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Os desafios da atuação dos mediadores sociais na ATER para inovação e inclusão produtiva de agricultores familiares no Estado do Tocantins1 1 Este estudo foi financiado pelo edital n. 07/2018 CNPq/SESCOOP.

The challenges of the role of social mediators at the ATER for innovation and productive inclusion of family farmers in the State of Tocantins

Los desafíos del rol de los mediadores sociales en la ATER para la innovación e inclusión productiva de los agricultores familiares en el estado de Tocantins

Resumo

O fato de as políticas públicas de inclusão produtiva serem orientadas por diferentes referenciais força os mediadores sociais a articulá-las e torná-las coerentes para o público beneficiário, o que se torna uma tarefa que eles nem sempre estão aptos a realizar. Ademais, dentre os próprios mediadores, também não existe uma concepção única do que se entende por inclusão produtiva. Neste sentido, a partir de um diálogo com a abordagem da sociologia da tradução (CALLON, 1981; 1986; LATOUR, 2000), tem-se como objetivo analisar o papel dos mediadores sociais nos processos de inovação e inclusão produtiva de agricultores familiares no contexto da extensão rural do estado do Tocantins. O estudo é qualitativo com o uso da técnica de entrevista. Conclui-se que o serviço de extensão rural tem papel estratégico em promover a inclusão produtiva de agricultores familiares ao fomentar a inovação e facilitar o acesso às políticas públicas específicas que contemplem a realidade deles. Para isso, os mediadores precisam se posicionar no processo de tradução mais como “comunicadores” do que “transmissores”, para que possam avançar na definição de referenciais mais específicos de sua atuação em consonância à diversidade de segmentos sociais da agricultura familiar e também na unificação de discursos e ações entre os atores partícipes do processo intervencionista.

Palavras-chave
rede sociotécnica; políticas públicas; desenvolvimento rural

Abstract

The fact that public policies for productive inclusion are guided by different references forces the social mediators to articulate them and make them coherent for the target public, which becomes a task they are not always able to carry out. Furthermore, among the mediators themselves, there is also no single conception of what is meant by productive inclusion. In this sense, from a dialogue with the sociology of translation approach (CALLON, 1981; 1986; LATOUR, 2000), the aim is to analyze the role of social mediators in the processes of innovation and productive inclusion of family farmers in the context of the rural extension of the state of Tocantins. The study is qualitative, using the interview technique. It is concluded that the rural extension service has a strategic role in promoting the productive inclusion of family farmers by fostering innovation and facilitating access to specific public policies that address their reality. For this, the mediators need to position themselves in the translation process more as “communicators” than “transmitters”, so that they can advance in the definition of more specific references of their performance in line with the diversity of social segments of family farming and also in the unification of discourses and actions among the participating actors in the interventionist process.

Keywords
sociotechnical network; public policies; rural development

Resumen

El hecho de que las políticas públicas de inclusión productiva estén guiadas por diferentes referentes obliga a los mediadores sociales a articularlas y hacerlas coherentes para el público beneficiario, lo que se convierte en una tarea que no siempre son capaces de realizar. Además, entre los propios mediadores, tampoco existe una concepción única de lo que se entiende por inclusión productiva. En este sentido, a partir de un diálogo con el enfoque de la sociología de la traducción (CALLON, 1981, 1986; LATOUR, 2000), se busca analizar el papel de los mediadores sociales en los procesos de innovación e inclusión productiva de los agricultores familiares en el contexto de la extensión rural del estado de Tocantins. El estudio es cualitativo mediante la técnica de entrevista. Se concluye que el servicio de extensión rural tiene un rol estratégico en promover la inclusión productiva de los agricultores familiares al fomentar la innovación y facilitar el acceso a políticas públicas específicas que atiendan su realidad. Para ello, los mediadores necesitan posicionarse en el proceso de traducción más como “comunicadores” que “transmisores”, de manera que puedan avanzar en la definición de referentes más específicos de su actuación en consonancia con la diversidad de segmentos sociales de la agricultura familiar y también en la unificación de discursos y acciones entre los actores participantes en el proceso intervencionista.

Palabras clave
red sociotécnica; políticas públicas; desarrollo rural

1 INTRODUÇÃO

Desde os anos 1970, a extensão rural no Brasil esteve atrelada aos objetivos da modernização da agricultura e com foco na implementação de políticas públicas eminentemente agrícolas. Na década de 1980, este modelo sofreu fortes críticas e se buscou constituir em um novo modelo baseado na perspectiva humanista-crítica. Em 1990, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER) foi extinta, explicada mais pelo desaparelhamento do estado do que propriamente uma crítica ao modelo. É também a partir desse período que as consequências negativas do apoio estatal à modernização tornaram-se evidentes, a crise da extensão persistiu, mas mudanças importantes somente foram notadas na década seguinte. Contudo, na década seguinte, houve uma importante inflexão, pela qual a extensão rural pública foi incentivada, a partir dos novos paradigmas introduzidos pela Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER), a buscar a correção dos efeitos desiguais do crescimento econômico e de se aproximar dos agricultores familiares mais pobres com vistas a promover a inclusão produtiva deles (DIAS, 2007DIAS, M. M. As mudanças de direcionamento da PNATER (Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural) em face do difusionismo. Oikos, Viçosa, v. 18, n. 2, p. 11-21, 2007.; DELGADO, 2010DELGADO, N. G. Sociedade civil, Estado e protagonismo institucional no desenvolvimento territorial: avanços e obstáculos no caso do território rural da Borborema/PB. Raízes, João Pessoa, v. 28/29, p. 41-51, 2010.).

O campo da extensão rural no Brasil é bastante amplo e diverso. Nele, há uma pluralidade de organizações e entidades, governamentais e não governamentais, que trabalham com o que se denomina formalmente de serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER). Prova disso é que, no estado do Tocantins, houve aumento substancial na constituição de empresas privadas de ATER desde o início da década de 2010, o que foi motivado pelo lançamento de editais do Programa Brasil Sem Miséria (PBSM), pelas Chamadas Públicas de ATER em suas diversas modalidades e também pela elaboração de projetos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Entretanto, várias críticas surgiram por parte dos mediadores sociais diante da proliferação de empresas de ATER, conforme constatado por Sousa (2019)SOUSA, D. N. Mediadores sociais e políticas públicas de inclusão produtiva da agricultura familiar no Tocantins: (des)conexões entre referenciais, ideias e práticas. 2019. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) – Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.. As argumentações destacam que elas não fazem extensão rural, e sim assistência técnica, ou seja, realizam uma intervenção focalizada em orientações técnicas mais pontuais.

