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Interdependências e trade-offs entre os objetivos do desenvolvimento sustentável: avaliação de municípios brasileiros pelas três dimensões da sustentabilidade1 1 Este artigo foi elaborado com a participação de pesquisadores de diferentes áreas, de modo a conceber um caráter interdisciplinar ao estudo, indispensável à discussão do desenvolvimento sustentável. Neste sentido, foi fundamental a participação dos seis autores envolvidos na elaboração do texto, visto tratar-se de um tema interdisciplinar em que todos colaboraram efetivamente com sua expertise, nas diferentes áreas que compuseram o estudo.

Interdependencies and trade-offs among the sustainable development goals: evaluation of Brazilian municipalities by the three dimensions of sustainability

Interdependencias y trade-offs entre los objetivos del desarrollo sostenible: evaluación de los municipios brasileños por las tres dimensiones de la sostenibilidad

Resumo

Este estudo tem o objetivo de identificar as interdependências e trade-offs presentes entre os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS), por meio da ordenação de uma amostra aleatória de 30 municípios nas cinco regiões do Brasil, considerando as dimensões social, econômica e ambiental da sustentabilidade e utilizando indicadores relacionados aos ODS. Os indicadores foram integrados por meio da Composição Probabilística de Preferências (CPP), um método probabilístico multicritério de apoio à decisão. Os resultados mostram que os municípios alternam posições superiores, inferiores ou intermediárias entre os diferentes indicadores e que nenhum obtém o melhor desempenho em todas as atividades avaliadas. O estudo forneceu uma percepção de como a efetivação das metas da Agenda 2030 se dá de forma heterogênea em diferentes regiões do Brasil. As contradições existentes entre os ODS, devido à relação de interdependência entre eles, mostraram que bons desempenhos em alguns indicadores não são suficientes para configurar um município como sustentável.

Palavras-chave
objetivos do desenvolvimento sustentável; sustentabilidade; municípios

Abstract

This study aims to identify the interdependencies and trade-offs present among the sustainable development goals (SDGs) by ordering a random sample of 30 municipalities in the five regions of Brazil, considering the social, economic, and environmental dimensions of sustainability and using indicators related to SDGs. The indicators were integrated through the Probabilistic Composition of Preferences (CPP), a multicriteria probabilistic decision support method. The results show that the municipalities alternate upper, lower, or intermediate positions among the different indicators and that none obtains the best performance in all the activities evaluated. The study provided a perception of how the implementation of the Agenda 2030 is heterogeneous in different regions of Brazil. The contradictions among the SDGs, due to their interdependent relationship, showed that good performance in some indicators is not enough to make a municipality sustainable.

Keywords
sustainable development goals; sustainability; municipality

Resumen

Este estudio tiene el objetivo de identificar las interdependencias y trade-offs entre los objetivos del desarrollo sostenible (ODS) ordenando una muestra aleatoria de 30 municipios en las cinco regiones de Brasil, considerando las dimensiones sociales, económicas y ambientales de la sostenibilidad y utilizando indicadores relacionados con los ODS. Los indicadores se integraron a través de la Composición Probabilística de Preferencias (CPP), un método de apoyo de decisión probabilístico multicriterio. Los resultados muestran que los municipios alternan posiciones superiores, inferiores o intermedias entre los diferentes indicadores y que ninguno obtiene el mejor desempeño en todas las actividades evaluadas. El estudio proporcionó una percepción de cómo la implementación de la Agenda 2030 es heterogénea en diferentes regiones de Brasil. Las contradicciones entre los ODS, debido a su relación interdependiente, mostraron que el buen desempeño en algunos indicadores no es suficiente para que un municipio sea sostenible

Palabras clave
objetivos del desarrollo sostenible; sostenibilidad; municipio

1 INTRODUção

As atividades humanas pressionam o meio ambiente em todos os países, alterando os processos biológicos, físicos e químicos dos sistemas naturais e exigindo soluções que reduzam os efeitos da degradação ambiental. Entretanto, ao longo dos anos, o paradigma tradicional do desenvolvimento foi o crescimento econômico sem preocupação com os impactos ambientais (PRADHAN et al., 2017PRADHAN, P.; COSTA, L.; RYBSKI, D.; LUCHT, W.; KROPP J. P. A Systematic Study of Sustainable Development Goal (SDG) Interactions. Earth’s Future, Washington, v. 5, p. 1169-79, 2017.). A alternativa ao modelo tradicional de progresso é o desenvolvimento sustentável, cuja definição mais conhecida é o atendimento às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as futuras gerações atenderem às suas necessidades (LARA; OLIVEIRA, 2017LARA, L. G. A.; OLIVEIRA, S. A. A ideologia do crescimento econômico e o discurso empresarial do desenvolvimento sustentável. Cadernos EBAPE, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 326-48, 2017.). Entretanto essa definição tem sido criticada por sua visão antropocêntrica, em que a preservação da natureza se justificaria para garantir o bem-estar das gerações presentes e futuras, não expressando uma preocupação com o ambiente (BREUER; JANETSCHEK; MALERBA, 2019BREUER, A.; JANETSCHEK, H.; MALERBA, D. Translating Sustainable Development Goals (SDG) interdependencies into policy advice. Sustainability, Basel, v. 11, n. 7, p. 1-20, 2019.). No entanto uma das dimensões essenciais do ideal de desenvolvimento continua a ser o crescimento econômico. Como são pouquíssimos os países que poderiam optar por prosperidade sem crescimento, a maioria deles precisa crescer, e as economias emergentes devem enfrentar o desafio de melhorar seus modelos de crescimento (VEIGA, 2017VEIGA, J. E. A primeira utopia do antropoceno. Ambiente & Sociedade, Campinas, v. 20, n. 2, p. 233-52, 2017.). Algumas correntes defendem a proposição de modelos que mantêm a lógica da necessidade de crescimento econômico, ainda que por meio do consumo de recursos finitos (LARA; OLIVEIRA, 2017LARA, L. G. A.; OLIVEIRA, S. A. A ideologia do crescimento econômico e o discurso empresarial do desenvolvimento sustentável. Cadernos EBAPE, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 326-48, 2017.). Para outros, o crescimento econômico pode ampliar o consumo de bens e serviços de forma responsável e sustentável, condicionado pelas limitações do ambiente e inovando em tecnologias de produção mais eficientes e limpas (RUEDIGER et al., 2018RUEDIGER, M. A.; JANNUZZI, P. M.; MEIRELLES, B.; PIMENTEL, J. Políticas públicas para o desenvolvimento sustentável: dos mínimos sociais dos objetivos de desenvolvimento do milênio à agenda multissetorial e integrada de desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: FGV-DAPP, 2018. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/20528. Acesso em: 20 jul. 2019.
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).

