Open-access Violência contra profissionais de saúde: eventos noticiados pela mídia sul-mato-grossense

Violence against healthcare professionals: events reported by the press of Mato Grosso do Sul

Violencia contra profesionales de la salud: eventos informados por la prensa de Mato Grosso do Sul

Abstract

Este artigo tem como objetivo realizar um levantamento dos relatos de violência ocorrida no ambiente de trabalho contra profissionais de saúde em Mato Grosso do Sul e que foram noticiados pela mídia. Trata-se de um estudo de natureza mista (quantitativo e qualitativo), de base documental, fundamentado em análise de conteúdos jornalísticos. Os dados foram extraídos de jornais on-line de Mato Grosso do Sul, com o recorte temporal de 1º de janeiro de 2012 a 30 de março de 2024. Utilizou-se análise descritiva, com base na técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin. Foram identificados, na mídia, 44 casos de profissionais vítimas de violência no trabalho, sendo a maioria do sexo feminino (51%). Os profissionais de enfermagem foram os mais citados nas matérias jornalísticas, representando 57% dos conteúdos publicados. A violência física (88%) foi a forma mais reportada, e um dos principais motivos de agressão foi a discordância de pacientes quanto ao manejo do atendimento (29%).

Palavras-chave:
enfermagem; meios de comunicação de massa; profissional de saúde; vigilância em saúde do trabalhador; violência no trabalho.

Abstract

This article aims to carry out survey of violence reports which occurred in the work environment against health professionals in Mato Grosso do Sul that were reported by the media. This is a mixed-method study (quantitative and qualitative) based on documentary research, grounded in the analysis of journalistic content. The data were extracted from online newspapers in Mato Grosso do Sul, with a time frame from January 1st, 2012, to March 30th, 2024. Forty-four cases of healthcare professionals who were victims of workplace violence were identified in the media, the majority of whom were female (51%). Nursing professionals were the most frequently mentioned in the news, representing 57% of the published content. Physical violence (88%) was the most frequently reported form of violence, and one of the main reasons for aggression was patients’ disagreement regarding the management of care (29%).

Keywords:
nursing; mass media; health personnel; surveillance of the workers’; health; workplace violence.

Resumen

Este artículo tiene como objetivo realizar un estudio de las denuncias de violencia en el lugar de trabajo contra profesionales de la salud en Mato Grosso do Sul reportadas por los medios de comunicación. Este es un estudio de carácter mixto (cuantitativo y cualitativo) con base documental, basado en el análisis de contenidos periodísticos. Los datos fueron extraídos de periódicos digitales de Mato Grosso do Sul, con un período de tiempo comprendido entre el 1 de enero de 2012 y el 30 de marzo de 2024. Se utilizó análisis descriptivo, basado en la técnica de análisis de contenido propuesta por Bardin. Fueron identificados en los medios de comunicación 44 casos de profesionales de la salud víctimas de violencia en el trabajo, la mayoría de ellos mujeres (51%). Los profesionales de enfermería fueron los más citados en los contenidos periodísticos, representando el 57% del contenido publicado. La violencia física (88%) fue la forma más frecuentemente reportada.

Palabras clave:
enfermería; medios de comunicación de masas; personal de salud; vigilancia de la salud del trabajador; violencia laboral.

1 INTRODUÇÃO

A violência compreende vários conceitos, pois trata-se de um fenômeno de circunstâncias complexas que carrega consigo, principalmente, a influência cultural, uma vez que se perpetua por segmentos sociais, econômicos, políticos e institucionais (Minayo, 2020). Inserida em diversos âmbitos sociais, a violência relacionada ao trabalho (VRT) abrange diversas formas de agressão, seja psicológica, seja moral, seja física, seja sexual, ocorridas no ambiente de trabalho ou em contextos ligados ao trabalho (Pereira et al., 2024).

As relações socias no âmbito laboral são profundamente influenciadas por estruturas de poder, desigualdades e dominação (Cunha Júnior , 2022). A VRT pode ser encarda como um reflexo dessas desigualdades, a qual se perpetua através das relações de poder desiguais entre superiores hierárquicos e subordinados, bem como entre diferentes grupos de trabalhadores e indivíduos que, mesmo não fazendo parte do ambiente de trabalho em si, desempenham relações com os trabalhadores - como prestadores de serviço, clientes ou familiares - evidenciando as complexas relações que sustentam a violência (Cunha Júnior, 2022).

