Apresentação do Dossiê: UniRila: um espaço de imanência de integração e de promoção de afecções acadêmicas no Corredor Bioceânico

A Rota Bioceânica ou Rota de Integração Latino-Americana representa uma imensa possibilidade de aproximação não apenas logística e comercial, como também de fluxos de conhecimentos acadêmicos. Nesse cenário, podemos dizer que a incompletude e a transformação das pessoas dependem das condições materiais e das pessoas com as quais interagimos. Essa afirmação traduz o processo pelo qual nós, pesquisadores da Rede Universitária da Rota de Integração Latino-Americana (UniRila), temos presenciado o processo de integração entre nossas universidades.

Consideramos ser oportuno dizer que o mundo moderno e a ciência são extremamente marcados pela racionalidade, e, com isso, o afeto é deixado em segundo plano. A capacidade de nos afetar e de sermos afetados é que nos torna humanos. Portanto, consideramos ser extremamente importante entender as dimensões dos afetos no contexto da integração acadêmica latino-americana. Desde Spinoza (2020), o afeto está ligado ao verbo afetar, aquilo que nos afeta, aquilo que mexe conosco, aquilo que nos move (seja positivamente, seja negativamente).

A partir da música “Todo Cambia”, da cantora do norte da Argentina Mercedes Sosa, nascida na província de Tucumán - região próxima à Rota Bioceânica -, buscamos mostrar como as afecções a partir dos encontros de corpos (música e leitor) podem fazer a nossa potência de existir aumentar ou diminuir. Chamamos atenção para o fato de que toda afecção demanda algo de nós e que toda nossa afecção faz nossa potência de existir variar.

Cambia lo superficial

Cambia también lo profundo

Cambia el modo de pensar

Cambia todo en este mundo

Cambia el clima con los años

Cambia el pastor su rebaño

Y así como todo cambia

Que yo cambie no es extraño

Cambia el más fino brillante

De mano en mano, su brillo

Cambia el nido el pajarillo

Cambia el sentir un amante

Cambia el rumbo el caminante

Aunque esto le cause daño

Y así como todo cambia

Que yo cambie no es extraño

Cambia, todo cambia

Cambia, todo cambia

Cambia, todo cambia

Cambia, todo cambia

[…]

A música cantada por Mercedes Sosa (1991) pode produzir diferentes sensações e emoções. Isso ajuda a explicar a relação de afecção que seria o encontro imediato, ou seja, o nosso encontro com a música e como nossa potência de existir e sentir pode ser aumentada ou diminuída. Essa relação entre afeto e música é explorada por Deleuze e Guattari (2020), ao responder ao seguinte questionamento: “A música que eu amo, isto quer dizer o que? Isto quer dizer as relações sonoras que se compõem com minhas reações […] eu ponho a música que amo - isto vai por si - compõe suas relações com as relações sonoras. É isso que significa a música que eu amo: minha potência é aumentada”. Nessa música, a letra de Julio Numhauser chama atenção para como as pessoas, as coisas e o mundo têm mudado com o tempo, mas representa, ainda, um canto de exilado que afirma que tudo pode mudar, menos o seu amor pelo país de origem. A partir da melodia e letra, poderíamos ser afetados de diferentes maneiras a depender do nosso contexto sócio-histórico.

A partir do circuito dos afetos de Safatle (2020), podemos nos questionar: como somos afetados? O visível, o sensível, o perceptível. O que sentimos, vivemos, percebemos e não percebemos? Como eu reajo a isso? A partir desses questionamentos, podemos refletir, como temos ao longo dos anos, considerada a nossa relação com as universidades latino-americanas. Podemos, ainda, questionar: como os nossos afetos estão muito relacionados a uma racionalidade e colonialidade que nos afeta negativamente em relato aos lugares de saberes pouco explorados e que têm tamanhas questões semelhantes locais?

Sobre essa racionalidade dos afetos, podemos dizer, conforme Safatle (2020), que somos causados por aquilo que vem de fora, o que me causa é o resultado de uma afeção, que me coloca em contato com outros corpos, que me coloca em circulação com outros corpos, que não é resultado de minha vontade e, portanto, não é uma concepção autônoma e pode ser uma experiência de servidão e irracionalidade. Feitos tais questionamentos, poderíamos, então, visualizar que, a partir da UniRila, podemos ser afetados e ter outros olhares para além das condições sócio-históricas e políticas em relação à integração acadêmica latino-americana que ao longo da história tem se instaurado.

O presente volume especial da revista Interações é rico em potências que alimentam as discussões em torno do Corredor Bioceânico. Consideramos que esta edição especial pode representar uma potência, um plano e imanência, conforme o pensamento de Deleuze e Guattari (2020, p. 45): “[...] o plano de imanência não é um conceito pensado ou pensável, mas a imagem do pensamento, a imagem que ele se dá do que significa pensar, fazer uso do pensamento, se orientar no pensamento”. Assim, consideramos que esta edição destinada ao Corredor Bioceânico se traduz em um espaço onde os conceitos se instauram de maneira consistente para momentos de afecções sob os olhares de sujeitos heterônimos que assinam cada artigo e são atravessados pelas sensibilidades acadêmicas e expertises governamentais.

Por fim, convidamos os leitores para o deleite deste volume temático.

Referências

• DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é filosofia Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Nunoz. 3. ed. 3. reimp. São Paulo: Editora 34 Ltda, 2020.
• SPINOZA. B. Ética Tradução de Tomaz Tadeu. 2. ed., 10. reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.
• SAFATLE, V. O circuito dos afetos: corpos policias, desamparo e o fim do indivíduo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.
• SOSA, Mercedes. Todo Cambia Composição: Julio Numhauser, 1991.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  24 Jan 2022
• Data do Fascículo
  Oct-Dec 2021