Em relação à temática “inclusão produtiva”, esta foi amplamente incorporada na agenda das políticas públicas para a agricultura familiar no começo dos anos 2000. No entanto, essa incorporação se deu sem que os tomadores de decisão se preocupassem com o que o termo realmente representa, ou seja, seu significado. A existência de distintas interpretações cria distorções na formulação, implementação, execução e avaliação das políticas públicas (SOUSA; NIEDERLE, 2021SOUSA, D. N.; NIEDERLE, P. A. Extensão rural e políticas públicas de inclusão produtiva da agricultura familiar no Brasil: (des)conexões entre referenciais, ideias e práticas. Desenvolvimento em Debate (INCT/ PPED), Rio de Janeiro, v. 9, p. 231-42, 2021.). O fato de elas serem orientadas por diferentes referenciais força os mediadores sociais a articulá-las e torná-las coerentes para o público beneficiário – neste caso, os diferentes grupos de agricultores familiares –, o que se torna uma tarefa que eles nem sempre estão aptos a realizar. Ademais, entre os próprios mediadores, também não existe uma concepção única do que se entende por inclusão produtiva (SOUSA, 2019SOUSA, D. N. Mediadores sociais e políticas públicas de inclusão produtiva da agricultura familiar no Tocantins: (des)conexões entre referenciais, ideias e práticas. 2019. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) – Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.).

Nesse contexto, o objetivo deste artigo é analisar o papel dos mediadores nos processos de inovação e inclusão produtiva de agricultores familiares no contexto da extensão rural do estado do Tocantins, na perspectiva da sociologia da tradução.

A metodologia é do tipo qualitativa, na qual se utilizou da técnica de entrevista com os mediadores sociais que estão inseridos em redes sociotécnicas da agricultura familiar no âmbito estadual. Ao todo, foram realizadas 80 entrevistas, no ano de 2019. Para o critério de seleção dos entrevistados, utilizou-se da técnica de seguir os atores, em que cada mediador indicava outros perfis de distintas instituições e de municípios tocantinenses, desde que tivessem atuação com os públicos da agricultura familiar. Os entrevistados foram classificados de acordo com o pertencimento a cinco “mundos sociais” (extensionista rural, gestor público, pesquisador, professor e representante de movimentos sociais), na tentativa de se realizar comparativos de representações sociais, conhecimentos e traduções interpretados por cada grupo. Desse modo, foi possível analisar o “mundo dos extensionistas rurais”, entre outros, pois existem diferentes visões de mundo numa mesma rede sociotécnica.

Complementarmente, utilizou-se de dados secundários com o intuito de trazer elementos que talvez os informantes da pesquisa não tivessem elencado. Para organizar e analisar os dados coletados, foi utilizado o software NVIVO, e o tratamento deles foi por meio da análise de conteúdo do tipo temática.

Além desta introdução, o artigo está dividido em outras três seções. A segunda seção trata sobre a sociologia da tradução, que é um aporte teórico para analisar o que os atores sociais fazem e como se dá o processo de mediação, explicando as percepções conflituosas envolvidas nas negociações no interior de determinada rede sociotécnica. Na terceira seção, são apresentados os principais resultados e discussão da pesquisa, subdivida em: 1. A ATER como processo educativo contínuo e adequado à necessidade das famílias, 2. Inconsistência na formação dos profissionais para atuarem como mediadores sociais, 3. Exemplos de práticas de tradução pelos mediadores sociais, 4. Os problemas com o uso de métodos tradicionais de ATER, 5. As limitações de recursos financeiros para o trabalho de campo. Por último, na seção de conclusão, são apresentados os principais desafios referentes à atuação dos mediadores sociais no serviço de ATER para inovação e inclusão produtiva de agricultores familiares no Tocantins.

2 OS PROCESSOS DE MEDIAÇÃO SOCIAL: APORTES DA SOCIOLOGIA DA TRADUÇÃO

Os trabalhos de tradução se caracterizam por processos de aproximação (ou convergência de interesses) nos quais é possível articular negociações entre os atores (a priori, em conflito) e, assim, reconciliar enunciados e propósitos aparentemente incompatíveis (CALLON, 1986CALLON, M. Eléments pour une sociologie de la traduction: la domestication des coquilles Saint-Jacques et des marins-pêcheurs dans labaie de Saint-Brieuc. L’AnnéSociologique, Paris, n. 36, p. 169-208, 1986.). Neste intento, os estudos da sociologia da tradução permitem refletir sobre o papel de determinado ator nos processos de inovação, porém sem desvinculá-lo da rede (ou das redes) a que pertence, haja vista que é ela que o qualifica. Ademais, a sociologia da tradução contribui não apenas na demonstração de ideias e argumentos, mas, sobretudo, na interpretação das atividades de tradução dos mediadores sociais. Como afirma Callon (1986)CALLON, M. Eléments pour une sociologie de la traduction: la domestication des coquilles Saint-Jacques et des marins-pêcheurs dans labaie de Saint-Brieuc. L’AnnéSociologique, Paris, n. 36, p. 169-208, 1986., trata-se de uma metodologia para analisar o que os atores sociais fazem e como ocorrem suas interações, explicando as percepções conflituosas envolvidas nas negociações no interior da rede. Este referencial contribui, ainda, para explorar como determinados atores buscam obter os direitos de expressar, representar e mobilizar outros atores em distintos mundos sociais.

Segundo Pestre (2006)PESTRE, D. Introduction aux Sciences Studies. Paris: La Découverte, 2006., a sociologia da tradução surgiu na tentativa de apreender a dinâmica da ciência sob outro prisma, qual seja: de uma perspectiva que vai além dos argumentos científicos e das comunidades científicas. É por isso que os estudiosos da sociologia da tradução se interessam tanto pelos processos de constituição do saber, das práticas interpretativas e das maneiras de expressar a inovação. Com efeito, esta abordagem é recorrente nos estudos que pretendem entender os fatores que influenciam a emergência de uma inovação tecnológica, prática ou fato científico, e ela geralmente enfatiza a participação do poder público nos processos de construção sociotécnica. Ou seja, “é uma metodologia de estudo de casos que permite tanto a compreensão do desenvolvimento dos processos sociotécnicos em sua totalidade como também passa a ser um apoio na condução dos projetos” (SILVA, 2005, p. 62SILVA, N. J. R. Dinâmicas de desenvolvimento da piscicultura e políticas públicas no Vale do Ribeira/SP e Alto Vale do Itajaí/SC – Brasil. 2005. Tese (Doutorado em Aquicultura) – Curso de Pós-Graduação em Aquicultura, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2005.).

Deponti (2008)DEPONTI, C. M. Teoria do Ator-Rede (ANT): Reflexões Teóricas. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓSGRADUAÇÃO E PESQUISA EM AMBIENTE E SOCIEDADE, 4., 2008, Brasília. Anais[...] Brasília: ANPPAS, 2008. contribui a este debate ao explicar que, nos processos de tradução, os atores (individuais e coletivos, humanos e não humanos) corroboram a tradução de suas linguagens, seus problemas, suas identidades ou seus interesses em relação aos outros. É por meio desse processo que o mundo se (des)constrói e se (des)estabiliza. Assim, a sociologia da tradução retrata como da desordem nasce a estabilidade, como a natureza torna-se fato socialmente construído, como a criação é um fenômeno coletivo e material (não atrelado apenas aos processos cognitivos específicos), além de que não há separação entre aspectos de cunho social, tecnológico e científico (MACHADO; TEIXEIRA, 2005MACHADO, C. J. S; TEIXEIRA, M. O. La innovación para la sociología de la traducción. Revista de Antropología Iberoamericana (AIBR), Madri, n. especial, p. 1-13, 2005.; SILVA, SILVA, OLIVEIRA; 2021SILVA, N. A. F.; SILVA, N. T. C.; OLIVEIRA, M. L. R. Competences in focus: rural extensionist, a multifunctionality profession. Research, Society and Development, Vargem Grande Paulista- SP, v. 10, n. 6, p. e51110615503, 2021.).

