Open-access Queijos e a inclusão da agricultura familiar em feiras livres de Goiânia, Goiás

Cheese and the inclusion of family farming in free markets in Goiânia, Goiás

Queso e inclusión de la agricultura familiar en los mercados al aire libre en Goiânia, Goiás

Resumo

A produção de queijos pela agricultura familiar no estado de Goiás é bastante expressiva, sendo o segundo estado com maior produção de queijos e requeijão no Brasil. Apesar dessa expressividade, há escassos estudos sobre a comercialização destes produtos. Esta pesquisa busca identificar a relevância da produção de queijos no estado, com referência em dados secundários, e quantificar a participação de agricultores familiares produtores de queijos em feiras livres do município de Goiânia, Goiás. Como resultado de visitas às 105 feiras ativas da capital e de entrevista com 160 feirantes, observou-se que 73,12% dos feirantes são atravessadores, contrapondo 26,88% de produtores com origem em 19 municípios vizinhos localizados a uma média de 58 km de distância de Goiânia. Entre os feirantes produtores de queijo, 78,95% autodeclaram-se agricultores familiares. Pela abordagem, conclui-se que as feiras livres se configuram como canais curtos de comercialização, mas com baixa presença de agricultores familiares produtores de queijos e lácteos.

Palavras-chave
circuitos curtos; processamento de lácteos; produção familiar; agroindústria rural

Abstract

The production of cheese by family farming in the state of Goiás is quite significant, being the second state with the highest production of cheese and curd in Brazil. Despite this expressiveness, there are few studies on the commercialization of these products. This research seeks to identify the relevance of cheese production in the state, with reference to secondary data, and quantify the participation of family farmers producing cheese in open-air markets in the municipality of Goiânia, Goiás. As a result of visits to the 105 active fairs in the capital and interviews with 160 marketers, it was observed that 73,12% of marketers are middlemen, compared to 26,88% of producers originating in 19 neighboring municipalities located an average of 58 km away from Goiânia. Among the cheese producers, 78.95% declared themselves family farmers. Based on the approach, it is concluded that open-air markets are configured as short marketing channels, but with a low presence of family farmers producing cheese and dairy products.

Keywords
short market; dairy processing; family production; rural agroindustry

Resumen

La producción de queso por parte de la agricultura familiar en el estado de Goiás es bastante significativa, siendo el segundo estado con mayor producción de queso y cuajada de Brasil. A pesar de esta expresividad, existen pocos estudios sobre la comercialización de estos productos. Esta investigación busca identificar la relevancia de la producción de queso en el estado, con referencia a datos secundarios, y cuantificar la participación de agricultores familiares productores de queso en mercados al aire libre en el municipio de Goiânia, Goiás. Como resultado de visitas a las 105 ferias activas en la capital y entrevistas con 160 comercializadores, se observó que el 64,29% de los comercializadores son intermediarios, frente al 23,63% de los productores originarios de 19 municipios vecinos ubicados a un promedio de 58 kilómetros de distancia de Goiânia. Entre los productores de queso, el 78,95% se declararon agricultores familiares. Con base en el planteamiento, se concluye que los mercados al aire libre se configuran como canales cortos de comercialización, pero con baja presencia de agricultores familiares productores de queso y lácteos.

Palabras clave
mercado corto; procesamiento de lácteos; producción familiar; agroindustria rural

1 INTRODUÇÃO

As feiras livres, ou mercados tradicionais, no Brasil, foram modelos de comércio trazidos pelos imigrantes, tendo sua primeira referência no país em 1548. Esses mercados apresentavam dois tipos de comercialização distintas: de artigos de luxos e de produtos rurais (Dantas, 2008). As feiras, apesar de manterem sua essência, apresentaram, ao longo dos anos, mudanças tecnológicas e comportamentais, refletindo diretamente os estilos de vida dos consumidores (Ibdaiwi et al., 2023).

