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Performance dos Testes Diagnósticos na Probabilidade Intermediária de Doença Coronariana: Uma Análise para Auxílio à Tomada de Decisão

Resumo

Pacientes com probabilidade intermediária de doença coronariana são um desafio diagnóstico e é justamente nessa população onde o grau de incerteza é maior que os testes diagnósticos têm sua maior aplicabilidade. Entretanto, de acordo com a definição vigente, submeter uma população com probabilidade de doença entre 10 e 90% pode gerar exames desnecessários e resultados equivocados. Conhecer as características de cada teste, assim como riscos e benefícios do tratamento medicamentoso para doença coronariana e conjugar essas informações através dos limiares de diagnóstico trazem uma nova perspectiva à tomada de decisão. Objetivos: Revisar a origem dos conceitos atualmente preconizados de probabilidade intermediária e determinar os limiares de diagnóstico e tratamento dos testes não invasivos e, com base neles, propor um novo conceito de probabilidade intermediária de doença coronariana. Através da revisão bibliográfica foram extraídas metanálises nas quais dados de sensibilidade, especificidade, razão de verossimilhança positiva e negativa, riscos e benefícios dos testes e tratamento foram fornecidos. Utilizando-se algoritmo desenvolvido por Pauker e colaboradores foi possível obter os limiares de diagnóstico e tratamento ajustados para cada exame em questão. O conceito de probabilidade intermediária de doença coronariana é bastante amplo, variando, conforme os autores, entre 10 e 90%, 1 e 92%, 15 e 85%, com racionalidade distinta. Contemplando-se o poder discriminatório de cada exame, riscos dos testes, riscos e benefícios do tratamento, os limiares de diagnóstico e tratamento foram definidos para teste ergométrico (22-58%), eco-stress (10-72), cintilografia miocárdica (12-80%), ressonância nuclear magnética (16-80%) e angiotomografia de coronárias (6,7-81%). A decisão quanto à submissão aos testes diagnósticos deve ser individualizada, levando-se em consideração os limiares de diagnóstico e tratamento de cada método em questão.

Palavras-chave
da Artéria Coronariana; Probabilidade; Tomada de Decisão Clínica; Diagnóstico; Metanalise

Abstract

Patients with intermediate probability of coronary disease are a diagnostic challenge and it is precisely in this population where the degree of uncertainty is greater that the diagnostic tests have their greater applicability. However, according to the current definition, subjecting to tests a population with a disease probability between 10 and 90% can generate unnecessary tests and misleading results. Knowing the characteristics of each test, as well as risks and benefits of drug treatment for coronary disease and combining this information through diagnostic thresholds brings a new perspective to decision making. To review the origin of the currently recommended concepts of intermediate probability and to determine the thresholds for diagnosis and treatment of noninvasive tests and, based on them, propose a new concept of intermediate probability of coronary disease. Through the bibliographic review, meta-analyses were extracted in which data of sensitivity, specificity, positive and negative likelihood ratio, risks and benefits of the tests and treatment were provided. Using an algorithm developed by Pauker et al. it was possible to obtain the diagnostic and treatment thresholds adjusted for each tests in question. The concept of intermediate probability of coronary disease is quite broad, ranging, according to the authors, between 10 and 90%, 1 and 92%, 15 and 85%, with different rationale. Considering the discriminatory power of each test, risks and treatment benefits, the diagnostic and treatment thresholds were defined for exercise testing (22-58%), eco-stress (10-72%), myocardial scintigraphy (12-80%), nuclear magnetic resonance (16-80%) and coronary angiotomography (6.7-81%). The decision to submit to diagnostic tests should be individualized, taking into account the diagnostic and treatment thresholds of each method in question.