2.1 Etapas da tradução

Callon (1986)CALLON, M. Eléments pour une sociologie de la traduction: la domestication des coquilles Saint-Jacques et des marins-pêcheurs dans labaie de Saint-Brieuc. L’AnnéSociologique, Paris, n. 36, p. 169-208, 1986. adverte que, para os sociólogos da inovação, o processo tradicional não significa a passagem de algum texto de um idioma a outro, mas consiste, sobretudo, na forma de recomposição de uma mensagem, fato ou informação, desde que haja espaços de comunicação entre atores heterogêneos e divergentes, num ambiente de concertação. O ato de traduzir envolve tornar inteligível para determinado ator um enunciado a priori não acessível elaborado por outro ator social. A tradução permite estabelecer elo de inteligibilidade num contexto heterogêneo de aprendizagem (CALLON; LATOUR, 1991CALLON, M; LATOUR, B. La sciencetellequ’elle se fait. Paris: La Découverte, 1991.).

Em uma situação emergente, o ator A produz determinado conhecimento que não é transmitido inteligivelmente para o ator B. Quando A codifica seus conhecimentos para B, este não está dotado de competências necessárias para o seu entendimento por ter uma lógica de ação diferente de A. Por sua vez, o ator B somente pode ver utilidade nos conhecimentos de A desde que este consiga estabelecer elo de acessibilidade e, assim, criam ambientes de interesses comuns com a finalidade de formar compromissos a partir da conciliação de propósitos. Para tanto, o processo tradicional proporciona a convergência de interesses por meio de um portavoz, no qual o ator A seria o tradutor para o ator B (CALLON, 1986CALLON, M. Eléments pour une sociologie de la traduction: la domestication des coquilles Saint-Jacques et des marins-pêcheurs dans labaie de Saint-Brieuc. L’AnnéSociologique, Paris, n. 36, p. 169-208, 1986.). Assim, o papel do tradutor é o de estabelecer mecanismos de inteligibilidade, favorecendo a comunicação.

Estudos elaborados sob a ótica da sociologia da tradução apontam que experiências, projetos e políticas analisados nem sempre obtêm resultados positivos devido a falhas na forma de traduzir e, sobretudo, pela falta de um bom tradutor (SILVA, 2005SILVA, N. J. R. Dinâmicas de desenvolvimento da piscicultura e políticas públicas no Vale do Ribeira/SP e Alto Vale do Itajaí/SC – Brasil. 2005. Tese (Doutorado em Aquicultura) – Curso de Pós-Graduação em Aquicultura, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2005.; LOPES; SILVA, 2010LOPES, R. G.; SILVA, N. J. R. A extensão pesqueira no estado de São Paulo: Um instrumento para a gestão da pesca paulista de pequena escala. Série Relatórios Técnicos, São Paulo, n. 43, p. 1-15, 2010.; CARDOZO, 2013CARDOZO, L. M. G. Enredando agricultores florestas e carbono: Análise do processo de tradução do projeto REDD de San Nicolas, Colômbia. 2013. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política) – Curso de Pós-Graduação em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.). Lopes e Silva (2010)LOPES, R. G.; SILVA, N. J. R. A extensão pesqueira no estado de São Paulo: Um instrumento para a gestão da pesca paulista de pequena escala. Série Relatórios Técnicos, São Paulo, n. 43, p. 1-15, 2010. sugerem características essenciais que qualificam um “bom tradutor”, tais como: propiciar clima de cooperação; saber ouvir; assimilar, tratar e sintetizar informações; coordenar o grupo; além de ter conhecimentos específicos, criatividade e saber construir acordos coletivos. Dessa forma, o bom tradutor, neste caso, o mediador social que cumpre esse papel de tradução, é desafiado a interagir com as frequentes mudanças de interesses dos atores inseridos na dinâmica das redes sociotécnicas. Para tornar-se interlocutor confiável, é necessário conscientizar, orientar e negociar com o grupo as ações de transferência de conhecimento e de tecnologia, assim como viabilizar a elaboração de políticas públicas (LOPES; SILVA, 2010LOPES, R. G.; SILVA, N. J. R. A extensão pesqueira no estado de São Paulo: Um instrumento para a gestão da pesca paulista de pequena escala. Série Relatórios Técnicos, São Paulo, n. 43, p. 1-15, 2010.). Esta questão é explicada por Fouilleux (2000, p. 82)FOUILLEUX, È. Entre production et institutionnalisation des idées: la réforme de la Politique Agricole Commune. Revue Française de Science Politique, Paris, v. 50, n. 2, p. 277-306, 2000., a qual sugere que “o processo de seleção de alternativas disponíveis a uma política pública começa ‘na fonte’, bem antes da construção da agenda política e sua aparição no debate público”, pois o processo traducional de produção de ideias se constitui numa etapa preliminar.

Callon (1986)CALLON, M. Eléments pour une sociologie de la traduction: la domestication des coquilles Saint-Jacques et des marins-pêcheurs dans labaie de Saint-Brieuc. L’AnnéSociologique, Paris, n. 36, p. 169-208, 1986. propõe quatro etapas sucessivas com vistas a caracterizar o processo básico de tradução. A primeira é a definição do problema pelos atores, na qual se delimita a questão a ser tratada, indicam-se os atores (humanos e não humanos) habilitados para resolvê-la e o modo como devem proceder. Para alcançar seus próprios objetivos, os atores devem passar pela problematização da situação na rede e criar pontos de passagem obrigatórios. Já a segunda etapa consiste em fortalecer a rede de alianças e atrair o interesse do grupo de atores, pois estes se esforçam para impor e/ou estabilizar sua identidade já definida na problematização. A terceira etapa é o engajamento (também denominada de recrutamento ou alistamento), a qual consiste num mecanismo por meio do qual são distribuídos os papéis de um grupo de atores que os aceitam no decorrer do processo que envolve negociações e transações entre o ator central da tradução e os demais partícipes. Destarte, esse mecanismo coloca em cena as atribuições e transformações dos papéis elencados pelo tradutor. Na quarta etapa, tem-se a mobilização dos aliados. Ao designar porta-vozes e estabelecer intermediários, verifica-se que entidades humanas e não humanas poderão ser deslocadas e reunidas em um determinado ponto da rede. Segundo Latour (2000)LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: UNESP, 2000., a mobilização dos partícipes permite simplificar o mundo heterogêneo, mas, ao mesmo tempo, um ator pode tornar-se mais empoderado do que os demais ao conseguir mobilizar alianças diante dos elementos heterogêneos.

