Resumo
Os quintais agroflorestais são áreas próximas às residências e manejadas, geralmente, por mão de obra familiar, sendo comuns nas regiões tropicais. São compostos por espécies agrícolas e florestais, combinadas com criações de pequenos animais. O estudo objetivou avaliar a estrutura e composição florística em quintais ribeirinhos da Ilha Saracá no Limoeiro do Ajuru, Pará. O estudo foi realizado em 15 propriedades familiares. Por meio de turnês guiadas, foram coletados dados para compor o inventário botânico de cada quintal, com a catalogação e contagem do número de cada indivíduo das espécies e o registro dos respectivos hábitos de crescimento e origem fitogeográfica. Por fim, foram realizadas análises dos parâmetros fitossociológicos (frequência, densidade e valor de importância). Os quintais apresentaram área média de 0,06 ha. Foram registradas 115 espécies distribuídas em 101 gêneros e 50 famílias botânicas, com destaque para Lamiaceae. A maior parte das espécies é de origem exótica, com predominância de espécies herbáceas. As espécies mais frequentes foram o açaí (Euterpe oleracea Mart.) e o cacau (Theobroma cacao L.), o que indica mudanças na forma de manejo tradicional para práticas consideradas modernas, com foco para comercialização.
Palavras-chave:
Amazônia; diversidade; ribeirinhos; sistemas agroflorestais; várzea
Abstract
Agroforestry homegardens are areas close to residences, usually managed by family labor, common in tropical regions. These systems are composed of agricultural and forest species associated with small animal breeding. The study aimed at evaluating the structure and floristic composition in riverine homegardens from the Saracá Island, in Limoeiro do Ajuru, Pará. The study was carried out on 15 family farms. Through guided tours, data were collected to compose the botanical inventory of each homegarden, with the cataloguing and counting of the number of individuals for each species, as well as the register of the respective growth habits and phytogeographic origin. Finally, phytosociological parameters (frequency, density, and importance value) were analyzed. Homegardens presented an average area of 0.06 ha. It was found the occurrence of 115 species distributed in 101 genera and 50 botanical families, with emphasis on Lamiaceae. Most species are from exotic origin, with predominance of herbaceous species. The most frequent species were açaí (Euterpe oleracea Mart.) and cacau (Theobroma cacao L.), which indicates changes in the traditional management form to practices considered modern, especially commercialization.
Keywords:
Amazon; diversity; riverside; agroforestry systems; floodplain
Resumen
Traspatios agroforestales son áreas cercanas a las viviendas y manejadas, generalmente, por mano de obra familiar, lo cual es común en las regiones tropicales. Están compuestas por especies agrícolas y forestales, combinadas con creaciones de pequeños animales. Estudio tuvo como objetivo evaluar la estructura y composición florística en los patios ribereños de la isla de Saracá en Limoeiro do Ajuru, Pará. El estudio se llevó a cabo en 15 fincas familiares. Através de visitas guiadas, se recolectaron datos para componer el inventario botánico, con la catalogación y conteo del número de cada individuo de la especie y el registro de los respectivos hábitos de crecimiento y origen fitogeográfico. Finalmente, se realizaron análisis de los parámetros fitosociológicos (frecuencia, densidad y valor de importancia). Los traspatios tuvieron una superficie promedio de 0,06 ha. Se registraron un total de 115 especies distribuidas en 101 géneros y 50 familias botánicas, con énfasis en Lamiaceae. La mayoría de las especies son de origen exótico, con predominio de las especies herbáceas. Las especies más frecuentes fueron el açaí (Euterpe oleracea Mart.) y el cacao (Theobroma cacao L.), lo que indica cambios en la forma tradicional de manejo para prácticas consideradas modernas, con foco en la comercialización.
Palabras clave:
Amazonas; diversidad; ribereños; sistemas agroforestales; llanura de inundación
1 INTRODUÇÃO
O quintal agroflorestal é considerado um tipo de sistema tradicional de produção, classificado como sistema agroflorestal (SAF), amplamente empregado nas regiões tropicais, onde é comumente praticado por famílias que vivem em zonas rurais, periurbanas e urbanas, sendo composto por diferentes espécies agrícolas e florestais, combinadas com criações de animais domésticos ou domesticados (Costantin, 2010).
Dessa forma, os quintais agroflorestais possuem um papel importante para a manutenção e salvaguarda da agrobiodiversidade, sendo uma ferramenta fundamental para a conservação da diversidade dos agroecossistemas familiares (Gervazio et al., 2022) reconhecida pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) (Brasil, 2000).
