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Ocupação, produção e resistência: terras quilombolas e o lento caminho das titulações

Occupation, production and resistance: quilombolas lands and the slow path of titles

Ocupación, producción y resistencia: las tierras de quilombolas y el camino lento de los títulos

Resumo:

As comunidades quilombolas contemporâneas, grupos de luta e resistência negra ao modelo escravagista e opressor instaurado no Brasil colônia, tendo o território como base da reprodução física, social, econômica e cultural da coletividade, que se mantém vivo como uma herança de diáspora, conquistaram, a partir da Constituição Federal de 1988, o direito à titularidade de suas terras. Estes espaços de organização do povo negro padecem de um grave problema: seus direitos constitucionais não estão sendo garantidos na prática. A morosidade dos processos de titulação de terras e a omissão do Estado são evidentes e colocam a vida e a cultura das comunidades quilombolas em risco. No entanto, os quilombolas necessitam do reconhecimento oficial de suas terras para alcançarem uma melhor qualidade de vida e acesso a políticas públicas. Nesse contexto, o presente artigo objetiva debater acerca do direito às terras tradicionalmente ocupadas e os porquês da lentidão do processo de titulação de terras no Brasil. Para a formulação do presente trabalho, realizamos uma pesquisa bibliográfica, de cunho qualitativo, buscando os principais autores que discorreram sobre o tema do escravismo, da formação histórica dos quilombos e das dificuldades atuais dessas comunidades tradicionais. Portanto, apesar de a Constituição Federal de 1988 assegurar, no artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o direito dos quilombolas à propriedade de suas terras, o processo de regularização e implementação de titulação de terras no Brasil ainda não se concretizou.

Palavras-chave:
escravismo; quilombos; titulação de terras

Abstract:

The contemporary quilombola communities, groups of struggle and black resistance to the slavery and oppressor model established in colonial Brazil, having the territory as the basis of the physical, social, economic and cultural reproduction of the collectivity, which remains alive as a diaspora heritage, conquered, from the Federal Constitution of 1988, the right to the title of their lands. These spaces of organization of the black people suffer from a serious problem: their constitutional rights are not being guaranteed in practice. The slow pace of land titling processes and the omission of the State are evident and put the life and culture of quilombolo communities at risk. However, the quilombolas need official recognition of their land to achieve a better quality of life and access to public policies. In this context, this article aims to discuss the right to traditionally occupied lands and the reasons for the slowness of the land titling process in Brazil. For the formulation of the present work, we carried out bibliographical research, of a qualitative nature, looking for the main authors who spoke about the theme of slavery, the historical formation of quilombos, and the current difficulties of these traditional communities. Therefore, despite the Federal Constitution of 1988 ensuring, in Article 68 of the Transitory Constitutional Provisions Act (ADCT), the right of quilombolas to own their land, the process of regularization and implementation of land titling in Brazil has not yet materialized.

Keywords:
slavery; quilombos ; land titling

Resumen:

Las comunidades quilombolas contemporáneas, grupos de lucha y resistencia negra al modelo esclavista y opresor instaurado en el Brasil colonial, teniendo el territorio como base de la reproducción física, social, económica y cultural de la colectividad, que se mantiene viva como patrimonio de la diáspora, conquistaron, desde la Constitución Federal de 1988, el derecho a la titulación de sus tierras. Estos espacios de organización de los negros adolecen de un grave problema: sus derechos constitucionales no están siendo garantizados en la práctica. La lentitud de los procesos de titulación de tierras y la omisión del Estado son evidentes y ponen en riesgo la vida y la cultura de las comunidades quilombolas. Sin embargo, los quilombolas necesitan el reconocimiento oficial de sus tierras para lograr una mejor calidad de vida y acceso a las políticas públicas. En este contexto, este artículo tiene como objetivo discutir el derecho a las tierras ocupadas tradicionalmente y las razones de la lentitud del proceso de titulación de tierras en Brasil. Para la formulación del presente trabajo, realizamos una investigación bibliográfica, de carácter cualitativo, buscando los principales autores que hablaron sobre el tema de la esclavitud, la formación histórica de los quilombos y las dificultades actuales de estas comunidades tradicionales. Por lo tanto, a pesar de que la Constitución Federal de 1988 aseguró, en el artículo 68, de la Ley de Disposiciones Constitucionales Transitorias (ADCT), el derecho de los quilombolas a la propiedad de sus tierras, el proceso de regularización e implementación de la titulación de tierras en Brasil aún no se ha materializado.

Palabras clave:
esclavitud; quilombos ; titulación de tierras

1 INTRODUÇÃO

A colonização da América foi resultado direto da expansão marítima europeia. Com o salto tecnológico que representou as caravelas, as grandes navegações foram possíveis e interligaram continentes em uma aventura até então inédita. O processo de colonização portuguesa, em terras tupiniquins, ocorreu de maneira distinta de outras colônias. No Brasil, o povoamento iniciou-se a partir de sua faixa litorânea, em função da exploração de produtos extrativos e da produção agrícola, em que Portugal estabeleceu sua primeira empresa colonial em terras brasileiras e, mais tarde, de maneira sólida e constante. A ocupação permitiu não só a exploração dos recursos naturais, mas a produção e a exportação de produtos caros ao mercado europeu.

Dessa forma, o povoamento permitiu a fixação da grande produção de monocultura, como da cana de açúcar, e a utilização de mão de obra escrava capaz de atender às demandas do mercado internacional. Em acordo com sua ação exploratória, Portugal viu na produção do açúcar uma grande chance de ganho comercial, pois, em todo o processo de produção ao encaixotamento do açúcar, o trabalho fora realizado por escravizados, de forma que, inicialmente, recaíra sobre os nativos da terra – os indígenas – e, com o tempo, houve substituição desses por cativos africanos, pois o comércio negreiro transatlântico proporcionava uma generosa e lucrativa arrecadação aos sujeitos envolvidos e à Coroa Portuguesa (PRIORE, 2016PRIORE, M. Histórias da gente brasileira: Colônia. São Paulo: Le Ya, 2016. V. 1.). É a partir desse momento que o tráfico negreiro ganha força e se estabelece como uma engrenagem importante na estruturação do mercantilismo. De acordo com o historiador Caio Prado Júnior (1994)PRADO JÚNIOR, C. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. 23. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994., foi o surgimento do capitalismo, amparado pela colonização dos trópicos, que acarretou o renascimento da escravidão na civilização ocidental.

