snowe enquanto narradora de sua própria história, quanto de Charlotte Brontë enquanto autora deVillette. Essa superposição de funções sobre Vashti decorre também da profunda divisão que sua figura representa, uma vez que:

ela é uma artista Romântica atuando para um público vitoriano; ela é uma judia em meio a cristãos; ela é uma mulher que rejeita a esfera privada em favor do palco público; e ela é uma das mulheres de maior sucesso da Europa ao mesmo tempo em que, como sugere Graham, é uma mulher “marcada”

(JOHNSON, 1990JOHNSON, Patricia E. This heretic narrative’: the strategy of the split narrative in Charlotte Brontë’s Villette. Studies in English Literature, 1500-1900, Rice University, Houston, v. 30, n. 4, p. 617-631, 1990., p. 624)6 6 No original: “she is a Romantic artist performing before a Victorian audience; she is a Jewess in the midst of Christians; she is a woman who has rejected the private sphere for the public stage; and she is one of the most famous successful women in Europe and yet also, Graham suggests, a ‘branded’ woman” (JOHNSON, 1990, p. 624). .

A personagem da atriz é de um enorme potencial transgressor no contexto da literatura do século XIX. Diferentemente da autoria, em que a exposição da mulher escritora é mediada pela página, e pode ser mascarada por pseudônimos e pelo anonimato, o teatro é um palco em que a corporalidade da mulher se revela por completo. Não se pode deixar de pensar no que isso significa em um momento em que o corpo feminino é fonte de tanta ansiedade e tanto controle. Um corpo que se expõe, uma face que, como a de Vashti, se deixa ver em tudo o que tem de belo e de feio, é de uma ousadia ímpar para os parâmetros vitorianos. O fato de Lucy não só se ver refletida no fogo que a atriz oferece (e que a narrativa tenta constantemente controlar), mas também admirar sua atuação como arte, sinaliza a consciência de Brontë sobre a potencial contravenção de sua figura pública. Não apenas isso, mas também aponta para o flerte da escritora com os aspectos mais performáticos da escrita; isto é, com a possibilidade de revelação e de dissimulação que a criação artística oferece. Pode-se afirmar, portanto, que a duplicidade de Vashti cria possibilidades de interpretação do papel e do lugar que a escrita e a autoria tomam na obra de Brontë. Isso porque, como afirma Johnson (1990, p. 624)JOHNSON, Patricia E. This heretic narrative’: the strategy of the split narrative in Charlotte Brontë’s Villette. Studies in English Literature, 1500-1900, Rice University, Houston, v. 30, n. 4, p. 617-631, 1990., ela funciona para Lucy como um emblema duplo, sinalizando, por um lado, a glória da artista romântica e, por outro, a ambivalência desse sucesso que, na sociedade do século XIX, carregava em si o potencial da própria destruição.

Vashti-palimpsesto também funciona como elemento intertextual, e é importante ressaltar o título do capítulo. Vashti é uma figura do Antigo Testamento, presente no “Livro de Ester”, e representa a imagem da mulher rebelde. Na história tradicional, ela é a primeira esposa do rei Assuero que, durante o sétimo dia de um banquete, ordena que Vashti se apresente diante de seus convidados7 7 Discute-se se ela deveria se apresentar usando apenas a coroa real, reforçando, desse modo, seu papel de objeto sexual (KONDEMO, 2016). . Ela se recusa e é posteriormente substituída por Ester, o exemplo da mulher ideal. “No livro de Ester, Vashti é vista como uma mulher corajosa que arrisca sua via baseada na própria convicção e diz ‘não’ ao pedido do rei” (KONDEMO, 2016KONDEMO, Marthe M. What now of the Vashti character in the Hebrew Bible? Ruminating on the future of the Circle of Concerned African Women Theologians among emerging scholars in Democratic Republic of the Congo. Verbum et Ecclesia, Cidade do Cabo, v. 37, n. 2, p. 1-7, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.4102/ve.v37i2.1588
https://doi.org/10.4102/ve.v37i2.1588...
, p. 3)8 8 No original: “In the book of Esther, Vashti is seen as a brave woman who risked her life based on her conviction and said ‘No’ to the king’s request” (KONDEMO, 2016, p. 3). .

A história é bastante pertinente no que toca ao enredo de Villette. É durante esse capítulo que a personagem Pauline ressurge, e acaba com as poucas esperanças de Lucy conseguir conquistar Graham Bretton. Por mais que a mudança nas afeições do rapaz ainda demorem alguns capítulos para se afirmar, o título serve de prenúncio do futuro de Lucy, e a sua nova convicção, “uma crença na felicidade” (BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 356)9 9 No original: “a belief in happiness” (BRONTË, 2013, p. 356). , é fútil desde seu início.