Keywords:
Coronary Artery Disease; Probability; Clinical Decision-Making; Diagnosis; Meta-Analysis

Introdução

A estimativa da probabilidade de um dado evento ocorrer é um desafio constante frente à tomada de decisão em praticamente todas as áreas do conhecimento. Particularmente na área médica, o primeiro passo em busca de um determinado diagnóstico surge de uma suspeita clínica, com base em achados da anamnese e do exame físico e na prevalência de dada patologia em uma população de interesse. Entretanto, a determinação de probabilidade do paciente apresentar a patologia em questão ainda pode expressar um grau de incerteza considerado demasiado para a tomada de decisão - tanto por médicos quanto por pacientes. Dessa forma, habitualmente a investigação segue na busca de uma maior quantidade de informações pertinentes ao caso. Esse conhecimento auxilia na decisão quanto à melhor conduta: apenas observar um paciente com suspeita de determinada patologia, submetê-lo a testes diagnósticos ou tratar sem a necessidade de qualquer investigação complementar. Poucos testes são capazes de distinguir doentes de não doentes por completo, uma vez que não dispomos de testes diagnósticos com sensibilidade e especificidade de 100%, mas é justamente nos pacientes com probabilidade intermediária que se encontra sua maior aplicabilidade. O adequado conhecimento das características e limitações do teste em questão permitirá determinar os limiares de diagnóstico e tratamento que deverão nortear a decisão clínica. A análise Bayesiana consiste em ajustar uma dada probabilidade inicial frente a um dado novo - seja um achado ao exame clínico ou o resultado de um teste diagnóstico. Através dela é possível obter a probabilidade pós-teste, multiplicando-se a razão de verossimilhança de um teste pela probabilidade a priori. Frente a esses valores será possível avaliar a real utilidade em se testar um paciente e o quanto um determinado resultado será capaz de promover mudanças na probabilidade pré-teste de doença obtida durante a avaliação clínica.11 Fagan TJ. Letter: Nomogram for Bayes theorem. N Engl J Med. 1975;293(5):257. Doi 10.1056/NEJMi97507312930513.
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Essa margem de probabilidade dentro da qual o grau de incerteza é maior e onde habitualmente determinado exame é capaz de promover maiores mudanças entre as probabilidades pré e pós-teste, configura a probabilidade intermediária de doença. Entretanto, a definição desses limites é frequentemente arbitrária, reproduzindo-se em estudos diagnósticos intervalos tão amplos quanto 10 e 90%.

Dois limiares são extremamente importantes na decisão entre observar, testar ou tratar sem fazer testes. Quando a probabilidade pré-teste de uma determinada doença é baixa, ainda que um determinado teste bastante acurado seja positivo, pouca mudança será observada na probabilidade pós-teste do paciente apresentar a doença. Esse limiar abaixo do qual não se justifica qualquer investigação diagnóstica ou mesmo tratamento específico, é dito limiar diagnóstico. Determinados pacientes apresentam probabilidade tão elevada de apresentar uma patologia que mesmo um resultado negativo de um teste diagnóstico pouco reduzirá a chance do paciente apresentar doença (probabilidade pós-teste). Esse valor acima do qual uma investigação complementar é dispensável e o paciente deve ser conduzido ao tratamento em questão é considerado o limiar terapêutico. O estabelecimento de valores a esse limiar pode ser realizado de forma intuitiva pelo médico assistente, considerando a relação custo-benefício do tratamento, lançando mão de dados da expectativa de vida para cálculo dessa relação ou mesmo atribuindo valor às preferências do paciente em relação às possibilidades de desfechos com a doença e seu tratamento.11 Fagan TJ. Letter: Nomogram for Bayes theorem. N Engl J Med. 1975;293(5):257. Doi 10.1056/NEJMi97507312930513.
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Determinar os limites da probabilidade intermediária e sua racionalidade é o foco do presente artigo, pois é questionável a adequação desses valores em um cenário onde os testes diagnósticos apresentam desempenhos distintos.

Objetivos

Este artigo de revisão busca as origens dos conceitos habitualmente utilizados como definição de probabilidade intermediária e questiona a adequação dos valores mais frequentemente apresentados frente às variações no desempenho diagnóstico dos diferentes testes utilizados na prática clínica, além de determinar os limiares de diagnóstico e tratamento para cada exame analisado.