Os profissionais da saúde são constantemente vítimas de violência relacionada ao trabalho (Oliveira et al., 2022). Estudos nacionais (et al., 2023; Busnello et al., 2021b) e internacionais (Ünal; İşcan; Ünal, 2022; Bhusal; Adhikari; Singh Pradhan, 2023) apontam que a VRT é um problema que impacta a integridade física e emocional do servidor. Além das consequências negativas para as instituições, também há a diminuição do interesse e desempenho no trabalho, o esgotamento, a redução de horas de trabalho, a sobrecarga na equipe e o desgaste profissional.

A Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em junho de 2019, foi o primeiro tratado internacional a reconhecer o direito a um ambiente de trabalho livre de violência e assédio. A Convenção 190 define “violência e assédio” como comportamentos ou práticas inaceitáveis - isoladas ou recorrentes - que visam, causam ou têm o potencial de causar danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos. O conceito inclui também a “violência e o assédio de gênero”, motivados pelo sexo ou gênero da pessoa (Garcia, 2023).

Estudos recentes têm evidenciado a naturalização da VRT entre profissionais da saúde, o que configura um fenômeno preocupante (Sturbelle et al., 2020). A banalização de comportamentos hostis, frequentemente incorporados à rotina de trabalho como parte inerente da prática profissional, contribui para a legitimação da violência como algo esperado e, portanto, tolerado nas redes de atenção à saúde (Oliveira et al., 2022; Sturbelle et al., 2020).

Para exemplificar tal gravidade, um estudo realizado na Turquia identificou que a maioria dos profissionais da área da saúde, de sua pesquisa, indicou ter sido alvo de violência no ambiente de trabalho; no entanto, apenas 12,1% denunciaram a ocorrência e 19,1% procuraram as autoridades locais para prestar queixa. Dentre os motivos mais apontados pelos profissionais para não formalizarem denúncias dos episódios de violência vivenciados, destacam-se a naturalização dessas ocorrências no ambiente de trabalho e a percepção de ineficácia nos mecanismos de denúncia, sob a crença de que tais ações não resultariam em mudanças concretas (Ünal; İşcan; Ünal, 2022).

No cenário atual, os veículos de mídia são significativos nos processos identitários de todas as profissões, em especial na área da saúde (Broering et al., 2023). Paralelamente a isso, é necessário analisar como a violência é reportada pela mídia, assim como compreender as condições de trabalho em que os profissionais estão inseridos.

Analisar tais veículos midiáticos que abordam a VRT não se limita apenas ao fato de entender quais tipos de violência foram retratadas, mas sim trazer visibilidade a um fenômeno que muitas vezes é silenciado por parte da vítima, seja pelo medo, seja pela vergonha, seja pelas consequências da denúncia (Busnello et al., 2021b). E, sob essa ótica, considerando fortalecer a cultura de denúncia e acolhimento desses profissionais que se encontram cotidianamente expostos à violência no ambiente de trabalho (Oliveira et al., 2022; Ünal; İşcan; Ünal, 2022; et al., 2023; Bhusal; Adhikari; Singh Pradhan, 2023), este estudo é justificado.

Dessa forma, o objetivo desta pesquisa foi realizar um levantamento dos relatos de violência ocorridos no ambiente de trabalho contra profissionais de saúde em Mato Grosso do Sul, conforme noticiados pela mídia regional, investigando as principais características da violência relacionada ao trabalho, bem como os fatores motivadores das agressões descritos nas matérias jornalísticas.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A concepção de violência abrange diferentes perspectivas teóricas que buscam compreender sua natureza e as distintas formas de manifestação ao longo da história da humanidade (Arendt, 1970). Discutir as causas da violência constitui um campo amplo e complexo, que envolve muitos especialistas das diversas áreas, como antropologia, psicologia e sociologia, os quais debatem os determinantes biológicos, sociais e culturais da agressividade no comportamento humano, incluindo até um novo campo da ciência, a polemologia, que estuda os conflitos humanos, as lutas, a paz e a própria violência (Arendt, 1970).

Assim como os outros animais, os seres humanos também apresentam comportamentos territorialistas e grupais, o que sugere uma sequência evolutiva em certos padrões e condutas. Para entender que a superpopulação gera estresse e agressividade, não são necessários estudos em laboratório, uma vez que, se analisarmos um dia comum nas favelas das cidades grandes, encontraremos irritação e violência (Tinbergen, 1968). Dessa forma, questiona-se: se o homem e os demais animais apresentam características semelhantes e pertencem ao mesmo reino, como podem ser considerados espécies tão distintas? O que diferencia realizar estudos comportamentais com o ser homem e o ser animal, se ambos compreendem condutas semelhantes? A reflexão é clara: experiências com animais são mais “fáceis”, não só por questões humanitárias, mas também porque o ser humano sabe como enganar (Arendt, 1970).

