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Síndrome Cardiorrenal Tipo 2: Um Forte Fator Prognóstico da Sobrevida

Resumo

Fundamento: A insuficiência renal é comum em pacientes com insuficiência cardíaca crônica, com uma prevalência entre 20% a 57%, e está associada a um mau prognóstico e um alto risco de reinternações.

Objetivo:

O objetivo deste estudo foi apresentar características epidemiológicas, clínicas e terapêuticas de pacientes marroquinos com insuficiência cardíaca crônica que desenvolveram insuficiência renal crônica.

Métodos:

Foram avaliados 563 pacientes acompanhados por insuficiência cardíaca crônica na Unidade de Insuficiência Cardíaca do Departamento de Cardiologia do Hospital Universitário de Ibn Rushd em Casablanca, Marrocos, entre 30 de julho de 2012 e 30 de julho de 2016. Os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com a presença ou ausência de síndrome cardiorrenal.

Resultados:

Em comparação a pacientes que não desenvolveram síndrome cardiorrenal, os pacientes com síndrome cardiorrenal tenderam a ser mais velhos, hipertensos e diabéticos. Clinicamente, uma porcentagem mais alta dos pacientes apresentou dispneia estágio III ou IV. Biologicamente, os pacientes com SCR apresentaram níveis menores de hemoglobina e níveis plasmáticos maiores de ácido úrico. Em relação aos achados ecocardiográficos, esses pacientes também apresentaram menor FE do ventrículo esquerdo, com maior prevalência de hipertensão ventricular direita e hipertensão pulmonar, e maior risco de readmissão hospitalar (p < 0,0001).

Conclusão:

A deterioração da função renal na insuficiência renal crônica está associada com um pior prognóstico, incluindo um maior risco de readmissão hospitalar, eventos cardiovasculares, e morte. Maior atenção deve ser dada a pacientes idosos, diabéticos, com valores muito baixos de fração de ejeção do ventrículo esquerdo ou com hipertensão pulmonar.

Palavras-chave:
Síndrome Cardiorrenal; Insuficiência Cardíaca; Insuficiência Renal Crônica / mortalidade; Insuficiência Renal Crônica / prognóstico; Readmissão do Paciente

Abstract

Background:

Renal failure is common in patients with chronic heart failure, with a prevalence ranging from 20 % to 57% worldwide. It is associated with a poor prognosis and a high risk of readmission.

Objectives:

The purpose of our study is to show the epidemiological, clinical, paraclinical and therapeutic features of Moroccan patients with chronic heart failure who had developed a chronic renal failure. The endpoints were cardiac death and any cause of hospitalization.

Methods:

563 patients followed for chronic heart failure at the heart failure unit in the Department of Cardiology of the University Hospital Ibn Rushd of Casablanca in Morocco, between July 30, 2012 and July 30, 2016 were assessed. Patients were divided into two groups according to the presence or absence of cardiorenal syndrome.

Results:

Compared to patients who had no cardiorenal syndrome, patients with cardiorenal syndrome tended to be more aged, hypertensive and diabetic. Clinically more patients were at dyspnea stage III or IV. Biologically their hemoglobin was lower and their blood uric acid level was higher. Regarding echocardiography, their ejection fraction of the left ventricle was lower, with more of systolic dysfunction of the right ventricle and pulmonary hypertension in the CRS group, with a higher risk of readmission (p < 0.0001). The mortality was significantly higher in the group CRS (p < 0.0001).

Conclusion:

The deterioration of renal function in chronic renal failure is associated with poor prognosis, including a high risk of rehospitalization, cardiovascular events and death. Patients who are elderly, diabetic, with a low left ventricular ejection fraction and pulmonary hypertension are the most concerned.