O movimento que Brontë ensaia com essa escolha é bastante subversivo, pois busca no seio da tradição cristã uma figura feminina que resiste ao poder masculino. Como apontado anteriormente por Johnson, isso não implica necessariamente sucesso, pois a própria Vashti é substituída por uma opção mais adequada (Ester), e sinaliza a perda de espaço que Lucy sofre no palco da ficção que ela cria para si mesma com Bretton. Contudo, é uma escolha interessante se pensada no contexto da literatura vitoriana, que é largamente determinada por figuras da tradição clássica como Prometeu ou Odisseu. Como aponta a filósofa Adriana Cavarero, “a moldura simbólica permanente determina que todas as representações femininas se baseiem na posição central do masculino, de modo que, inevitavelmente, os papéis cumpridos por figuras femininas tenham seu significado no código patriarcal que os construiu” (CAVARERO, 1995CAVARERO, Adriana. In spite of plato: a feminist rewriting of Ancient philosophy. Nova York: Routledge, 1995., p. 2)10 10 No original: “the unchanging symbolic framework determines that all feminine representations are based on the central position of the masculine, so that, inevitably, the roles played by female figures have their meaning in the patriarchal codes that constructed them” (CAVARERO, 1995, p. 2). . Os códigos a que Cavarero se refere estão relacionados a tradições mitológicas e filosóficas que organizam o mundo simbólico. Para a pensadora, “há a expectativa de que uma intelectual feminina que desejasse contribuir com o destino do Ocidente se reconheça na planta-baixa de Prometeu, Odisseu e Fausto, ainda que não compartilhe de suas identidades sexuais” (CAVARERO, 1995CAVARERO, Adriana. In spite of plato: a feminist rewriting of Ancient philosophy. Nova York: Routledge, 1995., p. 3)11 11 No original: “a female intellectual worker wishing to make a contribution to the destiny of the West is expected to recognize herself in the blueprint of Prometheus, Odysseus and Faust, although she does not share their sexual identity” (CAVARERO, 1995, p. 3). . Ou seja, como uma mulher intelectual, a narradora precisaria recorrer ao potencial simbólico de figuras como Prometeu ou Odisseu para inscrever-se na tradição cultural na qual participa em uma posição de centralidade. Essa foi a prática de outras escritoras de sua época, como Elizabeth Barrett Browning (Prometheus Bound, 1851), ou a que, como apontam Sandra Gilbert e Susan Gubar (2000)GILBERT, Sandra M.; GUBAR, Susan. The madwoman in the attic: the woman writer and the nineteenth-century literary imagination. New Haven/Londres: Yale Nota Bene/Yale University Press, 2000., a própria Charlotte parece ter recorrido em outros momentos de sua carreira. Em Villette, no entanto, ao buscar a resistência da mulher na figura de Vashti, Brontë se vale de uma potência essencialmente feminina para retratar o ápice da criação artística dentro de seu romance. Brontë estabelece uma genealogia estritamente feminina para as figuras que Vashti compreende.

É preciso notar, também, como o capítulo reflete sobre o modo de escrita das cartas de Lucy que, possivelmente, emula a escrita de Brontë. Ela descreve inicialmente se permitir escrever sob o domínio da emoção, contudo:

Quando terminamos – quando as duas folhas de papel estavam cobertas com a linguagem de uma ternura fortemente afeiçoada, uma gratidão profunda e ativa […] então, justo nesse momento, as portas do meu coração tremeram, a fechadura se entregou, a Razão saltou vigorosa e retaliativa, arrancou os papéis lotados, leu, desprezou, apagou, rasgou, reescreveu, dobrou, selou, e enviou uma missiva tersa e curta de uma página. E o fez certo

(BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 357-358)12 12 No original: “When we had done—when two sheets were covered with the language of a strongly-adherent affection, a rooted and active gratitude […] then, just at that moment, the doors of my heart would shake, bolt and bar would yield, Reason would leap in vigorous and revengeful, snatch the full sheets, read, sneer, erase, tear up, re-write, fold, seal, direct, and send a terse, curt missive of a page. She did right” (BRONTË, 2013, p. 357-358). .

As ações que seguem a escrita inicial são bastante familiares à experiência da revisão de texto, e sua descrição da pressa em reavaliar o escrito, enfatizada pelo verbo arrancar (snatch no original), apontam para a intensidade com que ela procura fazer do texto algo perfeito, e para o profundo sentimento de adequação que a Razão causa na reescrita.

Parece consenso entre os críticos das irmãs Brontë que Vashti tenha sido inspirada em Mme. Rachel (Eliza Félix13 13 Nascida na Suíça, entre 1820 e 1821, Elisa Félix foi uma das mais importantes atrizes de sua época. Suas performances ganharam a admiração de importantes figuras históricas, entre elas a rainha Vitória da Inglaterra e o tzar russo Nicolas I. Sua origem simples, em uma família judia, combinada a suas poderosas caracterizações de Hermione e Fedra lhe renderam uma fama romântica que foi, de certo modo, reafirmada por sua morte devido à tuberculose, ainda jovem, em 1858 (HEMMINGS, 2004). ), uma importante atriz do século XIX, que Charlotte conheceu em uma de suas visitas a Londres14 14 Em carta para Amelia Taylor, em 11 de junho de 1851, Charlotte Brontë escreveu: “Eu vi Rachel – sua atuação foi algo distinto de qualquer outra atuação que já testemunhei – sua alma estava ali – e que alma estranha ela tem – Eu não vou discuti-la – minha esperança é vê-la novamente – Ela e Thackeray são os dois seres que me encantaram nessa grande Londtes – e um deles foi vendido para as Grandes Damas – e o outro – temo eu – para o Belzebu”. [No original: “I have seen Rachel – her acting was something apart from any other acting it has come in my way to witness – her soul was in it – and a strange soul she has – I shall not discuss it – it is my hope to see her again – She and Thackeray are the two living things that have a spell for me in this great London – and one of these is sold to the Great Ladies – and the other – I fear – to Beelzebub”] (BRONTË, 2000, p. 635). . A impressão deixada por Mme. Rachel em sua plateia era impressionante, e ela é tida como um símbolo de

mulher e arte – arte elevada e clássica, e mulher fatal e romântica. Ela representava a cultura e a civilização de um lado, e a paixão selvagem e um corruptodemi-monde de outro. Ela emocionava o público ao criar e consumir a si mesma – representando uma identidade distintiva, heroica e frágil, e tornando palpável sua dissolução