Tratar do comportamento violento entre os seres humanos é entender que a agressividade é um impulso instintivo que exerce as mesmas atribuições que o instinto nutritivo e sexual do homem em seu processo vital da espécie. No entanto, tais impulsos são despertados por necessidades fisiológicas ou estímulos externos. A agressividade, por sua vez, independe de uma provocação. A psicologia afirma que a ausência de provocação leva à repressão da agressividade, que pode acumular “energia” e, em uma eventual explosão, ser tão perigosa quanto uma provocação prévia (Aron, 1968).

Seria, então, o ódio a natureza dessa agressividade? Utilizar o ódio como causa da violência é colocar em uma balança pesos diferentes. O ódio não é uma reação automática, não há quem reaja a um tsunami com sentimento de ódio, apenas onde houver uma razão para presumir que tais condições poderiam ser mutáveis, assim como quando nosso senso de justiça for ferido e reagirmos com ódio. É fato que a violência é um meio tentador quando se enfrentam situações ultrajantes, em razão de sua rapidez. Contudo, agir de forma deliberada vai em desencontro com o sentimento de ódio. Dessa forma, o ódio e a violência, ainda que não sejam, de fato, uma regra, figuram entre as emoções humanas naturais, e libertar o homem de tais emoções não o tornaria homem (Arendt, 1970).

Em determinado momento, discute-se a relação entre violência e poder, afirmando que a violência é a manifestação mais clara de demonstrar poder. É através do poder que se entende a dominação, ou seja, corresponde a fazer com que o outro aja conforme o querer de quem tenta exercer o papel dominante (Jouvenel, 1945).

Nessa perspectiva, aplicando esses dois contextos na prática, questiona-se: o uso da agressividade como rota de autoridade é o que leva um usuário do Sistema Único de Saúde a exercer o ato de agredir um profissional da área da saúde para conseguir o que deseja de forma imediata? Reforça-se que isso dependerá do que se entende por poder, uma vez que a natureza do poder é a efetividade do domínio, ou seja, de qual forma a ordem dada por um bandido armado seria diferente da dada por um policial com uma arma em mãos. Isto é, seria cabível que o profissional rebatesse uma agressão com outra agressão, demonstrando assim a autoridade no estabelecimento de trabalho? O desfecho é claro: não.

Em síntese, é insustentável afirmar que a violência e o poder são a mesma coisa; tal hostilidade ocorrerá onde o poder estiver em perigo. Por isso, exercer da violência como via para conseguir um atendimento, ou para ser atendido de forma mais rápida, não prestigiará o “domínio” na situação; ao contrário, o comportamento adotado torna-se motivo para cessar sua autoridade, pois a violência pode destruir o poder, mas é incapaz de criá-lo (Arendt, 1970).

3 PROCEDIMENTOS MÉTODOLÓGICOS

Trata-se de um estudo de natureza mista (quantitativo e qualitativo) de base documental, fundamentado em análise de conteúdos jornalísticos. Primeiramente, os dados foram extraídos a partir de fontes que compreendiam matérias jornalísticas sobre VRT contra profissionais de saúde no estado de Mato Grosso do Sul, veiculadas nos seguintes portais online de abrangência regional: Campo Grande News, Correio do Estado, Jornal Midiamax, G1 MS, Dourados News, RCN67, Opantaneiro, Radiocacula.com e Diarionline - Corumbá, com o recorte temporal de 1º de janeiro de 2012 a 30 de março de 2024.

A análise em base documental é uma concepção metodológica que se constituiu como uma das principais formas de construção do conhecimento no meio da pesquisa desde o século XIX. O método de análise documental propõe que o pesquisador não esteja diretamente na construção dos dados e informações da respectiva fonte selecionada, no entanto, cabe a esta metodologia de análise circunscrever as informações obtidas, de modo que limite ao objetivo abordado na pesquisa, evitando a inclusão de informações que não estejam diretamente associadas ao foco principal do estudo (Grazziotin; Klaus; Pereira, 2022).

A análise de conteúdo é uma ferramenta de pesquisa que possibilita compreender mensagens, padrões e significados subjacentes em textos, com o objetivo de interpretar e sistematizar as mensagens contidas em textos e falas (Bardin, 1997). Esse método, no geral, engloba três fases fundamentais que moldam a análise de conteúdo. A primeira fase, chamada de pré-análise, tem como foco o alcance do objetivo da pesquisa, bem como a definição do material a ser analisado (discursos, entrevistas, jornais, entre outros). Nessa primeira fase, é realizada uma organização inicial, traçando critérios de categorização e codificação para estabelecer o que será analisado.