Ao considerar sua composição e diversidade, os quintais também podem complementar a renda familiar destas populações. Segundo Kabir e Webb (2009), a composição dos quintais é influenciada pela área do cultivo, destinação da produção, faixa etária dos agricultores, pelo grau de dedicação à agricultura e pelas diferentes influências externas aos agrossistemas. Na região amazônica, os quintais encontram-se próximos da casa e são geridos pela mão de obra familiar, em que se destaca a presença da mulher (Rayol; Miranda, 2017; Nascimento; Cristovão; Rayol, 2021).
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (Brasil, 2014), a agrobiodiversidade ou biodiversidade agrícola contempla componentes da biodiversidade que têm relevância para a agricultura e alimentação, assim como todos os componentes da biodiversidade que constituem os agroecossistemas. Para Machado, Santilli e Magalhães (2008), a agrobiodiversidade consiste em um recorte da biodiversidade, em que se dá um processo de interações e relações do manejo da diversidade dentre e entre espécies, conhecimentos tradicionais e manejo de diferentes agroecossistemas. O conceito abrange também sistemas agrícolas, florestais e pecuários, além de espécies utilizadas na obtenção de combustíveis, fibras e medicamentos (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura [FAO], 2005; Casas; Vallejo, 2019).
Partindo desse aspecto, a agrobiodiversidade conduzida pelas populações amazônicas, sendo esta representada pelas práticas produtivas agroextrativistas e a diversidade vegetal silvestre, reflete uma relação íntima entre a agricultura na região e as suas florestas marcantes e características, o que dificulta diferenciar o que é cultivado e o que é silvestre (Silva Júnior; Santos; Sablayrolles, 2013).
Observa-se que sistemas agroflorestais como os quintais podem contribuir para assegurar a sustentabilidade agrícola e possibilitar qualidade de vida para seus moradores (Almeida; Gama, 2014; Gervazio et al, 2022). De acordo com os mesmos autores, fica evidente a sua importância como meio de manutenção da vida, para promover a segurança alimentar e a otimização do uso da terra, em que sua base não se firma no desmatamento e no uso agrícola excessivo.
Apesar de ser estudado de forma ampla, esse sistema necessita de investigações que contemplem pontos de vista como o florístico, o estrutural, o edáfico, o ecológico, o socioeconômico e o cultural (Florentino; Araújo; Albuquerque, 2007). O investimento em pesquisas relacionadas a quintais agroflorestais pode vir a orientar políticas públicas e ações que sejam efetivas e que, aliadas ao enfoque participativo, possibilitem minimizar os efeitos da perda da agrobiodiversidade (Machado; Santilli; Magalhães, 2008).
Visando compreender o papel dos quintais agroflorestais na manutenção da agrobiodiversidade, em um contexto de mudanças que a região amazônica se encontra, este estudo teve como objetivo avaliar a composição florística de quintais agroflorestais de famílias ribeirinhas da Ilha Saracá, Limoeiro do Ajuru, Pará.
2 METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada em quintais agroflorestais de famílias ribeirinhas da comunidade Ilha Saracá, pertencente ao município de Limoeiro do Ajuru, localizado na região do Baixo Tocantins do estado do Pará. O levantamento foi realizado durante o período de agosto de 2019. A comunidade está situada sob as coordenadas geográficas 1° 58’ 10’’ S e 49° 20’ 34’’ W, localizada em pleno estuário amazônico, na confluência do Rio Tocantins com o Rio Pará (Figura 1).
A Ilha Saracá possui características de várzea, onde ocorre a enchente das marés que dominam de forma marcante a paisagem. Sua hidrografia apresenta estreitos furos e igarapés, tendo o Igarapé Grande como rio principal, em que o leito possui aproximadamente 30 metros de largura e a navegação é realizada em barcos, rabetas e canoas (Chaves et al., 2015; Gonzaga, 2022), sendo o principal meio de acesso à comunidade.
A comunidade é constituída por 709 habitantes e 189 famílias, de acordo com informantes locais. A economia local é baseada principalmente na atividade pesqueira e na extração de açaí e, em menor grau, na criação de pequenos animais, bem como no cultivo de pequenas hortas. Assim como outras comunidades amazônicas, o modo de vida local é influenciado pela dinâmica do seu rio principal e pelas estações do ano, tradicionalmente conhecidas como inverno e verão amazônicos (Chaves et al., 2015; Gonzaga, 2022).