Métodos

Através do PUBMED/MEDLINE foi realizada pesquisa bibliográfica com foco em artigos que contemplassem o desempenho diagnóstico e riscos dos testes mais frequentemente utilizados para diagnóstico de doença arterial coronariana - teste ergométrico, cintilografia de perfusão miocárdica, eco-stress, ressonância nuclear magnética e angiotomografia de coronárias; riscos e benefícios do tratamento mais frequentemente preconizado na doença arterial coronariana - AAS, estatina e beta-bloqueador; assim como referências de probabilidade intermediária de doença coronariana e decisão médica - mais especificamente a análise Bayesiana.

A busca conteve os seguintes termos MESH: diagnostic test/ accuracy/ sensitivity/ specificity/ intermediate probability/ coronary disease/ exercise test/ myocardial perfusion imaging / magnetic resonance imaging/ coronary angiography/ medical decision/ bayesian analysis/ pre-test probability/ pos-test probability/adverse effects/ improvement.

Análise estatística

Para o cálculo dos limiares diagnóstico e terapêutico foram utilizadas as fórmulas descritas abaixo, com base nos seguintes dados: sensibilidade, especificidade, riscos e benefícios do teste, riscos e benefícios do tratamento.22 Pauker SG, Kassirer JP. The threshold approach to clinical decision making. N Engl J Med. 1980;302(20):1109-17.doi:10.1056/NEJMi98005153022003.
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Limiar de Teste ou Limiar Diagnóstico (Tt):

Tt = (Ppos/nd) x (Rrx) + Rt

(Ppos/nd) x (Rrx) + (Ppos/d) x (Brx)

Limiar de Terapêutico (Ttx):

Ttrx = (Pneg/nd) x (Rrx) - Rt

(Pneg/nd) x (Rrx) + (Pneg/d) x (Brx)

Onde:

Tt = limiar diagnóstico

Ttrx = limiar terapêutico

Ppos/nd = probabilidade de um teste positivo, dado que não tem doença (Falso Positivo ou 1-Especificidade)

Ppos/d = probabilidade de um teste positivo, dado que há doença (Verdadeiro Positivo ou Sensibilidade)

Pneg/nd = probabilidade de um teste negativo, dado que não tem doença (Verdadeiro Negativo ou Especificidade)

Pneg/d = probabilidade de um teste negativo, dado que há doença (Falso Negativo ou 1-Sensibilidade)

Rrx = riscos do tratamento

Rt = riscos do teste

Brx = benefício do tratamento

Resultados

Dentre os trabalhos que contemplavam a delimitação da probabilidade intermediária, é de particular importância o realizado por Diamond e colaboradores,33 Diamond GA, Forrester JS, Hirsch M, Staniloff HM, Vas R, Berman DS, et al. Application of conditional probability analysis to the clinical diagnosis of coronary artery disease. J Clin Invest. 1980;65(5):1210-21.PMID:6767741. que em 1980, estudaram 43 pacientes submetidos a coronariografia, posteriormente estratificados com testes não invasivos. Destes, 8 entre 12 com coronariografia normal apresentavam probabilidade pós-teste inferior a 10%; enquanto 26 de 31 pacientes com doença arterial coronariana obstrutiva possuíam probabilidade pós-teste superior a 90%. Este foi o primeiro trabalho em que foram estabelecidos os limites de 10 e 90% para probabilidade intermediária.33 Diamond GA, Forrester JS, Hirsch M, Staniloff HM, Vas R, Berman DS, et al. Application of conditional probability analysis to the clinical diagnosis of coronary artery disease. J Clin Invest. 1980;65(5):1210-21.PMID:6767741.

Em trabalho realizado por Goldman et al.,44 Goldman L, Cook EF, Mitchell N, Flatley M, Sherman H, Rosati R, et al. Incremental value of the exercise test for diagnosing the presence or absence of coronary artery disease. Circulation. 1982;66(5):945-53.PMID:7127706. em 1982, considerou-se intermediária uma probabilidade pré-teste entre 1 e 92%, considerando-se a probabilidade sobre a qual o teste ergométrico fosse capaz de produzir um valor pós-teste acima ou abaixo de 50%. Ainda nesse mesmo artigo foram calculados limiares de probabilidade pré-teste sobre os quais a estratificação não invasiva fosse capaz de gerar um deslocamento para uma probabilidade que permitisse tomada de decisão.44 Goldman L, Cook EF, Mitchell N, Flatley M, Sherman H, Rosati R, et al. Incremental value of the exercise test for diagnosing the presence or absence of coronary artery disease. Circulation. 1982;66(5):945-53.PMID:7127706.