A Agenda 2030 é um compromisso global que segue essa orientação. Visa criar um novo modelo de desenvolvimento conciliando o crescimento econômico com o desenvolvimento. Estabelece os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS), que incluem, por exemplo, a erradicação da pobreza, a segurança alimentar, o acesso à saúde, à água e ao saneamento, harmonizando o progresso econômico, social e tecnológico com a natureza e procurando reduzir a degradação ambiental (FUKUDA-PARR, 2016FUKUDA-PARR, S. From the millennium development goals to the sustainable development goals: shifts in purpose, concept, and politics of global goal setting for development. Gender & Development, Oxford, v. 24, n. 1, p. 43-52, 2016.). Em contraste com as agendas de desenvolvimento convencionais que se concentram em um conjunto restrito de dimensões, os ODS fornecem uma visão holística e multidimensional do desenvolvimento (PRADHAN et al., 2017PRADHAN, P.; COSTA, L.; RYBSKI, D.; LUCHT, W.; KROPP J. P. A Systematic Study of Sustainable Development Goal (SDG) Interactions. Earth’s Future, Washington, v. 5, p. 1169-79, 2017.).

Embora o conceito de crescimento econômico esteja explícito no objetivo 8 deste compromisso, a maior ênfase dos ODS é voltada para o direito humano ao desenvolvimento, assegurando que as gerações futuras possam ter ainda mais direitos e oportunidades do que as atuais (VEIGA, 2017VEIGA, J. E. A primeira utopia do antropoceno. Ambiente & Sociedade, Campinas, v. 20, n. 2, p. 233-52, 2017.). O desenvolvimento sustentável, no contexto da Agenda 2030, compreende a conquista de patamares civilizatórios mais elevados nas perspectivas econômica, social e ambiental, destacando valores humanos como dignidade, equidade e coesão social, respeito à diversidade e sustentabilidade ambiental (RUEDIGER et al., 2018RUEDIGER, M. A.; JANNUZZI, P. M.; MEIRELLES, B.; PIMENTEL, J. Políticas públicas para o desenvolvimento sustentável: dos mínimos sociais dos objetivos de desenvolvimento do milênio à agenda multissetorial e integrada de desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: FGV-DAPP, 2018. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/20528. Acesso em: 20 jul. 2019.
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). Todavia o desenvolvimento dos municípios e das microrregiões brasileiras no âmbito da Agenda 2030 é certamente um dos grandes desafios a serem enfrentados nos próximos anos. A economia brasileira é de grande porte, complexa e diversificada. Embora esteja entre as dez maiores do mundo, ainda traz marcas do subdesenvolvimento e de vulnerabilidade. O país dispõe de setores dinâmicos, como o agronegócio e a indústria extrativa, que estão mais presentes no interior. A indústria de transformação, embora ainda seja uma das maiores do mundo, passa por dificuldades e ainda é muito concentrada nas capitais e regiões metropolitanas (MACEDO; PORTO, 2018MACEDO, F. C.; PORTO, L. R. Existe uma política nacional de desenvolvimento regional no Brasil? Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, v. 14, n. 2, p. 605-31, 2018.). O atendimento a demandas da sociedade, como o acesso à saúde e ao saneamento, é heterogêneo entre os mais de 5.000 municípios. Enquanto alguns exibem bons indicadores de atendimento de saúde e saneamento básico, em outros há escassez de unidades de saúde, coleta e tratamento de esgoto (SILVA et al., 2018).

Nesse cenário, o alcance das metas dos ODS adquire um nível maior de complexidade em função das diferenças entre os municípios, mas também do desempenho do município em cada uma das perspectivas do desenvolvimento sustentável. Como todos os ODS estão intimamente relacionados, há sinergias quando as conquistas de um objetivo produzem efeitos positivos que contribuem para o progresso de outro. Entretanto esta interdependência resulta também em trade-offs caracterizados por situações em que um ODS produz efeitos prejudiciais a outros objetivos (BREUER; JANETSCHEK; MALERBA, 2019BREUER, A.; JANETSCHEK, H.; MALERBA, D. Translating Sustainable Development Goals (SDG) interdependencies into policy advice. Sustainability, Basel, v. 11, n. 7, p. 1-20, 2019.). O objetivo seis, por exemplo, visa melhorar a qualidade da água, aumentar o acesso ao saneamento e melhorar a gestão dos recursos hídricos, entretanto está relacionado com todos os demais ODS, devido aos múltiplos usos da água em todas as atividades humanas (BHADURI et al., 2016BHADURI, A. et al. Achieving sustainable development goals from a water perspective. Frontiers in Environmental Science, London, v. 4, n.64, p. 1-13, 2016.). Neste sentido, os trade-offs constituem obstáculos para alcançar o desenvolvimento sustentável e precisam ser identificados e avaliados entre os diversos ODS (PRADHAN et al., 2017PRADHAN, P.; COSTA, L.; RYBSKI, D.; LUCHT, W.; KROPP J. P. A Systematic Study of Sustainable Development Goal (SDG) Interactions. Earth’s Future, Washington, v. 5, p. 1169-79, 2017.).

