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O plano de revitalização urbana da área central de Campo Grande, MS

The urban revitalization plan for the central area of Campo Grande, MS

El plan de revitalización urbana del área central de Campo Grande, MS

Resumo:

O presente artigo tem por objetivo analisar as propostas do atual Plano de Revitalização da área central da cidade de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, a fim de realizar inferências críticas sobre o mesmo, verificando até que ponto ele contempla a dimensão humana na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Também foi analisado como se desenvolveu o processo de participação pública em sua implantação. Para atingir esse objetivo, o estudo tem abordagem qualitativa, utilizando como base metodológica a pesquisa documental. Desta forma, o estudo buscou expor elementos para contribuir para a reflexão da imprescindibilidade da criação colaborativa, participação ativa e gestão urbana democrática dos espaços públicos, levando em conta a dimensão humana, num processo de desenvolvimento local, de natureza inclusiva. O estudo permitiu verificar que, embora as estratégias para a requalificação do local do Plano de Revitalização do Centro abranjam diferentes dimensões do sistema urbano e abordem pontos importantes tratados no urbanismo na dimensão humana em suas estratégias, o destaque maior é na frente econômica do que de sua frente social. Também se verificou que a participação pública nos processos de tomada de decisão do plano ainda é realizada de forma insatisfatória, uma vez que ainda é regida pelos princípios neoliberais e resulta mais em um processo de consulta imposto de forma vertical do que em um diálogo ativo.

Palavras-chave:
áreas centrais; revitalização urbana; urbanismo

Abstract:

This article aims to analyze the proposals of the current Revitalization Plan for the central area of the city of Campo Grande in Mato Grosso do Sul, to make critical inferences about it, verifying the extent to which it contemplates the human dimension in improving the quality of life for its citizens. It was also analyzed how the process of public participation in its implementation developed. To achieve this objective, the study has a qualitative approach, using documentary research as a methodological basis. Thus, the study sought to expose elements to contribute to the reflection of the indispensability of collaborative creation, active participation, and democratic urban management of public spaces, considering the human dimension in a local development process of an inclusive nature. The study allowed us to verify that, although the strategies for the requalification of the site of the Revitalization Plan for the central area cover different dimensions of the urban system and address important points treated in urbanism in the human dimension in their strategies, the greater emphasis is on the economic front than on its social front. It was also found that public participation in the decision-making processes of the Plan is still unsatisfactory since it is still governed by neoliberal principles and results more in a consultation process imposed vertically than an active dialogue.

Keywords:
urban centers; urban revitalization; urbanism

Resumen:

Este artículo tiene como objetivo analizar las propuestas del actual Plan de Revitalización del área central de la ciudad de Campo Grande, en Mato Grosso do Sul, con el fin de hacer inferências críticas al respecto, verificando en qué medida contempla la dimensión humana en la mejora de la calidad de vida de los ciudadanos. También se analizó cómo se desarrolló el proceso de participación pública en su implementación. Para lograr este objetivo, el estudio tiene un enfoque cualitativo, utilizando la investigación documental como base metodológica. Así, el estudio buscó exponer elementos que contribuyan a la reflexión de la indispensabilidad de la creación colaborativa, la participación activa y la gestión urbana democrática de los espacios públicos, teniendo en cuenta la dimension humana, en un proceso de desarrolló local, de carácter inclusivo. El estudio permitió constatar que, si bien las estrategias para la recalificación del local del Plan de Revitalización del Centro abarcan diferentes dimensiones del sistema urbano y abordan puntos importantes tratados en el urbanismo en la dimensión humana en sus estrategias, el mayor énfasis está en el frente económico que en tu frente social. También se encontró que la participación ciudadana en los procesos de toma de decisiones del Plan sigue siendo insatisfactoria, ya que aún se rige por princípios neoliberales y resulta más en un proceso de consulta impuesto verticalmente que en un diálogo activo.

Palabras clave:
áreas centrales; revitalización urbana; urbanismo

1 INTRODUÇÃO

A cidade de Campo Grande foi monocêntrica por décadas, tendo sua centralidade realçada por todas as relações sociais, políticas, culturais e econômicas, que se estabeleciam em sua área central. O aumento exacerbado da população, a explosão do tecido urbano e o crescimento sem planejamento ou monitoramento observado a partir da década de 1960, aliado com a elaboração de leis e normas urbanísticas que não tinham a participação social, acarretaram a fragmentação da malha urbana, o alastramento dos vazios urbanos, a expansão horizontal descontrolada, a segregação social e a infraestrutura rara e deficiente nas áreas mais afastadas do centro urbano.

O surgimento de novas centralidades em Campo Grande fez com que seu centro urbano sofresse com o esvaziamento de sua população residente e a degradação de seus edifícios e infraestrutura, transformando-o em um local prioritariamente de passagem ou acesso apenas em determinados horários do dia. Com o efeito da descentralização e da mudança de hábitos da sociedade campo-grandense, o que se observa na área central atualmente é um movimento intenso de pessoas e veículos durante o período comercial, voltando-se quase exclusivamente para o consumo, tirando seu caráter de encontro e eliminando de maneira considerável suas atividades sociais, culturais e de lazer, estabelecendo outra relação do espaço com os sujeitos.

Tem sido comum identificar em outras cidades brasileiras esse mesmo processo de esvaziamento e perda de vitalidade dos centros urbanos originais, conduzindo as autoridades municipais a iniciativas de implantação de planos de revitalização, com recursos financeiros externos para esse fim. Em Campo Grande, não tem sido diferente. Em 2009, foi iniciado o diagnóstico e, em 2010, aprovada a lei que institui o Plano de Revitalização do Centro Urbano, para as zonas especiais de interesse cultural (ZElCs), da chamada Região Urbana do Centro. O novo governante, que assumiu a Prefeitura Municipal em 2017, anunciou no mesmo ano a aprovação de recursos do Banco Internacional de Desenvolvimento, para dar início, em 2018, à implementação do Plano de Revitalização do centro antigo da cidade.

O presente artigo tem por objetivo a análise das propostas do atual Plano de Revitalização da área central da cidade de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, a fim de realizar inferências críticas sobre ele, verificando até que ponto contempla a dimensão humana na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Também foi analisado como se desenvolveu o processo de participação pública em sua implantação. Para atingir esse objetivo, o estudo tem abordagem qualitativa, utilizando como base metodológica a pesquisa documental.

A revitalização do centro se realizada respeitando a dimensão humana, pode ser uma estratégia para um desenvolvimento inclusivo, centrado nas necessidades da comunidade. A dimensão humana das cidades implica o reconhecimento dos múltiplos atores de um espaço urbano, buscando alcançar o mesmo poder de fala e influência na construção da cidade para todos. Deste modo, espera-se contribuir para a reflexão da imprescindibilidade da criação colaborativa, participação ativa e gestão urbana democrática dos espaços públicos, levando em conta a dimensão humana, num processo de desenvolvimento local, de natureza inclusiva.