A história dos quilombos e de tantas outras formas de resistência são consequência dessa dinâmica de colonização que estabeleceu o escravismo como regra. Toda a formação histórica, cultural e social do povo negro sempre esteve associada às experiências de resistência ao escravismo, como as fugas individuais ou coletivas, suicídios, revoltas contra feitores e seus senhores (que poderia ou não ter o assassinato desses), recusa em trabalhar ou execução do trabalho de forma inadequada, criação de quilombos e mocambos etc. Segundo Peregalli (2001, p. 25)PEREGALLI, H. Escravidão no Brasil. São Paulo: Global, 2001.: “Revoltas, atentados contra os senhores e seus feitores, assassinatos, suicídios, fugas... se espalharam intermitentemente por todos os cantos do território brasileiro”. Os embates incessantes pelo acesso e pela manutenção das terras quilombolas evidenciam que, apesar da libertação oficial dos escravos em 1888, são muitas as reverberações da escravidão na contemporaneidade.

Em outras palavras, durante o século XVI, com a inclusão do Brasil no circuito do capitalismo comercial global, o escravismo passa a ser adotado de maneira ostensiva e extensiva, até o século XIX. Portanto, examinar os quilombos como espaço coletivo de preservação física e simbólica da cultura negra é de suma importância para evidenciar o papel de luta e resistência dessas comunidades contra as políticas de negação de seus direitos e a permanência histórica da desigualdade racial em nossa sociedade (REIS; GOMES, 1996REIS, J. J.; GOMES, F. S. (Ed.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das letras, 1996. 512 p.).

Para Clóvis Moura (1981)MOURA, C. Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Ática, 1981., todo o debate sócio-histórico que envolve os quilombos está inserido na luta de classes. Ainda de acordo com o sociólogo, “a estratificação dessa sociedade, na qual as duas classes fundamentais – senhores e escravos – se chocavam, era criada pela contradição básica que determinava os níveis de conflito” (MOURA, 1981, p. 54MOURA, C. Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Ática, 1981.). Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, podemos identificar a introdução de mecanismos que procuraram reduzir essas desigualdades e reparar injustiças históricas junto à população negra, em que tais mudanças não podem ser compreendidas dissociadas do papel desempenhado pelos movimentos sociais, em particular, pelo Movimento Negro.

O artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição Federal de 1988. Artigo 68 – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 de outubro de 1988.), assevera a titulação das terras das comunidades negras, medida que representa um verdadeiro marco na história agrária do Brasil. A Constituição Cidadã abandonou uma tradição secular de marginalização do povo negro e deu visibilidade às comunidades que possuíam raízes no passado escravista da nação e nos antigos quilombos. A titulação das terras de quilombos não significa apenas sobrevivência, mas também a conservação de uma história que, durante muito tempo, foi relegada ao esquecimento pela historiografia tradicional; afinal, a história costuma ser escrita pelos vencedores.

Portanto, a escassez de titulação das terras ocasiona uma miríade de problemas e, sem o resguardo da terra, essas comunidades podem, em pouco tempo, sucumbir completamente à violência física e simbólica dos especuladores de terras e de um Estado ineficiente, entrando em extinção (ACEVEDO; CASTRO, 1998ACEVEDO, R.; CASTRO, E. Negros do trombetas: guardiães de matas e rios. Belém: Cejup/UFPA-NAEA, 1988.). Neste artigo, focaremos, de maneira sucinta, a história e herança dos quilombos e de toda a dificuldade de reconhecimento desses espaços para a comunidade negra.

Em suma, exporemos no artigo que a segurança que a terra proporciona é essencial para assegurar a dignidade das comunidades quilombolas, pois, da terra, não extraímos apenas a subsistência, mas toda a expressão sociocultural e religiosa de uma coletividade que se identifica com aquele chão, isto é, garantir o direito a terra aos quilombolas é garantir-lhes comida, expressão, resistência e pertencimento.

Logo, a discussão que propomos representa o desdobramento lógico da nossa trajetória de estudos e da aproximação com as comunidades quilombolas. Para tanto, a pesquisa bibliográfica, de cunho qualitativo, que embasa nossas reflexões, constrói-se a partir de autores como: Jacob Gorender (2016)GORENDER, J. O escravismo colonial. 6. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2016., Lilia Schwarcz (2018)SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., Clóvis Moura (1981MOURA, C. Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Ática, 1981.; 1993MOURA, C. Rebeliões da Senzala. 3. ed. São Paulo: Lech Livraria Editora Ciências Humana, 1993.), Maria Tárrega (2018)TÁRREGA, M. C. V. B. Direito, devir negro e conflito ecológico distributivo. Revista da Faculdade de Direito da UFG, Goiânia, v. 42, n. 2, p. 120–40, maio/ago. 2018., Souza Filho (2008)SOUZA FILHO, B. Os pretos de Bom Sucesso: terra de preto, terra de santo, terra comum. São Luís: Edufma, 2008., Daniel Sarmento (2014), Ilka Leite (1999LEITE, I. B. Quilombos e quilombolas: cidadania ou folclorização? Horizontes antropológicos, Porto Alegre, v. 5, n. 10, p. 123–49, 1999.; 2000LEITE, I. B. Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas. Etnográfica, Lisboa, v. 4, n. 2, p. 333–54, 2000. DOI: https://doi.org/10.4000/etnografica.2769
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), entre outros. A partir do diálogo entre esses autores, tentaremos aprofundar o debate acerca do direito às terras tradicionalmente ocupadas e os porquês da lentidão do processo de titulação de terras no Brasil.

O processo de regularização e titulação dos territórios quilombolas no Brasil ainda caminha a passos lentos, mesmo com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e o que reza o Artigo 68, do ADCT, de assegurar o direito dos quilombolas à propriedade de suas terras, pois as comunidades quilombolas acreditam que o resgate da identidade, a inclusão social e o respeito à sua cidadania iniciam-se com a conquista da terra.

2 O ESCRAVISMO NO BRASIL E O NASCIMENTO DOS QUILOMBOS

O escravismo é um capítulo importante da história do Brasil, pois ele se espalhou por praticamente todo o território nacional, sobretudo nas regiões que necessitavam de intensa mão de obra, e deixou marcas indeléveis que podem ser percebidas em pleno século XXI. Sem dúvida, a esmagadora maioria dos cativos que se instalaram na América era formada de negros que foram vendidos de maneira compulsória, do continente africano (VIANA, 2007VIANA, M. T. Trabalho escravo e “lista suja”: um modo original de se remover uma mancha. In: ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (Coord.). Possibilidades jurídicas de combate à escravidão contemporânea. Brasília: OIT, 2007. p. 32–60.).