Keywords:
Cardio-Renal Syndrome; Heart Failure; Renal Insufficiency Chronic / mortality; Renal Insufficiency Chronic / prognosis; Patient Readmission

Introdução

A insuficiência renal é comum em pacientes com insuficiência cardíaca crônica, com uma prevalência entre 20% a 57%, e está associada a um mau prognóstico e um alto risco de reinternações.11 de Silva R, Nikitin NP, Witte KK, Rigby AS, Goode K, Bhandari S, et al. Incidence of renal dysfunction over 6 months in patients with chronic heart failure due to left ventricular systolic dysfunction: contributing factors and relationship to prognosis. Eur Heart J. 2006;27(5):569-81. doi: 10.1093/eurheartj/ehi696.
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Existe uma complexa inter-relação entre o coração e o rim nos pacientes com insuficiência cardíaca, e os mecanismos fisiopatológicos exatos dessa interação ainda não foram esclarecidos.22 Cole RT, Masoumi A, Triposkiadis F, Giamouzis G, Georgiopoulou V, Kalogeropoulos A, et al. Renal dysfunction in heart failure. Med Clin North Am. 2012;96(5):955-74. doi: 10.1016/j.mcna.2012.07.005.
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Estímulos fisiopatológicos importantes à progressão da doença renal incluem elevações crônicas na pressão venosa renal, ativação mal adaptativa do eixo renina-angiotensina-aldosterona e do sistema nervoso central, bem como um estado inflamatório crônico.33 Cruz DN, Schmidt-Ott KM, Vescovo G, House AA, Kellum JA, Ronco C, et al. Pathophysiology of cardiorenal syndrome type 2 in stable chronic heart failure: workgroup statements from the eleventh consensus conference of the Acute Dialysis Quality Initiative (ADQI). Contrib Nephrol. 2013;182:117-36. doi: 10.1159/000349968.
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O objetivo de nosso estudo foi apresentar características epidemiológicas, clínicas, paraclínicas e terapêuticas de pacientes com insuficiência cardíaca e renal crônica no Marrocos.

Métodos

Realizamos um estudo unicêntrico, transversal, com 563 pacientes atendidos na Unidade de Insuficiência Cardíaca do Departamento de Cardiologia do Hospital Universitário de Casablanca, Marrocos, durante o período de três anos entre 30 de julho de 2012 a 30 de julho de 2016.

A Unidade de Insuficiência Cardíaca é um hospital-dia que atende somente pacientes estáveis, a cada 3 ou 6 meses. Nossos pacientes estavam clinicamente estáveis e foram acompanhados pela ocorrência de eventos cardíacos. Os desfechos foram morte cardíaca e hospitalização por insuficiência cardíaca grave com ou sem piora da função renal, síndrome coronária aguda e arritmia grave. O período médio de acompanhamento foi 681 ± 105 dias. O acompanhamento e os eventos foram confirmados por consultas médicas a cada três meses e/ou contato telefônico.

Os pacientes foram divididos em dois grupos, aqueles que desenvolveram síndrome cardiorrenal (SCR), e aqueles que não a desenvolveram.

O diagnóstico de SCR tipo 2 foi estabelecido com base nos critérios do KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes)/ KDOQI (Kidney Disease Outcomes Quality Initiative): albuminúria e/ou TFG < 60 mL/min/1,73 m2, ou um decréscimo na TFG > 5 mL/min/1,73m2/ano ou > 10 mL/min/1,73 m2/5 anos ou aumento na albuminúria, juntamente com suspeita ou confirmação de insuficiência cardíaca congestiva antes do início ou progressão da doença renal crônica, e associação do evento ou grau da doença renal com doença cardíaca de base.

Em relação aos achados ecográficos, ventrículo esquerdo foi considerado dilatado se seu diâmetro diastólico fosse superior a 57 mm em homens, e 53 mm em mulheres. Átrio esquerdo dilatado foi considerado quando sua superfície era maior que 15 cm2 ou seu diâmetro era maior que 35 mm. Presença de disfunção sistólica do ventrículo direito foi considerada quando a TAPSE (excursão sistólica do anel tricúspide) era inferior a 16 mm, a velocidade longitudinal da onda S era menor que 11,5 cm/s, ou a fração de encurtamento menor que 30%. Hipertensão pulmonar foi definida como qualquer valor de pressão sistólica da artéria pulmonar, medida pelo fluxo da insuficiência tricúspide, maior que 40 mmHg.

O ecocardiograma foi realizado um mês após início do tratamento.