Na segunda fase, ocorre a exploração do conteúdo, que consiste em codificar um produto bruto (conteúdo jornalístico de violência relacionada ao trabalho), transformando-o em informações manejáveis. Isso inclui reconhecer e distinguir elementos repetitivos, abrangentes e redundantes. É nessa hora que ocorre a divisão dos dados quantitativos (indicadores frequentes nos próprios elementos da mensagem) e qualitativos (interpretar o sentido e o pretexto por trás do tema). Por fim, a terceira e última fase se destaca pela ação de tratamento dos dados, que se baseia em buscar relações entre os achados, relacionando categorias e possíveis interpretações dentro do contexto social, cultural ou psicológico (Bardin, 1997).

Diante disso, após a fundamentação da pesquisa, realizou-se a coleta de dados entre os meses de abril e maio de 2024, aplicando-se os termos de busca: violência no trabalho, agressão, profissional da saúde, desacato, ameaça e insulto. Em primeira instância, foi realizada uma varredura não intencional nos sites que mais apresentavam conteúdos jornalísticos de violência contra profissionais da saúde no estado de Mato Grosso do Sul. Posteriormente, foram ranqueados os portais com maior número de produções jornalísticas publicadas nas principais cidades do estado.

Em seguida, foram identificados 60 conteúdos jornalísticos veiculados no período recortado. No entanto, a partir de uma leitura inspecional do material coletado, foram excluídos os conteúdos duplicados, totalizando, ao final, 40 matérias jornalísticas com 44 casos de violência, que citavam mais de uma vítima no conteúdo levantado. Os critérios de elegibilidade foram baseados na questão norteadora: quais as características das agressões relacionadas ao trabalho na área da saúde publicadas pelos principais jornais online sul-mato-grossenses? Dentro dessa proposta, foram incluídas matérias jornalísticas que abordavam o motivo da agressão, quem foi o agredido, local da agressão, tipo de violência e quem foi o agressor.

Os dados foram tabulados por meio de uma planilha, utilizando o software Excel da Microsoft. A partir da leitura das matérias jornalísticas, foram criadas variáveis categóricas para a extração e organização dos dados: sexo da vítima, idade, ocupação, local de ocorrência da agressão, cidade, tipo de violência, motivo da agressão, meios de agressão, sexo do agressor, grau de relação com a vítima e veículo de imprensa reportado.

Algumas transcrições dos relatos divulgados na mídia foram utilizadas para identificar os motivos das agressões. Cada relato foi codificado utilizando a citação da matéria jornalística.

Os dados utilizados nesta pesquisa são de domínio público, não sendo exigida a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, nem o consentimento prévio das pessoas mencionadas nas produções jornalísticas veiculadas pela mídia.

3 RESULTADOS

Conforme a análise das matérias jornalísticas, 44 profissionais foram vítimas de violência relacionada ao trabalho, com idade média de 38,7 anos (dp= 8,9), sendo a maioria do sexo feminino. Observou-se que as categorias de profissionais com mais casos de violência registrada foram médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. A maioria dos casos ocorreu nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA), conforme a tabela 1.

Tabela 1
Caracterização do perfil dos profissionais da saúde que sofreram agressão e local de ocorrência noticiados pela mídia. Mato Grosso do Sul, Brasil. 2012-2024, (n=44)

Campo Grande, Corumbá, Três Lagoas, Dourados e Rio Negro foram as cidades com maiores taxas de violência relacionada ao trabalho, respectivamente (Figura 1).

Figura 1
Cidades do estado de Mato Grosso do Sul que mais reportaram matérias jornalísticas de violência contra profissionais da saúde. Mato Grosso do Sul, Brasil. 2012-2024, (n=44)

A violência física foi a mais reportada nesse período. Os agressores são predominantemente do sexo masculino, a maioria sendo paciente do serviço de saúde. Em segundo lugar, figuram como agressores os próprios colegas de trabalho das vítimas. A maneira como as agressões foram perpetradas são demonstradas na Tabela 2.

Tabela 2
Caracterização da violência contra os profissionais da saúde noticiados pela mídia. Mato Grosso do Sul, Brasil. 2012-2024, (n=41)

Em análise, verifica-se que, ao longo dos anos de 2012 a 2024, ocorreu uma variação nos números de casos de violência contra profissionais da saúde reportados pela mídia. Destaca-se que, de 2012 a 2017, houve um aumento no número de conteúdos jornalísticos publicados. Nota-se, no entanto, que na Figura 2, no ano de 2018, não foram registrados casos de violência contra profissionais da saúde no Estado de Mato Grosso do Sul nos veículos de imprensa. A partir do ano de 2021 ocorreu um aumento das produções jornalísticas relacionadas a VRT, permanecendo em alta até 2023.