A Diretriz Brasileira de Doença Coronariana Estável55 Cesar LA, Ferreira JF, Armaganijan D, Gowdak LH, Mansur AP, Bodanese LC, et al. Guideline for stable coronary artery disease. Arq Bras Cardiol. 2014;103(2 Suppl 2):1-56.PMID:254100816. considera probabilidade intermediária valores entre 10% e 90%, Montalescot e colaboradores66 Montalescot G, Sechtem U, Achenbach S, Andreotti F, Arden C, Budaj A, et al. 2013 ESC guidelines on the management of stable coronary artery disease: the Task Force on the management of stable coronary artery disease of the European Society of Cardiology. Eur Heart J. 2013;34(38):2949-3003.doi:10.1093/eurheartj/eht296.
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, no Consenso Europeu de Angina Estável, admitem como probabilidade intermediária valores entre 15% e 85%, considerando que a maioria dos testes diagnósticos apresenta sensibilidade e especificidade em torno de 85%.55 Cesar LA, Ferreira JF, Armaganijan D, Gowdak LH, Mansur AP, Bodanese LC, et al. Guideline for stable coronary artery disease. Arq Bras Cardiol. 2014;103(2 Suppl 2):1-56.PMID:254100816.-66 Montalescot G, Sechtem U, Achenbach S, Andreotti F, Arden C, Budaj A, et al. 2013 ESC guidelines on the management of stable coronary artery disease: the Task Force on the management of stable coronary artery disease of the European Society of Cardiology. Eur Heart J. 2013;34(38):2949-3003.doi:10.1093/eurheartj/eht296.
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Desta forma, segundo esses dados, quando aplicados a uma população saudável, 15 em cada 100 exames apresentarão falsos resultados e, desta forma, será mais adequado não submeter pacientes com baixa prevalência da doença (inferior a 15%) aos métodos em questão. Em pacientes com alta probabilidade de doença o teste igualmente não trará benefícios.

Em seguida, foram analisadas as características dos seguintes testes diagnósticos: teste ergométrico (ou teste de esforço), cintilografia miocárdica com dipiridamol, cintilografia miocárdica com TE, Eco-stress com dobutamina, ressonância nuclear magnética e angiotomografia coronária, onde sensibilidade, especificidade, razão de verossimilhança positiva, razão de verossimilhança negativa, limiar diagnóstico e terapêutico foram contemplados e expressos na tabela 1.77 Jaarsma C, Leiner T, Bekkers SC, Crijns HJ, Wildberger JE, Nagel E, et al. Diagnostic performance of noninvasive myocardial perfusion imaging using single-photon emission computed tomography, cardiac magnetic resonance, and positron emission tomography imaging for the detection of obstructive coronary artery disease: a meta-analysis. J Am Coll Cardiol. 2012;59(19):1719-28. doi:10.1016/j.jaac.2011.12.040.
https://doi.org/10.1016/j.jaac.2011.12.0...

8 Heijenbrok-Kal MH, Fleischmann KE, Hunink MG. Stress echocardiography, stress single-photon-emission computed tomography and electron beam computed tomography for the assessment of coronary artery disease: a meta-analysis of diagnostic performance. Am Heart J. 2007;154(3):415-23. PMID:17719283.
-99 Budoff MJ, Achenbach S, Duerinckx A. Clinical utility of computed tomography and magnetic resonance techniques for noninvasive coronary angiography. J Am Coll Cardiol. 2003;42(11):1867-78. PMID:14662244. Fato particularmente digno de nota é a possibilidade de determinar limiares de diagnóstico e tratamento também para a cineangiocoronariografia - até então considerada exame padrão com o qual todos os demais são comparados, quando comparamos seu desempenho com os dados fornecidos pela fração de reserva de fluxo (FFR).1010 Sant'Anna FM, da Silva ER, Batista LA, Brito MB, Ventura FM, Ferraz HA, et al. What is the angiography error when defining myocardial ischemia during percutaneous coronary interventions? Arq Bras Cardiol. 2008;91(3):162-7, 79-84.