2 PLANO DE REVITALIZAÇÃO DO CENTRO

O Plano para Revitalização do Centro de Campo Grande foi instituído em 2010, por meio da Lei Complementar n. 161, pelo então prefeito Nelson Trad Filho. Segundo a lei (2010), o Plano de Revitalização destina-se à valorização e proteção do patrimônio histórico, ambiental, arquitetônico e paisagístico das Zonas Especiais de Interesse Cultural da Região Urbana do Centro. O Plano (2010) objetiva promover a requalificação urbana do centro da cidade por meio de quatro aspectos principais: (1) ações voltadas ao seu desenvolvimento econômico; (2) melhoria das condições urbanísticas e ambientais; (3) integração das atividades econômicas à moradia e às atividades culturais e de lazer; (4) recuperação e revitalização dos espaços e das edificações, assim como valorização dos marcos simbólicos e históricos da cidade.

No Plano de Revitalização, foram previstas cinco estratégias para alcançar os aspectos principais: (1) valorização do espaço público; (2) revitalização econômica; (3) proteção do patrimônio histórico; (4) promoção da animação cultural; e (5) melhoria da gestão urbana e ambiental de fortalecimento democrático. Para a implementação de cada estratégia, foram adotadas as seguintes ações:

Quadro 1 Estratégias e ações para a Revitalização do Centro
I Valorização do Espaço Público
  1. a) Tratamento urbanístico e paisagístico adequado aos espaços urbanos das ZElCs Centro;

  2. b) Estruturação de sistema de áreas verdes, mediante a integração de parques lineares, praças e jardins; arborização dos canteiros centrais das vias; requalificação das praças com o incentivo ao emprego de espécies nativas;

  3. c) Implementação das diretrizes do Plano Diretor de Transporte e Mobilidade Urbana;

  4. d) Estruturação de sistema de circulação de pedestres e de acesso ao transporte público, com especial atenção para as pessoas deficientes ou com restrição de locomoção;

  5. e) Promoção da melhoria da qualidade das edificações e dos espaços públicos;

  6. f) Qualificação da paisagem urbana.

II Revitalização Econômica
  1. a) Adoção de práticas sustentáveis de desenvolvimento socioeconômico;

  2. b) Diversificação, modernização e dinamização das atividades econômicas;

  3. c) Estímulo ao desenvolvimento do turismo cultural, de negócios e eventos;

  4. d) Aproveitamento e valorização dos atrativos turísticos;

  5. e) Estímulo ao uso residencial e sua integração ao uso comercial e de serviços;

  6. f) Proteção dos recursos naturais e paisagísticos;

  7. g) Atuação integrada entre o Poder Público, setor privado e a sociedade;

  8. h) Valorização da identidade cultural campo-grandense;

  9. i) Resgate do patrimônio e dos valores histórico-culturais.

III Proteção do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental
  1. a) Identificação e classificação dos espaços de interesse histórico-cultural;

  2. b) Recuperação e adoção de medidas de acautelamento do Patrimônio Histórico, Ambiental, Arquitetônico e Paisagístico;

  3. c) Envolvimento e participação da população no cuidado de preservação do patrimônio de valor histórico-cultural;

  4. d) Reconhecimento do patrimônio material e imaterial de importância para a história da cidade;

  5. e) Extensão do programa de educação patrimonial às instituições de ensino, associações e demais grupamentos que atuem na região urbana do centro.

IV Promoção da Animação Cultural
  1. a) Resgate das tradições e manifestações locais, culturais e folclóricas;

  2. b) Ampliação e melhor distribuição dos espaços culturais;

  3. c) Adoção de calendário de eventos culturais;

  4. d) Valorização, qualificação e promoção dos artistas locais;

  5. e) Estruturação de um eixo de animação cultural, de comércio, serviços, lazer e entretenimento entre a Esplanada Ferroviária e o Parque Florestal Antônio Albuquerque, integrado aos projetos Orla Ferroviária e Orla Morena.

V Melhoria da Gestão Urbana
  1. a) Fortalecimento da capacidade de planejamento e gestão municipal;

  2. b) Destinação de recursos orçamentários para os programas/ações do plano, conforme cronograma;

  3. c) Articulação com as demais esferas de governo;

  4. d) Promoção de parceria entre setores público, privado e comunitário para a execução dos programas de ação;

  5. e) Fomento e fortalecimento da participação da sociedade.

  • Fonte: Elaborado pelas autoras, com base no Plano Local para as ZElCs Centro, 2018.
  • A integração dos diversos órgãos municipais e entidades responsáveis em busca de objetivos comuns é citada como imperativa para o sucesso do Plano. Por ser um projeto que abrange diferentes dimensões urbanas, a atuação integrada é fundamental e não deve se limitar apenas às atribuições normativas do Poder Público (ORGANURA, 2009aORGANURA. Plano local para as Zonas Especiais de Interesse Cultural do Centro – ZEIC's Centro. P2 – Diagnóstico. Campo Grande, MS, jul. 2009a.).

    O Plano faz parte do Programa Viva Campo Grande, que se divide em duas fases. A primeira tem três objetivos: (1) revitalizar a área central; (2) melhorar os sistemas de mobilidade; (3) melhorar a eficiência da gestão administrativa do município. No âmbito da revitalização do centro na primeira etapa, financiou-se a preparação do Plano Local de Desenvolvimento Urbano, em 2010, e implantaram-se a Orla Morena, um parque linear, e as obras de requalificação urbanístico dos trilhos da ferrovia, a atual Orla Ferroviária - cujo projeto não obteve o êxito esperado pelo Poder Público.

    Já a segunda fase tem dois componentes específicos: (1) revitalização do centro; e (2) mobilidade urbana. O primeiro componente engloba a reurbanização da Rua 14 de Julho, a implantação de um projeto-piloto de habitação, a atualização do plano diretor e estudos de viabilidade para incentivos ao setor privado, a fim de colocar em uso as edificações vazias e subutilizadas no centro. O segundo componente engloba a implantação de faixas exclusivas de transporte coletivo, construção de novos terminais e estações de embarque e desembarque pré-pagos, intervenções viárias e atualização do plano diretor de mobilidade.

    O componente de mobilidade urbana está distribuído em três regiões urbanas, compreendendo um sistema integrado de transporte. A prioridade nas intervenções de mobilidade urbana é o transporte coletivo, buscando melhorar esse serviço e aumentar o número de passageiros que utilizam os ônibus como meio de locomoção. No entanto, mesmo com a atualização do Plano Municipal de Transporte e Mobilidade Urbana, que destaca o papel da sustentabilidade, no momento, são citadas diferentes formas de transporte, principalmente em relação ao uso de bicicletas como meio de transporte, melhoria ou implantação de ciclovias e/ou ciclofaixas ou de estruturas para ciclistas.