As características basais foram os dados registrados durante a primeira consulta na Unidade de Insuficiência Cardíaca. Incluímos todos os pacientes que desenvolveram SCR em qualquer momento do seguimento, mesmo que essa tenha ocorrido na primeira consulta.

Entre as causas de readmissão, selecionamos pacientes admitidos no serviço de emergência por síndrome coronária aguda, insuficiência cardíaca congestiva ou arritmia grave. Definimos arritmia grave como qualquer arritmia atrial ou ventricular que causasse instabilidade hemodinâmica ou que requeresse tratamento medicamentoso.

Nós excluímos todos os pacientes com insuficiência renal secundária a outras etiologias, incluindo outras SCRs, pacientes que não apresentavam SCR tipo 2, segundo definição adotada, e pacientes em hemodiálise.

Análise estatística

Os resultados são apresentados em média ± DP para variáveis contínuas e em números e porcentagens para variáveis categóricas. O teste de Mann-Whitney foi usado para dados sem distribuição normal. As características basais dos pacientes nos dois grupos especificados acima foram comparadas pelo teste do qui-quadrado para variáveis dicotômicas e pelo teste t de Student pareado para variáveis contínuas. Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. As variáveis significativas selecionadas na análise univariada foram inseridas na análise multivariada. A taxa de sobrevida livre de eventos cardíacos foi calculada pela análise de Kaplan-Meier. Todas as análises foram realizadas pelo programa SPSS, versão 17.0

Resultados

Achados clínicos

Entre os 563 pacientes analisados, 46,5% (262 pacientes) apresentaram SCR tipo 2.

A idade média foi significativamente maior no grupo SCR (67 anos vs. 61). Dividindo-se os pacientes em quatro faixas etárias, a SCR foi mais comum em pacientes com idade acima de 70 anos (Figura 1).

Figura 1
Distribuição dos pacientes com síndrome cardiorrenal (SCR) e sem SCR por idade

A maior frequência de homens foi observada em ambos os grupos, 53,1% no grupo SCR e 60,1% no grupo sem SCR, mas a diferença não foi estatisticamente significativa (p = 0,105).

Em relação aos fatores de risco, a porcentagem dos pacientes com hipertensão e diabetes foi significativamente maior no grupo SCR em comparação ao grupo sem SCR (55,3% e 42%, respectivamente, no grupo com SCR vs. 39,5% e 26,6%, respectivamente, no grupo sem SCR, p < 0.0001). Entre os pacientes hipertensos, a proporção dos pacientes com hipertensão não controlada foi significativamente maior no grupo com SCR (16,8% vs. 9,3%).

Não foi observada diferença entre os dois grupos para outros fatores de risco.

Clinicamente, insuficiência cardíaca classe III e IV segundo classificação da New York Heart Association foi relatada em 25,6% no grupo com SCR e 13,3% no grupo sem SCR (p < 0.0001). A frequência cardíaca média foi ligeiramente maior no grupo com SCR (p = 0.453).

Uma maior proporção, porém não significativa, de pacientes com fibrilação atrial foi observada no grupo com SCR (17,2% vs.13%).

A Tabela 1 resume essas características.

Tabela 1
Características basais dos pacientes por presença ou ausência de síndrome cardiorrenal

Achados biológicos

Os níveis séricos médios de sódio, cálcio e hemoglobina foram significativamente mais baixos no grupo com SCR (139,1; 91,4 e 12,3, respectivamente) que no grupo sem SCR (140,1; 93,5 e 13,05, respectivamente) no grupo sem SCR.

Por outro lado, os níveis séricos médios de potássio, ácido úrico e proteína C reativa (PCR) foram significativamente maiores no grupo SCR (4,8; 71,4 e 24,6, respectivamente) que no grupo sem SCR e (4,5; 53,3 e 11,5, respectivamente).

Achados ecográficos

Valores médios de fração de ejeção (FE), dimensões do átrio esquerdo, e tempo de desaceleração do fluxo mitral foram significativamente mais baixos no grupo com SCR (33,50%; 43,6 e 137,70, respectivamente) que no grupo sem SCR (37,57%; 39,96, e 161,59, respectivamente). função sistólica do ventrículo direito foi deficiente em 19,1% dos pacientes com SCR, e em somente 12% no grupo sem SCR (p = 0,025). Em comparação ao grupo sem SCR, 56,5% dos pacientes que desenvolveram SCR tiveram hipertensão pulmonar (p < 0,0001) (Tabela 1).