Legitimado para expressar suas ideias em nome do grupo, o porta-voz ‒ o qual também denominaremos de mediador ‒, para ser designado, necessita mobilizar os aliados da rede sociotécnica. Entretanto, sua representatividade pode ser questionada, o que incorre no restabelecimento da controvérsia e numa dissidência deflagrada que, por sua vez, acarretaria mudanças no processo de tradução (CALLON, 1986CALLON, M. Eléments pour une sociologie de la traduction: la domestication des coquilles Saint-Jacques et des marins-pêcheurs dans labaie de Saint-Brieuc. L’AnnéSociologique, Paris, n. 36, p. 169-208, 1986.; FOUILLEUX, 2000FOUILLEUX, È. Entre production et institutionnalisation des idées: la réforme de la Politique Agricole Commune. Revue Française de Science Politique, Paris, v. 50, n. 2, p. 277-306, 2000.). Ou seja, as controvérsias iniciam-se quando surgem “manifestações pelas quais a representatividade do porta-voz é questionada, discutida, negociada, rejeitada, etc.” (CALLON, 1986, p. 218-9CALLON, M. Eléments pour une sociologie de la traduction: la domestication des coquilles Saint-Jacques et des marins-pêcheurs dans labaie de Saint-Brieuc. L’AnnéSociologique, Paris, n. 36, p. 169-208, 1986.). Nas palavras de Tavares (2012)TAVARES, F. B. Discussões socioambientais na Amazônia Oriental: uma reflexão sociológica a partir da agricultura familiar no Sudeste do Pará. 2012. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012., em algumas situações, a tradução pode se tornar um problema de “traição”, ao passo que podem surgir controvérsias entre os próprios aliados da rede ao colocar em risco a negociação articulada em torno do interesse comum.

Para além do papel de determinados atores, também é importante compreender a rede sociotécnica no seu conjunto, composta por discursos, enunciados, dispositivos técnicos, conhecimentos incorporados em indivíduos e organizações (LATOUR; SCHWARTZ; CHARVOLIN, 1998LATOUR, B; SCHWARTZ, C; CHARVOLIN, F. Crises dos meios ambientes: desafios às ciências humanas. In: ARAÚJO, H. R. (Org.). Tecnociência e cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. p. 91-125.). O clássico exemplo proposto por Callon (1986)CALLON, M. Eléments pour une sociologie de la traduction: la domestication des coquilles Saint-Jacques et des marins-pêcheurs dans labaie de Saint-Brieuc. L’AnnéSociologique, Paris, n. 36, p. 169-208, 1986. acerca da introdução de um novo método de cultivo de vieiras ilustra as etapas de análise das redes sociotécnicas (Quadro 1). A partir da experiência de domesticação das vieiras e dos pescadores da baía de São Brieuc, na França, Callon relata a narrativa de três pesquisadores para representar concomitantemente as vieiras, os pescadores e a comunidade científica. No início do diagnóstico, esses três mundos sociais estavam separados e não havia nenhuma forma de comunicação entre eles. No momento da tradução, percebeu-se a unificação dos discursos. Entretanto, isso não teria sido possível sem os diferentes deslocamentos, transformações, negociações e ajustes que os acompanharam conduzidos pelo mediador. Em outras palavras, o exemplo relata uma série de deslocamentos imprevisíveis, nos quais essas etapas podem ser descritas como processos traducionais (ou de intervenção sociotécnica) que levaram os atores participantes a diversas transformações em seus modos de vida.

Quadro 1
Síntese das etapas de tradução da experiência narrada por Callon (1986)CALLON, M. Eléments pour une sociologie de la traduction: la domestication des coquilles Saint-Jacques et des marins-pêcheurs dans labaie de Saint-Brieuc. L’AnnéSociologique, Paris, n. 36, p. 169-208, 1986.

A reflexão sobre as especificidades do processo de tradução entre atores portadores de lógicas de ação diferenciadas ‒ oriundos de mundos sociais distintos ‒ se materializa em determinadas situações em que um ator (provavelmente o porta-voz do grupo ou algum outro mediador) é responsável pela construção de elos de inteligibilidade por meio da tradução dos objetivos e valores intrínsecos dos públicos de interesse e seus referidos mundos (CALLON; LATOUR, 1991CALLON, M; LATOUR, B. La sciencetellequ’elle se fait. Paris: La Découverte, 1991.). Segundo Tavares e Anjos (2012)TAVARES, F. B.; ANJOS, J. C. B. Conflitos socioambientais vistos a partir da perspectiva da sociologia da tradução: um caso empírico no Sudeste do Pará (Amazônia Oriental). In: ENCONTRO DE ESTUDOS RURAIS, 5., Belém, 2012. Anais [...]. Belém: UFPA, 2012., os mediadores, em suas intervenções, devem considerar a dimensão simbólica de cada realidade, pois deve ser levado em conta não apenas o interesse de determinado mundo social, mas, sobretudo, o conjunto de interesses dos diferentes mundos que mediam. Assim, esse seria o principal elo de formulação de um trabalho de tradução.

No entanto, Deponti (2010)DEPONTI, C. M. Intervenção para o desenvolvimento rural: o caso da extensão rural pública do Rio Grande do Sul. 2010. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) – Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010. aponta que, na maior parte das vezes, o trabalho de tradução desconsidera os diferentes sistemas de sentido, pontos de vista e interesses dos envolvidos no processo de intervenção. Uma das explicações para isso é associada às relações de dominação que existem no processo de tradução, o que implica a imposição de pontos de vista. Segundo a autora, os mediadores, “[...] ao passarem aos agricultores instrumentos para que estes possam construir a sua visão de mundo, passam também a visão de mundo deles” (DEPONTI, 2010, p. 8DEPONTI, C. M. Intervenção para o desenvolvimento rural: o caso da extensão rural pública do Rio Grande do Sul. 2010. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) – Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.). Mesmo assim, os agricultores podem reagir, criando readaptações, recriações e transformações das ideias e dos instrumentos utilizados no processo de mediação. Sendo assim, o processo de intervenção sociotécnica se caracteriza por promover múltiplos processos de negociação entre os partícipes do processo, que, por sua vez, pretendem transformar valores e ideias, pois existem inúmeras percepções culturais, interesses sociais e lutas políticas que influenciam os mediadores (DEPONTI, 2010DEPONTI, C. M. Intervenção para o desenvolvimento rural: o caso da extensão rural pública do Rio Grande do Sul. 2010. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) – Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.). Neste intento, no decorrer da análise do processo de intervenção, deve-se

[...] considerar as arenas, as interfaces, as negociações, os acordos, os compromissos, as transformações evidenciando os agentes envolvidos, suas identidades, interesses e perspectivas. A análise da intervenção deve considerar o caráter dinâmico e de mútua determinação entre os fatores externos e internos. (DEPONTI, 2010, p. 7DEPONTI, C. M. Intervenção para o desenvolvimento rural: o caso da extensão rural pública do Rio Grande do Sul. 2010. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) – Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.).