(BROWNSTEIN, 1985BROWNSTEIN, Rachel M. Representing the self: Arnold and Brontë on Rachel. Browning Institute Studies, Cambridge University Press, v. 13, p. 1-24, 1985., p. 2)15 15 No original: “woman and art – high Classical art and fatal Romantic woman. She stood for culture and civilization on the one hand, and savage passion and a corrupt demi-monde on the other. She moved people by creating and consuming her self – by representing a distinctive, heroic, fragile identity, and by making palpable its dissolution” (BROWNSTEIN, 1985, p. 2). .

A descrição de Vashti parece reiterar as características de Rachel, “ela brilhava, mas com esplendor pálido e poder estável; contudo, aquela estrela já beirava o seu dia de julgamento. Vista de perto, era o caos – oca, meio consumida: uma orbe perecida ou perecendo, meio lava, meio fulgor” (BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 362)16 16 No original: “She could shine yet with pale grandeur and steady might; but that star verged already on its judgment-day. Seen near, it was a chaos—hollow, half-consumed: an orb perished or perishing—half lava, half glow” (BRONTË, 2013, p. 362). . Não há nada da vultuosa Cleópatra que Lucy admira no museu em capítulos anteriores, nada da abundância de carnes ou voluptuosidade, entretanto, na desfeita figura de Vashti, em seu vazio parcialmente consumido, Lucy se encontra e encontra a grandiosidade da artista.

Vashti e as diferentes concepções de gênio

A imagem completamente entregue para sua arte, inteiramente imbuída do furor da performance está intimamente ligada a uma ideia de autoria altamente em voga na primeira metade do século XIX. Com o movimento romântico, cria-se a concepção do artista atormentado pela necessidade de produzir a sua obra. As motivações dessa representação são várias, desde questões filosóficas discutidas por pensadores alemães como Immanuel Kant e Friedrich Gottlieb Klopstock, até questões legais e materiais de produção do livro (WOODMANSEE, 1994WOODMANSEE, Martha. The author, art, and the market: Rereading the history of aesthetics. Nova York: Columbia University Press, 1994.). No âmago dessa figura, contudo, está a nova ideia de gênio, reconstruída e fomentada pelos discursos revolucionários do século XVIII. O gênio, como argumenta Darrin McMahon (2013)MCMAHON, Darrin. Divine Fury: A History of Genius. Nova Iorque: Basic Books, 2013., toma conta do cenário intelectual com as revoluções de pensamento encetadas pelo Iluminismo, como uma reação à ideia de igualdade e ao afastamento da figura divina. A mudança epistemológica que revoluciona o mundo ocidental permite o surgimento dessa figura singular do gênio não mais como uma habilidade específica, mas como característica inerente de sujeitos superiores.

Contudo, a história do gênio vai além do século XVIII, como discutido por McMahon (2013)MCMAHON, Darrin. Divine Fury: A History of Genius. Nova Iorque: Basic Books, 2013.. Os primeiros intelectos impressionantes eram assim considerados com base no poder da memória, ou no poder de rememorar tradições transmitidas oralmente. O gênio na História Antiga não é o mesmo da Modernidade, e não coloca em funcionamento os poderes mentais do modo como os entendemos nos dias de hoje. Uma das figuras principais que o romantismo retoma para falar do gênio é, não coincidentemente, Prometeu. Para a Antiguidade, no entanto, o mito prometeico sinaliza os perigos de roubar o fogo dos deuses e, ainda que isso gere importantes inovações, necessariamente implica punições. Mesmo assim, existiam indivíduos que “acreditava-se que eram mais que homens, aqueles que em sua audácia ou por eleição divina se aproximavam do Olimpo e alcançavam os céus” (MCMAHON, 2013MCMAHON, Darrin. Divine Fury: A History of Genius. Nova Iorque: Basic Books, 2013., p. 6)17 17 No original: “were believed to be more than men, those who in their audacity or divine election approached the summit of Mount Olympus and reached up to the heavens” (MCMAHON, 2013, p. 6). .

Uma dessas personalidades foi Sócrates, que, na própria visão sobre suas imponentes capacidades mentais, incluía a ideia de um daimon, uma voz com quem falava desde a infância e que guiava suas ações – tanto as boas, quanto as ruins. Um guia espiritual que lhe orientava em suas grandes conquistas, bem como em sua derradeira queda. Uma das diferenças apontadas na concepção socrática do daimon se encontra na internalização dos sinais:

Ao passo que outros homens hábeis nas profecias liam nas ocorrências naturais, como o voo dos pássaros, os sinais das vontades dos deuses, Sócrates, admite Xenofonte, observava o sinal em si mesmo, e o sinal era invariavelmente correto. Não foi isso uma admissão tácita que o homem mais sábio de todos havia sido particularmente marcado, que seu algo espiritual era uma coisa especial? Sócrates mesmo parece o assinalar, observando em uma referência breve na República de Platão que poucos, quiçá ninguém mais, já possuíram tal sinal.