Terapia

Os valores médios de fração de ejeção (FE) e do tempo de desaceleração do fluxo mitral foram significativamente mais baixos no grupo com SCR (33,50% e 137,70 ms, respectivamente) que no grupo sem SCR (37,57% e 161,59 ms, respectivamente). A área do átrio esquerdo foi maior no grupo com SCR (21,73 cm22 Cole RT, Masoumi A, Triposkiadis F, Giamouzis G, Georgiopoulou V, Kalogeropoulos A, et al. Renal dysfunction in heart failure. Med Clin North Am. 2012;96(5):955-74. doi: 10.1016/j.mcna.2012.07.005.
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vs. 18,95 cm22 Cole RT, Masoumi A, Triposkiadis F, Giamouzis G, Georgiopoulou V, Kalogeropoulos A, et al. Renal dysfunction in heart failure. Med Clin North Am. 2012;96(5):955-74. doi: 10.1016/j.mcna.2012.07.005.
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) que no grupo sem CRS (18,95 cm22 Cole RT, Masoumi A, Triposkiadis F, Giamouzis G, Georgiopoulou V, Kalogeropoulos A, et al. Renal dysfunction in heart failure. Med Clin North Am. 2012;96(5):955-74. doi: 10.1016/j.mcna.2012.07.005.
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). A função sistólica do ventrículo direito foi deficiente em 19,1% dos pacientes com SCR, e em somente 12% no grupo sem SCR (p = 0,025). Em comparação ao grupo sem SCR, 56,5% dos pacientes que desenvolveram SCR tiveram hipertensão pulmonar (p < 0,0001) (Tabela 1).

A análise multivariada mostrou que idade, hipertensão, diabetes, baixa FE, hipertensão pulmonar, diâmetro do átrio esquerdo, tempo de desaceleração do fluxo mitral, anemia, PCR elevada e hiperuricemia são fatores de risco independentes para SCR.

Readmissão hospitalar

Readmissões por insuficiência cardíaca congestiva, arritmia grave ou evento coronário agudo foram mais frequentes no grupo SCR (30,2%) que no grupo sem SCR (5,3%) (p < 0,0001) (Tabela 1).

Mortalidade e eventos cardíacos

A mortalidade foi significativamente mais alta no grupo com SCR (13%) que no grupo sem SCR. Os pacientes com SCR tiveram taxas mais altas de morte cardíaca e readmissão por insuficiência cardíaca progressiva que o grupo sem SCR. Isso foi claramente demonstrado pela análise de Kaplan-Meier (Figura 1).

Discussão

Nosso principal achado foi o fato de que, em comparação a pacientes sem SCR, pacientes com SCR tenderam a ser mais velhos, hipertensos e diabéticos. Clinicamente, uma porcentagem mais alta dos pacientes apresentou dispneia estágio III ou IV. Biologicamente, os pacientes com SCR apresentaram níveis menores de hemoglobina e níveis plasmáticos maiores de ácido úrico. Em relação aos achados ecocardiográficos, esses pacientes também apresentaram menor FE do ventrículo esquerdo, com maior prevalência de hipertensão ventricular direita e hipertensão pulmonar, e maior risco de readmissões.