Os mediadores articulam ações em nome dos outros, tornando-os presentes, representando-os e buscando alcançar os seus interesses (AVILA et al., 2010AVILA, M. L; SABOURIN, E; MARIE, G. D. L; GILLES, M. Redes e poder na política de desenvolvimento territorial brasileira: a paradoxal contribuição da assistência técnica. In: CONGRESO LATINOAMERICANO DE SOCIOLOGÍA RURAL, 8., 2010, Porto de Galinhas. Anais [...]. Porto de Galinhas: ALASRU, 2010.). Dito de outra forma, quando um porta-voz fala em nome de determinado grupo e de seus interesses, tende a se tornar um ator protagonista do processo de tradução, capaz de expressar por meio de uma só voz e representar o interesse dos atores silenciados por intermédio de determinada representação social (DEPONTI, 2008DEPONTI, C. M. Teoria do Ator-Rede (ANT): Reflexões Teóricas. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓSGRADUAÇÃO E PESQUISA EM AMBIENTE E SOCIEDADE, 4., 2008, Brasília. Anais[...] Brasília: ANPPAS, 2008.).

O estudo de Tavares (2012)TAVARES, F. B. Discussões socioambientais na Amazônia Oriental: uma reflexão sociológica a partir da agricultura familiar no Sudeste do Pará. 2012. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. sobre os conflitos socioambientais no Sudeste do Pará demonstra que os mediadores conseguiram articular alianças, construir suas redes e garantir a consecução de seus interesses. Mas, para isso, foi necessário mobilizar “diferentes atores sociais, especialmente através da execução de um tipo de ação política que procura transformar os atores envolvidos em aliados aos interesses dos mediadores” (TAVARES, 2012, p. 28TAVARES, F. B. Discussões socioambientais na Amazônia Oriental: uma reflexão sociológica a partir da agricultura familiar no Sudeste do Pará. 2012. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.). Ainda segundo o autor, o mediador ocupa posição estratégica no processo traducional, visto que as cadeias de mediação “ligam atores sociais envolvidos com políticas públicas, pesquisadores e outros atores que estão tentando se articular e se conectar com as formas de ação que os agricultores estão realizando em seus estabelecimentos” (TAVARES, 2012, p. 28TAVARES, F. B. Discussões socioambientais na Amazônia Oriental: uma reflexão sociológica a partir da agricultura familiar no Sudeste do Pará. 2012. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.). Portanto, o mediador contribui para a inserção dos agricultores em redes sociotécnicas ao viabilizar (e condicionar) o acesso às políticas públicas e a sua inclusão produtiva.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 A ATER como processo educativo contínuo e adequado à necessidade das famílias

A ideia principal preconizada pelos mediadores entrevistados nesta pesquisa quanto ao que deveria ser a essência do serviço de extensão rural está em consonância com o que é apregoado pelo referencial de política pública da PNATER, qual seja: que a ATER deva ser um processo educativo e contínuo. Cabe destacar que o texto legal da política reafirma a inovação apresentada pela PNATER no que tange ao reconhecimento das diferenças regionais, da pluralidade de conhecimento, da diversidade ambiental e socioeconômica no meio rural e nos diferentes territórios em que os agricultores familiares estão inseridos. Trata-se, assim, da emergência de princípios que se expressam no objetivo de apropriação de inovações tecnológicas e organizativas adequadas ao público beneficiário, e que são aspectos considerados básicos para a promoção do desenvolvimento rural (BRASIL, 2010BRASIL Lei n. 12.188, de 11 de janeiro de 2010. Institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária- PNATER e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – PRONATER, altera a Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, e dá outras providências. Brasília, DF, 2010.).

A segunda crítica recorrente nas entrevistas sugere que as empresas de ATER privadas emergiram numa lógica estritamente mercadológica, ou seja, foram criadas e estruturadas para atender a demandas do Governo Federal em relação ao serviço de ATER, e não necessariamente às necessidades dos agricultores familiares. Para Castro e Pereira (2017)CASTRO, C. N; PEREIRA, C. N. Agricultura familiar, assistência técnica e extensão rural e a política nacional de Ater. Rio de Janeiro: Ipea, 2017., a ampliação da participação desse tipo de empresa no âmbito dos serviços de ATER é para minimizar a histórica deficiência de financiamento desses. Assim, neste estudo, na percepção de um mediador social, constata-se que

[...] hoje em dia tudo é por Chamada Pública, né? Então, quem tiver a melhor proposta ganha aquela Chamada e, muitas das vezes, para ganhar a proposta, o valor devido que seria o ideal para contemplar tudo aquilo que a Chamada quer não é possível pela concorrência. Então, tem que se virar nos trinta como diz, tem que fazer mais com menos e fazer mais com menos é o que a gente vê o resultado, não tem como fazer mais com menos, tem como fazer mais com mais, cada vez mais a gente faz mais, embora com menos é complicado (EX05, extensionista).

A partir da finalização do contrato das Chamadas Públicas, a empresa de ATER privada não tem mais responsabilidades com a comunidade rural beneficiária. Diferentemente da empresa oficial de ATER que vai ter de assumir essa assessoria para que os agricultores não fiquem sem orientação técnica e, assim, continuar a avançar numa assistência contínua. Diante do exposto, o questionamento ocorre, por exemplo, quando

[...] acaba o contrato com aquela empresa, quem que vai atender essas pessoas que estavam na iniciativa privada? Acaba que eles vão migrando todos para iniciativa pública e aí sobrecarrega demasiadamente a assistência técnica pública porque a privada enquanto tem dinheiro elas estão lá, na hora que não tem dinheiro abandonam os produtores e ficam lá reféns de qualquer coisa. (EX17, extensionista, 2018).

Quanto aos beneficiários, a designação oficial e o enquadramento da agricultura familiar como categoria social e política, apta a acessar recursos governamentais na área de ATER, envolveram uma enorme diversidade de públicos, que têm na forma de produção e organização do trabalho a “base familiar” (BRASIL, 2010BRASIL Lei n. 12.188, de 11 de janeiro de 2010. Institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária- PNATER e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – PRONATER, altera a Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, e dá outras providências. Brasília, DF, 2010.). Não obstante, averiguou-se na pesquisa que os mediadores assinalam que as empresas privadas de ATER não priorizam os agricultores familiares como um dos seus públicos-alvo, com exceção quando são contempladas em Chamadas Públicas.

Além de difundir inovações tecnológicas, fomentar os processos de organização social e produtiva e prestar assistência técnica, o serviço de extensão rural é vislumbrado como ação profissional necessária para gerar confiança entre os partícipes dos processos para que se sintam seguros a arriscar e ensaiar novas formas de produzir ou de se organizar no campo. Apesar de esses aspectos serem estimulados pela PNATER, gargalos ainda são identificados pelos mediadores. Por exemplo, os agricultores de baixa renda são considerados desinformados e dependentes do serviço de ATER. Segundo relato de uma mediadora, ao iniciar o trabalho com esse tipo de público, ela percebeu que eles achavam que não precisavam pagar o PRONAF, que seria um financiamento “a fundo perdido”. Trata-se, então, de uma visão que corroborou o aumento da inadimplência desse empréstimo, assim como se verifica na seguinte narrativa: “Até eles entenderem isso, que o PRONAF você tem que pagar mesmo tendo três anos de carência, alguns nem em determinado tempo vão pagar e aí muitos ficam inadimplentes” (PR02, professora).