Para a coleta dos dados, foi realizada a seleção das unidades familiares pelo método não probabilístico denominado técnica “bola de neve” (Bailey, 1994), considerando aqueles quintais que estivessem estabelecidos e em plena atividade (Figura 2). Assim, foram selecionados 15 quintais conforme a permissão de acesso aos quintais dos respectivos chefes familiares de cada unidade familiar; dessa forma, o total de participantes corresponde ao total de quintais visitados.
Após isso, foram realizadas turnês guiadas (Albuquerque; Lucena; Cunha, 2010) no entorno, para reconhecer as espécies existentes no local. Os dados obtidos foram registrados em cadernos de campo e, como complemento, foram também realizados registros fotográficos para auxiliar na identificação das espécies. A análise dos dados foi efetuada com base no método analítico sintético, utilizando-se uma abordagem qualiquantitativa.
Para o levantamento da composição florística, foi realizado o inventário botânico de cada quintal, com o registro das espécies e a contagem do número de indivíduos de cada espécie. As plantas foram categorizadas de acordo com uso principal, hábito (arbóreo, arbustivo, herbáceo e lianescente), origem (nativa do Brasil ou exótica) e forma de ocorrência no quintal (cultivada e/ou espontânea). Também se deu o registo das criações de animais domésticos ou domesticados.
O sistema de classificação taxonômico utilizado para a identificação das espécies foi o Angiosperm Phylogeny Group (APG IV) (APG, 2016), e os nomes científicos, a origem e o hábito das espécies foram conferidos a partir das bases de dados Flora do Brasil (2020) e Tropicos (2021). Foram classificadas como nativas as espécies encontradas naturalmente no Brasil e exóticas aquelas provenientes de outras partes do mundo. As espécies que se propagaram sem intervenção humana direta foram consideradas espontâneas.
A frequência das espécies nos quintais amostrados foi calculada por meio da frequência absoluta (FA) e frequência relativa (FR). De acordo com Felfili e Rezende (2003), a frequência absoluta da espécie i (Fai %) informa a relação entre o número de parcelas em que determinada espécie ocorre e o número total de parcelas amostradas, onde: FAi = (Pi/P)×100, sendo: Pi = Número de parcelas com ocorrência da espécie i; P = Número total de parcelas. A frequência relativa (FR%) permite demonstrar a relação entre a frequência absoluta de determinada espécie com a soma das frequências absolutas de todas as espécies, onde: FR = (FAi/FA)×100, sendo: FAi = Frequência absoluta da espécie i e FA = Somatória das frequências absolutas de todas as espécies consideradas no levantamento. No presente estudo, cada quintal foi considerado como uma parcela. A tabulação e os cálculos de frequência foram realizados em planilhas eletrônicas.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Observou-se que os 15 quintais agroflorestais visitados apresentam criação de pequenos animais, como galinhas, patos e suínos (Figura 3). No entanto, não foi registrada atividade comercial expressiva que envolva esses animais; ou seja, eles apenas compõem a dieta dos moradores da ilha e contribuem para sua subsistência.
Criação de pequenos animais nos quintais agroflorestais da Ilha Saracá, Limoeiro do Ajuru, Pará
Contudo, algumas famílias costumam realizar vendas pontuais desses animais, geralmente entre familiares e vizinhos mais próximos. Tendo em vista que essa é uma atividade comum em quintais agroflorestais, Costa et al. (2017) e Nascimento et al. (2021) também observaram a criação de animais de pequeno porte, da qual se deriva o consumo dos ovos e a venda das galinhas nas feiras locais da zona rural do município de Parauapebas, Pará, bem como em quintais agroflorestais de uma comunidade rural em Moju, também no Pará.
Em relação à área dos 15 quintais visitados, foi observado que a maioria tem pequenas dimensões totais. A área média das propriedades rurais estudadas é de 4,2 ha, com variação entre 2 a 7 ha. A área dos quintais varia entre 0,075 a 0,12 ha, com uma média de 0,06 ha. Cerca de 47% dos lotes possuem quintais com até 0,05 ha e 53% possuem área igual ou maior a 0,06 ha. Foi verificado que a soma da área total das 15 propriedades correspondeu a 63 ha, e a soma da área ocupada com os quintais agroflorestais foi de 0,92 ha. A proporção média da área ocupada pelos quintais agroflorestais em relação à área total dos lotes é de 1,5%, variando entre 0,5 a 3,75%, sendo apenas essa porcentagem da área total destinada ao cultivo nos quintais.