Tabela 1
Características dos testes diagnósticos: sensibilidade, especificidade, razão de verossimilhança positiva e negativa

Para a determinação dos riscos relacionados aos testes analisados, foram considerados apenas eventos cuja repercussão fosse considerada significativa, capazes de interromper o teste ou gerar repercussão clínica ou hemodinâmica - como claustrofobia, hipotensão, arritmias, infarto, acidente vascular encefálico, parada cardíaca e morte - descritos na tabela 2.1111 Ranhosky A, Kempthorne-Rawson J. The safety of intravenous dipyridamole thallium myocardial perfusion imaging. Intravenous Dipyridamole Thallium Imaging Study Group. Circulation. 1990;81(4):1205-9. PMID:2107985.

12 Enders J, Zimmermann E, Rief M, Martus P, Klingebiel R, Asbach P, et al. Reduction of claustrophobia during magnetic resonance imaging: methods and design of the "CLAUSTRO" randomized controlled trial. BMC medical imaging. 2011;11:4. doi:10.1186/1471-2342-11-4.
https://doi.org/10.1186/1471-2342-11-4...

13 Geleijnse ML, Krenning BJ, Nemes A, van Dalen BM, Soliman OI, Ten Cate FJ, et al. Incidence, pathophysiology, and treatment of complications during dobutamine-atropine stress echocardiography. Circulation. 2010;121(15):1756-67. doi:10,116/CIRCULATIONAHA.109.859264.
https://doi.org/10,116/CIRCULATIONAHA.10...

14 Heidenreich PA, McDonald KM, Hastie T, Fadel B, Hagan V, Lee BK, et al. Meta-analysis of trials comparing beta-blockers, calcium antagonists, and nitrates for stable angina. JAMA. 1999;281(20):1927-36. PMID:10349897
-1515 Mallet ALR, Oliveira GMMd, Klein CH, carvalho MRMd, Silva NASe. Letalidade e complicações de angioplastias em hospitais públicos no Rio de Janeiro, RJ. Rev Saúde Pública [online]. 2009;43(6):917-27.PMID:20027504.

Tabela 2
Riscos e reações adversas nos testes diagnósticos

Considerando-se AAS, estatina - mais especificamente a sinvastatina e o beta-bloqueador as drogas mais frequentemente utilizadas no tratamento da doença arterial coronariana, foram obtidos os riscos e o benefício, em 1 ano, do uso conjunto das 3 drogas, considerando-se a aderência terapêutica e a probabilidade de cada usuário beneficiar-se com o uso das drogas em questão, valores expressos na tabela 3.1616 Hayden M, Pignone M, Phillips C, Mulrow C. Aspirin for the primary prevention of cardiovascular events: a summary of the evidence for the U.S. Preventive Services Task Force. Annals of internal medicine. 2002;136(2):161-72. PMID:11790072.,1717 Deanfield JE, Sellier P, Thaulow E, Bultas J, Yunis C, Shi H, et al. Potent anti-ischaemic effects of statins in chronic stable angina: incremental benefit beyond lipid lowering? Eur Heart J. 2010;31(21):2650-9. doi:10.1093/eurheartj/eh9133.
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Tabela 3
Riscos e benefícios associados ao tratamento

Com base nas informações a respeito das características de desempenho do teste, seus riscos associados, assim como o benefício do tratamento conjunto e os riscos inerentes, foi possível estabelecer os limiares diagnóstico e terapêutico dos 5 métodos em questão - TE, CPM, Eco-stress com dobutamina, RNM e angiotomografia coronária, expressos na tabela 4.