Este estudo busca demonstrar como os trade-offs presentes entre alguns ODS podem influenciar o processo de desenvolvimento sustentável dos municípios no âmbito da Agenda 2030. A pergunta condutora desta pesquisa foi: o progresso nos ODS relacionados às dimensões econômica e social embute contrapartidas ambientais que podem comprometer a sustentabilidade dos municípios?

Optou-se por investigar o tema ordenando trinta municípios, das cinco regiões do país, pelo seu desenvolvimento em cada dimensão da sustentabilidade e pela avaliação simultânea nas três dimensões. Foram utilizados indicadores de atividades econômicas e sociais relacionadas aos ODS e a suas contrapartidas ambientais, com o foco sobre os recursos hídricos (ODS 6).

2 OS OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Os ODS são representados por um grande número de metas e indicadores interligados. A produção de alimentos (ODS 2), por exemplo, pode ser afetada pela escassez de recursos hídricos (ODS 6) e degradação do solo (ODS 15), levando a possíveis conflitos agrários com a violação dos direitos de propriedade (ODS 1 e 5) (BREUER; JANETSCHEK; MALERBA, 2019BREUER, A.; JANETSCHEK, H.; MALERBA, D. Translating Sustainable Development Goals (SDG) interdependencies into policy advice. Sustainability, Basel, v. 11, n. 7, p. 1-20, 2019.).

O objetivo 6 garante disponibilidade e gestão sustentável de água e saneamento e, entre as maiores preocupações ambientais globais, três têm relação direta com a disponibilidade dos recursos hídricos: o consumo de água doce, a poluição química e o desmatamento (VEIGA, 2017VEIGA, J. E. A primeira utopia do antropoceno. Ambiente & Sociedade, Campinas, v. 20, n. 2, p. 233-52, 2017.). O objetivo 2 dispõe sobre o direito humano à alimentação, buscando acabar com a fome e promover uma agricultura sustentável. A agricultura, além de contribuir para aumentar o rendimento e o emprego nas zonas rurais, é imprescindível para alcançar a segurança alimentar. No entanto esta atividade consome cerca de 70% da água disponível e, devido ao seu uso intensivo na irrigação, compromete as reservas de água (ASSOULINE et al., 2015ASSOULINE, S.; RUSSO, D.; SILBER, A.; OR, D. Balancing water scarcity and quality for sustainable irrigated agriculture. Water Resources Research, Washington, v. 51, n. 5, p. 3419-36, 2015.). O objetivo 3 aborda o acesso aos serviços de saúde e medicamentos, entretanto os efluentes hospitalares, por exemplo, são fontes de contaminação por meio da inserção de resíduos de fármacos no ambiente aquático (SILVA et al., 2018SILVA, R. F.; MOURA, L. L.; GAVIÃO, L. O.; LIMA, G. B. A.; BIDONE, E. D. Avaliação do potencial de contaminação de águas com fármacos oncológicos em municípios da região Sul do Brasil. Revista Gestão & Sustentabilidade Ambiental, Florianópolis, v. 7, n. 1, p. 275-99, 2018.). O objetivo 1 visa erradicar a pobreza extrema e o objetivo 8 busca promover o crescimento econômico inclusivo e sustentável. Porém atividades como indústria, mineração, pecuária, comércio, transporte e serviços de saúde movimentam a economia, gerando emprego e renda. Por outro lado, aumentam a geração de resíduos, emissão de poluentes, desmatamento e escassez de água, que exercem pressão e alteram o estado dos sistemas ambientais nas bacias hidrográficas. Portanto a satisfação dos direitos previstos na Agenda 2030, como emprego, alimentação, saúde e habitação, entre outros, depende de atividades socioeconômicas que podem exercer ações antrópicas sobre o meio ambiente (MORI; YAMASHITA, 2015MORI, K.; YAMASHITA, T. Methodological framework of sustainability assessment in City Sustainability Index (CSI): a concept of constraint and maximisation indicators. Habitat International, Manchester, v. 45, n. 1, p. 10-14, 2015.).

3 METODOLOGIA

Trata-se de um estudo qualiquantitativo, no qual os indicadores econômicos, de saúde e saneamento de municípios localizados nas cinco regiões brasileiras, referentes ao ano de 2016, foram coletados por meio de pesquisa bibliográfica e documental e avaliados por um método de apoio multicritério à decisão de estabelecer um ranking final de sustentabilidade. Foram ordenados trinta municípios brasileiros em relação às três dimensões da sustentabilidade (econômica, social e ambiental), utilizando indicadores de atividades relacionadas aos ODS 1, 2, 3, 6 e 8.