O sociólogo Clóvis Moura (1993)MOURA, C. Rebeliões da Senzala. 3. ed. São Paulo: Lech Livraria Editora Ciências Humana, 1993., importante estudioso do fenômeno da escravidão e dos quilombos, estima que, dos 9.500.000 negros, homens e mulheres que tiveram sua imigração compulsória para o continente americano, durante o tráfico transatlântico de escravizados, 40% foram destinados ao Brasil, 6% para a América do Norte, 18% para a América Espanhola, 17% para o Caribe inglês e mais 17% para o Caribe francês (MOURA, 1993MOURA, C. Rebeliões da Senzala. 3. ed. São Paulo: Lech Livraria Editora Ciências Humana, 1993.). O autor de Quilombos: resistência ao escravismo pinta o quadro da escravidão negra no Brasil da seguinte forma:

O escravismo no Brasil tem particularidades substantivas em relação aos demais países ou regiões da América. Ele percorre um périplo de tempo de quase quatrocentos anos, espraia-se na superfície de um subcontinente e mantém sua estrutura em todo esse imenso território durante esse período. Por outro lado, a quantidade de africanos importados até 1850 mostra como a sociedade escravista conseguiu estabilizar-se e desenvolver-se em decorrência da injeção demográfica permanente que vinha de fora. Ao contrário de outras regiões da América do Sul, como Peru e Colômbia, onde o escravo negro ficou circunscrito a áreas determinadas, regionalizando-se o sistema escravista, aqui fincou pé a escravidão em toda a extensão territorial do que hoje constitui a nação brasileira, marcando a existência de um modo de produção específico, no caso particular, o escravismo moderno. (MOURA, 1993, p. 13-4MOURA, C. Rebeliões da Senzala. 3. ed. São Paulo: Lech Livraria Editora Ciências Humana, 1993.).

Assim, o sistema escravista se estabeleceu como forma de trabalho predominante no Brasil Colonial, não só pela quantidade de pessoas escravizadas, mas também pelo tempo, quase quatrocentos anos, em que esse sistema ficou vigente, criando mecanismos cruéis que permitiam a rápida substituição de um escravo morto por outro, sem que isso atrapalhasse a produção de mercadorias. “Recriou-se, desse modo, a escravidão em novas bases, com a utilização de mão de obra compulsória e que exigia – ao menos teoricamente – trabalhadores de todo alienados de sua origem, liberdade e produção” (SCHWARCZ; STARLING, 2018, p. 57SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.).

Diante desse contexto grotesco, a confrontação entre os negros e os senhores, principalmente por conta dos castigos e da exploração, resultou na existência de duas classes absolutamente antagônicas – a dos senhores de escravos e a dos negros explorados. A desumanidade imposta pelo trabalho forçado repercutia sobre os escravos “[...] pelo mais duro dos regimes de exploração do trabalho” (GORENDER, 2016, p. 140GORENDER, J. O escravismo colonial. 6. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2016.).

No Brasil dos senhores de engenho, muitas foram as barreiras que dificultaram o surgimento de uma “consciência de classe” entre os trabalhadores negros escravizados, pois estes, que possuíam origens diversas, eram organizados não por suas afinidades, mas por suas diferenças, justamente para evitar a união entre eles. Um dos grandes obstáculos para a mobilização e organização dos escravizados era a questão da dificuldade de comunicação e a falta de interação religiosa, étnica, linguística e cultural entre os africanos escravizados, somado a outros processos de extrema violência produzida pela sociedade escravagista, como se dava o próprio processo de sequestro, isolamento entre os membros da mesma família ou do mesmo vilarejo, afastamento, violência e assassinato nos navios negreiros, durante os transportes (GORENDER, 2016GORENDER, J. O escravismo colonial. 6. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2016.).

Mas, longe de ter sido um processo pacífico, a escravidão sempre foi um ato de muita resistência, seja a partir da cultura, por meio de processos envolvendo religiosidade, dança, canto, lendas e histórias, mantendo viva uma ancestralidade, seja via atos políticos e organizações sociais, econômicas e comunitárias, que geraram ações individuais e coletivas, as quais iam de suicídios, assassinatos de senhores, feitores e capitães do mato (GORENDER, 2016GORENDER, J. O escravismo colonial. 6. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2016.), à construção de quilombos (MOURA, 1981MOURA, C. Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Ática, 1981.).

Desse modo, ressaltamos que, mesmo diante de todo esse quadro de objetificação ou coisificação do escravo, algumas formas de resistência surgiram ao longo desse período. Na esfera individual, os negros, para minar a opressão escravista, utilizavam-se de violência contra os senhores, fugas, suicídios e até “corpo mole”, principalmente para poupar energia. “Eventuais chibatadas danificavam menos do que a exaustão nas longas jornadas de atividade compulsória” (GORENDER, 2016, p. 141GORENDER, J. O escravismo colonial. 6. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2016.).

Em âmbito coletivo, outras formas de resistência se estruturaram, dentre elas, a formação dos quilombos. O quilombo se apresentou como antítese da estrutura econômica escravista agroexportadora. Palmares, o maior e mais simbólico dos quilombos, foi um exemplo de organização coletiva que resistiu durante quase 100 anos (1597-1694) ao sistema colonial.

De acordo com Clóvis Moura (1993, p. 14)MOURA, C. Rebeliões da Senzala. 3. ed. São Paulo: Lech Livraria Editora Ciências Humana, 1993., o quilombo representou a “unidade básica de resistência do escravo” e sua presença se alastrou por todo o Brasil. Os quilombos, ao contrário do que pensa o senso comum, concentravam não apenas os escravos fugidos, mas diversos outros grupos marginalizados pelo sistema colonial, como desertores do serviço militar, foras da lei e índios. Ou seja, o quilombo, além de servir como um refúgio com certo nível de proteção, também estava em constante interação com os setores mais pobres da sociedade, principalmente por causa do comércio que se estabelecia nesses locais (MOURA, 1981MOURA, C. Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Ática, 1981.).

O quilombo, como vemos, nada tinha de semelhante a um quisto, ou grupo fechado, mas, pelo contrário, constituía-se em polo de resistência que fazia convergir para o seu centro diversos níveis de descontentamento e opressão de uma sociedade que tinha como forma de trabalho fundamental a escravidão. (MOURA, 1981, p. 31MOURA, C. Quilombos: resistência ao escravismo. São Paulo: Ática, 1981.).