(MCMAHON, 2013MCMAHON, Darrin. Divine Fury: A History of Genius. Nova Iorque: Basic Books, 2013., p. 8)18 18 No original: “Whereas other men skilled in prophecy read in natural occurrences like the flight of birds the signs of the gods’ will, Socrates, Xenophon conceded, observed the sign in himself, and the sign was invariably right. Was this not a tacit admission that the wisest of all men had been specially touched, that his spiritual something was something special? Socrates himself seemed to acknowledge as much, observing, in a passing reference in Plato’s Republic, that few, if any, had ever possessed such a sign” (MCMAHON, 2013, p. 8).

Para muitos dos comentadores de Platão e de Sócrates, o seu daimon era um elo, um mediador entre os assuntos terrenos e o poder divino. Sua singularidade poderia, assim, ser explicada pela qualidade do daimon em si mesmo, e não por seu hospedeiro. Desse modo, a escolha ficava fora do alcance dos homens, e no âmbito da vontade divina, ou demoníaca, no caso, e o poeta ou pensador era apenas um meio de expressão da inclinação alheia, como afirma McMahon (2013, p. 10)MCMAHON, Darrin. Divine Fury: A History of Genius. Nova Iorque: Basic Books, 2013.. A inspiração, ou seja, a entrada do ar divino no escritor, é um jeito de descrever a relação entre a musa e o poeta, que está em uma categoria diferente de outros artistas porque é o único que mantém a história de seu povo viva. Eles não eram idolatrados, no entanto, em razão de seu poder poético inato, mas por sua conexão com os deuses: “Como profetas estáticos, os poetas eram preenchidos pelo sopro divino – eram inspirados, possuídos. Deus era a fonte de seus poderes” (MCMAHON, 2013MCMAHON, Darrin. Divine Fury: A History of Genius. Nova Iorque: Basic Books, 2013., p. 12)19 19 No original: “Like ecstatic prophets, poets are filled by the divine breath—they are inspired, possessed. God is the source of their power” (MCMAHON, 2013, p. 12). . Eles são tomados de uma mania, do furor poeticus no qual a mente do poeta já não é mais sua.

A ideia de um guia espiritual que orienta as decisões dos indivíduos se desenvolve também com os romanos, a quem pertence a figura do gênio como espírito protetor da casa e, com o tempo, do império. Com a ascensão do Cristianismo, todas essas imagens são amalgamadas em dois polos: do lado positivo, os santos e anjos da tradição católica; do lado negativo, os demônios. No Renascimento, no entanto, volta-se a falar no gênio, agora como habilidade ou capacidade de criação artística. Os primeiros traços do gênio romântico são percebidos em personalidades como Michelangelo ou Leonardo da Vinci.

É apenas no século XVIII que começa a se falar em gênio como uma característica individual. E, ainda que muitos dos aspectos positivos da genialidade permitam que a “religião do gênio” (MCMAHON, 2013MCMAHON, Darrin. Divine Fury: A History of Genius. Nova Iorque: Basic Books, 2013.) venha a se estabelecer durante o século XIX, difunde-se a percepção de suas características negativas, principalmente naquilo em que toca à loucura a que um gênio parece ser mais suscetível. Associado a isso, e, dentro do contexto de época, ainda como aspecto negativo, percebe-se também certa androginia do gênio. Como aponta McMahon, a partir da associação de características comumente relacionadas ao feminino (volatilidade, falta de autocontrole, entusiasmo ou histeria, alta sensibilidade), levanta-se a suspeita de que a genialidade brinca no limite das linhas do gênero (MCMAHON, 2013MCMAHON, Darrin. Divine Fury: A History of Genius. Nova Iorque: Basic Books, 2013., p. 144).

Pensando nas características descritas por McMahon, é possível enxergar na obra de Brontë uma clara ligação entre a descrição de Vashti e a tradição do gênio como um elemento demoníaco. É necessário ressaltar que, ainda que na antiguidade clássica o daimon fosse ambíguo em termos de bondade/maldade, o perigo que o gênio apresenta no contexto de Villette, principalmente se considerarmos o gênero da atriz, impede que se olhe para sua genialidade como algo puramente positivo.

Veja! Eu encontrei nela algo nem de mulher nem de homem: em cada um de seus olhos estava um demônio. Essas forças do mal a carregavam ao longo da tragédia, mantinham sua força débil – porque ela não era nada mais que uma criatura frágil; e quando a ação se elevava e a desordem se aprofundava, quão selvagemente eles a perturbavam com as paixões do abismo! Eles imprimiam o inferno em suas têmporas altivas. Eles afinavam sua voz no tom do tormento. Eles contorciam suas feições régias em uma máscara demoníaca. Ela se mostrava Ódio e Morte e Loucura encarnados.

Era uma visão maravilhosa, uma revelação poderosa.

Era um espetáculo baixo, horrível e imoral

(BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 363)20 20 No original: “Behold! I found upon her something neither of woman nor of man: in each of her eyes sat a devil. These evil forces bore her through the tragedy, kept up her feeble strength — for she was but a frail creature; and as the action rose and the stir deepened, how wildly they shook her with their passions of the pit! They wrote hell on her straight, haughty brow. They tuned her voice to the note of torment. They writhed her regal face to a demoniac mask. Hate and Murder and Madness incarnate she stood. It was a marvellous sight: a mighty revelation. It was a spectacle low, horrible, immoral” (BRONTË, 2013, p. 363). .