No Brasil, além de remontarem ao período colonial, as feiras têm considerável relevância no que se refere à geração de renda para a população rural e movimentação econômica urbana, contendo expressões de manifestações culturais por meio dos hábitos alimentares da população local (Araujo; Ribeiro, 2018).

Muito tradicional na comercialização e troca de excedentes de produção agropecuária e hortifrutigranjeiros entre produtores, as feiras fazem parte da categoria de comércio em que as procedências e os atributos de qualidade dos produtos comercializados se sobressaem por meio da relação direta entre consumidor e agricultor (Renting; Marsden; Banks, 2003).

Enquadram-se, portanto, em cadeias curtas de comercialização que são, segundo Comisión Económica para América Latina y el Caribe, Organización de las Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultura, Instituto Interamericano de Cooperación para la Agricultura (CEPAL/FAO/IICA (2014, p. 3), “formas de comércio baseada na venda direta de produtos frescos ou da estação, sem intermediários – ou reduzindo ao mínimo a intermediação – entre produtores e consumidores”, ou seja, trata-se de comercialização direta ou indireta com a presença de, no máximo, um atravessador associado a uma proximidade geográfica e relacional entre produtor e consumidor.

Essas cadeias curtas se caracterizam em três dimensões: a) espacial – abreviando distância dos alimentos entre produção e consumo; b) social – aumentando interação entre produtor e consumidor, com geração de relação de confiança e; c) econômica – gerando mercado local para produção (Schneider; Ferrari, 2015).

As feiras têm sido objeto de estudo, especialmente a partir dos anos 2000, considerando como cerce temáticas a agricultura familiar e segurança alimentar, em função da Lei n. 11.326, de 24 de julho de 2006, que instituiu a Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Entretanto, é notório que as pesquisas ainda são muito mais qualitativas do que quantitativas (Araujo; Ribeiro, 2018).

Segundo Araújo e Ribeiro (2018), existe uma tendência das pesquisas em estudar temáticas específicas envolvendo feiras livres, sendo que a maioria dos estudos concentram-se na região Nordeste do país (44,7%), enquanto a região Centro-Oeste é a menos pesquisada (10,37%). Entre os assuntos mais avaliados, estão: as características das feiras (42%); os alimentos e os tipos de produtos comercializados (40%); as características dos feirantes (33%) e; o perfil dos consumidores (23%).

Neste contexto de feiras, há a presença de agricultores familiares, visto que se trata de canais curtos de comercialização, os quais têm sido meios de inclusão produtiva de atores historicamente negligenciados, tais como camponeses e mulheres, além de serem canais propícios e estratégicos para o escoamento da produção agrícola familiar (Da Silva et al., 2017).

Conhecer a realidade local torna-se, portanto, indispensável para promoção de políticas públicas que incentivem a inclusão de agricultores familiares em canais curtos de comercialização, como é o caso da feiras, haja vista que o ingresso de agricultores familiares em canais longos tem ocorrido devido à baixa variedade de oportunidades de participação em canais curtos (Verano; Silva Neto; Medina, 2023).

Considerando o estado de Goiás, as feiras livres são comércios presentes na maioria dos municípios e contam com expressiva participação de agricultores familiares, especialmente em municípios de pequeno e médio portes, que comercializam seus produtos (Verano; Medina, 2019). Mediante a representatividade destes espaços mercadológicos nos municípios, evidencia-se necessidade de ações efetivas do poder público por meio de formação e assistência técnica aos feirantes, priorizando articulações entre feirantes com vistas ao melhoramento das condições do local e gestão dos empreendimentos, especialmente no que se refere à agricultura familiar (Silva; Haetinger, 2017).

No que se refere à produção agropecuária goiana, a cadeia leiteira do estado é bastante exitosa, com produção de 2,7 bilhões de litros leite de vaca, sendo que 52,86% dessa produção vêm da agricultura familiar (IBGE, 2017). Como produto elaborado, a produção de queijos e requeijão advinda da agricultura familiar em Goiás merece destaque, sendo responsável por 66,11% da quantidade produzida em estabelecimentos da agroindústria rural (IBGE, 2017). Entretanto, não existem estudos que identifiquem com clareza como são comercializados estes produtos.