A organização econômica dos quilombos, desde sempre, foi muito variada, dependendo do tipo de solo, da população, da localidade, das possibilidades de defesa contra agentes externos etc. Os quilombos, além das trocas com os setores da sociedade mais economicamente desfavorecidos, tinham uma economia policultora, distributiva e comunitária, pois cultivavam uma vasta gama de alimentos e praticavam a metalurgia e a tecelagem. Com as atividades policultoras, que se diferenciavam radicalmente da monocultura da cana-de-açúcar, era possível obter a subsistência, ao mesmo tempo em que se defendiam dos ataques dos senhores.

3 O QUILOMBO NO PASSADO E NO PRESENTE

O quilombo representou o principal e o mais longínquo meio de luta e resistência contra a escravidão. Ele é, portanto, um fenômeno social de longa duração, pois à medida que o escravismo espalhava seus tentáculos pela sociedade brasileira, a sua negação também se fortalecia como sintoma da antinomia básica das sociedades escravistas. Isto é, os quilombos foram de suma importância no processo de erosão do regime, deteriorando e causando desassossego para a classe escravista, proprietários de uma estrutura de opressão de 300 anos. Nesse contexto, rebeliões, fugas, queima de engenhos e destruição de fazendas, suicídios e envenenamentos, organização e formação de quilombos no acolhimento e na emancipação dos cativos escravizados que fugiam em massa, aliados ao movimento abolicionista e à forte pressão internacional sofrida pelo Império brasileiro, resultaram na declaração da abolição e libertação dos negros, em 13 de maio de 1888.

Ademais, o Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão, adiando ao máximo a emancipação dos negros, por meio de leis possivelmente abolicionistas, mas que asseguravam a continuidade da lucrativa exploração da mão de obra dos escravizados (MARINGONI, 2011MARINGONI, G. O destino dos negros após a Abolição. Revista Desafios do Desenvolvimento, Brasília, ano 8, n. 70, p. 34–42, dez. 2011. Disponível em: http://www.desafios.ipea.gov.br. Acesso em: 2 maio 2022.
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).

Nessa perspectiva, Moura (1993)MOURA, C. Rebeliões da Senzala. 3. ed. São Paulo: Lech Livraria Editora Ciências Humana, 1993. aponta que os quilombos:

Durante todo o transcurso de sua existência, eles foram não apenas uma força de desgaste, atuando nos flancos do sistema, mas pelo contrário, agiam em seu centro, isto é, atingindo em diversos níveis as forças produtivas do escravismo e, ao mesmo tempo, criando uma sociedade alternativa que, pelo seu exemplo, mostrava a possibilidade de uma organização formada de homens livres. (MOURA, 1993, p. 37MOURA, C. Rebeliões da Senzala. 3. ed. São Paulo: Lech Livraria Editora Ciências Humana, 1993.).

Sem dúvida, os quilombos transcenderam os limites e o contexto da escravidão, pois continuam existindo e resistindo no Brasil pós-escravista enquanto espaços coletivos de memória, de tradição e de modos de produção que esbarram no modelo econômico hegemônico da zona rural e urbana brasileira. A organização dos quilombos do Brasil contemporâneo não corresponde mais à formatação dos quilombos do passado. Na sociedade brasileira do século XXI, o quilombo se manifesta como um fenômeno absolutamente multifacetado, variando bastante, dependendo da localidade, mas, em um elemento, ele se manteve fiel ao passado: o reconhecimento da identidade negra.

No Brasil, a modernização do campo ganhou força a partir do II Plano Nacional de Desenvolvimento, na década de 1970; por meio dela, objetivou-se “[...] ampliar a oferta de maquinário e insumos básicos à agricultura” (FARIAS, 2014, p. 30FARIAS, L. F. F. C. Agronegócio e luta de classes: diferentes formas de subordinação do trabalho ao capital no complexo citrícola paulista. São Paulo: Sundermann, 2014.). Porém, a mecanização do campo precarizou ainda mais o emprego dos trabalhadores rurais, além de dificultar a democratização das terras.

Enquanto em determinados países da Europa e América do Norte tal processo foi capaz de minimizar o poder das classes sociais dominantes amparadas na grande propriedade fundiária, nos países da América Latina a industrialização tardia submeteu a agricultura a uma modernização conservadora na qual os capitais nacionais e internacionais se aliaram ao latifúndio sob a égide do Estado, perpetuando relações arcaicas de dominação sobre a terra e o trabalho. (FARIAS, 2014, p. 31FARIAS, L. F. F. C. Agronegócio e luta de classes: diferentes formas de subordinação do trabalho ao capital no complexo citrícola paulista. São Paulo: Sundermann, 2014.).

Em 1985, com o início do processo de redemocratização, o problema se intensificou com o desenvolvimento crescente do agronegócio, estruturado por meio de tecnologias utilizadas em larga escala, tendo como consequência a destruição do meio ambiente e a concentração de renda nas mãos dos grandes produtores rurais.

Até a década de 1990 o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) injetava em média R$ 1 bilhão ao ano para o agronegócio. Depois disso, nos governos neoliberais esse montante subiu a R$ 6 bilhões e alcançou R$ 18 bilhões anuais durante os dois mandatos de Lula. (MARQUES, 2015, p. 56MARQUES, G. S. Luta camponesa e reforma agrária no Brasil. São Paulo: Sundermann, 2015.).

Insurgindo-se contra esse processo de monopólio da terra pelo empresariado do agronegócio exportador, os povos tradicionais, entre eles, as comunidades quilombolas, mantêmse na agricultura familiar, voltada para o mercado interno. Os povos quilombolas, que ainda conservam a tradição do plantio e da criação de animais, continuam lutando incessantemente pela permanência em suas terras. Apesar das garantias legais que legitimam a existência dessa população, a identificação, na prática, como sujeitos de direito é dificultosa e contraditória.

Como consequência de uma reivindicação histórica e por força dos movimentos sociais, a Constituição de 1988 concedeu aos quilombolas o direito a terra a partir do art. 68, do ADCT: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos” (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição Federal de 1988. Artigo 68 – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 de outubro de 1988.).

Finalmente, em 1988, a Carta Magna brasileira chancelou as demandas da população negra e reformulou o conceito de quilombola ao defini-lo como categoria de autodefinição e reparação de acesso a direitos, com caráter de “remanescentes”: “Quilombolas são grupos étnicos, predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias” (INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA [INCRA], 2008INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA [INCRA]. Instrução Normativa n. 49, de 29 de setembro de 2008. Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e o Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 190. Seção 1, p. 83–5, 1º out 2008. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=01/10/2008&jornal=1&pagina=83&totalArquivos=108. Acesso em: 1º maio 2022.
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
). A partir desse momento, as comunidades remanescentes quilombolas, invisibilizadas pela historiografia oficial, dariam início aos processos legais que garantiriam os direitos à territorialidade e à cidadania.