A SCR é caracterizada por anormalidades crônicas na função cardíaca, levando à lesão ou disfunção renal.44 Cruz DN, Gheorghiade M, Palazzuoli A, Ronco C, Bagshaw SM. Epidemiology and outcome of the cardio-renal syndrome. Heart Fail Rev. 2011;16(6):531-42. doi: 10.1007/s10741-010-9223-1. Erratum in: Heart Fail Rev. 2011;16(6):543.
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Um pior desempenho cardíaco na insuficiência cardíaca resulta em hipoperfusão renal, com subsequente ativação da via renina-angiotensina-aldosterona e do sistema nervoso simpático, que pode piorar ainda mais a função renal. A doença renal crônica e consequente uremia pode levar à regulação anormal da homeostase do cálcio nos miócitos e da função contrátil, atividade simpática aumentada, disfunção endotelial, disfunção microvascular e aterosclerose acelerada.55 Jois P, Mebazaa A. Cardio-renal syndrome type 2: epidemiology, pathophysiology, and treatment. Semin Nephrol. 2012;32(1):26-30. doi: 10.1016/j.semnephrol.2011.11.004.
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,66 Ronco C, Haapio M, House AA, Anavekar N, Bellomo R. Cardiorenal syndrome. J Am Coll Cardiol. 2008;52(19):1527-39. doi: 10.1016/j.jacc.2008.07.051.
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Insuficiência renal crônica pré-existente é encontrada em 45% dos pacientes com insuficiência renal crônica, e está associada com um maior risco de hospitalização e morte.77 Heywood JT, Fonarow GC, Costanzo MR, Mathur VS, Wigneswaran JR, Wynne J; ADHERE Scientific Advisory Committee and Investigators. High prevalence of renal dysfunction and its impact on outcome in 118465 patients hospitalized with acute decompensated heart failure: a report from ADHERE Database. J Card Fail. 2007;13(6):422-30. doi: 10.1016/j.cardfail.2007.03.011.
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Essa porcentagem está de acordo com a de nossa série (46,5% dos pacientes com SCR).

A deterioração da função renal aumenta com a idade. Em nosso estudo, pacientes com SCR eram relativamente mais velhos que paciente com função renal normal. Em todos os estudos conduzidos, idade avançada foi um fator associado à ocorrência de SCR. No estudo de Lu et al.,88 Lu KJ, Kearney LG, Hare DL, Ord M, Toia D, Jones E, et al. Cardiorenal anemia syndrome as a prognosticator for death in heart failure. Am J Cardiol. 2013;111(8):1187-91. doi: 10.1016/j.amjcard.2012.12.049.
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a idade média dos pacientes com SCR foi 77 ± 8 anos.

Em nosso estudo, diabetes e hipertensão não controlada foram os principais fatores de risco nos pacientes com SCR. Tem sido sugerida uma inter-relação do diabetes e/ou lesão renal induzida por hipertensão ou associada à insuficiência cardíaca com uma fisiopatologia mutuamente perpetuante, conforme demonstrado no modelo de Kishimoto el al.99 Kishimoto T, Maekawa M, Abe Y, Yamamoto K. Intrarenal distribution of blood flow and renin release during renal venous pressure elevation. Kidney Int. 1973;4(4):259-66. PMID: 4752169.