Nota-se, neste relato acima, que houve um processo imperfeito de tradução do PRONAF para os agricultores familiares, os quais não se atentaram para a normativa que rege a política. Ou o mediador que traduziu os procedimentos necessários para acessá-la não foi explícito ao informar sobre as formas de pagamento, ou os beneficiários não foram capazes de compreendê-lo. Hassenteufel (2008)HASSENTEUFEL, P. Sociologie politique: l’action publique. 2. ed. Paris: Armand Colin, 2008. contribui para esse entendimento, ao explicar que o processo de tradução está relacionado aos ajustes necessários para que as políticas difundidas sejam transmitidas de acordo com as particularidades dos contextos e das reinterpretações dos atores partícipes do processo. Assim, é possível inferir que tal mediador não levou em conta as particularidades dos agricultores, como o nível de escolaridade, por exemplo, ao transferir informações sobre o PRONAF.

Desse modo, a proposta da PNATER exige dos agentes extensionistas uma nova postura, um novo tipo de atuação direcionada à ação educativa, democrática e participativa. Na definição desse novo perfil profissional, é preciso buscar a produção do conhecimento produzido pelas comunidades rurais, na qual se deve incluir uma discussão profunda e crítica sobre os pressupostos epistemológicos e filosóficos e as implicações ideológicas e políticas da ciência.

3.2 Inconsistência na formação dos profissionais para atuarem como mediadores sociais

Coelho (2005)COELHO, F. M. G. A arte das orientações técnicas no campo: concepções e métodos. Viçosa: Ed. UFV, 2005. afirma que, diante dos problemas diagnosticados na área ambiental e social decorrentes da modernização da agricultura, discute-se uma proposta de extensão rural voltada aos princípios da pedagogia freiriana, de caráter mais educativo e transformador, que preconize a construção partilhada do conhecimento com foco nas estratégias de desenvolvimento rural. Com efeito, de acordo com um entrevistado, os mediadores precisam contribuir no processo de tradução (ou de intervenção sociotécnica) mais como “comunicadores” do que “transmissores”, assim como discorreu Freire (1983)FREIRE, P. Extensão ou comunicação? 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. ao apontar que a extensão rural deveria ser tratada como comunicação rural.

Entretanto, um ponto criticado pelos mediadores é que nem todas as universidades formam o futuro profissional de ATER para trabalhar junto aos agricultores familiares, a fim de que possam entender suas especificidades, pois é dada pouca ênfase às disciplinas das ciências humanas (como a sociologia e extensão rural) que preparam o discente para lidar com aspectos relacionados à diversidade étnica, cultural, de gênero, dentre outras variáveis existentes que abarcam o meio rural brasileiro (CASTRO; PEREIRA, 2017CASTRO, C. N; PEREIRA, C. N. Agricultura familiar, assistência técnica e extensão rural e a política nacional de Ater. Rio de Janeiro: Ipea, 2017.). Isto cria lacunas quando se graduam, o que também acarreta a tradução de determinado tipo de conhecimento que nem sempre é condizente com a realidade e as demandas da agricultura familiar.

Em um estudo sobre a avaliação do Plano Brasil Sem Miséria, Samborski (2019)SAMBORSKI, T. A Ater no Programa Brasil Sem Miséria na região Celeiro do RS. In: FLECK, L F; KÜHN, D. D; SOARES, M; BERBIGIER, M. M. (Org.). Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais e o combate à pobreza rural no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2019. p. 110-42. comprovou que os profissionais das ciências agrárias foram reticentes em trabalhar com os agricultores familiares em situação de extrema pobreza, pois alegaram que nunca tinham trabalhado com as especificidades deste público e tão somente com aqueles mais integrados ao mercado. Diesel e Dias (2016)DIESEL, V; DIAS, M. M. The Brazilian experience with agroecological extension: a critical analysis of reform in a pluralistic extension system. The Journal of Agricultural Education and Extension, London, v. 22, n. 5, p. 415-33, 2016. explicam que a formação dos profissionais de ATER é influenciada por uma formação hegemônica baseada no tecnicismo e nos aspectos econômicos próprios da agricultura empresarial.

Callou et al. (2008)CALLOU, A. B. F; PIRES, M. M. L. S; LEITÃO, M. R. F; SANTOS, M. S. T. O estado da arte do ensino da extensão rural no Brasil. Extensão Rural, Santa Maria, v. 15, n. 16, p. 84-115, 2008. identificam a desarticulação que existe entre o ensino e a pesquisa no conjunto das ações interligadas à extensão rural no âmbito das universidades brasileiras, o que pode acarretar gargalos na formação do profissional de ciências agrárias. Assim, esse profissional necessita de modificações nos planos pedagógicos de seus cursos, com vistas a dominar métodos de trabalho que vão além do foco na assistência técnica. Ao corroborar este diagnóstico, Verdejo (2006)VERDEJO, M. E. Diagnóstico rural participativo: guia prático DRP. Brasília: MDA/Secretaria da Agricultura Familiar, 2006. afirma ser necessário que a práxis extensionista seja pautada por metodologias que garantam a participação dos beneficiários de políticas públicas no campo, contemplando todas as facetas do processo de desenvolvimento rural. Neste contexto, é preciso que os profissionais de Ater avancem na definição de referenciais mais específicos de sua atuação em consonância à diversidade de segmentos sociais da agricultura familiar e emergência de várias problemáticas inseridas na agenda extensionista (DIESEL; DIAS, 2016DIESEL, V; DIAS, M. M. The Brazilian experience with agroecological extension: a critical analysis of reform in a pluralistic extension system. The Journal of Agricultural Education and Extension, London, v. 22, n. 5, p. 415-33, 2016.), bem como em uma maior capacidade de diálogo com outras profissões numa perspectiva multidisciplinar (CAPORAL, 2015CAPORAL, F. R. Extensão rural e Agroecologia: para um novo desenvolvimento rural, necessário e possível. Camaragibe: Ed. do Coordenador, 2015.).