A capacidade de enfrentar o desafio do palco só é possível, no caso da atriz, porque ela é dominada pelos dois demônios que Lucy consegue perceber em seus olhos. A tensão que a figura frágil sofre, o inferno que é estampado em seu rosto são sinais de sua capacidade de encarnar o ódio e a loucura necessários para emocionar (e encantar) a plateia. A visão para Lucy é uma verdadeira revelação, porque é também uma revelação para Charlotte; os seres que as dominam e as colocam à mercê dos sentimentos que fluem no papel (e que depois são revisados à luz da razão) expõem o espetáculo imoral que é o se deixar levar. Lucy sabe, porque escreve, que é capaz do mesmo tipo de exposição, e Charlotte Brontë, alvo de reiteradas calúnias sobre a imoralidade de sua obra, também conhece essa verdade.

Não basta, no entanto, para a protagonista, testemunhar a impressionante performance de Vashti. Ela necessita se voltar para seu acompanhante para reafirmar suas impressões, de certo modo se assegurando de sua percepção sobre a atriz, mas também analisando as reações do homem a seu lado:

Olhando para seu rosto, eu desejava saber sua exata opinião, e por fim perguntei algo de modo a explicitá-la. Ao som da minha voz, ele acordou como se de um sonho; porque ele estivera ponderando, e ponderando muito intensamente, seus próprios pensamentos, no seu próprio jeito. “O que você achou de Vashti?” Eu queria saber.

“Hm-m-m,” foi a primeira resposta, expressiva ainda que mal-articulada; e então um sorriso tão estranho se esgueirou em seus lábios, um sorriso tão crítico, quase insensível! Eu suponho que para naturezas daquela ordem, suas simpatias fossem insensíveis. Em poucas e tersas frases ele me disse sua opinião, e seu sentimento, sobre a atriz: ele a julgava como uma mulher, não como uma artista: era uma sentença estigmatizante.

(BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 366)21 21 No original: “Looking at his face, I longed to know his exact opinions, and at last I put a question tending to elicit them. At the sound of my voice he awoke as if out of a dream; for he had been thinking, and very intently thinking, his own thoughts, after his own manner. “How did he like Vashti?” I wished to know. ‘Hm-m-m,’ was the first scarce articulate but expressive answer; and then such a strange smile went wandering round his lips, a smile so critical, so almost callous! I suppose that for natures of that order his sympathies were callous. In a few terse phrases he told me his opinion of, and feeling towards, the actress: he judged her as a woman, not an artist: it was a branding judgment” (BRONTË, 2013, p. 366).

A reação de Graham é completamente oposta ao que Lucy vivencia. Por um lado, ele é incapaz de superar a barreira do gênero, que faz com que ele se concentre apenas na superfície de sua performance. A indiferença que a protagonista encontra em seu sorriso é resultante de sua falta de sensibilidade para compreender a tensão que Lucy consegue ver porque dela compartilha. Por isso a surpresa ao ver sua falta de reação à forte entrega que Vashti demonstra no palco: “Quanto me dei ao trabalho e voltei a olhar para ele, foi interessante e esclarecedor descobrir que ele assistia à sinistra e soberana Vashti não com assombramento ou admiração, nem com desânimo, mas simplesmente com uma intensa curiosidade” (BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 365)22 22 No original: “When I took time and regained inclination to glance at him, it amused and enlightened me to discover that he was watching that sinister and sovereign Vashti, not with wonder, nor worship, nor yet dismay, but simply with intense curiosity” (BRONTË, 2013, p. 365). .

A tomada de consciência a que Lucy alude no início da performance continua, portanto, uma vez que ela compreende que o Dr. Bretton nunca será capaz de entender a intensidade do sentimento que ela mesma é capaz de possuir. Assim, a noite acaba com uma decepção, e a crença inicial na felicidade é confirmada como impossível: “Aquela noite já estava marcada no livro da minha vida, não com branco, mas com uma cruz de vermelho intenso. Mas eu não tinha esgotado tudo ainda; e outras notas estavam destinadas a serem escritas em letras de tinta indelével.” (BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 366)23 23 No original: “That night was already marked in my book of life, not with white, but with a deep-red cross. But I had not done with it yet; and other memoranda were destined to be set down in characters of tint indelible” (BRONTË, 2013, p. 366).