A área ocupada e o crescimento dos quintais da Ilha Saracá podem estar relacionados a diversos fatores, sendo o principal deles determinado pelo objetivo de produção dos cultivos de seus moradores. Além disso, a força de trabalho disponível é outro fator limitante para a expansão e o desenvolvimento dos quintais do local. Devido ao número reduzido de moradores por lote, em alguns casos com idade avançada, o aproveitamento da área torna-se difícil de contemplar as atividades que requerem mão de obra intensa. Nestes casos, acontece limitada expansão e manutenção dos quintais.
Alguns quintais de outras localidades apresentam dimensões aproximadas às encontradas nas propriedades da Ilha Saracá, o que mostra ser um fato comum na região. Garcia, Vieira e Oliveira (2015), ao analisarem quintais em uma comunidade do município de Santarém, no Pará, encontraram amplitude de área entre 0,01 ha e 1,02 ha, com a média igual a 0,17 ha. Ao analisar quintais no município de Abaetetuba, no mesmo estado, Gonçalves e Lucas (2017) verificaram que eles possuíam entre 0,002 a 15 ha.
Em relação à composição florística, foram identificadas 115 espécies distribuídas em 101 gêneros e 50 famílias. As famílias botânicas mais representativas foram: Lamiaceae (dez espécies), Asteraceae (oito espécies) e Euphorbiaceae (sete espécies) (Figura 4). Em seu estudo realizado na comunidade Ramal do Bacuri, em Abaetetuba, Pará, Gonçalves e Lucas (2017) também observaram a família Lamiaceae como a mais representativa. Em estudo de Dardaengo et al. (2022), realizado em quintais agroflorestais da Amazônia mato-grossense, a família Lamiaceae também foi destaque.
Famílias botânicas registradas nos quintais agroflorestais da Ilha Saracá, Limoeiro do Ajuru, Pará
O conjunto de espécies presentes nos 15 quintais avaliados é constituído principalmente por espécies exóticas e com diferentes hábitos de crescimento (Tabela 1). Essa alta diversidade de espécies vegetais também já foi registrada em outros estudos na região Norte (Costa et al., 2017; Rayol; Miranda, 2017; Silva et al., 2017; Silva et al., 2018a; Pauletto et al., 2020; Deveza et al., 2024).
Levantamento florístico contendo nome popular, uso principal, origem, hábito, a frequência absoluta (FA) e frequência relativa (FR) das espécies vegetais registradas nos quintais agroflorestais da Ilha Saracá, Limoeiro do Ajuru, Pará
Quintais agroflorestais são vistos com grande relevância quando relacionados a conservação da agrobiodiversidade, pois contribuem com a manutenção da base genética in situ por meio do cultivo de espécies nativas (Florentino; Araújo; Albuquerque, 2007; Gervasio et al., 2022). Esses quintais são ambientes agroecológicos onde a família implanta e maneja sistemas diversificados de cultivo (Machado, Santilli e Magalhães, 2008; Nascimento et al., 2024) para o seu benefício e, consequentemente, do meio ambiente que os cerca.
Nos quintais da ilha, 63% das plantas catalogadas são cultivadas (73 espécies) pelos moradores, 22% ocorrem de forma espontânea (25 espécies) e as demais espécies registradas são encontradas em ambas as formas, o que corresponde a 15% (17 espécies). Silva et al. (2018b), ao observarem a agrobiodiversidade em quintais agroflorestais urbanos de três municípios da região sul do Amazonas, registraram que 91% das espécies foram introduzidas no agroecossistema de forma planejada e 9% são remanescentes da vegetação original ou de estabelecimento espontâneo, indo de encontro ao registrado neste estudo. Em estudo realizado por Matos Filho et al. (2021), em quintal agroflorestal rural da Amazônia Oriental, também foi observado que a maioria das espécies registradas são obtidas pelo cultivo (65,85%) nos quintais.
Devido às inúmeras atividades e diferentes finalidades destinadas ao uso das plantas que ocorrem nos quintais, os agricultores acabam escolhendo de forma mais específica quais espécies serão cultivadas, para o seu benefício em relação às espécies espontâneas que aparecem de forma menos expressiva no presente estudo.
Em relação ao hábito de crescimento das plantas inventariadas, 37% das espécies são de hábito herbáceo (42 espécies) (Figura 5). Assim, as herbáceas foram predominantes, pois puderam ser encontradas facilmente por todo terreno e nas hortas com amplo uso dos moradores. A partir disso, considera-se que essas espécies encontram um ambiente amplamente adequado para se estabelecer, pois a cobertura florestal característica do local permite a formação de nichos para as espécies de menor porte.