Neste sentido, a identidade de remanescente quilombola pode ser interpretada a partir de dois eixos: pertencimento a um grupo étnico e pertencimento a uma terra. “Este sentimento de pertença a um grupo e a uma terra é uma forma de expressão da identidade étnica e da territorialidade, construídas sempre em relação aos outros grupos com os quais os quilombolas se confrontam e se relacionam” (SCHMITT; TURATTI; CARVALHO, 2002, p. 4SCHMITT, A.; TURATTI, M. C. M.; CARVALHO, M. C. P. A atualização do conceito de Quilombo: identidade e território nas definições teóricas. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 5, n. 10, [s.p.], 2002. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1414-753X2002000100008. Acesso em: 15 maio 2022.
https://doi.org/10.1590/S1414-753X200200...
).

4 TERRAS QUILOMBOLAS E O LENTO CAMINHO DAS TITULAÇÕES

Da forma que foi escrito, o texto do art. 68, do ADCT, deixou margem para interpretações dúbias sobre quem eram os “remanescentes” das comunidades quilombolas, pois quilombo não era apenas um reduto de cativos fugidos como fora no passado, mas símbolo de uma luta histórica e coletiva pelo direito a terra. Nos últimos anos, diversos estudiosos ajudaram a revitalizar e a dar novos significados ao termo “quilombo”, dentre eles, podemos citar José Maurício Arruti (2006)ARRUTI, J. M. A. Mocambo: antropologia e história do processo de formação quilombola. Bauru: Edusc, 2006. 370 p., Ilka Boaventura Leite (2000)LEITE, I. B. Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas. Etnográfica, Lisboa, v. 4, n. 2, p. 333–54, 2000. DOI: https://doi.org/10.4000/etnografica.2769
https://doi.org/10.4000/etnografica.2769...
e Elaine Cantarino O'Dwyer (2002)O'DWYER, E. C. (Org.). Quilombos: identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002..

De acordo com a pesquisadora Ilka Leite (2000)LEITE, I. B. Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas. Etnográfica, Lisboa, v. 4, n. 2, p. 333–54, 2000. DOI: https://doi.org/10.4000/etnografica.2769
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, autora de Os Quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas, “o quilombo, [...] na atualidade, significa para esta parcela da sociedade brasileira [remanescentes das comunidades de quilombos] sobretudo um direito a ser reconhecido e não propriamente e apenas um passado a ser rememorado” (LEITE, 2000, p. 6LEITE, I. B. Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas. Etnográfica, Lisboa, v. 4, n. 2, p. 333–54, 2000. DOI: https://doi.org/10.4000/etnografica.2769
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). O processo de regulamentação de uma terra quilombola é burocrático e lento, pois ele abarca ao menos cinco etapas: identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e, finalmente, a titulação das terras. A participação das comunidades quilombolas é importante para se pensar nos processos e nos debates de mudança em relação à questão fundiária no Brasil.

O combate por melhores condições de vida e pelo direito à terra das comunidades negras rurais, remanescentes de quilombos, desde a promulgação da Constituição de 1988, gerou uma série de mobilizações que permitiram aos negros “recompor e reescrever uma narrativa única sobre sua história”, em que o quilombo “constitui-se em um projeto de afirmação de liberdade, de desejo de acolhimento na sociedade brasileira, tentativa de fazer a passagem da cidadania negada para a emancipação possível” (LEITE, 2002, p. 23LEITE, I. B. O legado do testamento: a comunidade de Casca em perícia. Florianópolis: NUER/UFSC, 2002.).

Segundo Eliane O'Dwyer (2002)O'DWYER, E. C. (Org.). Quilombos: identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002., “o quilombo adquire uma significação atualizada”, que não “evoca apenas uma ‘identidade histórica’”, mas assegura aos sujeitos no presente que “tenham como condição básica o fato de ocupar uma terra que, por direito, deverá ser em seu nome titulada” (O'DWYER, 2002, p. 13O'DWYER, E. C. (Org.). Quilombos: identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.). Para José Maurício Arruti (2006)ARRUTI, J. M. A. Mocambo: antropologia e história do processo de formação quilombola. Bauru: Edusc, 2006. 370 p., essa revitalização do conceito de quilombo passa por:

Largo processo de recuperação e reenquadramento de memórias até então recalcadas, e a revelação de laços históricos entre comunidades contemporâneas e grupos de escravos que, de diferentes formas e em diferentes momentos, teriam conseguido impor sua liberdade à ordem escravista. (ARRUTI, 2006, p. 28ARRUTI, J. M. A. Mocambo: antropologia e história do processo de formação quilombola. Bauru: Edusc, 2006. 370 p.).

Com a promulgação da Constituição Cidadã no final da década de 1980, várias comunidades quilombolas abriram processos no intuito de regularizar suas terras. Curiosamente, a primeira titulação oficial de um território quilombola se concretizou em 1995, quando o INCRA legalizou a comunidade Boa Vista, em Oriximiná, Pará. Ou seja, sete anos depois da Constituição de 1988 entrar em vigor. A lentidão dos processos e o baixo número de titulações são uma marca de todos os governos dos últimos 30 anos, e isso se deve, sobretudo, à força política e econômica dos grandes latifundiários e à bancada ruralista. De acordo com Fiabani (2017)FIABANI, A. Comunidades quilombolas: o peso da herança escrava. In: SIMPÓSIO NACIONAL, 4.; SIMPÓSIO DO NURBA, 7., A geopolítica territorial do Capital na Amazônia Legal e as comunidades tradicionais. 17 a 20 maio 2017, Palmas. Anais [...]. Palmas: Universidade Federal do Tocantins, 2017. p. 377–91., apenas 10% dos títulos foram concedidos, do total de 4.500 comunidades negras capacitadas para recebê-los.

O objetivo primário do artigo 68, do ADCT, é regulamentar os territórios quilombolas por meio das titulações. No entanto, pela morosidade do processo, notamos que a resolução da problemática fundiária não é prioridade para o Estado. Para as comunidades negras, a titulação das terras representa o direito de ser livre e de posse do espaço vivido, o reconhecimento da sua existência histórica de resistência, ancestralidade, cultura e memória, bem como a melhoria na infraestrutura da terra e o efetivo direito de acesso às políticas públicas, como educação, saúde, dentre outras.