É impossível negar, contudo, que, apesar da desilusão que a noite propicia, o teatro também é capaz de incorporar aspectos da personalidade de Lucy que ela escolhe não verbalizar. O espetáculo que Vashti proporciona é também uma exibição do corpo, e, através dos sentimentos imorais que ela reconhece na atriz, ela também relaciona seus próprios desejos – que são obviamente não correspondidos por Graham. Não é à toa, portanto, que no clímax da peça, com toda a energia concentrada na atriz, que se debate em espasmos, arquejos e suspiros, o espaço gelado que geralmente Lucy ocupa pegue fogo:

Quando o teatro todo silenciou, quando a visão de todos os olhos centrou-se em um ponto, quando todos os ouvidos escutavam um só lado – nada mais a ser visto do que a forma branca afundada em um banco, estremecendo com o conflito com seu mais odiado, visivelmente vitorioso inimigo – nada mais a ser ouvido além de seus espasmos e arquejos, ainda sussurrando motins, ainda suspirando desafios; quando, como parecia, uma vontade incomum, convulsionando uma moldura mortal esvanecente, dobrou-lhe em direção à batalha com a ruína e a morte, lutou por centímetro a centímetro de espaço, vendeu cada gota de sangue, resistiu ao mais recente assalto a cada faculdade, veria, ouviria, respiraria, viveria até, dentro, além, muito além do momento em que a morte diz a todos os sentidos e todos os seres – “Até aqui e não mais!” - Aí então um movimento, grávido de presságios, sussurou por detrás da cena – pés correram, vozes se levantaram. O que era? reclamava toda a casa. Uma chama, um cheiro de fumaça respondeu. “Fogo!”

(BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 367)24 24 No original: “When the whole theatre was hushed, when the vision of all eyes centred in one point, when all ears listened towards one quarter—nothing being seen but the white form sunk on a seat, quivering in conflict with her last, her worst-hated, her visibly-conquering foe— nothing heard but her throes, her gaspings, breathing yet of mutiny, panting still defiance; when, as it seemed, an inordinate will, convulsing a perishing mortal frame, bent it to battle with doom and death, fought every inch of ground, sold every drop of blood, resisted to the latest the rape of every faculty, would see, would hear, would breathe, would live, up to, within, well-nigh beyond the moment when death says to all sense and all being—“Thus far and no farther!”— Just then a stir, pregnant with omen, rustled behind the scenes—feet ran, voices spoke. What was it? demanded the whole house. A flame, a smell of smoke replied. “Fire!” (BRONTË, 2013, p. 367).

Conclusão

O gênero, o desejo e a sexualidade de Lucy estão intimamente ligados a sua capacidade criativa, pois permitem que ela produza as cartas que nunca entrega a Graham. De outro ponto de vista, é possível pensar também que esses elementos estejam no centro do que Charlotte Brontë conhece como a atuação do artista. O reconhecimento desse lado “demoníaco” da sua genialidade, que domina e supera as barreiras da moralidade, e que inverte as regras da sociedade patriarcal em que está inserida é, ao mesmo tempo que excitante, perigoso, pois arrisca queimar o que deve se manter congelado. No entanto, ele é um exercício necessário se a escritora pretende reconhecer-se como genial, como Charlotte Brontë parece expressar com sua obra.

O capítulo de Villette se apresenta, portanto, como um momento pivotal da narrativa por um lado por sinalizar, com a tinta vermelha, o começo do fim dos sonhos de Lucy de se relacionar com o Dr. Bretton; por outro, por revelar uma figura da artista que funciona como imagem desdobrada da narradora e da autora do romance. Essa figura é transgressora porque se coloca no limiar das convenções de gênero, no limite entre o gênio e o demônio que Brontë parece sugerir serem dois lados da moeda da identidade da artista. Ela se oferece como parte de uma linhagem de mulheres que expõe a própria visão, ao assumir o nome Vashti, e promete à leitora também uma continuação eminentemente feminina, uma vez que apenas Lucy é capaz de entender a grandiosidade de seu gênio. Vashti é uma revelação vermelha em meio ao branco pálido com que Lucy Snowe tenta encobrir o restante de Villette.