Tabela 4
Limiares Diagnóstico e terapêutico dos diferentes métodos diagnósticos

Discussão

O processo diagnóstico se configura num procedimento complexo de associação de ideias, com inclusão de dados positivos e negativos. A estimativa da probabilidade de doença coronariana inicia-se de forma subjetiva já na anamnese e exame clínico, onde hoje buscamos informações sobre os principais fatores de risco conhecidos para doença coronariana - HAS, DM, dislipidemia, tabagismo e história familiar - conhecer suas características e limitações é crucial. Entretanto, o médico frequentemente se depara com nível de certeza considerado insuficiente para a tomada de decisão, especialmente quando o paciente se situa dentro da "probabilidade intermediária" de doença.

É justamente nessa maior faixa onde pesquisadores concentram esforços para uma melhor estratificação de risco - utilizando, dentre outras estratégias, submissão a testes diagnósticos. Testes eficazes não garantem, por si só, o melhor desfecho clínico, mas auxiliam na melhor conduta a ser adotada, com benefícios para o paciente e economia para os serviços de saúde quando utilizados adequadamente.

Em 1980, Pauker e colaboradores,22 Pauker SG, Kassirer JP. The threshold approach to clinical decision making. N Engl J Med. 1980;302(20):1109-17.doi:10.1056/NEJMi98005153022003.
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já orientavam como estabelecer quantitativamente os limiares de diagnóstico e tratamento com base nos dados referentes ao desempenho dos testes - sensibilidade, especificidade, seus riscos e benefícios, e riscos e benefícios do tratamento a ser instituído caso se confirme determinada patologia.22 Pauker SG, Kassirer JP. The threshold approach to clinical decision making. N Engl J Med. 1980;302(20):1109-17.doi:10.1056/NEJMi98005153022003.
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Desta forma, tomando-se como exemplo o teste ergométrico e seus limiares diagnóstico e terapêutico de 22 e 58%, respectivamente, questiona-se a adequação em se considerar como probabilidade intermediária os valores "estáticos" de 10 a 90%, partindo-se da prerrogativa de que nessa faixa dever-se-ia submeter o paciente ao teste em questão. Assim sendo, observaríamos que pacientes entre 10 e 22% de probabilidade pré-teste de DAC seriam desnecessariamente submetidos ao teste ergométrico, onerando o sistema de saúde e sem benefícios ao paciente. Ainda dentro dessa mesma perspectiva, pacientes com probabilidade entre 58 e 90% de probabilidade pré-teste também seriam submetidos ao teste, quando a análise desses limiares sugere que a racionalidade existe em tratar esses pacientes, sem testá-los.

Esse fenômeno pode ser observado também em relação aos demais testes bastando, para tal, observarmos a discrepância entre o intervalo entre os limiares diagnóstico e terapêutico de cada teste e os valores fixos adotados na literatura, sejam entre 10-90% ou 20-70%.

Em todos os estudos analisados para obtenção dos dados referentes ao desempenho dos testes diagnósticos, os métodos foram comparados com a cineangiocoronariografia, considerada padrão ouro. Entretanto, com o advento da fração de reserva de fluxo, passou-se a questionar a cineangiocoronariografia como o melhor parâmetro contra o qual todos os demais pudessem ser comparados, dado que a informação funcional mostrou melhor correlação com eventos adversos, ao refletir um comportamento patológico que extrapola o fenômeno da obstrução luminal ao considerar também o componente da disfunção endotelial na sua avaliação.

Analisando-se especificamente a cineangiocoronariografia, quando comparada à FFR em trabalho realizado por Sant`Anna e colaboradores,1010 Sant'Anna FM, da Silva ER, Batista LA, Brito MB, Ventura FM, Ferraz HA, et al. What is the angiography error when defining myocardial ischemia during percutaneous coronary interventions? Arq Bras Cardiol. 2008;91(3):162-7, 79-84. apresentou acurácia de 57% e 96% para lesões moderadas e graves, respectivamente, com sensibilidade de 85,7% e especificidade de 36,7%. Extrapolando esses dados para o cálculo dos limiares, destaca-se a estreita faixa de probabilidade onde se justificaria sua utilização, entre 34% (limiar diagnóstico) e 61% de probabilidade pré-teste (limiar terapêutico). Este dado é de particular importância ao considerar-se que o Consenso Brasileiro de Angina Estável classifica como classe II A, nível de evidência C a estratificação de pacientes de alto risco com a cineangiocoronariografia. Entretanto, dados na literatura brasileira apontam para uma taxa de complicações nada desprezível, capaz de atingir valores tão expressivos quanto 11,5% durante a realização de cateterismo seguido de angioplastia.1515 Mallet ALR, Oliveira GMMd, Klein CH, carvalho MRMd, Silva NASe. Letalidade e complicações de angioplastias em hospitais públicos no Rio de Janeiro, RJ. Rev Saúde Pública [online]. 2009;43(6):917-27.PMID:20027504.