Dessa maneira, é por intermédio das políticas públicas, alcançáveis apenas ao término do processo de titulação, que os quilombolas podem ter uma efetiva melhoria de vida, isto é, titulação é sinônimo de dignidade, cidadania e preservação da cultura negra, além de fornecer segurança jurídica, apaziguando até mesmo conflitos armados. Deste modo, não podemos separar a luta pelo direito a terra, na contemporaneidade, do percurso histórico quilombola. Ilka Leite, autora de Quilombos e quilombolas: cidodonio ou folclorização? afirma que:

A terra, evidentemente, é crucial para a continuidade do grupo, do destino dado ao modo coletivo de vida destas populações, mas não é o elemento de identificação principal. [...] o quilombo remete à ideia de nucleamento, de união, de associação solidária em relação a algo que está ou é considerado o que não é, o que está fora. A ideia de espacialidade fundase imposta por uma fronteira construída a partir de um modelo específico de segregação, sugere a predominância de uma dimensão relacional, mais do que um tipo de atividade produtiva ou vinculação com a terra. Quer dizer, a terra, base geográfica, está posta como condição de fixação, mas não como condição exclusiva para a existência do grupo. A terra é o que propicia condições de permanência, de continuidade das referências simbólicas importantes à consolidação do imaginário coletivo, e os grupos chegam por vezes a projetar nela sua existência. (LEITE, 1999, p. 137LEITE, I. B. Quilombos e quilombolas: cidadania ou folclorização? Horizontes antropológicos, Porto Alegre, v. 5, n. 10, p. 123–49, 1999.).

A legislação brasileira designa que a titulação de uma terra deve ser coletiva em nome da comunidade. Em concordância com a Instrução Normativa nº 57, estabelecida pelo INCRA, o itinerário de regularização da terra “culmina com a concessão do título de propriedade à comunidade, que é coletivo, pró-indiviso e em nome da associação dos moradores da área, registrado no cartório de imóveis” (INCRA, 2009INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA [INCRA]. Instrução Normativa n. 57, de 20 de outubro de 2009. Regulamenta os procedimentos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro de terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o Art. 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988 e o Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 201, Seção 1, p. 52–4, 21 out. 2009. 2009. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=21/10/2009&jornal=1&pagina=54&totalArquivos=68. Acesso em: 1º maio 2022.
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). Em sua obra Terras de Quilombo: cominhos e entraves do processo de titulação, Girolamo Treccani afirma que “a expedição do título não permite ao latifúndio continuar a se apoderar das terras quilombolas” (TRECCANI, 2006, p. 198TRECCANI, G. D. Terras de Quilombo: caminhos e entraves do processo de titulação. Belém: Secretaria Executiva de Justiça/Programa Raízes, 2006.). Sendo assim, o reconhecimento, por parte do poder público, do espaço territorial negro “enquanto território étnico inalienável retira estas terras do mercado coibindo a apropriação particular ilegítima” (TRECCANI, 2006, p. 166TRECCANI, G. D. Terras de Quilombo: caminhos e entraves do processo de titulação. Belém: Secretaria Executiva de Justiça/Programa Raízes, 2006.), e, acrescenta o autor, “a documentação dos territórios quilombolas [...] está tendo, portanto, reflexos na própria estrutura agrária regional, democratizando o acesso à terra e evitando a concentração da propriedade nas mãos de poucos” (TRECCANI, 2006, p. 166TRECCANI, G. D. Terras de Quilombo: caminhos e entraves do processo de titulação. Belém: Secretaria Executiva de Justiça/Programa Raízes, 2006.).

A terra é, portanto, “o que propicia condições de permanência e de continuidade das referências simbólicas importantes à consolidação do imaginário coletivo, e os grupos chegam por vezes a projetar nela sua existência” (LEITE, 2000, p. 344–5LEITE, I. B. Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas. Etnográfica, Lisboa, v. 4, n. 2, p. 333–54, 2000. DOI: https://doi.org/10.4000/etnografica.2769
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). Sem dúvida, o obstáculo central que impede o efetivo cumprimento do artigo 68 é que a regularização fundiária das comunidades negras se choca com a expansão do latifúndio dos grandes produtores rurais. A dificuldade de se cumprir o que foi estabelecido em lei há 30 anos reside no fato de que, em grande medida, o Estado opera dentro dos interesses do agronegócio, além da morosidade excessiva do Estado brasileiro em dar cumprimento ao direito constitucional quilombola de acesso a terra.

Nesse contexto, destacamos a situação de vulnerabilidade e opressão enfrentada pelas comunidades quilombolas no país, principalmente devido à não titulação de suas terras tradicionais e não execução do Decreto Federal n. 4.887/03 – que regulamenta o procedimento de titulação dos territórios quilombolas no Brasil (BRASIL, 2003BRASIL. Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 227, seção 1, p. 4-5, 21 nov. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4887.htm. Acesso em: 10 maio 2022.
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). Além do mais, a política pública de titulação dos territórios ainda está muito aquém da expectativa de execução do direito constitucional a elas assegurado, desafiando totalmente o direito constitucional e convencional da duração razoável do processo.

Em seu livro Os pretos de Bom Sucesso: terra de preto, terra de santo, terra comum, o antropólogo Benedito Souza Filho (2008)SOUZA FILHO, B. Os pretos de Bom Sucesso: terra de preto, terra de santo, terra comum. São Luís: Edufma, 2008. realiza um estudo seminal, a partir da memória oral e pesquisa etnográfica, sobre os elementos que demarcam a identidade étnica de remanescentes quilombolas num contexto de conflito territorial. Para o pesquisador, 5% do total de 850 milhões de hectares do território brasileiro pode ser comprometido no processo de legalização das terras, ou seja, a titulação é um problema para o Estado porque interfere diretamente nos interesses do mercado de terras; “pode-se imaginar a preocupação em transferir para os quilombolas esse volume de terras, o que representaria a exclusão de uma fatia significativa do estoque de terras disponíveis nas transações de compra e venda” (SOUZA FILHO, 2008, p. 17SOUZA FILHO, B. Os pretos de Bom Sucesso: terra de preto, terra de santo, terra comum. São Luís: Edufma, 2008.).