Os indicadores, suas definições, relações com os ODS e impacto (positivo ou negativo) sobre as dimensões da sustentabilidade estão consolidados na Tabela 1. Os indicadores I1, I2, I3 e I4 foram obtidos do banco de dados de saneamento público (BRASIL, 2019BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Regional. Sistema nacional de informações sobre saneamento. Brasília: MDR, 2019. Disponível em: http://www-snis.gov.br/aplicacao-web-serie-historica. Acesso em: 15 ago. 2019.
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). Os indicadores I5 e I6 foram obtidos da base de dados de saúde pública (BRASIL, s.d.BRASIL. Ministério da Saúde. Assistência à saúde. [s.l.], [s.d.]. Brasília: MS, 2019 Disponível em: https://datasus.saude.gov.br/ Acesso em: 15 ago. 2019.
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) e os indicadores I7, I8 e I9 foram obtidos a partir da base de dados geográficos e estatísticos públicos (IBGE, 2019ANDERSSON, K.; DICKIN, S.; ROSEMARIN, A. Towards sustainable sanitation: challenges and opportunities in urban areas. Sustainability, Basel, v. 8, n. 12, p. 1-14, 2016.).

Tabela 1
Indicadores, definições e relação com os ODS e dimensões da sustentabilidade

O saneamento é um dos pilares do objetivo seis. O desempenho dos municípios em relação ao saneamento foi medido pela parcela da população atendida por água potável e coleta de esgoto e pelo volume de esgoto coletado e tratado.

O atendimento hospitalar e o atendimento aos pacientes oncológicos, pelo sistema público de saúde, são indicadores que representam uma amostra do nível de acesso aos serviços públicos de saúde. O acesso universal a estes serviços é previsto na Constituição Federal, que estabelece a saúde como direito de todos e dever do Estado, e também na Agenda 2030, por meio do objetivo três.

Os indicadores das atividades relacionadas aos objetivos 1, 2 e 8 utilizados no estudo foram os valores do Produto Interno Bruto (PIB) municipal desagregado. Consideraram-se os valores agregados brutos, a preços correntes, dos três principais setores de atividade econômica: agropecuária, indústria e serviços.

3.1 Área do estudo

Foi utilizada uma amostra de 30 municípios selecionados aleatoriamente, em 15 estados, de todas as regiões do país. O critério de inclusão foi a localização no interior e a participação na rede de atendimento oncológico do Sistema Único de Saúde (SUS). Esta rede estabelece uma unidade de tratamento para uma população de 500.000 habitantes distribuída entre os estados da Federação. A Figura 1 mostra as regiões do país e a localização dos municípios selecionados.

Figura 1
Municípios selecionados para o estudo

3.2 Metodologia multicritério de apoio à decisão

A ordenação dos municípios foi estabelecida por uma metodologia multicritério de apoio à decisão. Esses métodos apresentam peculiaridades, vantagens e desvantagens, em função da natureza do problema a solucionar, não havendo um método universal para aplicação a um problema de decisão (PARRACHO SANT’ANNA, 2015PARRACHO SANT’ANNA, A. Probabilistic composition of preferences, theory and applications. 2. ed. Switzerland: Springer International Publishing, 2015.).

A avaliação dos municípios nas três dimensões da sustentabilidade constitui um sistema complexo de indicadores, em que cada um contribui de forma diferente para o resultado final. Os indicadores não possuem correlação entre si e são avaliados positiva ou negativamente em mais de uma dimensão. Este estudo adotou a composição probabilística por preferências (CPP), um método multicritério probabilístico, com aplicações nas mais diversas áreas do conhecimento, e seus fundamentos estão descritos na publicação “Composição probabilística de preferências, teoria e aplicações” (PARRACHO SANT’ANNA, 2015PARRACHO SANT’ANNA, A. Probabilistic composition of preferences, theory and applications. 2. ed. Switzerland: Springer International Publishing, 2015.).

O método determina as preferências, entre as alternativas, de acordo com cada indicador e entre os indicadores. Permite a preferência por municípios com o melhor desempenho em todos os indicadores. Entretanto aqueles com o melhor desempenho em pelo menos um indicador podem também ser escolhidos, assim como os que não obtiveram o pior desempenho em todos os indicadores ou em pelo menos um indicador.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Avaliação dos municípios pelos indicadores

Os indicadores dos municípios e os respectivos valores médios compõem a matriz de decisão apresentada na Tabela 2.

Tabela 2
Matriz de decisão com os indicadores da Tabela 1

Os dados coletados não indicam qual município obtém o melhor desempenho em todos os indicadores. Os municípios alternam posições superiores, inferiores ou intermediárias, de acordo com cada indicador. Essas diferentes posições para o mesmo município são o principal argumento a favor do uso de um método multicritério para classificar os municípios conforme o conjunto de indicadores.

O saneamento básico é um direito humano, indispensável para a saúde pública e para a preservação do meio ambiente. Além de contribuir para a redução dos custos de saúde, pode criar novas oportunidades de negócios e empregos (ANDERSSON; DICKIN; ROSEMARIN, 2016ANDERSSON, K.; DICKIN, S.; ROSEMARIN, A. Towards sustainable sanitation: challenges and opportunities in urban areas. Sustainability, Basel, v. 8, n. 12, p. 1-14, 2016.). A média da amostra para o serviço de água (I1) é de 94,76%. Doze municípios atendem mais de 99% da população residente, atingindo o objetivo seis em relação ao abastecimento de água. Apenas quatro apresentaram índices inferiores a 90%. Com exceção da região Norte, no restante do país, os municípios avaliados neste estudo estão próximos das metas do ODS 6 em relação ao abastecimento de água.