Notas

  • 1
    Existem alguns trabalhos que desenvolvem a ideia de que Villette utilizaria elementos do Künstlerroman (o romance de formação do artista) a partir da narração de Lucy Snowe. Apesar de o argumento do presente artigo compartilhar alguns pontos de análise com esses estudos, o foco deste trabalho é o capítulo intitulado “Vashti”. Para mais informações sobre o problema de Villette como Künstlerroman, consultar Cho (2006)CHO, Sonjeong. An Ethics of Becoming: Configurations of Feminine Subjectivity in Jane Austen, Charlotte Brontë, and George Eliot. Londres: Routledge, 2006. e Hanks (2020)HANKS, Lucy. Different Kinds of Silence: Revisions of Villette and the ‘Reader’s Romance’, Journal of Victorian Culture, Leeds Trinity University, v. 25, n. 3, p. 443-447, jul. 2020. DOI: https://doi.org/10.1093/jvcult/vcaa010
    https://doi.org/10.1093/jvcult/vcaa010...
    .
  • 2
    Todas as traduções apresentadas ao longo do artigo são de minha autoria.
  • 3
    No original: “When, in Villette, Lucy Snowe describes Rosine as “a young lady in whose skull the organs of reverence and reserve were not largely developed” and studies Mme. Beck’s “high and narrow” forehead, finding that “it expressed capacity and some benevolence, but no expanse,” she invokes phrenological categories to interpret and predict human behavior (ch. 30; ch. 8). Both phrenology and physiognomy invite us to read internal character from external signs, but Brontë ultimately views the self as divided, contradictory, and subject to competing forces. That is, we are not offered certain knowledge of a character’s essential nature, as Lavater’s physiognomy proposed; rather, Brontë uses phrenology to reveal the complex relationships among different components of the human mind” (VRETTOS, 2002VRETTOS, Athena. Victorian Psychology. In: BRATLINGER, Patrick; THESING, William B. (Eds.). A companion to the Victorian novel. Oxford: Blackwell Publishers, 2002, p. 67-83., p. 81).
  • 4
    No original: “She writes two letters to him – the first, an impassioned outpouring of her feelings; the second, a properly reserved expression of friendly interest. This unique way of writing gives the reader a choice. Does the reader interpret the first letter as the "real" Lucy because of its uncensored outpouring of emotion? Or is the second letter, the public presentation, the truer expression of her personality? There is, however, still a third possibility: that both letters should be retained and given equal consideration. For whatever Lucy's complicated emotions are and whatever she may send to Graham, her narrative gives the reader a description of both methods of writing” (JOHNSON, 1990JOHNSON, Patricia E. This heretic narrative’: the strategy of the split narrative in Charlotte Brontë’s Villette. Studies in English Literature, 1500-1900, Rice University, Houston, v. 30, n. 4, p. 617-631, 1990., p. 617).
  • 5
    No original: “the woman writer is given the choice of either embracing her ‘noncanonical’ position or imitating male authors within ‘the canon’. To put it another way, using Luce Irigaray’s terms, the woman author is given the choice to inscribe herself either as Other or as mirror” (JOHNSON, 1990JOHNSON, Patricia E. This heretic narrative’: the strategy of the split narrative in Charlotte Brontë’s Villette. Studies in English Literature, 1500-1900, Rice University, Houston, v. 30, n. 4, p. 617-631, 1990., p. 622).
  • 6
    No original: “she is a Romantic artist performing before a Victorian audience; she is a Jewess in the midst of Christians; she is a woman who has rejected the private sphere for the public stage; and she is one of the most famous successful women in Europe and yet also, Graham suggests, a ‘branded’ woman” (JOHNSON, 1990JOHNSON, Patricia E. This heretic narrative’: the strategy of the split narrative in Charlotte Brontë’s Villette. Studies in English Literature, 1500-1900, Rice University, Houston, v. 30, n. 4, p. 617-631, 1990., p. 624).
  • 7
    Discute-se se ela deveria se apresentar usando apenas a coroa real, reforçando, desse modo, seu papel de objeto sexual (KONDEMO, 2016KONDEMO, Marthe M. What now of the Vashti character in the Hebrew Bible? Ruminating on the future of the Circle of Concerned African Women Theologians among emerging scholars in Democratic Republic of the Congo. Verbum et Ecclesia, Cidade do Cabo, v. 37, n. 2, p. 1-7, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.4102/ve.v37i2.1588
    https://doi.org/10.4102/ve.v37i2.1588...
    ).
  • 8
    No original: “In the book of Esther, Vashti is seen as a brave woman who risked her life based on her conviction and said ‘No’ to the king’s request” (KONDEMO, 2016KONDEMO, Marthe M. What now of the Vashti character in the Hebrew Bible? Ruminating on the future of the Circle of Concerned African Women Theologians among emerging scholars in Democratic Republic of the Congo. Verbum et Ecclesia, Cidade do Cabo, v. 37, n. 2, p. 1-7, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.4102/ve.v37i2.1588
    https://doi.org/10.4102/ve.v37i2.1588...
    , p. 3).
  • 9
    No original: “a belief in happiness” (BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 356).
  • 10
    No original: “the unchanging symbolic framework determines that all feminine representations are based on the central position of the masculine, so that, inevitably, the roles played by female figures have their meaning in the patriarchal codes that constructed them” (CAVARERO, 1995CAVARERO, Adriana. In spite of plato: a feminist rewriting of Ancient philosophy. Nova York: Routledge, 1995., p. 2).
  • 11
    No original: “a female intellectual worker wishing to make a contribution to the destiny of the West is expected to recognize herself in the blueprint of Prometheus, Odysseus and Faust, although she does not share their sexual identity” (CAVARERO, 1995CAVARERO, Adriana. In spite of plato: a feminist rewriting of Ancient philosophy. Nova York: Routledge, 1995., p. 3).
  • 12
    No original: “When we had done—when two sheets were covered with the language of a strongly-adherent affection, a rooted and active gratitude […] then, just at that moment, the doors of my heart would shake, bolt and bar would yield, Reason would leap in vigorous and revengeful, snatch the full sheets, read, sneer, erase, tear up, re-write, fold, seal, direct, and send a terse, curt missive of a page. She did right” (BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 357-358).
  • 13