Desta forma, começamos a tatear e compreender os motivos do baixíssimo número de titulações e a morosidade burocrática do processo. Em sua pesquisa Direito, devir negro e conflito ecológico distributivo, a jurista Maria Tárrega demonstra alguns dos graves problemas que decorrem da falta de agilidade dos órgãos competentes que titulam e regularizam terras no país, sendo o mais urgente deles a morte de quilombolas em disputas territoriais com agentes do agronegócio. Segundo a jurista:

A Terra de direitos fez uma análise em 2016 segundo a qual, em 5 anos, o orçamento para a regularização dos territórios quilombolas caiu 97%. Também analisa dados de certificação/titulação, concluindo que, nesse ritmo, seriam mais de 900 anos para que todas as comunidades já certificadas recebessem seus títulos de propriedade. (TÁRREGA, 2018, p. 135TÁRREGA, M. C. V. B. Direito, devir negro e conflito ecológico distributivo. Revista da Faculdade de Direito da UFG, Goiânia, v. 42, n. 2, p. 120–40, maio/ago. 2018.).

No Brasil, legalmente, devido à sua condição de escravizados, os negros eram impossibilitados de possuir terras e, posteriormente, com o regime de Sesmarias (lei que distribuía as terras entre produtores, obrigando-os a nelas manter algum tipo de cultivo) e a Lei nº 601, de 18/09/1850 (Lei de Terras) (BRASIL, 1850BRASIL. Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do Império, e acerco das que são possuídas por títulos de sesmarias sem preenchimento das condições legais, bem como por simples títulos de posse mansa e pacífica; e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a títulos oneroso, assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara. Coleção das Leis do Brasil, Rio de Janeiro, 1850. V. 1. p. 307. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L0601-1850.htm. Acesso em: 10 maio 2022.
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), a situação ficou ainda mais acentuada, de forma que a exclusão dos negros escravizados e libertos é notória, ou seja, ficam impedidos de possuir terras, embora sejam herdadas ou compradas de seus antigos senhores. Todavia, os efeitos desta lei podem ser vistos atualmente, quando se discute a questão agrária no Brasil contemporâneo e, em particular, o grave problema da concentração fundiária, processo histórico que se perpetua até hoje e é constantemente associado à questão da colonização do país.

Dessa maneira, o território quilombola, enquanto comunidade negra rural, ao longo do tempo, tem assegurado o sentimento de pertença a um território da negritude, a “um processo político de tomada de consciência de pertencer a uma raça que foi submetida à opressão colonial eurocêntrica” (AMADOR DE DEUS, 2008, p. 121AMADOR DE DEUS, Z. Os herdeiros de Ananse: movimento negro, ações afirmativas, cotas para negros na universidade. 2008. 295 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Pará, Belém, 2008.). Porém, vale destacar que essa tomada de consciência inspira a luta pela permanência na terra e se constitui no campo político, por meio do qual as comunidades quilombolas traçam estratégias de afirmação a partir do acionamento de uma identidade negra.

No entanto, no Brasil, ainda existem obstáculos quanto à comprovação dos limites territoriais nas terras ocupadas por populações tradicionais, e, isso se dá pelas dificuldades da história oral, como uma das únicas fontes documentais das comunidades quilombolas, bem como, incontestavelmente, a história da terra no Brasil.

Logo, quando falamos em titulação de terras, não estamos nos referindo à sobrevivência de um único indivíduo ou de uma única família, mas a todo um núcleo comunitário étnico. Os dispositivos constitucionais que versam sobre o tema buscam preservar, além da terra, a cultura e o meio ambiente. A posse da terra está intimamente relacionada com a manutenção dos ritos, das manifestações culturais e até mesmo com a proteção da ecologia local. Entretanto, a proteção legal não está sendo cumprida de maneira eficaz e exemplar, diz Sarmento (2006)SARMENTO, D. A garantia do direito à posse dos remanescentes de guilombos antes da desapropriação. [Parecer de 9 de outubro de 2006, encaminhado à Advocacia Geral da União]. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/dados-da-atuacao/grupos-de-trabalho/gt-quilombos/legislacao-l/pareceres/Dr_Daniel_Sarmento.pdf/at_download/file. Acesso em: 19 jun. 2021.
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:

Infelizmente, os números, neste particular, são mais que eloquentes: embora a Fundação Cultural Palmares estime serem mais de 1.000 as comunidades de remanescentes de quilombos existentes no Brasil, sendo grande parte delas localizada, no todo ou em parte, em propriedades particulares, contam-se nos dedos as desapropriações já promovidas visando à futura titulação de territórios quilombolas. (SARMENTO, 2006, p. 3SARMENTO, D. A garantia do direito à posse dos remanescentes de guilombos antes da desapropriação. [Parecer de 9 de outubro de 2006, encaminhado à Advocacia Geral da União]. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/dados-da-atuacao/grupos-de-trabalho/gt-quilombos/legislacao-l/pareceres/Dr_Daniel_Sarmento.pdf/at_download/file. Acesso em: 19 jun. 2021.
http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/cc...
).

Os números são alarmantes e decepcionantes, pois, se a ineficácia do Estado permanecer no mesmo ritmo, e tudo indica que sim, a regularização das terras já certificadas e capacitadas para serem tituladas demorará quase 1.000 anos, se compararmos o número de processos abertos com o tempo médio de uma titulação. A negligência do Poder Público, que muitas vezes se encontra a serviço de interesses privados, em acolher e aprovisionar de políticas públicas as comunidades negras, remanescentes de quilombos, é prejudicial não só para essas populações tradicionais, mas para a população brasileira em geral, que assiste, passivamente, à debilidade do nosso Estado Democrático de Direito.

Ademais, foi publicada a Portaria n. 57/2022, de 31 de março de 2022 (BRASIL, 2022BRASIL. Ministério do Turismo, Fundação Cultural Palmares – FCP. Portaria FCP n. 57/2022, de 31 de março de 2022. Institui o Cadastro Geral de Remanescente dos Quilombos e estabelece os procedimentos para expedição da Certidão de autodefinição na Fundação Cultural Palmares – FCP Diário Oficial da União (DOU), Brasília, DF, n. 64, Seção 1, p. 208, 4 abr. 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-57-de-31-de-marco-de-2022. Acesso em: 11 maio 2022.
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), publicada em 4 de abril de 2022, na edição 64, do Diário Oficial da União (DOU), da Fundação Cultural Palmares- FCP, na qual se estabelecem burocracias para a emissão de novas certidões de autodeclaração quilombola para comunidades. Conforme a portaria, assinada pelo presidente substituto, Marco Antônio Evangelista Barbosa, a comunidade solicitante poderá ser notificada, mediante portal eletrônico, pela FCP, se houver necessidade de complementar a documentação encaminhada.