    Também é previsto o estudo de um projeto-piloto de habitação para a região central nos edifícios subutilizados e/ou vazios da área, para a reutilização habitacional e comercial. O projeto busca fomentar a moradia na região central, caracterizada pela evasão populacional, e construir cerca de 350 unidades habitacionais com diversidade tipológica. É prevista a construção de espaços para comércio e serviços e a implantação do conceito de fachada ativa, consorciando os usos e a criação de espaços abertos e integrados à malha urbana.

    Segundo o Relatório de Avaliação Ambiental e do Plano de Gestão Ambiental e Social de 2015, o Programa Viva Campo Grande:

    Justifica-se [...] tendo em vista que, embora fatores macroeconômicos apoiem o desenvolvimento do Centro, este tem sido impedido por problemas de infraestrutura deficiente nas ruas, falta de instalações modernas e apropriadas, estruturas abandonadas ou subutilizadas e grandes terrenos vazios, além de dificuldades na obtenção de terrenos com tamanho significativamente relevante para justificar o investimento em seu desenvolvimento. O Programa busca contribuir para gerar uma estrutura urbana mais eficiente para a valorização dos imóveis. (GROEN, 2015, p. 55GROEN ENGENHARIA E MEIO AMBIENTE. Relatório de avaliação ambiental - RAA e plano de gestão ambiental e social – PGAS. Campo Grande, MS, 2015., grifo nosso).

    Em uma análise do discurso presente nessa justificativa, pode-se inferir que os problemas citados pelo relatório são barreiras no investimento da área central, logo o programa visa utilizar as melhorias ocasionadas pelos projetos urbanos a serem realizados como uma contribuição para a valorização da economia e dos imóveis locais. Deste modo, é possível observar que o fundamento do Programa concentra-se na dimensão econômica, em que as melhorias nas outras dimensões seriam consequência do crescimento econômico no local. Nesse modelo, a possibilidade do surgimento do fenômeno da gentrificação é altíssima, uma vez que as mudanças são guiadas pelos interesses econômicos e visando ao crescimento econômico, acabando por ignorar a comunidade local, suas necessidades específicas e o desenvolvimento do espaço urbano de maneira qualitativa.

    Ainda que o relatório final do Plano de Revitalização ressalte em sua conclusão que a metodologia utilizada foi da Economia Criativa, que considera os aspectos sociais e culturais nos impactos econômicos dos projetos, foi possível observar a dimensão econômica como o principal foco no projeto exposto. Por exemplo, os impactos apontados são os de natureza econômica, como geração de empregos, aumento da renda, aumento do valor do patrimônio imobiliário da área, entre outros. Os impactos das condições de bem-estar da população são descritos em segundo plano e de maneira resumida, resultado, segundo o relatório (2009b), da maior oferta de bens e serviços públicos disponibilizados, além da maior oferta de emprego e melhoria do nível da renda.

    Em princípio, o Plano aparenta aliar as frentes social e econômica do desenvolvimento, a fim de garantir sua qualidade em todas as dimensões da vida humana. No entanto, após uma leitura detalhada, é possível notar que a frente econômica tem muito mais destaque no projeto da área central do que as pessoas que utilizam o espaço. Como destacado pelos pesquisadores Oliskovicz, Sobral e Le Bourlegat (2016)OLISKOVICZ, Natacha; SOBRAL, Ramão; LE BOURLEGAT, Cleonice Alexandre. Parque Linear Orla Ferroviária de Campo Grande, MS: projeto e condições atuais de revitalização do centro. In: Org. MARQUES, Heitor Romero; CASTILHO, Maria Augusta. Desenvolvimento local no contexto de territorialidades. Campo Grande, MS: Gráfica Mundial, 2016., as políticas e ações de revitalização urbana em Campo Grande ainda preservam muitos dos princípios neoliberais, pregando a competitividade e a produtividade, com um foco na dinamização das atividades econômicas.

    Estas políticas, segundo Oliskovicz, Sobral e Le Bourlegat (2016, p. 288)OLISKOVICZ, Natacha; SOBRAL, Ramão; LE BOURLEGAT, Cleonice Alexandre. Parque Linear Orla Ferroviária de Campo Grande, MS: projeto e condições atuais de revitalização do centro. In: Org. MARQUES, Heitor Romero; CASTILHO, Maria Augusta. Desenvolvimento local no contexto de territorialidades. Campo Grande, MS: Gráfica Mundial, 2016., “têm-se mostrado insuficientes em relação à dinamização territorial da comunidade-alvo do projeto, assim como na promoção da inclusão social”. Não há como executar intervenções urbanas em um modelo contrário a elas, muito menos resolver problemas do século XXI com teorias ultrapassadas, sendo crucial novos meios de conceber e praticar as políticas públicas, indo além dos princípios neoliberais para criar mecanismos institucionais capazes de conciliar formas mais ativas de participação e representação. A necessidade é de uma abordagem sistêmica e pautada no desenvolvimento territorial sustentável, para que os desequilíbrios do desenvolvimento urbano sejam corrigidos.

    A integração das diferentes secretarias para acabar com o setorialismo e englobar todas as variáveis é um aspecto positivo no Plano, porém deve ser realizada em um sistema sem hierarquia e considerar a participação da sociedade para que as reais necessidades sejam atendidas, não focando apenas nas opiniões e teorias de especialistas no assunto, mas unindo-as às considerações da população local. Dessa maneira, os projetos podem ser implantados em conexão com a realidade local, objetivando a realização dos anseios e das necessidades reais da população em todas as suas dimensões.

    3 PROJETO DE REVITALIZAÇÃO DA RUA 14 DE JULHO

    As intervenções do programa de revitalização do centro concentram-se na Rua 14 de Julho – trecho entre a Av. Fernando Corrêa da Costa e a Av. Mato Grosso – tendo a revitalização desta rua e de trechos de suas transversais como eixo principal do projeto. Com sua revitalização, objetiva-se fomentar a diversificação de usos, estender o horário de funcionamento do comércio, ampliar o número de usuários e aumentar a valorização imobiliária e a arrecadação municipal (GROEN, 2015GROEN ENGENHARIA E MEIO AMBIENTE. Relatório de avaliação ambiental - RAA e plano de gestão ambiental e social – PGAS. Campo Grande, MS, 2015.). As ações principais estão relacionadas a obras de infraestrutura, como pavimentação, instalação de mobiliário urbano, alargamento dos passeios públicos, rede subterrânea de energia elétrica e telecomunicações e obras de saneamento.

    O projeto de revitalização da Rua 14 de Julho, de acordo com o relatório da Groen (2015, p. 339)GROEN ENGENHARIA E MEIO AMBIENTE. Relatório de avaliação ambiental - RAA e plano de gestão ambiental e social – PGAS. Campo Grande, MS, 2015., baseia-se na “criação de espaços seguros e confortáveis que priorizem a circulação dos pedestres e que organizem a circulação de veículos, conciliando-o com as necessidades dos usuários da área”. No trecho da via a ser reformulado, serão considerados, segundo o relatório:

    As normas de acessibilidade;

    Retirada de elementos de poluição visual;

    Arborização urbana compatível com o local;

    Implantação de espaços de descanso;

    Implantação de fiação subterrânea;

    Implantação de postes duplos de iluminação direcionada tanto para a pista de rolamento quanto para a calçada;

    Elevação do piso à altura do meio fio nos cruzamentos do trecho compreendido entre a Av.