Figura 2
Distribuição das matérias jornalísticas durante os anos de 2012-2024. Mato Grosso do Sul, Brasil. 2012-2024, (n=40)

O jornal Campo Grande News foi o veículo de mídia que mais noticiou violências contra profissionais da área da saúde 29% (n=12).

O processo de análise das informações fez emergir cinco categorias sobre os motivos que levaram às agressões: 1) não concordavam com o manejo do atendimento; 2) conflitos entre profissionais; 3) demora no atendimento; 4) surto psiquiátrico; e 5) motivos externos.

Categoria 1 - Não concordavam com o manejo do atendimento

O gerenciamento do cuidado ao paciente é de responsabilidade do profissional da saúde, especialmente na maneira de conduzir o atendimento ao usuário. No que concerne às matérias jornalísticas, o motivo que impulsionava as agressões contra os profissionais de saúde, no caso de pacientes, era a discordância em relação à maneira como o atendimento era realizado, conforme mencionado nos trechos a seguir:

O paciente deu entrada no início da tarde na unidade em busca de atendimento, alegando estar com uma ferida em seu órgão genital. Um médico homem foi acionado para atender ele, que não ficou à vontade com a médica mulher (Peres, 2023 ).

A paciente sofreu uma queda da própria altura. Então, foi colocada a sonda, mas a idosa tentou tirar e foi impedida pela enfermeira. Assim, agrediu a vítima com socos, tapas e arranhões (Portela, 2023).

A paciente pediu um atestado à médica, de 33 anos. A plantonista negou o documento por entender que não havia necessidade e foi agredida (G1 MS , 2016).

A jovem chegou à unidade acompanhando a mãe, que relatava dores abdominais, e começou a causar confusão já na recepção, com ofensas aos servidores. No fim da consulta, a jovem, “em estado de fúria”, partiu para cima da médica. Para defender a médica de uma possível agressão, a enfermeira interveio e teve a mão esquerda mordida, sendo atingida também no pescoço e no olho direito (G1 MS, 2021).

Ela estava sendo medicada no momento em que a paciente teria agredido com chutes, puxões de cabelo e tapas (Katayama, 2017)

Pediu que ele retirasse o soro. O técnico disse que somente após alta médica. A paciente, segundo ele, saiu pelo corredor com o suporte, solicitando a retirada. [...] ao retornar para o quarto, a própria jovem teria retirado o suporte, espalhando sangue pelo chão [...] os profissionais que estavam no local teriam comentado sobre a atitude da jovem, que teria ouvido e voltado onde eles estavam, e começou agredi-lo (Santos, 2020).

Categoria 2 - Conflitos entre profissionais

A violência não ocorre apenas entre pacientes e profissionais. Entre as produções jornalísticas publicadas, há conflitos entre trabalhadores que se desentenderam e iniciaram a violência no local de trabalho, segundo os trechos a seguir:

Durante a discussão sobre a triagem, o gerente teria perdido o controle e agredido o profissional a socos. Na confusão diz que até o óculos chegou a ser arremessado. Na versão dele, o gerente teria ainda feito ameaças e mandando que ele fosse embora, ou o ponto seria cortado (Rodrigues, 2022).

De acordo com um funcionário, a briga começou por motivo banal. “Começou com uma discussão boba, só tinha mulher e aí separaram”, afirmou (Paz, 2021).

O médico e os bombeiros se desentenderam pelo fato do profissional já estar atendendo uma mulher com problemas respiratórios (Rodrigues, 2022).

O médico que realizaria o procedimento de anestesia alegou ter sido agredido por um ginecologista com um empurrão. O motivo de toda a discussão teria sido o próprio procedimento cirúrgico que realizariam. Ele alega não ter revidado as agressões (Santos, 2019).

Categoria 3 - Demora no atendimento

A demora no atendimento é um caso de saúde pública e se diferencia da Categoria 1, pois não está diretamente ligada à conduta do profissional durante o atendimento, mas sim a questões multifatoriais, como a superlotação das unidades de saúde ou até mesmo a falta de profissionais nesses locais, em concordância com os trechos das matérias jornalísticas:

Segundo apurado pela reportagem, a situação ocorreu devido à demora no atendimento (Farias, 2023).

A paciente disse também que estava há quatro horas esperando por atendimento, e, em momento de nervosismo, jogou uma garrafa de água e a bolsa no chão após sentir muitas dores (G1 MS, 2015).

Declarou que depois de esperar cerca de quatro horas e meia por atendimento e ver grupo de pacientes ser atendido, exceto a filha e outra pessoa, foi até a médica, que tem 33 anos, questioná-la sobre a demora(Holsback, 2017).