O indicador I2 (atendimento de esgoto) expressa a fração da população (urbana e rural) atendida pelo serviço de coleta de esgoto, ou seja, a cobertura da rede municipal. A média da amostra é de 61,08%, porém os municípios das regiões Sul, Nordeste e Centro-Oeste apresentam uma cobertura média próxima a 50%, enquanto na região Sudeste a média desse indicador é de 89,84%; e, na região Norte, menos de 30% dos moradores são atendidos pela rede de esgoto.

O indicador I3 (esgoto coletado) corresponde ao volume anual de esgoto gerado e coletado no município em função do volume de água consumido. Os resultados são próximos aos verificados no indicador anterior, e a média da amostra é de 55,43%.

A média da amostra em relação ao tratamento de esgoto (I4) é de 46,48%, e 46,67% dos municípios estão posicionados abaixo da média. Na região Norte, apenas 17,32% do esgoto é tratado. Somente quatro municípios da região Sudeste tratam mais de 90% do esgoto produzido em relação à água consumida, e dois da região Sul tratam entre 80% e 90%. Nesse cenário, o tratamento de esgoto se apresenta como o maior desafio para cumprir o objetivo seis. Nas nações de baixa e média renda, a proporção da população urbana atendida por saneamento básico aumentou de 69% para 77%, entre 1990 e 2015, e, nos países menos desenvolvidos, de 37% para 47% (SATTERTHWAITE, 2016SATTERTHWAITE, D. Missing the millennium development goal targets for water and sanitation in urban areas. Environment and Urbanization, London, v. 28, n. 1, p. 99-118, 2016.). O resultado da amostra é compatível com o dos países menos desenvolvidos, e este cenário contribui para o potencial de transmissão de doenças pela água, as quais seriam evitáveis com o saneamento adequado, demonstrando a sinergia entre os ODS 6 e 3.

O acesso à saúde (ODS 3) é avaliado, neste estudo, pelos indicadores I5 (atendimento hospitalar per capita) e I6 (atendimento de pacientes oncológicos per capita). A amostra média do indicador I5 é 0,05, igual à média dos municípios da região Sudeste. Na região Sul, a média é de 0,07, enquanto nas regiões Centro-Oeste e Norte é de, respectivamente, 0,03 e 0,04. A região Nordeste apresenta a menor média, com 0,02 atendimentos per capita. Os resultados mostram um equilíbrio entre as regiões em relação ao acesso aos serviços públicos de saúde. Entretanto as unidades de saúde consomem grandes volumes de água e seus efluentes concentram contaminantes, como micro-organismos, substâncias químicas e radioativas e fármacos. Como os estabelecimentos de saúde não são obrigados a tratar seus efluentes, os municípios com os maiores atendimentos hospitalares per capita mostram um melhor nível de acesso à saúde, mas exercem uma pressão maior sobre os recursos hídricos, pois nem todos os contaminantes são removidos no tratamento de esgoto (SILVA et al., 2018).

Entre os fármacos liberados nas redes de esgoto, os antineoplásicos são potencialmente perigosos para o ecossistema e alguns não são removidos pelos sistemas de tratamento (KÜMMERER et al., 2016KÜMMERER, K.; HAIß, A.; SCHUSTER, A.; HEIN, A.; EBERT, I. Antineoplastic compounds in the environment: substances of special concern. Environmental Science and Pollution Research, New York, v. 13, n.15, p. 791-804, 2016.). O indicador I6 mostra o acesso ao tratamento do câncer nos municípios. A amostra média para esse indicador é de 0,08 tratamentos per capita, o mesmo para a região Sudeste. A relação é maior na região Norte (0,11), seguida pelas regiões Sul (0,09), Nordeste (0,09) e Centro-Oeste (0,07). Os resultados mostram um equilíbrio no acesso da população ao tratamento público do câncer entre as regiões. É compatível com a política nacional de câncer, que distribui o atendimento entre os municípios de acordo com a população dos estados. Quanto mais pacientes forem tratados, maior o potencial de inserção de fármacos nas águas residuais. Esse potencial aumenta nos municípios com baixas taxas de coleta e tratamento de esgoto, pois os medicamentos podem atingir as águas superficiais sem nenhuma diluição ou remoção (SILVA et al., 2018SILVA, R. F.; MOURA, L. L.; GAVIÃO, L. O.; LIMA, G. B. A.; BIDONE, E. D. Avaliação do potencial de contaminação de águas com fármacos oncológicos em municípios da região Sul do Brasil. Revista Gestão & Sustentabilidade Ambiental, Florianópolis, v. 7, n. 1, p. 275-99, 2018.). O incremento no acesso à saúde constitui uma das contradições presentes nos ODS, pois o alcance das metas do ODS 3 implica pressões sobre o ODS 6 ao impactar os recursos hídricos. Nesse cenário, os indicadores I5 e I6 foram considerados positivos na dimensão social e negativos para a dimensão ambiental.

Os indicadores I7, I8 e I9 estão relacionados à atividade econômica. Os valores desagregados do PIB per capita municipal expressam o desenvolvimento econômico de acordo com as características do município. Embora o PIB per capita seja insuficiente para medir o nível de desigualdade de renda, ele expressa o crescimento econômico necessário para a criação de empregos e a redução da pobreza (MACEDO; PORTO, 2018MACEDO, F. C.; PORTO, L. R. Existe uma política nacional de desenvolvimento regional no Brasil? Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, v. 14, n. 2, p. 605-31, 2018.).