    Afonso Pena e a Rua Maracaju, dando mais conforto na circulação de pedestres;

    Implantação do tempo para pedestres nos cruzamentos semaforizados;

    Ampliação das calçadas nas esquinas, dando mais conforto à circulação e concentração de pedestres, diminuindo o tempo/espaço de travessia;

    Travessias de pedestres demarcadas com sinalização horizontal e rampas.

    O trecho da Rua 14 de Julho, entre a Av. Fernando Corrêa da Costa e a Av. Mato Grosso, foi dividido em três setores com abordagens diferentes, mas dentro da mesma linguagem do projeto. O primeiro setor corresponde às quadras entre a Av. Fernando Corrêa da Costa e a Av. Afonso Pena. Segundo o memorial descritivo do projeto, este segmento da Rua 14 de Julho tem um fluxo de pedestres menor, mesmo com suas características comerciais já estabelecidas, além de um relevo acidentado em maior parte de sua extensão e alto número de acesso de veículos às construções. Neste trecho, também está presente a Praça Ary Coelho, que conta com espaço de estar e descanso. Dessa forma, o projeto visou ampliar as calçadas destas quadras, mas mantendo as vagas de estacionamento em ambos os lados da via, deixando duas pistas de rolamento, acomodando as vagas em baias com pavimento de piso intertravado. Nesse setor, as estações de estar e descanso foram suprimidas – devido à Praça – e apenas as lixeiras e os bicicletários foram empregados.

    Já o setor 2 corresponde ao trecho entre a Av. Afonso Pena e a Rua Marechal Candido Mariano Rondon, grande centro da intervenção, posto que engloba as quadras com maior fluxo de pedestres, maior intensidade de comércio, estabelecimentos atrativos de público e relevo quase plano. As pistas de rolamento previstas no projeto continuam apenas duas, como no setor 1, mas recebem uma pavimentação diferenciada a partir da Av. Afonso Pena, não sendo mais pavimento asfáltico, e sim piso intertravado. As vagas de estacionamento foram retiradas em todo o setor, criando apenas baias de carga e descarga e uma baia de estacionamento para portadores de necessidade especial, por quadra. Dessa forma, as calçadas foram ampliadas de maneira mais extensa e generosa.

    Neste setor, foram locadas áreas de estar e descanso compostas por bancos e floreiras de concreto. Essas estações foram implantadas em conjunto com mobiliário já empregado no setor anterior – bicicletário e lixeiras – como também com a presença de murais de informação e localização, que podem servir para informações de utilidade pública e contextualização histórica da Rua 14 de Julho, dispostos um de cada lado das quadras, em esquinas alternadas. A abordagem do projeto nesse setor, segundo o memorial executivo, objetiva fortalecer a concepção dele como o principal da intervenção e atribuí-lo às características de um grande shopping ao céu aberto, focando no uso e conforto do pedestre.

    No cruzamento da Av. Afonso Pena com a Rua 14 de Julho, os arquitetos propuseram uma escultura metálica referenciando o antigo relógio da rua, em um canteiro ajardinado e na mesma posição que o relógio original se encontrava. Para os autores, a escultura busca fazer referência ao ícone histórico da cidade, por meio de um elemento estético, resgatando um vínculo entre a população, memória e o espaço.

    O setor 3, último do trecho em destaque, localiza-se entre a Rua Marechal Candido Mariano e a Av. Mato Grosso. Foi abordado no projeto como um setor misto e de transição, misturando as soluções do setor 1 e do setor 2 para dar continuidade na proposta de intervenção. Seu fluxo de pedestres é classificado pelos arquitetos como intermediário, não sendo tão acentuado quanto o anterior, com o comércio intenso e o relevo não tão plano. Suas pistas de rolamento continuam a ser apenas duas, mas voltando à pavimentação asfáltica, como no primeiro setor. As calçadas foram ampliadas, entretanto dividem o espaço com as baias de carga e descarga, assim como as baias de estacionamento. O mobiliário urbano empregado constitui-se das estações de estar e descanso, porém em menor quantidade do que as do setor 2, assim como as lixeiras e os bicicletários.

    Segundo os autores do projeto, do escritório Conceitos Inteligentes em Arquitetura, essas soluções foram pensadas para serem democráticas e igualitárias, priorizando o pedestre ao mesmo tempo que considera os automóveis, em uma convivência adequada e segura. O partido arquitetônico do projeto tem elementos e soluções para se destacarem de forma comedida e se apresentando de forma tranquila e convidativa, para que o espaço seja utilizado como contemplação, passeio e descanso.

    A arborização e o paisagismo serão implantados ao longo da Rua, com espécies nativas do Cerrado e já adultas, objetivando a garantia do conforto ambiental para os pedestres. Os postes de iluminação a serem implantados serão voltados tanto para a pista de rolamento quanto para as calçadas. Os postes e as árvores seguem o mesmo padrão geral de locação em toda a Rua 14 de Julho, apenas sofrendo alguns ajustes e supressões em função dos acessos de veículos já existentes.

    O projeto arquitetônico em si atende de modo satisfatório às necessidades dos pedestres locais. A preocupação com a estética e o conforto ambiental foi observada em sua proposta, notando, principalmente a questão da segurança para os pedestres nos cruzamentos de vias, principal ponto de conflito atualmente. A ampliação das esquinas reduz o tempo e a distância de travessia do pedestre, assim como sua exposição. Além de favorecer sua visibilidade, auxilia na redução da velocidade dos automóveis com a diminuição do raio de curvatura. Foram pensadas faixas de travessia elevadas no centro de cada quadra, outro aspecto positivo, devido ao alto índice de pedestres atravessando sem segurança as ruas em meio aos carros. As faixas elevadas agem como uma extensão da calçada, auxiliando também na redução de velocidade dos automóveis e no aumento da visibilidade dos pedestres.

    A arborização ao longo da rua, com espécies nativas e resistentes ao clima local, é outro aspecto a ser destacado, uma vez que prioriza o conforto térmico e ambiental, reduzindo a poluição sonora e atmosférica, de forma a contribuir para a qualidade de vida da população, além de tornar a estética da área central mais agradável. Os postes de iluminação voltados para as calçadas também são um ponto crucial nas ruas da área central, auxiliando na sensação de segurança no período noturno e na humanização do espaço.