    Nascida na Suíça, entre 1820 e 1821, Elisa Félix foi uma das mais importantes atrizes de sua época. Suas performances ganharam a admiração de importantes figuras históricas, entre elas a rainha Vitória da Inglaterra e o tzar russo Nicolas I. Sua origem simples, em uma família judia, combinada a suas poderosas caracterizações de Hermione e Fedra lhe renderam uma fama romântica que foi, de certo modo, reafirmada por sua morte devido à tuberculose, ainda jovem, em 1858 (HEMMINGS, 2004HEMMINGS, Frederick William John. Félix; Elisa [performing name Rachel]. (1820/21–1858), actress. Oxford Dictionary of National Biography, 2004. DOI: https://doi.org/10.1093/ref:odnb/54869
    https://doi.org/10.1093/ref:odnb/54869...
    ).
  • 14
    Em carta para Amelia Taylor, em 11 de junho de 1851, Charlotte Brontë escreveu: “Eu vi Rachel – sua atuação foi algo distinto de qualquer outra atuação que já testemunhei – sua alma estava ali – e que alma estranha ela tem – Eu não vou discuti-la – minha esperança é vê-la novamente – Ela e Thackeray são os dois seres que me encantaram nessa grande Londtes – e um deles foi vendido para as Grandes Damas – e o outro – temo eu – para o Belzebu”. [No original: “I have seen Rachel – her acting was something apart from any other acting it has come in my way to witness – her soul was in it – and a strange soul she has – I shall not discuss it – it is my hope to see her again – She and Thackeray are the two living things that have a spell for me in this great London – and one of these is sold to the Great Ladies – and the other – I fear – to Beelzebub”] (BRONTË, 2000BRONTË, Charlotte. The Letters of Charlotte Brontë: with a selection of letters by family and friends. SMITH, Margaret (Ed.). Volume 2: 1848-1851. Oxford: Claredon Press, 2000., p. 635).
  • 15
    No original: “woman and art – high Classical art and fatal Romantic woman. She stood for culture and civilization on the one hand, and savage passion and a corrupt demi-monde on the other. She moved people by creating and consuming her self – by representing a distinctive, heroic, fragile identity, and by making palpable its dissolution” (BROWNSTEIN, 1985BROWNSTEIN, Rachel M. Representing the self: Arnold and Brontë on Rachel. Browning Institute Studies, Cambridge University Press, v. 13, p. 1-24, 1985., p. 2).
  • 16
    No original: “She could shine yet with pale grandeur and steady might; but that star verged already on its judgment-day. Seen near, it was a chaos—hollow, half-consumed: an orb perished or perishing—half lava, half glow” (BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 362).
  • 17
    No original: “were believed to be more than men, those who in their audacity or divine election approached the summit of Mount Olympus and reached up to the heavens” (MCMAHON, 2013MCMAHON, Darrin. Divine Fury: A History of Genius. Nova Iorque: Basic Books, 2013., p. 6).
  • 18
    No original: “Whereas other men skilled in prophecy read in natural occurrences like the flight of birds the signs of the gods’ will, Socrates, Xenophon conceded, observed the sign in himself, and the sign was invariably right. Was this not a tacit admission that the wisest of all men had been specially touched, that his spiritual something was something special? Socrates himself seemed to acknowledge as much, observing, in a passing reference in Plato’s Republic, that few, if any, had ever possessed such a sign” (MCMAHON, 2013MCMAHON, Darrin. Divine Fury: A History of Genius. Nova Iorque: Basic Books, 2013., p. 8).
  • 19
    No original: “Like ecstatic prophets, poets are filled by the divine breath—they are inspired, possessed. God is the source of their power” (MCMAHON, 2013MCMAHON, Darrin. Divine Fury: A History of Genius. Nova Iorque: Basic Books, 2013., p. 12).
  • 20
    No original: “Behold! I found upon her something neither of woman nor of man: in each of her eyes sat a devil. These evil forces bore her through the tragedy, kept up her feeble strength — for she was but a frail creature; and as the action rose and the stir deepened, how wildly they shook her with their passions of the pit! They wrote hell on her straight, haughty brow. They tuned her voice to the note of torment. They writhed her regal face to a demoniac mask. Hate and Murder and Madness incarnate she stood.
    It was a marvellous sight: a mighty revelation.
    It was a spectacle low, horrible, immoral” (BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 363).
  • 21
    No original: “Looking at his face, I longed to know his exact opinions, and at last I put a question tending to elicit them. At the sound of my voice he awoke as if out of a dream; for he had been thinking, and very intently thinking, his own thoughts, after his own manner. “How did he like Vashti?” I wished to know.
    ‘Hm-m-m,’ was the first scarce articulate but expressive answer; and then such a strange smile went wandering round his lips, a smile so critical, so almost callous! I suppose that for natures of that order his sympathies were callous. In a few terse phrases he told me his opinion of, and feeling towards, the actress: he judged her as a woman, not an artist: it was a branding judgment” (BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 366).
  • 22
    No original: “When I took time and regained inclination to glance at him, it amused and enlightened me to discover that he was watching that sinister and sovereign Vashti, not with wonder, nor worship, nor yet dismay, but simply with intense curiosity” (BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 365).
  • 23
    No original: “That night was already marked in my book of life, not with white, but with a deep-red cross. But I had not done with it yet; and other memoranda were destined to be set down in characters of tint indelible” (BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 366).
  • 24
    No original: “When the whole theatre was hushed, when the vision of all eyes centred in one point, when all ears listened towards one quarter—nothing being seen but the white form sunk on a seat, quivering in conflict with her last, her worst-hated, her visibly-conquering foe— nothing heard but her throes, her gaspings, breathing yet of mutiny, panting still defiance; when, as it seemed, an inordinate will, convulsing a perishing mortal frame, bent it to battle with doom and death, fought every inch of ground, sold every drop of blood, resisted to the latest the rape of every faculty, would see, would hear, would breathe, would live, up to, within, well-nigh beyond the moment when death says to all sense and all being—“Thus far and no farther!”— Just then a stir, pregnant with omen, rustled behind the scenes—feet ran, voices spoke. What was it? demanded the whole house. A flame, a smell of smoke replied. “Fire!” (BRONTË, 2013BRONTË, Charlotte. Villette. Nova York: SMK Books, 2013., p. 367).

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2020
  • Aceito
    01 Jun 2020
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