A anemia está associada com alta mortalidade em todos os pacientes com insuficiência cardíaca, e reflete um estado avançado da doença. Ainda, é particularmente considerada um fator de risco independente de mobimortalidade em todas as SCRs.1010 Horwich TB, Fonarow GC, Hamilton MA, MacLellan WR, Borenstein J. Anemia is associated with worse symptoms symptoms, greater impairement in functional capacity and a significant increase in mortality in patients with advanced heart failure. J Am Coll Cardiol. 2002;39(11):1780-6. PMID: 12039491. Sato et al.1111 Sato T, Yamauchi H, Suzuki S, Yoshihisa A, Yamaki T, Sugimoto K, et al. Distinct prognostic factors in patients with chronic heart failure and chronic kidney disease. Int Heart J. 2013;54(5):311-7. PMID: 24097222. relataram que o pico de VO2, níveis de peptídeo natriurético tipo-B, anemia e ácido úrico eram fatores prognósticos independentes de SCR tipo 2. Anemia, insuficiência cardíaca crônica, e doença renal crônica são capazes de causarem ou piorarem uma a outra, formando um ciclo vicioso.1212 Silverberg D, Wexler D, Blum M, Wollman Y, Iaina A. The cardio-renal anaemia syndrome: does it exist? Nephrol Dial Transplant. 2003;18 suppl 8:viii7-12. PMID: 14607993. Recentemente, um novo termo tem sido usado - síndrome da anemia cardiorrenal. Em todos os estudos sobre insuficiência cardíaca, o nível médio de hemoglobina era menor no grupo com insuficiência renal crônica, e estava associado com risco de reinternação e altas taxas de mortalidades. Lu et al.88 Lu KJ, Kearney LG, Hare DL, Ord M, Toia D, Jones E, et al. Cardiorenal anemia syndrome as a prognosticator for death in heart failure. Am J Cardiol. 2013;111(8):1187-91. doi: 10.1016/j.amjcard.2012.12.049.
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relataram uma taxa de mortalidade de 4 anos de 51% nos pacientes com síndrome da anemia cardiorrenal, e de 26% naqueles sem a síndrome. A idade e níveis séricos de potássio foram os fatores preditivos da progressão da anemia cardiorrenal entre os pacientes com insuficiência cardíaca.1313 Lu KJ, Kearney LG, Hare DL, Ord M, Toia D, Jones E, et al. Cardiorenal anemia syndrome as a prognosticator for death in heart failure. Am J Cardiol. 2013;111(8):1187-91. doi: 10.1016/j.amjcard.2012.12.049.
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Mais recentemente, foi demonstrado que a anemia é comum no diabetes mellitus, e sugerido que a doença renal crônica e a deficiência funcional de eritropoietina funcional são os principais fatores contribuintes para esse quadro.1414 Thomas MC. The high prevalence of anemia in diabetes is linked to functional erythropoietin deficiency. Semin Nephrol. 2006;26:275-82. doi: 10.1016/j.semnephrol.2006.05.003.
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Figura 2
Análise da sobrevida livre de eventos cardíacos pelo método Kaplan-Meier em pacientes com síndrome cardiorrenal e pacientes sem síndrome cardiorrenal

Avanços recentes no tratamento da anemia na insuficiência cardíaca focam o uso de agentes estimuladores da eritropoiese e transfusão endovenosa de ferro. Uma metanálise recente envolvendo mais de 11 estudos concluiu que os agentes estimuladores da eritropoiese ajudam a melhorar sintomas, reduzem internações, e mortalidade.1515 Ngo K, Kotecha D, Walters JA, Manzano L, Palazzuoli A, Van Veldhuisen DJ, et al. Erythropoiesis-stimulating agents for anemia in chronic heart failure patients. Cochrane Database Syst Rev. 2010 Jan 20;(1):CD007613. doi: 10.1002/14651858.CD007613.pub2.
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Em nosso estudo, os pacientes com SCR eram menos propensos a serem tratados com betabloqueadores, e mais propensos a receberem diuréticos de alça e bloqueadores de canais de cálcio. Tal fato deve-se à maior taxa de insuficiência cardíaca congestiva, dificuldades no controle da pressão sanguínea e de sintomas, e resistência a diuréticos. A causa da resistência a diuréticos é multifatorial: dosagem inadequada do diurético, ingestão aumentada de sódio, retardo na absorção intestinal da droga, diminuição na secreção tubular do diurético, perfusão renal inadequada e uso de anti-inflamatórios não-esteroidais.1616 Kshatriya S, Kozman H, Siddiqui D, Bhatta L, Liu K, Salah A, et al. The cardiorenal syndrome in heart failure: an evolving paradigm. Am J Med Sci.2010;340(1):33-7. doi: 10.1097/MAJ.0b013e3181e59108.
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Nosso estudo teve algumas limitações. Este é um estudo observacional e reflete os dados de pacientes de um único centro, o que pode não ser representativo da população de Marrocos. Alguns pacientes não foram incluídos no estudo a fim de não gerar ambiguidade entre os tipos de SCR, tais como pacientes em hemodiálise, que têm pior prognóstico. Por esse motivo, uma relação de causa-consequência não foi claramente estabelecida.

Conclusão

A deterioração da função renal na insuficiência renal crônica está associada com um pior prognóstico, incluindo um maior risco de readmissão hospitalar, eventos cardiovasculares, e morte. Pacientes idosos, diabéticos, com valores muito baixos de FE do ventrículo esquerdo ou com hipertensão pulmonar merecem mais atenção.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2016
  • Revisado
    04 Nov 2016
  • Aceito
    24 Fev 2017
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