    Um aspecto que deixou a desejar no projeto arquitetônico foi a estação de estar e descanso. Ao longo deste estudo, discutiu-se sobre os convites e as oportunidades para as pessoas utilizarem o espaço urbano e, principalmente, permanecerem nele. As opções escolhidas para os assentos públicos de concreto e sem encosto são elementos insatisfatórios para uma permanência prolongada confortável, atendendo apenas à curta permanência. Assentos primários, além de uma boa localização, necessitam ser confortáveis. Nesse caso, a proposta de criar ilhas de descanso, estar e contemplação, é razoavelmente satisfatória, pois não permitem essas atividades por muito tempo. Um aspecto positivo no projeto, no entanto, é a disposição dos bancos nas “ilhas de descanso”, formando um agrupamento de bancos e permitindo uma forma de paisagem para conversa em grupos.

    As opções de bancos no espaço urbano local poderiam ter sido mais bem planejadas, visando ao conforto e à permanência, e não reforçando o papel da Rua 14 de Julho como um local de passagem e de atividades de curta duração. A duração e a extensão das permanências, como visto anteriormente, são fundamentais para a vida a urbana; logo, uma proposta de revitalização da área deveria considerar esse aspecto com mais afinco. Apesar disso, o projeto apresenta aspectos positivos em sua totalidade, como a segurança e proteção ao pedestre e conforto térmico e visual.

    4 PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NO PLANO DE REVITALIZAÇÃO

    A participação pública na elaboração do Plano ocorreu ao longo das duas etapas, por meio de pesquisas e consultas realizadas junto à população, apresentações aos Conselhos Regionais, reuniões abertas ao público, audiências e consultas públicas. As reuniões foram divulgadas por envio de convites via e-mail, divulgação no site da Prefeitura, divulgação no site da Câmara Municipal, Diário Oficial, ligações telefônicas e publicação em mídias digitais.

    Segundo o Relatório de Avalição Ambiental (2015), foram realizadas reuniões abertas ao público desde os estudos iniciais de viabilidade até a finalização dos projetos executivos, quando as solicitações dos moradores e comerciantes foram atendidas sempre que possível. Toma-se como exemplo uma consulta pública descrita no relatório, realizada no dia 26 de maio de 2015, para a apresentação da versão preliminar desse material assim como do Plano de Gestão Ambiental e Social e do Programa de Desenvolvimento Integrado de Campo Grande – Viva Campo Grande, 2º Etapa. A consulta objetivou o envolvimento e a inserção da população diretamente afetada pelo Programa, visando ao entendimento e à participação em todas as etapas (GROEN, 2015GROEN ENGENHARIA E MEIO AMBIENTE. Relatório de avaliação ambiental - RAA e plano de gestão ambiental e social – PGAS. Campo Grande, MS, 2015.). Segundo o relatório, o evento foi divulgado em um jornal de circulação local e convites foram enviados aos gestores públicos, comerciais e comunidades envolvidas nas intervenções.

    Noventa e duas pessoas estavam presentes nesta consulta, quando foi apresentado o Programa. Mostrou-se um vídeo noturno do projeto final da revitalização da Rua 14 de Julho e detalharam-se as obras de revitalização dos terminais de transporte. Também se detalhou a versão preliminar do relatório e do plano de gestão ambiental e social, apresentando suas ações e potenciais. Em seguida, foram esclarecidos alguns questionamentos realizados por via escrita e oral.

    Segundo o relatório, houve questionamentos sobre a inserção de ciclovias na área, assim como na Rua 14 de Julho. A resposta dada foi de que não havia espaço útil na via para a implantação de ciclovias junto às faixas exclusivas para ônibus, e, na Rua 14 de Julho, as ciclovias não foram previstas, pois já haviam sido previstos a redução de faixas de circulação de veículos e o alargamento das calçadas, tornando a opção inviável. Ainda, foi sugerida a utilização das ciclovias na Orla Ferroviária e nas proximidades, bem como ressaltado que a Prefeitura Municipal conta com planejamentos para a ampliação da extensão de ciclovias na cidade.

    Quanto à revitalização da Rua 14 de Julho, questionou-se o cronograma e o impacto financeiro aos comerciantes durante as obras. A resposta recebida foi de que o cronograma está predefinido e que será criada uma comissão de comerciantes para acompanhamento e participação no andamento das obras, a fim de acordar os períodos de menor impacto no comércio. Também foi ressaltado que seria criado um Programa de Comunicação Social, com a disponibilidade de uma ouvidoria e site para aproximação com a sociedade. Além desta consulta pública do dia 26 de maio de 2015, foi realizada uma audiência pública no dia 10 de agosto de 2015, às nove horas da manhã de uma segunda-feira, na Câmara Municipal de Vereadores. O relatório da empresa Groen (2015, p. 471)GROEN ENGENHARIA E MEIO AMBIENTE. Relatório de avaliação ambiental - RAA e plano de gestão ambiental e social – PGAS. Campo Grande, MS, 2015. relatou que:

    Diante do debate realizado na Consulta Pública foi possível esclarecer dúvidas e anseios da sociedade, bem como dos comerciantes da região central, conduzindo-os a uma ação participativa na implantação do Programa, visando com isso a minimização dos possíveis impactos sociais, ambientais e econômicos.

    A conclusão da empresa em relação à consulta pública é questionável. Não é possível ter uma ação participativa da população sem o diálogo ativo, tornando o processo meramente de consulta e esclarecimento de dúvidas, e não de colaboração. Por exemplo, nos questionamentos realizados pela população, é possível perceber, por exemplo, o interesse por ciclovias na região do centro, além do impacto das obras na Rua 14 de Julho. No entanto, a condescendência das respostas dadas aos participantes é fácil de ser notada, além da inflexibilidade quanto às soluções que já estavam preestabelecidas, aparentando ser impassíveis de mudança. Até mesmo a sala onde foi realizada a consulta do dia 26 de maio aparenta ser inapropriada para a exibição da apresentação em PowerPoint dos responsáveis pelo projeto, em que grande parte da plateia tem a visão bloqueada pela parede. Questiona-se também sobre a possibilidade de participação pública na audiência realizada no dia 10 de agosto, às nove horas da manhã, em uma segunda-feira, um período que restringe a maior parte da população campo-grandense, por ser no meio da manhã, em um dia regular de trabalho.

    Impressiona a sugestão do Poder Público da utilização da ciclovia da Orla Ferroviária durante a consulta pública, quando é de conhecimento geral o fracasso do projeto e a sensação de insegurança do local. O projeto objetivava que a área fosse transformada em um espaço público de lazer, a fim de contribuir para a preservação histórica da área, assim como a dinamização de sua atividade comercial (GROEN, 2015GROEN ENGENHARIA E MEIO AMBIENTE. Relatório de avaliação ambiental - RAA e plano de gestão ambiental e social – PGAS. Campo Grande, MS, 2015.). No entanto, pouco tempo após sua implantação, a Orla Ferroviária já se encontrava em estado de abandono.