O indicador I7 indica o peso da agropecuária na renda municipal, uma atividade que responde por aproximadamente 25% do PIB do país e por mais de 40% das exportações. Além de contribuir para geração de emprego e renda, essa atividade é essencial para a segurança alimentar, entretanto necessita de grandes volumes de água (SACCARO JÚNIOR; VIEIRA FILHO, 2018SACCARO JÚNIOR, N. L.; VIEIRA FILHO, J. E. R. Agricultura e sustentabilidade: esforços brasileiros para mitigação dos problemas climáticos. Brasília-DF: IPEA, 2018. (Texto para discussão, 2396). Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2396.pdf. Acesso em: 20 ago. 2019.
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). Além da água, a agricultura ainda utiliza de forma intensiva os defensivos e fertilizantes, pressionando os recursos hídricos em termos de qualidade e disponibilidade. Como não existem programas oficiais voltados para os contaminantes emergentes no país, muitos deles podem estar presentes nas águas de superfície (MONTAGNER; VIDAL; ACAYABA, 2017MONTAGNER, C. C.; VIDAL, C.; ACAYABA, R. D. Contaminantes emergentes em matrizes aquáticas do Brasil: cenário atual e aspectos analíticos, ecotoxicológicos e regulatórios. Química Nova, São Paulo, v. 40, n. 9, p. 1094-11, 2017.).

A média da amostra é de R$ 880,00 per capita. No Sudeste, o valor é menor (R$ 710,00), seguido da região Sul (R$ 950,00), o que pode ser explicado pela alta densidade populacional e pelo peso da atividade industrial e de serviços. No Centro-Oeste (R$ 1.710,00) e no Norte (R$ 1.540,00), muitos municípios dependem do agronegócio. Nessas regiões, predominam grandes propriedades com municípios menos populosos, o que pode explicar o maior valor do PIB agrícola per capita. Na região Nordeste, predomina ainda a agricultura familiar de subsistência e a pecuária extensiva e de baixa produtividade. Embora apresente o menor PIB agrícola per capita (R$ 310,00), a agricultura é um mecanismo para a redução da pobreza nessa região (BARROS, 2014BARROS, G. S. C. Agricultura e indústria no desenvolvimento brasileiro: uma visão histórica. In: BUAINAIN, A M.; ALVES, E.; SILVEIRA, J. M.; NAVARRO, Z. (Org.). O mundo rural no Brasil do século 21: a formação de um novo padrão agrário e agrícola. Brasília-DF: Embrapa, 2014. p. 79-116.).

Além da importância para os ODS um e oito em relação à renda e ao emprego, a agricultura é crucial para eliminar a fome e garantir o acesso aos alimentos (ODS 2), porém tem forte impacto sobre o ODS 6. O país tem o maior potencial para atender à demanda mundial por alimentos, mas deve estimular a adoção de práticas agrícolas sustentáveis (SACCARO JÚNIOR; VIEIRA FILHO, 2018SACCARO JÚNIOR, N. L.; VIEIRA FILHO, J. E. R. Agricultura e sustentabilidade: esforços brasileiros para mitigação dos problemas climáticos. Brasília-DF: IPEA, 2018. (Texto para discussão, 2396). Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2396.pdf. Acesso em: 20 ago. 2019.
http://www.ipea.gov.br/portal/images/sto...
).

O PIB industrial médio per capita (I8) dos municípios é de R$ 6.670,00. No Sudeste e Sul, mais industrializados, corresponde a R$ 7.980,00 e R$ 9.080,00, respectivamente. Em 2017, 56,16% da população do país residia nessas regiões, que concentram a maior atividade industrial do país. No Nordeste (R$ 3.640,00), Centro-Oeste (R$ 6.500,00) e Norte (R$ 2.170,00), o valor per capita é inferior à média da amostra e está relacionado ao peso da agroindústria e indústria extrativa. Essas duas atividades industriais vêm ganhando espaço em relação à indústria de transformação na economia brasileira ao longo dos anos. Em geral, concentram-se em cidades do interior com populações pequenas que podem apresentar um melhor desempenho do PIB industrial. Entretanto geram pressões ambientais por serem atividades mais poluidoras e de uso intensivo dos recursos naturais (MACEDO; PORTO, 2017MACEDO, F. C.; PORTO, L. R. Dinâmica regional brasileira: uma análise com base nos dados do PIB municipal (2002-2015). Revista de Economia Regional Urbana e do Trabalho, Natal, v. 6, n. 2, p. 52-69, 2017.).

A indústria da cana-de-açúcar, por exemplo, tem um potencial poluidor devido aos resíduos gerados e utiliza grandes volumes de água. Além disso, utiliza grandes extensões de terra. O Brasil é o segundo maior produtor mundial de etanol, mas a competição pela terra necessária para produzir alimentos pode ter um impacto social na segurança alimentar (EGENOLF; BRINGEZU, 2019EGENOLF, V.; BRINGEZU, S. Conceptualization of an indicator system for assessing the sustainability of the bioeconomy. Sustainability, Basel, v. 11, n. 2, p. 1-20, 2019.).