Ao sentar na cadeira de atendimento, ele começou a reclamar por ter esperado muito e começou a fazer ameaças “Hoje não estou bem, posso levantar daqui a qualquer momento e partir para agressão”, disse (Jornal Midiamax, 2020).

Categoria 4 - Surto Psiquiátrico

O cuidado de pacientes com problemas agudos de saúde mental tem suas especificidades, por se tratar de pessoas fragilizadas psicologicamente. Ainda assim, as atitudes tomadas pelos usuários que se encontram nesse cenário podem desencadear atos violentos aos profissionais de saúde, conforme os trechos a seguir:

Preso após esfaquear um enfermeiro do CAPS (Centro de Assistência Psicossocial) (Frias; Oliveira, 2019).

O paciente faz acompanhamento no Caps e, na tarde hoje, ele teve uma reação inesperada e agrediu funcionários com um objeto perfuro-cortante (Vaccari, 2019).

Quando tentavam puncionar a veia do rapaz, mas ele passou a xingá-las com palavras de baixo calão e depois tentou desferir socos contra elas (Melo, 2022).

A mulher teve um surto psiquiátrico e passou a se comportar de forma violenta. Ela engoliu agulhas e grampos e agrediu uma enfermeira (RCN67, 2015).

Categoria 5 - Motivos externos

Entre os diversos motivos que desencadearam as agressões contra profissionais da saúde, conforme mostram as matérias jornalísticas, houve casos particularmente singulares, os quais destoavam das demais motivações, como agressão contra ex-companheira e a marginalização, segundo os trechos a seguir:

Foi agredida e ameaçada de morte pelo ex-companheiro, de 24 anos, dentro do local de trabalho [...] o homem entrou no local já ofendendo-a com palavras de baixo calão. Logo em seguida, ela foi empurrada e caiu no chão, momento em que o acusado foi pra cima dela com a intenção de tomar o aparelho celular (Cabral, 2019).

Os bandidos invadiram o consultório armados e mandaram que não reagisse. Ele foi agredido com chutes e em seguida amarrado (Fernandes, 2012).

4 DISCUSSÕES

Estudos nacionais (Bordignon; Monteiro, 2021; Sturbelle et al., 2020; Tsukamoto et al., 2019) e internacionais (Bhusal; Adhikari; Singh Pradhan, 2023; Jiang et al., 2023) apontam que a maioria das vítimas de violência relacionada ao trabalho, entre profissionais de saúde, é composta por mulheres, assim como uma elevada incidência de violência perpetrada contra os trabalhadores de enfermagem (Busnello et al., 2021a; Tsukamoto et al., 2019) e médicos (Campos; Souza; Alves, 2023). A discussão na literatura é que tais profissionais têm uma interação mais frequente com pacientes e seus familiares, sendo assim mais expostos à violência no ambiente de trabalho, em comparação com os demais profissionais (Ünal; İşcan; Ünal, 2022).

Os profissionais de enfermagem vivem rotineiramente em cenários desafiadores devido à sua profissão. Além de serem responsáveis pelo manejo de usuários e seus familiares, lidam com angústias, sofrimentos e, em certos momentos, morte de pacientes (Busnello et al., 2021b). Assim como discutido em outros estudos, frequentemente estão sujeitos a situações de violência ao longo do desempenho de suas funções, e são os profissionais que mais sofrem agressões físicas e verbais dos usuários (Bordignon; Monteiro, 2021; Busnello et al., 2021a).

A violência repercute em várias esferas, gerando transtornos individuais e coletivos. Os trabalhadores que vivenciam tais atos estão expostos a diversos danos à saúde, tanto mentais quanto físicos. Essa soma, futuramente, pode gerar doenças nos trabalhadores, devendo ser encarada como um problema crítico de saúde (Silva; Silveira; Gedrat, 2021).

Os transtornos coletivos também são consequências da violência, uma vez que fragilizam a qualidade da assistência ao paciente, por impactarem a relação interpessoal com os usuários (Busnello et al., 2021b). Outrossim, um estudo brasileiro que mapeou outras pesquisas sobre violência relacionada ao trabalho identificou que as vítimas de violência no ambiente laboral estavam mais dispostas a abandonar seu serviço do que aquelas que nunca sofreram violência, o que pode acarretar uma rotatividade constante de funcionários nas instituições (Silva et al., 2023).

As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) foram os locais que mais reportaram violência, seguidas da Atenção Primária (APS). Essas duas redes de atenção à saúde apresentam algo em comum, que é um potencial causador de violência: a classificação de risco. A literatura já discute que a demora pelo atendimento, somado ao fato de o problema de saúde do usuário não ser classificado como grave, pode levar à frustração e se tornar um fator de risco para a violência (Campos; Souza; Alves, 2023).