    Em um estudo sobre a implantação do projeto, pesquisadores chegaram à conclusão de que o projeto revelou a preposição de um processo de desenvolvimento local preso aos princípios neoliberais, vigentes nas décadas de 1980 e 1990 (OLISKOVICZ; SOBRAL; LE BOURLEGAT, 2016OLISKOVICZ, Natacha; SOBRAL, Ramão; LE BOURLEGAT, Cleonice Alexandre. Parque Linear Orla Ferroviária de Campo Grande, MS: projeto e condições atuais de revitalização do centro. In: Org. MARQUES, Heitor Romero; CASTILHO, Maria Augusta. Desenvolvimento local no contexto de territorialidades. Campo Grande, MS: Gráfica Mundial, 2016.). Os pesquisadores apontam que o metodologia de participação pública – realizada por meio de oficinas de trabalho e audiências públicas – não chegou a favorecer a tomada de decisões e mobilização na tomada de decisões do projeto, uma vez que os objetivos do projeto já estavam definidos pelos planejadores, em “uma visão predominantemente teórica e abstrata” (OLISKOVICZ; SOBRAL; LE BOURLEGAT, 2016, p. 284OLISKOVICZ, Natacha; SOBRAL, Ramão; LE BOURLEGAT, Cleonice Alexandre. Parque Linear Orla Ferroviária de Campo Grande, MS: projeto e condições atuais de revitalização do centro. In: Org. MARQUES, Heitor Romero; CASTILHO, Maria Augusta. Desenvolvimento local no contexto de territorialidades. Campo Grande, MS: Gráfica Mundial, 2016., grifo nosso). Dessa forma, foi verificada, na fala de moradores da região, a situação de desintegração em relação às decisões tomadas para o uso econômico e social do Parque, em que eles não sentiam que havia sido oferecida a oportunidade efetiva de mobilização. A situação, para Oliskovicz, Sobral e Le Bourlegat (2016)OLISKOVICZ, Natacha; SOBRAL, Ramão; LE BOURLEGAT, Cleonice Alexandre. Parque Linear Orla Ferroviária de Campo Grande, MS: projeto e condições atuais de revitalização do centro. In: Org. MARQUES, Heitor Romero; CASTILHO, Maria Augusta. Desenvolvimento local no contexto de territorialidades. Campo Grande, MS: Gráfica Mundial, 2016., revela que, no lugar do diálogo, predominam consultas sobre a possibilidade de participação de estratégias técnicas previamente estabelecidas.

    No Relatório de Avaliação Ambiental e do Plano de Gestão Ambiental e Social realizado em 2015, o fracasso do projeto da Orla Ferroviária aponta a baixa adesão do público a frequentar o local, para viabilizar o comércio ali instalado. Ele não cita problema algum em torno da participação popular ao longo do processo. Apenas a falta de segurança e de atrativos culturais é citada como o principal fator da baixa adesão de frequentadores no local. Para combater esses problemas, informou-se das ações que o PLANURB busca empreender no local, como o incremento da iluminação, aumento da área de sombreamento, estímulo de atividades culturais e comércio de artesanatos e feiras. Entretanto, Oliskovicz, Sobral e Le Bourlegat (2016)OLISKOVICZ, Natacha; SOBRAL, Ramão; LE BOURLEGAT, Cleonice Alexandre. Parque Linear Orla Ferroviária de Campo Grande, MS: projeto e condições atuais de revitalização do centro. In: Org. MARQUES, Heitor Romero; CASTILHO, Maria Augusta. Desenvolvimento local no contexto de territorialidades. Campo Grande, MS: Gráfica Mundial, 2016. ressaltam que não foi observado o aprofundamento do contato efetivo dos planejadores com a realidade existente, nem mesmo o diálogo com os moradores e usuários cotidianos locais, a fim de compreender seu real funcionamento. Sobre as oficinas de trabalho e audiências públicas como modo de participação, os pesquisadores alertaram que:

    Elas não passam de mecanismos de consulta e não constituem um canal adequado para assegurar a incorporação efetiva das opiniões populares. A tendência nesses ambientes tem sido a de privilegiar as soluções técnicas. Pode-se, ainda, por meio desses mecanismos, correr o risco de apenas induzir a população a aceitar o plano e acatar as decisões e as intervenções ditadas pelos planejadores. Em uma autêntica situação de participação popular existe diálogo e negociação, com comunicação ampliada num ambiente de transparência de informações, no qual as tomadas de decisão e responsabilidades são compartilhadas. (OLISKOVICZ; SOBRAL; LE BOURLEGAT, 2016, p. 289OLISKOVICZ, Natacha; SOBRAL, Ramão; LE BOURLEGAT, Cleonice Alexandre. Parque Linear Orla Ferroviária de Campo Grande, MS: projeto e condições atuais de revitalização do centro. In: Org. MARQUES, Heitor Romero; CASTILHO, Maria Augusta. Desenvolvimento local no contexto de territorialidades. Campo Grande, MS: Gráfica Mundial, 2016.).

    No atual Plano, nota-se um esforço significativo do Poder Público de estabelecer diferentes canais e mecanismos para a participação pública, como o desenvolvimento de medidas de mitigação para a divulgação das ações desenvolvidas e seu cronograma, assim como uma possibilidade de consultas às possíveis dúvidas que a população pode ter. Criou-se o Escritório Local do Programa Reviva Campo Grande para atender às demandas da população, tornando-se um dos principais canais de atendimento sobre o Plano Reviva Campo Grande. Também foi estabelecida uma Comissão de Acompanhamento das Obras da 14 de Julho, formada por representantes da sociedade civil, por meio dos Conselhos Municipais, e por entidades representativas dos comerciantes, como SEBRAE, Associação Comercial, Câmara dos Dirigentes Lojistas, FECOMÉRCIO e SINDIVAREJO. Plataformas on-line como um site dedicado à divulgação de notícias sobre o andamento do plano também fazem parte das medidas adotadas pela Prefeitura.

    Mesmo com a cidade de Campo Grande desenvolvendo e implementando mecanismos de participação pública no sistema municipal de planejamento ao longo dos anos e intensificando-os na execução do atual Plano de Revitalização do Centro, verifica-se que os moldes de participação pública no processo tornam-no um projeto de desenvolvimento no local, ao invés de desenvolvimento local, uma vez que os agentes externos buscam promover as melhorias da comunidade, porém esta é apenas participante. Como já ressaltado ao longo deste trabalho, a participação ativa da comunidade é crucial em um processo de desenvolvimento local, em que o papel dos agentes externos e do Poder Público é de encorajar os processos sinérgicos e tornar as pessoas protagonistas do processo.