3.3 Exemplos de práticas de tradução pelos mediadores sociais

Dentre muitas situações equivocadas corriqueiras no processo de tradução realizado por mediadores, pode-se citar uma narrativa de aplicação malsucedida da política de crédito rural por um agricultor. Inicialmente, houve um distanciamento por falta de comunicação entre o agricultor e o técnico extensionista cuja função era assessorá-lo numa atividade que ele já tinha larga experiência, embora não tivesse o conhecimento agronômico e zootécnico suficiente da nova localidade. Após o fracasso na atividade, o agricultor teve de buscar o apoio técnico especializado que antes relutava em aceitar. A partir desse limitante, averiguou-se a unificação dos discursos, advindos das ações de articulação de conhecimentos distintos, nas quais agricultor e extensionistas buscaram articular os seus conhecimentos (saber local e técnico) para uma nova fase de planejamento da produção pecuária. Isto posto, Callon (1986)CALLON, M. Eléments pour une sociologie de la traduction: la domestication des coquilles Saint-Jacques et des marins-pêcheurs dans labaie de Saint-Brieuc. L’AnnéSociologique, Paris, n. 36, p. 169-208, 1986. apregoa que esse desfecho – unificação de discursos e ações – não teria sido possível sem os diferentes deslocamentos, transformações, negociações e ajustes em torno da tradução de determinado conhecimento.

Este exemplo retrata um caso típico de barreiras na comunicação que existe entre agricultor e extensionista. Conforme comprova uma mediadora, “[...] os nossos agricultores não escutam a gente, fazem do jeito deles, esse senhor perdeu e hoje terminou de pagar, mas pagou com a aposentadoria, então em vez de fortalecimento acabou se endividando mais. Isso é preocupante” (EX39, extensionista). Outra questão, todavia, é se o extensionista compreende o agricultor. No que concerne aos possíveis problemas de comunicação, Habermas (2001)HABERMAS, J. Teoria de la acción comunicativa: racionalidad de la acción y racionalización social. Madri: Taurus, 2001. assinala que eles surgem numa situação de fala distorcida, em que os interlocutores se encontram em posições desiguais de poder e conhecimento de informações, o que parece ter ocorrido na relação supracitada entre agricultor e extensionista rural e é, seguidamente, incentivado pelas políticas públicas.

Novas competências técnicas, cognitivas e políticas são exigidas aos profissionais das ciências agrárias e áreas correlatas que atuam no serviço de ATER, visando ao aporte de soluções para o enfrentamento também dos problemas éticos e socioambientais no campo. Callou et al. (2008, p. 87)CALLOU, A. B. F; PIRES, M. M. L. S; LEITÃO, M. R. F; SANTOS, M. S. T. O estado da arte do ensino da extensão rural no Brasil. Extensão Rural, Santa Maria, v. 15, n. 16, p. 84-115, 2008. advertem que, a partir da reconfiguração do contexto rural nas quais velhas questões se somam às novas, há uma exigência de que “os profissionais que se debruçam sobre o mundo rural [possam fornecer-lhe] respostas urgentes – e ainda mais complexas – que são geradas a partir das chamadas crises contemporâneas”. Desta forma, este novo extensionista é incentivado e desafiado a ter um novo perfil e papel no espaço rural. Isto é, ser simultaneamente agente de ensino, pesquisa e extensão, e não mais apenas divulgador/disseminador de tecnologias modernas. Por essa razão, ele precisa se envolver com os demais atores da rede sociotécnica como forma de clarificar as diferentes visões de mundo para os partícipes do processo (CARDOZO, 2013CARDOZO, L. M. G. Enredando agricultores florestas e carbono: Análise do processo de tradução do projeto REDD de San Nicolas, Colômbia. 2013. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política) – Curso de Pós-Graduação em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.) e se antever da necessidade de se comportar a novas realidades e papéis (LOPES; SILVA, 2010LOPES, R. G.; SILVA, N. J. R. A extensão pesqueira no estado de São Paulo: Um instrumento para a gestão da pesca paulista de pequena escala. Série Relatórios Técnicos, São Paulo, n. 43, p. 1-15, 2010.).

Na avaliação dos mediadores, o estado do Tocantins conta com profissionais qualificados, a maioria vinda de outras regiões brasileiras, o que contribui para a troca de conhecimentos técnico-científicos diante das experiências já obtidas. Além disso, são incentivados a estarem em recorrentes capacitações. Trata-se, assim, de uma relação direta em que a tradução de informações adequadas aos públicos beneficiários está associada às capacitações contínuas dos mediadores para atualização.

Cabe salientar, ainda, que os mediadores consideram que o serviço de ATER tem influência decisiva no acesso de políticas públicas por parte dos agricultores familiares. Primeiramente, porque o órgão oficial de ATER no estado do Tocantins é executor de algumas políticas públicas, especialmente as de origem federal. Em segundo lugar, por estar mais próximo do agricultor, o extensionista tem melhores condições de traduzir as políticas públicas que atendam a sua necessidade. Para tanto,

[...] os cenários nos quais se desenrolam as atividades de mediação podem ser considerados indispensáveis como pontos de passagem dos diferentes atores nas situações de ação que estão em jogo nos dispositivos empíricos analisados, o que pode ser visto como um procedimento complexo de tradução. Todavia, pode não haver convergência entre pontos de vista e formas de agir diferenciadas e postas em prática pelos atores sociais, o que pode resultar em conflitos derivados da ausência de tradução, ou da falta de inteligibilidade entre atores e grupos sociais distintos. (TAVARES, 2012, p. 204TAVARES, F. B. Discussões socioambientais na Amazônia Oriental: uma reflexão sociológica a partir da agricultura familiar no Sudeste do Pará. 2012. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.).

Ademais, é de suma importância que a instituição de ATER construa instrumentos de avaliação que possam retroalimentar mudanças nos processos de tradução quando necessário. Neste sentido, Caporal e Ramos (2006)CAPORAL, F. R; RAMOS, L F. Da extensão rural convencional à extensão rural para o desenvolvimento sustentável: enfrentar desafios para romper a inércia. In: MONTEIRO, D; MONTEIRO, M. (Org.). Desafios na Amazônia: uma nova Assistência Técnica e Extensão Rural. Belém: UFPA, 2006. p. 1-23. sugerem que é indispensável determinar indicadores de impactos e processos para cada tema trabalhado nas ações de intervenção, fugindo dos indicadores tradicionais que se preocupam em apenas quantificar o número de visitas, reuniões, eventos técnicos, projetos de crédito e insumos químicos demandados pelos agricultores.

3.4 Os problemas com o uso de métodos tradicionais de ATER

No quesito metodológico, os mediadores ainda adotam predominantemente métodos tradicionais, como palestras, cursos, reuniões, dias de campo, capacitações, intercâmbios e implantação de Unidades Demonstrativas ou de Referência Tecnológica. Não obstante, alguns já estão alinhados com os referenciais de ação da PNATER, pois utilizam metodologias participativas em seus processos de intervenção junto aos agricultores familiares e também buscam técnicas mais didáticas, pois “[...] não adianta eu chegar lá e botar os slides que todo mundo vai dormir ou vai ficar lá e tal. Então tem que levar vídeos, tem que levar dinâmicas, mas que reflitam a realidade dele e que a gente consiga construir algo em cima disso aí” (EX07, extensionista).