Hábito de crescimento das espécies vegetais registradas nos quintais agroflorestais da Ilha Saracá, Limoeiro do Ajuru, Pará
Destaca-se também as espécies de hábito arbóreo, as quais representam 35% das plantas inventariadas (40 espécies), o que pode ser atribuído ao fato de os quintais inventariados serem um sistema agroflorestal multiestratificado, com o consórcio de várias espécies. Desse modo, o papel das árvores é importante por fornecer conforto térmico e sombra aos moradores. Para Pompeu, Kato e Almeida (2017), quanto às árvores, os agricultores familiares expressaram percepção muito particular, pois as consideram componentes fixos dos sistemas, os quais pretendem deixar para as futuras gerações.
De modo geral, as espécies apresentam uma baixa frequência absoluta de ocorrência nos quintais avaliados. Uma planície inundável é dominada por poucas espécies, sendo que, em algumas situações, tais espécies apresentam-se com um elevado número de indivíduos (Anderson, 1991; Padoch et al., 2000 apudSantos, 2018). Plantas que agregam o fornecimento de alimento à prestação de serviços (como sombra, por exemplo) são de grande interesse de seus mantenedores (Rayol; Miranda, 2017).
Assim, das 115 espécies catalogadas, a presença de 40 delas foi registrada em até três quintais, isto é, uma ocorrência de 10% a 20%, enquanto 62 espécies foram registradas entre quatro a nove quintais, sendo uma frequência que varia de 30% a 50% nos quintais (Figura 6).
Classes representativas da frequência de ocorrência de espécies vegetais registradas nos quintais agroflorestais da Ilha Saracá, Limoeiro do Ajuru, Pará
Seguindo essa tendência de baixa frequência, apenas 13 espécies foram registradas na faixa entre 10 a 13 quintais visitados, por registrarem frequência de ocorrência igual ou maior que 60%. As espécies registradas com maior frequência foram açaí (Euterpe oleraceae Mart.) e cacau (Theobroma cacao L.) (Tabela 1). Essas espécies, além de servirem como fonte de alimentação suplementar, fornecem oportunidades de geração de renda, por isso são comuns nos quintais amazônicos (Batista; Barbosa, 2014), sendo as frutíferas mais comercializadas pelos ribeirinhos.
Por ser a espécie frutífera mais comercializada pelos ribeirinhos, é importante ressaltar que a prioridade de cultivo dada ao açaí se deve pela alta demanda pelo mercado consumidor, pelo fácil acesso aos locais de plantio, pelo rápido crescimento e pela pouca competição devido à demanda dos frutos ser maior que a oferta, o que resulta, muitas vezes, em preços altos na sua venda.
As espécies mais importantes neste estudo são comuns nos quintais amazônicos, e outros estudos também relatam sua predominância nos levantamentos (Matos et al., 2016; Costa et al., 2017). O destaque a essas espécies pode ser atribuído ao grande potencial econômico na região do nordeste paraense, onde seu excedente é utilizado para a complementação da renda dos agricultores. Além disso, elas contam com alto valor nutricional, sendo indispensáveis para a alimentação humana (Silva; Aguiar, 2024).
A variedade das frutíferas no local de estudo exerce papel importante para a segurança alimentar da comunidade, pois proporciona uma alimentação mais saudável e livre de defensivos agrícolas, o que contribui para maior longevidade dos moradores (Souza et al., 2017) e assegura a diversidade local, sendo benéfico para o agroecossistema e seus mantenedores (Matos Filho et al., 2021).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As espécies vegetais inventariadas neste estudo apresentam-se como representantes do bioma Amazônia, amplamente encontrados em áreas de matas ciliares e em floresta secundária. A maioria das espécies registradas tem hábito de crescimento herbáceo, são cultivadas e a sua origem é exótica. De modo geral, as espécies apresentaram uma baixa frequência de ocorrência nos quintais. Esse cenário indica algumas mudanças gradativas de formas de manejo tradicionais para práticas consideradas modernas, com foco para comercialização das culturas de alto rendimento, como açaí e cacau, que são as registradas com mais frequência nos quintais visitados.
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TRÓPICOS. Missouri Botanical Garden 2021. Disponível em: https://tropicos.org Acesso em: 31 maio 2023.
» https://tropicos.org
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
18 Mar 2024 -
Aceito
13 Fev 2025 -
Aceito
13 Fev 2025







Fonte: Pesquisa de campo, 2019.
Fonte: Pesquisa de campo, 2019.
Fonte: Pesquisa de campo, 2019.
Fonte: Pesquisa de campo, 2019.
Fonte: Pesquisa de campo, 2019.
Fonte: Pesquisa de campo, 2019.