    O desafio de ir além do pensamento ortodoxo representa uma questão de escala, demandando o desenvolvimento de novas formas de organização. Não há espaço para a participação ativa da sociedade em sistemas organizados de maneira hierárquica e que não representam de maneira satisfatória os interesses da população. Os projetos de intervenção urbana liderados pelo Poder Público e por parcerias público-privadas necessitam ser desenvolvidos em conexão com a realidade e a comunidade local, em um processo de diálogo e escuta ativa. O esforço do Poder Público no desenvolvimento de mecanismos de participação pública no atual Plano de Revitalização é expressivo, no entanto, a participação social nas políticas e nos projetos urbanos por meio de mecanismos regidos pela visão setorial e cartesiana surte pouco efeito para uma participação ativa e efetiva.

    5 O ANDAMENTO DO PLANO DE REVITALIZAÇÃO

    O Plano de Revitalização do Centro de Campo Grande, instituído em 2010 e com prazo de 20 anos para sua implementação, segue atualmente3 3 A pesquisa foi realizada em 2018. em passos lentos e com atrasos em muitas ações previstas – por exemplo, o atraso de sete anos para o início da revitalização da Rua 14 de Julho; a revisão do Plano Diretor, que deveria ser concluída em 2016, mas em setembro de 2018 ainda se encontrava suspensa na Justiça; o Parque Esplanada, que está longe de ser construído; a revitalização do Mercado Municipal; revitalização da Av. Calógeras e reestruturação da Travessa Pimentel; requalificação de calçadas; tratamento da Av. Afonso Pena e revitalização das praças Aquidauana, Imigrantes e Vespasiano Martins.

    A Praça Ary Coelho foi reformada e finalizada em agosto de 2018, em tempo para as comemorações do aniversário da cidade (26 de agosto). O seu chafariz e coreto foram reformados, assim como as mesas de jogos. Os banheiros já haviam sido reformados há pouco tempo. Também houve um trabalho de paisagismo nos canteiros ao redor do chafariz.

    O projeto da Orla Morena, previsto pelo Programa Viva Campo Grande I, foi implantado em 2011, criando um parque linear com equipamentos de lazer, ginástica e ciclovia. O projeto da Orla Ferroviária, que visava revitalizar o leito ferroviário da área central, foi implantado também, sendo inaugurado em 2013. No entanto, o espaço encontra-se em estado de abandono, como mencionado no item anterior, ocasionando a necessidade de novos estudos e ações para a resolução de seus problemas.

    O projeto de Revitalização da Rua 14 de Julho era inicialmente previsto para 2011, mas teve início em julho de 2018. O cronograma estabelecia um prazo de 20 meses para as dez quadras do projeto, estimando-se que a obra terminaria no primeiro semestre – após o final do mês de março e início do mês de abril – de 2020. No entanto, sua inauguração foi realizada com quatro meses de antecedência, no dia 29 de novembro de 2019. Outro aspecto a se destacar: 32% das árvores plantadas ao longo de sua extensão morreram e foram replantadas em março de 2020. As intervenções nas ruas adjacentes à Rua 14 de Julho compreendem o recapeamento, a padronização das calçadas, arborização, mobiliário urbano, sinalização viária e melhorias na iluminação pública. No entanto, estas intervenções ainda não começaram.

    Normas de controle da poluição visual e sonora foram algumas das primeiras medidas previstas na Lei Complementar n. 161 que foram implantadas. Os padrões de controle da poluição visual estabelecidos pela Lei Complementar n. 161, de julho de 2010, que institui o Plano para Revitalização do Centro, foram especificados em forma do Decreto n. 11.510, em 2011. O decreto objetiva controlar a poluição visual da área da ZEIC Centro, buscando padronizar as fachadas dos estabelecimentos comerciais para procurar controlar os anúncios colocados pelos comerciantes. Foi realizada uma cartilha com o propósito de informar as regras gerais estabelecidas no decreto, com prazos para implantação e em diferentes etapas.

    De modo geral, a poluição visual composta por propagandas e anúncios ainda não diminuiu na área da ZEIC após a implementação da lei. Mesmo com a proibição de anúncios publicitários nos logradouros e imóveis públicos e privados, ainda é possível verificar sua presença nas ruas. Apenas no caso dos anúncios indicativos, que identificam o nome do estabelecimento em sua fachada, observou-se melhoria, com o cumprimento da metragem das comunicações visuais, auxiliando também na conservação de algumas fachadas históricas e permitindo a visualização de seus elementos arquitetônicos.

    Em alguns estabelecimentos, no entanto, notou-se o descumprimento do decreto, com propagandas e anúncios publicitários, de veiculação de propaganda, dispostos nas fachadas, marquises – proibido pelo decreto – e nas vitrines sem estarem instalados na parte interior da loja e a mais de um metro das aberturas transparentes. Também, foram verificados alguns anúncios indicativos em mau estado de conservação, contrariando as normas do decreto. A penalidade para o descumprimento do decreto de poluição visual, caso o anúncio não seja removido após a notificação, pode chegar até cinco mil reais na primeira multa com acréscimo de mil reais para cada metro quadrado que exceder os limites estabelecidos previamente. A segunda multa corresponde ao dobro da primeira, sendo reaplicada a cada quinze dias a partir da lavratura da anterior. No caso de anúncio publicitário, a segunda multa é reaplicada a cada 24 horas a partir da lavratura da multa anterior até a remoção do anúncio.

    Os padrões de controle da poluição sonora estabelecidos pela Lei Complementar n. 161 também não são respeitados na área central. O artigo 24 da lei torna proibida a veiculação de propaganda sonora nas vias e nos demais espaços públicos das ZElCs Centro, onde o desrespeito a essa norma fica sujeito a sanções e penalidades. No entanto, a poluição sonora continua sendo um grave problema na região do centro, apresentando-se como um elemento crucial nas experiências sensoriais desagradáveis dos pedestres. Grande maioria das lojas localizadas na Rua 14 de Julho e nas vias em seu redor, por exemplo, no eixo principal do projeto de revitalização do centro, têm caixas de som instaladas em suas fachadas e nas calçadas. Algumas até mesmo apresentam pessoas com microfones para realizar propagandas ao vivo. Os carros de som e até mesmo um caminhão de som, propagando anúncios das lojas, são frequentes durante todo o horário comercial e em qualquer dia da semana.

    Mesmo com os critérios de poluição sonora e visual estabelecidos por lei e com altas penalidades aos responsáveis, verifica-se o seu descumprimento na região do Plano de Revitalização do Centro. Questiona-se a falta de fiscalização dos órgãos responsáveis, neste caso da SEMADUR, para que os critérios estabelecidos por lei sejam postos, efetivamente, em prática.