Diante disso, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) repudia veemente a devida portaria, a qual foi publicada sem consulta às comunidades quilombolas, burocratizando o procedimento de expedição das certidões de autorreconhecimento, além da violação ao Art. 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). De acordo com a Coordenação Executiva da CONAQ (2022)COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS [CONAQ]. Nota de Repúdio à Portaria 57/2022 –FCP. Brasília, DF: Coordenação Executiva da CONAQ, 2022. Disponível em: http://conaq.org.br/noticias/nota-de-repudio-a-portaria-57-2022-fcp/. Acesso em: 11 maio 2022.
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:

Mais uma vez o Estado debate e publica uma norma sobre nós, quilombolas, sem nos escutar. Apesar do art. 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) impor ao Estado brasileiro a obrigação de consultar quilombolas sempre que qualquer medida administrativa tiver a possibilidade de afetar as comunidades, a Fundação Cultural Palmares não nos consultou sobre essa portaria. (CONAQ, 2022, s.p.COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS [CONAQ]. Nota de Repúdio à Portaria 57/2022 –FCP. Brasília, DF: Coordenação Executiva da CONAQ, 2022. Disponível em: http://conaq.org.br/noticias/nota-de-repudio-a-portaria-57-2022-fcp/. Acesso em: 11 maio 2022.
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).

Para a CONAQ (2022)COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS [CONAQ]. Nota de Repúdio à Portaria 57/2022 –FCP. Brasília, DF: Coordenação Executiva da CONAQ, 2022. Disponível em: http://conaq.org.br/noticias/nota-de-repudio-a-portaria-57-2022-fcp/. Acesso em: 11 maio 2022.
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, o documento também institui obrigações para análise de solicitações quanto à expedição de certidão de autorreconhecimento de comunidades quilombolas, como apresentar endereço de e-mail da comunidade, situação que pode deixar de fora quilombos sem acesso à internet; impõe que as comunidades devam enviar à FCP um relato sobre a história da comunidade, com dados e documentos comprobatórios; concede o prazo de somente 30 dias para a comunidade providenciar mais documentos e informações sobre o pedido de certidão, quando a FCP entender necessário; prevê a notificação por diário oficial para as comunidades que não responderem ao ofício da FCP com pedido de complementação de informações, procedimento puramente formal, burocrático e custoso, que impossibilita o acesso das comunidades a essa informação, haja vista não consultarem o Diário Oficial com frequência.

Outro ponto que merece destaque, na Portaria n. 57/2022, é que a FCP também previu que qualquer órgão do Estado, até os que se opõem diretamente às comunidades quilombolas, possam duvidar e, talvez, investigar sobre a consistência do relato histórico construído pelas comunidades. O documento também concede a revisão das certidões já expedidas, sem o devido diálogo com os quilombolas, violando totalmente o direito ao autorreconhecimento da identidade coletiva.

Diante deste contexto, observamos que a FCP contribui cada vez mais com a morosidade nas certidões de autodeclaração de identidade coletiva quilombola, além da tolerância de posturas racistas contra a plena liberdade do povo quilombola.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estabelecer políticas compensatórias para as comunidades tradicionais, sejam elas indígenas ou negras, como a garantia do direito a terra, por meio da regularização fundiária, é a principal forma de sobrevivência das populações que residem em quilombos. No entanto, a política pública enquanto instrução para a prática não é eficiente se não possuir mecanismos técnicos e políticos para que os objetivos sejam alcançados. A vagarosidade excessiva do processo de titulação das terras ocasiona, nas comunidades quilombolas, um sentimento de abandono e negligência do Estado, e a própria construção da identidade étnica quilombola evidencia essa sensação de desassistência.

É verdade que, somente em 1988 – 100 anos após a abolição da escravidão –, a Constituição Federal de 1988 reconheceu, pela primeira vez, a existência e os direitos dos quilombos contemporâneos. A Carta Magna garantiu às comunidades descendentes de quilombos o direito à propriedade de seus territórios coletivos. Todavia, a concretização do direito dos quilombolas às suas terras representa até hoje um grande desafio.

Entretanto, a Constituição cidadã acendeu o debate, ressignificou o conceito de quilombo e projetou no cenário político nacional grupos até então marginalizados. Por meio dela, os movimentos negros, urbanos e rurais tomaram consciência de seus direitos fundiários, e as disputas pela terra ganharam novos capítulos. Porém, apesar do aumento cada vez mais significativo de comunidades autodeclaradas quilombolas, a titulação de terras não seguiu o mesmo compasso. Como vimos anteriormente, a terra não pode ser resumida a uma questão puramente econômica, de produção de alimento, mas é também o lugar de existência e resistência simbólica-cultural da comunidade. Os quilombos que sobreviveram ao tempo se incorporaram nas lutas das classes trabalhadoras urbanas e rurais e, com as vivências históricas de luta, constroem coletivamente novos horizontes de organização social, de modos de produção e maior equanimidade na distribuição de terras.

Portanto, o processo de titulação de terras quilombolas é imprescindível à autonomia e às resistências desses grupos. A não titulação representa o aniquilamento desses povos. É imprescindível a titulação das terras pelo Estado para preservar a história, os costumes e a cultura dessas comunidades.

REFERÊNCIAS

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  • BRASIL. Ministério do Turismo, Fundação Cultural Palmares – FCP. Portaria FCP n. 57/2022, de 31 de março de 2022. Institui o Cadastro Geral de Remanescente dos Quilombos e estabelece os procedimentos para expedição da Certidão de autodefinição na Fundação Cultural Palmares – FCP Diário Oficial da União (DOU), Brasília, DF, n. 64, Seção 1, p. 208, 4 abr. 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-57-de-31-de-marco-de-2022 Acesso em: 11 maio 2022.
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  • BRASIL. Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 227, seção 1, p. 4-5, 21 nov. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4887.htm Acesso em: 10 maio 2022.
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  • BRASIL. Constituição Federal de 1988. Artigo 68 – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 de outubro de 1988.
  • BRASIL. Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do Império, e acerco das que são possuídas por títulos de sesmarias sem preenchimento das condições legais, bem como por simples títulos de posse mansa e pacífica; e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a títulos oneroso, assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara. Coleção das Leis do Brasil, Rio de Janeiro, 1850. V. 1. p. 307. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L0601-1850.htm Acesso em: 10 maio 2022.
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  • COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS [CONAQ]. Nota de Repúdio à Portaria 57/2022 –FCP. Brasília, DF: Coordenação Executiva da CONAQ, 2022. Disponível em: http://conaq.org.br/noticias/nota-de-repudio-a-portaria-57-2022-fcp/ Acesso em: 11 maio 2022.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Set 2021
  • Revisado
    29 Abr 2022
  • Aceito
    31 Maio 2022
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