O sexo masculino é, em sua maioria, o autor das agressões. Esse achado reforça o que foi encontrado em outros estudos com trabalhadores da saúde (Oliveira et al., 2022; Tsukamoto et al., 2019), em que mais da metade dos agressores eram do sexo masculino, ao contrário das vítimas, que eram do sexo oposto.

Um estudo realizado no Rio Grande do Sul (Busnello et al., 2021a), que abordava a violência relacionada ao trabalho nos eixos hospitalares e na atenção primária, revelou que, nos hospitais, os agressores mais comuns eram colegas de trabalho, ao contrário da atenção primária, em que os pacientes eram a maioria que cometia as agressões. Esse achado entra em disparidade com o presente estudo, pois mais da metade dos agressores tinham apenas a relação de pacientes/usuários com os profissionais em ambas as redes de atenção à saúde.

Ademais, mais da metade das matérias jornalísticas indicava que a violência predominante era a física. No entanto, já existem estudos que questionam a raridade de uma agressão isolada, ou seja, dificilmente um indivíduo agrediria alguém sem antes utilizar palavras de baixo calão e ofensas. Assim, na maioria das vezes, a violência física está associada à violência verbal, sendo ambas causadoras de possíveis traumas físicos e/ou psíquicos (Tsukamoto et al., 2019).

Os resultados desta pesquisa são dissonantes em relação a estudos recentes com dados primários (Bordignon; Monteiro, 2021; Oliveira et al., 2022; Sturbelle et al., 2020), nos quais a violência verbal e psicológica é predominante nos serviços de saúde. No entanto, por se tratar de eventos noticiados pela mídia, já se esperava o contrário de outros estudos, considerando que tais casualidades são publicadas quando há algum dano concreto de violência para chamar atenção do público, numa estratégia de espetacularização. A exposição excessiva a situações de violência na mídia, segundo Wainberg (2005), pode provocar medo, insensibilidade e desinibição nas pessoas. De acordo com o autor, esses efeitos podem levar os indivíduos a reproduzirem, na vida real, comportamentos violentos apresentados pelos meios de comunicação.

A agressão corpo a corpo é um tipo de violência frequentemente utilizada quando se trata de violência física. Este estudo está em concordância com outra pesquisa sobre violência contra profissionais da saúde, a qual realizou uma revisão integrativa e buscou analisar a prevalência dessa violência no ambiente de trabalho no Brasil, apontando as agressões corpo a corpo como uma das formas de violência física mais utilizadas contra os profissionais (Pimenta et al., 2023).

Um estudo realizado em uma unidade de saúde mental em Minas Gerais destacou que, em hospitais psiquiátricos, a agressão contra trabalhadores de saúde é um problema sério e de caráter global. A maioria dos profissionais que participaram da pesquisa relatou já ter sofrido violência por parte dos pacientes, sendo que mais da metade não realizou notificação por não confiar nas políticas institucionais existentes quanto à violência relacionada ao trabalho. Esse fenômeno é considerado natural no contexto psiquiátrico, ao passo que tais agressões são reconhecidas como inerentes ao exercício do trabalho (Pereira et al., 2024).

Os motivos que implicam as causas das violências são específicos a cada situação. No entanto, elencar tais pretextos permite que se trabalhe em cima de propostas de intervenção. Em se tratando de agressores, os usuários do serviço são os que mais aparecem nos estudos como perpetradores de violência contra profissionais da saúde (Oliveira et al., 2022; Sturbelle et al., 2020), e colegas de trabalho em menor escala (Tsukamoto et al., 2019). A maioria das matérias jornalísticas tratava de aspectos relacionados à demora no atendimento e ao atendimento propriamente dito, o que é um impasse, pois a raiz desse problema pode estar relacionada à superlotação das unidades ou até mesmo à falta de profissionais nos serviços de saúde (Ismail et al., 2022).

Conviver em sociedade implica a inevitabilidade de discussões entre cidadãos, uma vez que estes são seres sociais hábeis de pensamentos e lógicas diversas. A literatura já discute que um dos principais motivos de violência entre colegas de trabalho é a comunicação ineficaz nas relações laborais. Nesse sentido, torna-se imprescindível a implementação de medidas que promovam o diálogo e a escuta ativa entre profissionais (Busnello et al., 2021a).