    Como apontado no relatório final da empresa Organura (2009b, p. 58)ORGANURA. Plano local para as Zonas Especiais de Interesse Cultural do Centro – ZEIC's Centro. P4 – Versão final. Campo Grande, MS, 2009b. V. 1., o sucesso do Plano de Revitalização da área central de Campo Grande, além de demandar a atualização da legislação municipal em vigor e a criação de novos instrumentos jurídicos, está diretamente relacionado à “atitude proativa e à atuação integrada dos órgãos municipais, uma vez que as medidas sugeridas são de distinta natureza”. Dessa forma, cada órgão responsável necessita realizar sua parte visando aos objetivos comuns definidos pelo Plano, não devendo se limitar às ações normativas ou legislativas do Poder Público – um aspecto importante, mas insuficiente, “caso não seja complementado por uma gestão inovadora, eficiente e calçada numa visão estratégica e integrada do desenvolvimento da área central” (ORGANURA, 2009b, p. 59ORGANURA. Plano local para as Zonas Especiais de Interesse Cultural do Centro – ZEIC's Centro. P4 – Versão final. Campo Grande, MS, 2009b. V. 1., grifo nosso).

    O prazo de execução do Programa Viva Campo Grande II é de cinco anos, e o prazo de execução total previsto para o Plano de Revitalização do Centro é de 20 anos. A Lei n. 161, que institui o Plano de Revitalização, também permite sua revisão, a partir da avaliação de seus resultados, em um prazo máximo de cinco anos.

    6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

    O estudo permitiu verificar que as estratégias para a requalificação do local do Plano de Revitalização do Centro abrangem diferentes dimensões do sistema urbano, buscando aliar a integração dos diversos órgãos municipais e entidades responsáveis em busca dos objetivos comuns. Diversos aspectos tratados no urbanismo na dimensão humana são abordados nas estratégias, como, por exemplo, o tratamento dos espaços urbanos, estruturação de um sistema de circulação de pedestres e de acesso ao transporte público, estímulo ao uso residencial com devida integração ao uso comercial e de serviços, estimulação de atividades e eventos culturais, valorização do patrimônio histórico e a integração das diferentes secretarias para acabar com o setorialismo.

    Verificou-se que o destaque maior é o da frente econômica no projeto da área central do que de sua frente social - que é contemplada, mas não com a mesma intensidade. Como consequência, alguns aspectos cruciais para a contemplação da dimensão humana no local, para garantir a melhoria da qualidade de vida de seus usuários, são negligenciados. No entanto, como o Plano é de longo prazo e tem possibilidades para revisão após avaliações de seu resultado, a expectativa é do refinamento de algumas ações para que estas possam contemplar de modo efetivo a melhoria da qualidade de vida da população local nos espaços urbanos centrais.

    A participação pública nos processos de tomada de decisão do Plano, especialmente nos projetos, é um avanço para as políticas públicas, mas a forma na qual é realizada é insatisfatória, uma vez que ainda é regida pelos princípios neoliberais e resultam mais em um processo de consulta imposto de forma vertical do que um diálogo ativo. Desse modo, o sistema de alcance comunitário não aproveita totalmente os residentes como recursos, mesmo em um processo bem-intencionado. O resultado é um processo dispendioso, tanto de custos como de tempo, que acaba por ter um baixo impacto nos projetos de desenvolvimento. Além disso, algumas datas e horários escolhidos para as audiências públicas acabam por excluir a população dessas reuniões, que ocorrem em períodos em que a grande parte dos campo-grandenses está trabalhando.

    Para que as intervenções urbanas façam frente, de forma bem-sucedida, à desertificação do espaço urbano e às suas carências, é fundamental que os planejadores urbanos e os diversos especialistas envolvidos nos planos de intervenção diagnostiquem efetivamente quais são as condições reais no local. Somente dessa forma será possível determinar as ações capazes de gerar diversidade e vitalidade no espaço urbano.

    Dessa maneira, questiona-se a falta de consideração pelo Poder Público em relação às técnicas de Planejamento Orientado para a Ação no caso da Rua 14 de Julho, com a utilização de instalações temporárias antes de concluir a implantação do projeto final, ainda mais por ser em um local histórico, de grande fluxo e importante para os cidadãos campo-grandenses. A vantagem das instalações temporárias, como já explanado anteriormente, é a possibilidade de testar as ideias do projeto imediatamente em pequena escala, com baixo custo, permitindo a correção de aspectos que não deram certo, antes de implantar um projeto permanente, com o feedback da comunidade local sendo utilizado no processo em uma maneira mais interativa.

    Com os testes em pequena escala, as formas de participação pública também se tornam mais eficientes e mais rápidas, tendo um alcance maior e mais prático no projeto e não paralisando ou sobrecarregando as divisões municipais com os processos formais de tomada de decisão, que frequentemente são incapazes de ter um alcance significativo, somados aos baixos índices de participação cívica e ao fato de o envolvimento comunitário ser, muitas vezes, reduzido a uma minoria.

    Deste modo, os projetos de longo prazo têm mais chance de sucesso, maior custo-benefício e mais resiliência, já que seu desempenho foi testado e avaliado anteriormente. A colaboração entre os diferentes departamentos municipais e grupos sociais que compartilham um projeto implantando dessa forma, ao longo do tempo, é capaz de produzir uma cultura de intervenções de design e planejamento urbano centradas no ser humano, aproximando-se de uma cidade mais igualitária.

    As pessoas somente vão exigir cidades melhores quando elas terem o conhecimento de como e quão melhores as cidades podem ser. Em razão disso, é crucial que os profissionais que detêm o conhecimento teórico informem os usuários locais sobre as possibilidades para a sua cidade, quais são os princípios e benefícios de uma cidade que respeita a escala humana e as opções que elas oferecem para seus moradores - outro motivo pelo qual as instalações temporárias são benéficas. Quando as pessoas também detiverem esse conhecimento, elas vão passar a desejar lugares assim. Logo, faz-se necessário desenvolver uma estratégia que busque ajudar as pessoas a aproveitar a cidade, auxiliando-as a usar os espaços urbanos de novas e diferentes maneiras.

    • 3
      A pesquisa foi realizada em 2018.

    REFERÊNCIAS

    • GROEN ENGENHARIA E MEIO AMBIENTE. Relatório de avaliação ambiental - RAA e plano de gestão ambiental e social – PGAS. Campo Grande, MS, 2015.
    • OLISKOVICZ, Natacha; SOBRAL, Ramão; LE BOURLEGAT, Cleonice Alexandre. Parque Linear Orla Ferroviária de Campo Grande, MS: projeto e condições atuais de revitalização do centro. In: Org. MARQUES, Heitor Romero; CASTILHO, Maria Augusta. Desenvolvimento local no contexto de territorialidades. Campo Grande, MS: Gráfica Mundial, 2016.
    • ORGANURA. Plano local para as Zonas Especiais de Interesse Cultural do Centro – ZEIC's Centro. P2 – Diagnóstico. Campo Grande, MS, jul. 2009a.
    • ORGANURA. Plano local para as Zonas Especiais de Interesse Cultural do Centro – ZEIC's Centro. P4 – Versão final. Campo Grande, MS, 2009b. V. 1.

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jun 2022
    • Data do Fascículo
      Jan-Mar 2022

    Histórico

    • Recebido
      03 Nov 2020
    • Revisado
      07 Jun 2021
    • Aceito
      07 Jun 2021
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