O produto interno dos serviços (I9) mostra o peso do setor de serviços no PIB do município. Este setor é caracterizado por atividades heterogêneas com crescente participação na economia e é responsável por uma parcela significativa dos empregos criados. No entanto essas atividades estão diretamente relacionadas ao aumento do consumo, que ameaça a qualidade do meio ambiente, devido ao potencial de geração de resíduos sólidos urbanos (MUKHTAR; WILLIAMS; SHAW, 2018MUKHTAR, E. M.; WILLIAMS, I. D.; SHAW, P. J. Visible and invisible factors of solid waste management in developing countries. Detritus, Padova, v. 1, p. 162-73, 2018.). Geralmente, esse setor está ligado aos outros dois segmentos do PIB, mas o valor per capita é maior. A média do grupo para esse indicador é de R$ 16.370,00 per capita. A região Sudeste tem a maior média (R$ 20.220,00), seguida da região Sul (R$ 17.930,00). Cerca de metade dos elos do setor terciário tem origem ou destino nos setores industriais. Os elevados valores per capita dos serviços do PIB nas duas regiões mais industrializadas reforçam que a procura industrial sustenta o crescimento das atividades dos serviços. O crescimento desse setor entre 2003 e 2014 foi verificado em todas as unidades da Federação, incluindo aquelas com menor expressividade na atividade industrial. Nas regiões Norte e Nordeste, os valores médios do PIB per capita foram de R$ 9.540,00 e R$ 9.920,00, respectivamente. A urbanização dos pequenos municípios resultou na expansão das atividades comerciais e de serviços, sendo importante na redução da pobreza e da desigualdade (FORNARI; GOMES; HIRATUKA, 2017FORNARI, V.; GOMES, R.; HIRATUKA, C. Mudanças recentes nas relações intersetoriais: um exame das atividades de serviço e industriais. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 16, n. 1, p. 157-88, 2017.). Na região Centro-Oeste, o PIB médio dos serviços municipais (R$ 19.100,00) foi impulsionado pela forte presença do agronegócio. Entretanto Mukhtar, Williams e Shaw (2018)MUKHTAR, E. M.; WILLIAMS, I. D.; SHAW, P. J. Visible and invisible factors of solid waste management in developing countries. Detritus, Padova, v. 1, p. 162-73, 2018. enfatizam que a contrapartida da urbanização e das atividades comerciais é o crescimento do consumo e da geração de resíduos, cujo descarte inadequado compromete os recursos hídricos.

Este cenário demonstra também as contradições dos ODS devido a sua interdependência e que a obtenção dos ODS 1, 2, 3 e 8 pode impor externalidades negativas ao meio ambiente, ao comprometer o ODS seis. Neste estudo, os indicadores I7, I8 e I9 foram considerados positivos para a dimensão econômica, porém foram considerados negativos para a dimensão ambiental.

4.2 Ordenação dos municípios

Os municípios foram classificados de acordo com o nível de sustentabilidade em cada uma das três dimensões.

4.2.1 Ordenação dos municípios pela dimensão social

A Tabela 3 mostra a ordenação dos municípios pela dimensão social, de acordo com a avaliação pela metodologia multicritério. Quanto maiores os valores dos indicadores I1, I2, I3, I4, I5 e I6, melhor o desempenho dos municípios na dimensão social.

Tabela 3
Ordenação dos municípios pela dimensão social

Observa-se que, entre os dez municípios com melhor avaliação, dois pertencem à região Sul, sete estão na região Sudeste e somente Sobral está situado na região Nordeste. O município mais bem colocado é Campo Mourão, que obteve a melhor posição em um indicador, embora empatado com outros municípios; entretanto este município esteve à frente dos demais nos outros indicadores. Neste contexto, ele obteve o melhor desempenho global que representa uma solução satisfatória ao problema de pesquisa, diante da impossibilidade de obter uma solução ótima, que seria ser o mais bem posicionado em todos os indicadores.

4.2.2 Ordenação dos municípios pela dimensão econômica

Na ordenação pelos indicadores da dimensão econômica, as atividades relacionadas ao PIB municipal foram consideradas positivas na avaliação pelo CPP. Quanto maiores os valores dos indicadores I7, I8 e I9, melhor a posição na dimensão econômica. Os resultados estão expressos na Tabela 4.

Tabela 4
Ordenação considerando os indicadores da dimensão econômica

Nenhum município foi o melhor nos três indicadores, e o município de Jundiaí foi o mais bem colocado nesta dimensão. Embora tenha sido o primeiro em dois indicadores (PIBserv e PIBind), o seu PIB de serviços per capita é mais que o dobro do segundo colocado (Lajeado). Entre os dez primeiros colocados, sete estão entre os dez maiores PIBs agropecuários e de serviços per capita e cinco estão entre os dez maiores PIB industriais per capita. Os resultados mostram que, embora o setor de serviços apresente um desempenho superior aos demais, está atrelado ao potencial dos segmentos primário e secundário da economia (FORNARI; GOMES; HIRATUKA, 2017FORNARI, V.; GOMES, R.; HIRATUKA, C. Mudanças recentes nas relações intersetoriais: um exame das atividades de serviço e industriais. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 16, n. 1, p. 157-88, 2017.).

4.2.3 Ordenação dos municípios pela dimensão ambiental

Quando os indicadores das atividades econômicas e sociais são considerados na avaliação da dimensão ambiental, alguns municípios que não se destacaram nas demais dimensões passam a figurar nas primeiras posições. Isto se dá tanto por uma menor pressão exercida sobre o ambiente quanto por um melhor desempenho dos indicadores de saneamento. Os resultados estão expressos na Tabela 5.

Tabela 5
Ordenação considerando os indicadores da dimensão ambiental

Observando os resultados, verifica-se um maior equilíbrio entre as regiões, embora nenhum município da região Norte esteja entre os 20 melhores. A introdução desses indicadores foi suficiente para que um município da região Nordeste (Feira de Santana) fosse alçado à primeira posição dessa dimensão e as duas últimas posições fossem ocupadas por dois municípios da região Sul (Bento Gonçalves e Lajeado).