A submissão a um teste invasivo em pacientes cuja probabilidade elevada de DAC já justificaria o início de tratamento poderá agregar um risco desnecessário à propedêutica desses pacientes. Trabalhos emblemáticos, como o realizado por Patel e colaboradores,1717 Deanfield JE, Sellier P, Thaulow E, Bultas J, Yunis C, Shi H, et al. Potent anti-ischaemic effects of statins in chronic stable angina: incremental benefit beyond lipid lowering? Eur Heart J. 2010;31(21):2650-9. doi:10.1093/eurheartj/eh9133.
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em 2010, apontam para uma taxa de 39,2% de exames negativos para doença coronariana obstrutiva (lesões menores que 20% de obstrução luminal), em 398.978 pacientes encaminhados à cinenangiocoronariografia em 663 hospitais americanos, reforçando a necessidade de uma melhor estratificação diagnóstica prévia à indicação do exame invasivo.1818 Patel MR, Peterson ED, Dai D, Brennan JM, Redberg RF, Anderson HV, et al. Low diagnostic yield of elective coronary angiography. N Engl J Med. 2010;362(10):886-95. PMID:20220183. Desta forma, seria mais apropriado realocar a indicação do procedimento àqueles nos quais se planeja uma intervenção, seja angioplastia ou cirurgia.

À análise dos dados, observa-se que o risco do teste é o principal determinante do limiar diagnóstico, enquanto o risco do tratamento influencia no limiar terapêutico. Quando maior o risco do teste, maior será a probabilidade pré-teste necessária para justificar seu uso, com maior limiar diagnóstico e menor limiar terapêutico. Da mesma forma, quanto maior o risco do tratamento, maior deverá ser o grau de certeza para iniciar o tratamento, elevando os valores do limiar terapêutico.

Limitações

No presente trabalho apenas o papel diagnóstico dos principais testes foi contemplado - o que diverge da prática clínica atual, onde o diagnóstico de doença arterial coronariana pode ser obtido por critérios clínicos e os testes exercem um papel prognóstico maior que o de diagnóstico, reservando-se o cateterismo aos pacientes nos quais se planeja uma intervenção. Entretanto, a metodologia aplicada reforça que o tratamento clínico pode e deve ser oferecido e restringe as circunstâncias nas quais os testes de fato são necessários para obter o diagnóstico e instituir tratamento. Ainda que sejam observadas mudanças no desempenho dos testes conforme a fonte consultada, há pouco impacto no desfecho observado.

Conclusão

Considerando-se o desempenho da maioria dos testes diagnósticos, com sensibilidade e especificidade em torno de 80%, compreende-se que valores entre 30 e 70% contemplam a grande maioria dos intervalos entre limiares dos diferentes métodos diagnósticos. Entretanto, ainda persiste uma significativa parcela inadequadamente avaliada, cujo risco da submissão a um teste diagnóstico é superior ao risco do não-tratamento e outra cujo risco do tratamento é inferior aos riscos relacionados ao teste. Desta forma, é preciso que a probabilidade intermediária seja estipulada para cada teste, inclusive atualizando-a frente aos recentes avanços que possibilitem maior acurácia do método em questão, minimizando as incertezas inerentes ao processo de tomada de decisão.

  • Fontes de Financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação Acadêmica
    Este artigo é parte de tese de Doutorado de Clarissa Antunes Thiers pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2017
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2016
  • Revisado
    11 Maio 2017
  • Aceito
    07 Jul 2017
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