As violências que não foram categorizadas em temas específicos estão classificadas como motivos externos, ou seja, motivos pontuais pelos quais a violência foi perpetrada. Agressões estas que já são discutidas em outros estudos que tratam da violência de gênero e da própria violência organizada por grupo de pessoas (Sturbelle et al., 2020; Tsukamoto et al., 2019). Essas ocorrências também colocam em risco a integridade física e mental desses trabalhadores e reforçam que a violência está inserida em diversos contextos sociais e culturais (Minayo, 2020).

Em um contexto geral, analisando o motivo das agressões e as categorias citadas acima, a violência segue sendo um instrumento utilizado para atingir um objetivo pessoal. Consoante as discussões citadas no referencial teórico, a violência é marcada pela ausência de diálogo e compreensão entre partes, resultando no enfraquecimento das conexões interpessoais. Em uma circunstância mais específica, a VRT na área da saúde é vista como uma reação instrumental, na qual os perpetradores utilizam desse meio para impor o poder e a razão, visando conquistar determinado objetivo. Quando empregada indiscriminadamente, a violência gera consequências para ambas as partes e não é capaz de resolver conflitos (Arendt, 1970).

O século XXI trouxe consigo diversas novidades na tecnologia, ao passo que numerosos assuntos são discutidos em jornais e noticiários. No entanto, a qualidade destes veículos passa a ser insatisfatória, pois o público não consegue se prender a nenhum deles (Santos et al., 2023). A mídia, sem dúvidas, é uma das principais esferas de atração no círculo social. Por se tratar de um meio de comunicação amplo, o usuário busca nela temas de interesse - e, entre eles, a violência se destaca por envolver atos danosos a indivíduos ou grupos. Porém, o resultado de uma superexposição de relatos e imagens de violência acaba gradativamente diminuindo a sensibilidade coletiva, ou então o espanto por tais feitos (Santos et al., 2023). Desse modo, a violência ganha cada vez mais a naturalidade e aceitabilidade no meio social.

Analisando a distribuição das ocorrências de violência ao decorrer dos anos, nota-se um aumento a partir de 2021, quando os casos de covid-19 eram alarmantes em todo o mundo. Os registros elevados de violência cresceram devido à exposição dos profissionais a níveis elevados de estresse na rotina de trabalho e ao assédio, em virtude do ambiente de exaustão e incertezas, o que agravou o clima de nervosismo em todas as esferas das redes de atenção à saúde (Silva et al., 2023).

Como limitação do estudo, os autores destacam o uso restrito de fontes e a dependência dos materiais disponíveis na internet, sem incluir outros meios de comunicação. Embora o estudo tenha se baseado principalmente nas fontes disponíveis na internet, uma alternativa para mitigar essa limitação seria a realização de um levantamento mais amplo de fontes, incluindo outros meios de comunicação. Tal aprofundamento dependeria, contudo, de um prazo maior para a pesquisa, o que permitiria uma análise mais diversificada e robusta.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo destacou a violência relacionada ao trabalho como um dos principais obstáculos na rotina dos profissionais da área da saúde, evidenciando os profissionais de enfermagem como a classe mais afetada pela violência no ambiente de trabalho, especialmente as mulheres. Entre os tipos de violência, a física - perpetrada por pacientes das unidades de saúde - foi a mais recorrente, conforme apontado nas matérias jornalísticas analisadas.

Além disso, este trabalho também permitiu identificar que a maioria dos conteúdos jornalísticos prioriza veicular matérias cujo tema central está relacionado à ocorrência de violência física, sugerindo que o jornalismo busca reportar temáticas dessa natureza por impactar o imaginário coletivo do público e captar a atenção deste, numa estratégia de espetacularização e fidelização.

Diante desse cenário, é preciso que os servidores da saúde sejam capacitados para identificar os diferentes tipos de violência no ambiente de trabalho, bem como tenham conhecimento sobre as formas de notificação compulsória e sobre a importância desta conduta. Cabe ressaltar que a notificação é essencial para quantificar os casos e estabelecer medidas que promovam a saúde do trabalhador e garantam um ambiente profissional mais seguro.

Tais achados são significativos para compreensão do fenômeno da violência relacionada ao trabalho e para elaboração de condutas singulares e diretrizes aplicáveis em diferentes contextos. Essas ações podem viabilizar atividades profissionais mais seguras, além de minimizar situações de hostilidade na rotina dos profissionais de saúde. Deste modo, reforça-se a importância de estudos relacionados ao tema, tanto no âmbito da saúde quanto em outras áreas, uma vez que a violência relacionada ao trabalho coloca em risco a saúde física e mental dos trabalhadores.

DISPONIBILIDADE DE DADOS

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2025
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2025

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2025
  • Revisado
    12 Jun 2025
  • Aceito
    12 Jun 2025
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