Os mediadores sinalizam que, para traduzir os conhecimentos para os diferentes públicos da agricultura familiar, é necessário que as abordagens sejam distintas como modo de atender às peculiaridades de cada ator do meio rural. Isto é retratado na fala de uma gestora, ao apontar que “[...] tem metodologias específicas para cada público. Não vou conseguir passar a mensagem que eu queria para um quilombola ou indígena com a mesma técnica, até a forma de abordagem é diferente, as metodologias variam” (GE16, gestora). Do mesmo modo, os mediadores indicam que, no início das orientações técnicas no campo, é frequente o uso de diagnósticos, como o Diagnóstico Rural Participativo (DRP). Este instrumento utiliza de outras técnicas participativas e propõe balizar ações numa perspectiva bottom-up, ao estimular a participação dos atores envolvidos no processo. A ideia central dos diagnósticos rurais é de que não é possível intervir em determinada realidade sem antes conhecê-la, e, no caso da introdução de novas tecnologias, dependeria de sua adequação aos aspectos da realidade diagnosticada (DIAS, 2007DIAS, M. M. As mudanças de direcionamento da PNATER (Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural) em face do difusionismo. Oikos, Viçosa, v. 18, n. 2, p. 11-21, 2007.). Em linhas gerais, segundo as opiniões dos mediadores, a relevância de se utilizar do DRP em ações intervencionistas é para se

[...] tentar entender a realidade, os aspectos sociais que é da organização deles, as relações que eles têm, quantas associações têm em determinadas comunidades. Então, a gente tenta verificar o mapa da realidade e a partir disso das potencialidades e também dos gargalos e das dificuldades. Aí que a gente entra num debate junto a eles em cima das perspectivas, porque eu não tenho dúvida, todo mundo precisa ter alguma coisa que faz para que possam se motivar. (EX01, extensionista).

[...] estabelecer o diálogo com a comunidade, então são eles que vão me dizer quais problemas que estão tendo. Isso deve ser feito de maneira coletiva para que consensos sejam gerados e para possibilitar o diálogo entre eles, para que o que um acredita complemente o que o outro acredita e, às vezes, ninguém tinha pensado naquilo e quando isso é externalizado eles passam a ser, eles passam a acreditar que aquilo ali é realmente algo que precisa ser feito. (PR04, professora).

[...] construir um sentimento de pertencimento, para que o agricultor não mais nos veja como aquele carteiro, que vai lá, leva e dispensa um determinado documento e volta para trás sem a responsabilização com o desenvolvimento sustentado pelas famílias. (GE12, extensionista).

3.5 As limitações de recursos financeiros para o trabalho de campo

No caso da realidade da agricultura familiar tocantinense, a ATER pública é considerada adequada e vem melhorando o serviço prestado devido ao aumento no quantitativo de convênios, principalmente com órgãos federais e, também, com as parcerias público-privadas. Em contrapartida, um ponto muito ressaltado pelos mediadores é a limitação de recursos para estruturar as equipes de campo. A principal reclamação dos mediadores (até daqueles que não estão diretamente ligados à extensão rural) é a falta de infraestrutura do órgão oficial de ATER. Basicamente, eles citam essa privação nos trabalhos de campo, como na falta de carro, combustível e diárias para arcar com os custos de deslocamento da visita técnica, por exemplo.

A justificativa para este tipo de problema, na opinião dos mediadores, é de que o Estado concebe o serviço de extensão rural como algo secundário e, muitas vezes, utiliza-o como cabo eleitoral. Desse modo, percebe-se que “[...] sempre serviu para o fortalecimento do Estado através dos seus interesses políticos, muito menos atendeu as comunidades pelas suas demandas” (EX02, extensionista). Similarmente a esta ideia, constata-se que “[...] não há essa preocupação por parte do Governo do Tocantins com a extensão rural pública e se a gente for mais um pouquinho além, a gente vai olhar que a maioria das ações que eles fazem é porque tem dinheiro do Governo Federal” (EX04, extensionista).

Apesar dos problemas identificados, a extensão rural vem sendo protagonista de ações que contribuem significativamente para uma possível consolidação de uma quarta4 4 Grisa e Schneider (2014) classificaram as políticas públicas para a agricultura familiar em três gerações, sendo elas: 1a geração – foco nas políticas agrícolas e agrárias; 2a geração – foco nas políticas sociais; e 3a geração – foco nas políticas de construção de mercados para a promoção da segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental. geração de políticas públicas. Deve-se, por exemplo, à reformulação do serviço de ATER, que vem utilizando novos instrumentos didático-pedagógicos na orientação técnica, a adoção de métodos participativos que têm caráter construtivista, os quais colocam o agricultor no centro dos processos de tomada de decisão, distanciando-se de um padrão difusionista. Assim, a extensão rural revela-se peça significativa para a consecução do processo de inclusão produtiva e de inovação, portanto, para a promoção do desenvolvimento rural.

4 CONCLUSÃO

Os mediadores sociais exercem relevante papel na implementação de ATER junto aos agricultores familiares, corroborando decisivamente para o desenvolvimento rural sustentável no Tocantins, especialmente para a inovação tecnológica e a inclusão produtiva. No entanto, nesta realidade analisada, são muitos os desafios por eles enfrentados, sendo que os principais a serem citados: 1. precisam se posicionar no processo de tradução mais como “comunicadores” do que “transmissores”, para a unificação de discursos e ações entre os atores partícipes do processo intervencionista; 2. devem utilizar abordagens e linguagens distintas como modo de atender às peculiaridades de cada ator do meio rural. Isto porque, no estado do Tocantins, existe uma diversidade de públicos da agricultura familiar, o que exige dos mediadores a adoção de abordagens metodológicas específicas para traduzir/transferir tecnologias e conhecimentos como forma de retratar da melhor forma a realidade de cada público do meio rural.

Neste sentido, o perfil esperado e a forma de atuação do mediador social em ATER como estratégia para promoção da agricultura familiar, com vistas ao desenvolvimento rural, devem ser uma mediação direcionada à ação educativa, democrática e participativa, que oriente os agricultores a como proceder no surgimento de conhecimentos localizados e incentive-os na participação de redes sociotécnicas. Isto pode contribuir para avançar na definição de referenciais mais específicos de sua atuação em consonância à diversidade de segmentos sociais da agricultura familiar tocantinense e, também, na unificação de discursos e ações entre os atores partícipes do processo intervencionista.

Portanto, a partir dos resultados apresentados neste estudo, infere-se que o serviço de extensão rural vem sendo protagonista de ações que contribuem significativamente para uma possível consolidação de uma quarta geração de políticas públicas para a agricultura familiar.

  • 1
    Este estudo foi financiado pelo edital n. 07/2018 CNPq/SESCOOP.
  • 4
    Grisa e Schneider (2014)GRISA, C.; SCHNEIDER, S. Três gerações de políticas públicas para a agricultura familiar e formas de interação entre sociedade e Estado no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, Brasília, v. 52, p. 125-46, 2014. classificaram as políticas públicas para a agricultura familiar em três gerações, sendo elas: 1a geração – foco nas políticas agrícolas e agrárias; 2a geração – foco nas políticas sociais; e 3a geração – foco nas políticas de construção de mercados para a promoção da segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2021
  • Revisado
    26 Set 2021
  • Aceito
    08 Dez 2021
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