Feira de Santana obteve a penúltima colocação na dimensão econômica e a 24ª na dimensão social. Estes resultados mostram que o município está menos sujeito às pressões exercidas pelas atividades econômicas e de saúde sobre seus recursos hídricos. Bento Gonçalves e Lajeado ocuparam as últimas posições. Esses municípios ocupam, respectivamente, a sexta e a décima segunda posição na dimensão econômica. Quando os indicadores de saneamento são avaliados, Bento Gonçalves é o último em volume de esgoto coletado e o penúltimo em esgoto tratado. Lajeado tem desempenho semelhante, pois é o penúltimo em volume de esgoto coletado e antepenúltimo em volume de esgoto tratado. Esses resultados reforçam o argumento de que o alcance do conjunto das metas dos ODS é comprometido pela pressão sobre o ambiente, oriunda das atividades econômicas e sociais, indispensáveis para o alcance dos objetivos do desenvolvimento sustentável, e aliada aos baixos índices de saneamento.

4.2.4 Ordenação dos municípios pelas três dimensões da sustentabilidade

O estudo avaliou o nível de sustentabilidade dos municípios nos três pilares do desenvolvimento sustentável: as dimensões econômica, social e ambiental. O resultado é apresentado na Tabela 6.

Tabela 6
Ordenação considerando os indicadores das dimensões econômica, social e ambiental

O município mais bem avaliado foi Franca, que obteve a 9ª posição na dimensão social, a 19ª na dimensão econômica e a segunda posição na dimensão ambiental.

Os municípios que ocuparam a primeira posição nas ordenações das dimensões econômica (Jundiaí), social (Campo Mourão) e ambiental (Feira de Santana) mantiveram-se entre as 10 primeiras posições na ordenação final. Dos cinco municípios com pior avaliação na dimensão ambiental, quatro (Sinop, Bento Gonçalves, Lajeado e Santarém) continuaram entre as cinco últimas posições.

Municípios com excelente desempenho nos indicadores das dimensões econômica e social, mas com desempenho ruim ou regular nos indicadores de saneamento, podem alcançar as últimas posições na ordenação final em função das pressões exercidas sobre os recursos hídricos. Os municípios com bons indicadores de saneamento, além de mitigar as pressões sobre o ambiente, melhoram o desempenho na dimensão social ao disponibilizar o acesso à água potável e à coleta de esgoto.

Bento Gonçalves e Lajeado são dois exemplos. Embora tenham sido classificados entre os quinze melhores na dimensão econômica, estes municípios ocuparam as últimas posições em três dos quatro indicadores relacionados ao saneamento. Consequentemente, foram classificados entre as últimas cinco posições da dimensão ambiental, entre as dez últimas da dimensão social e entre as três piores na avaliação conjunta das três dimensões.

Jundiaí é outro exemplo. O município liderou nos indicadores PIBind e PIBserv e foi o mais bem avaliado na dimensão econômica. Ocupou posições intermediárias nos indicadores de saúde, mas tem bons indicadores de saneamento. Embora tenha sido o 22º colocado na dimensão ambiental, ocupou a nona posição na ordenação final.

Como o método considera o melhor desempenho das alternativas em todos os indicadores, estas diferenças influenciaram o desempenho na ordenação final em que Jundiaí se posicionou entre os 10 primeiros, e Bento Gonçalves e Lajeado, entre os cinco piores. O resultado confirma a premissa do método CPP de considerar o melhor desempenho das alternativas em todos os indicadores e obter um escore final das alternativas beneficiando os municípios com melhores classificações no maior número de indicadores.

A ordenação final dos municípios pode exemplificar a complexidade da avaliação da sustentabilidade em todas as suas dimensões, em função das contradições entre os diversos ODS. Os municípios alternam posições superiores, inferiores ou intermediárias nos nove indicadores avaliados. Essas diferentes posições para um mesmo município, nos diferentes indicadores, consistem no principal argumento a favor do uso de um método multicritério, de forma a obter a ordenação dos municípios segundo o conjunto de indicadores.

5 CONCLUSÃO

Os resultados mostram que nenhum dos municípios apresentou desempenho superior ou inferior em todos os indicadores. Enquanto alguns apresentaram um desempenho robusto com relação ao desenvolvimento econômico, outros estão distantes das metas de redução da pobreza, geração de empregos e acesso à saúde e ao saneamento.

O estudo forneceu uma percepção de como a efetivação das metas da Agenda 2030 se dá de forma heterogênea em diferentes regiões do Brasil. A hierarquização dos municípios pode exemplificar a complexidade da avaliação da sustentabilidade e do alcance das metas dos objetivos do desenvolvimento sustentável, num país com significativas desigualdades regionais como o Brasil. O estudo demonstra que as atividades necessárias para atingir essas metas podem impor externalidades negativas ao ambiente, expondo os trade-offs existentes entre os ODS, devido à relação de interdependência entre eles. A avaliação final nas três dimensões da sustentabilidade mostrou que bons desempenhos em alguns indicadores não são suficientes para configurar um município como sustentável.

Este estudo utilizou indicadores de nove atividades relacionadas a cinco ODS em trinta municípios. Pesquisas futuras podem aumentar a base de indicadores utilizando atividades relacionadas a outros ODS, além de incorporar mais municípios a fim de ampliar a percepção sobre a interdependência e os trade-offs existentes entre os ODS no contexto dos municípios brasileiros.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2019
  • Revisado
    13 Jan 2020
  • Aceito
    07 Fev 2020
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