Desta forma, o artigo busca verificar a comercialização de queijos em feiras livres de Goiânia, Goiás, e quantificar a presença de agricultores familiares produtores de queijos, correlacionando os dados com a existência de agroindústrias rurais produtoras de queijo e requeijão.

Além desta introdução, que contextualiza o tema de estudo, este artigo está organizado em mais três seções: (2) Métodos, que apresenta descrição detalhada do método utilizado para desenvolvimento da pesquisa; (3) Resultados e discussão, dedicada à apresentação e avaliação dos dados da investigação com base na literatura existente sobre o tema; e (4) Conclusões, composta pelos principais insights elaborados a partir da discussão e dos avanços identificados na pesquisa, bem como sugestões para estudos futuros.

2 MÉTODOS

A pesquisa, de natureza aplicada e caráter qualitativo e quantitativo, foi realizada nas feiras livres do município de Goiânia, estado de Goiás, com vistas a responder ao objetivo principal de avaliar a inclusão de agricultores familiares produtores de queijos nestes espaços de comércio.

A listagem das feiras visitadas foi obtida através da prefeitura de Goiânia, via Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho, Ciência e Tecnologia (Sedetec), e Gerência de Gestão das Feiras Livres.

Foram visitadas todas as feiras livres de Goiânia no período de julho a dezembro de 2022, com abordagem a todos os feirantes comerciantes de produtos lácteos. A cada visita, inicialmente era contabilizada a quantidade total de feirantes e identificada a presença de feirantes que comercializassem produtos lácteos. Todos os feirantes lácteos eram informados sobre a pesquisa e esclarecidos sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após aceitarem responder o questionário, as respostas eram registradas pelos pesquisadores em ambiente virtual, via plataforma Google Forms. Cada feirante respondeu o questionário apenas uma vez. Casos em que o feirante realizava mais de uma feira no município e já havia respondido o formulário em outra abordagem, era contabilizada sua presença como feirante lácteo, sem nova coleta de dados.

A abordagem ocorria durante a realização da feira, sem necessidade de deslocamento para outro local, conforme o tempo livre do feirante, de maneira que não atrapalhasse o trabalho. Os dados gerados foram tabulados utilizando-se o programa Excel e analisados por meio de estatística descritiva, com cálculo de percentagem de ocorrência das respostas, tendência central e medidas de dispersão.

Complementarmente à utilização de dados diretamente obtidos com os participantes visitados, processou-se informações contidas em base de domínio público, publicizadas via Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) através do Censo Agropecuário de 2017, para construção de gráfico e tabelas que expressem a relevância e dimensão da agricultura familiar no estado de Goiás.

Com vistas a sanar a lacuna documental e bibliográfica sobre a existência de incentivo municipal à participação de agricultores familiares nas feiras livres, foi realizada uma ligação de áudio para o setor de Gerência das Feiras Livres do município.

Para a presente pesquisa, considerou-se a definição formal da agricultura familiar brasileira, conforme previsto no artigo 3º da Lei n. 11.326, de 24 de julho de 2006 (Brasil, 2006), conhecida como a Lei da Agricultura Familiar, e suas complementares. Grosso modo baseando-se na mencionada lei, foram considerados “agricultores familiares” todos os produtores que simultaneamente: i) possuíssem estabelecimentos com área de até quatro módulos fiscais; ii) utilizassem predominantemente a mão de obra da família nas atividades desenvolvidas; iii) possuíssem renda familiar principal oriunda da atividade desenvolvida no estabelecimento e; iv) dirigissem o estabelecimento em família.

É salutar mencionar que a agricultura familiar passou a integrar o Censo Agropecuário a partir da edição de 2006 e, com a publicação do Decreto n. 9.064, de 31 de maio de 2017 (Brasil, 2017), que regulamenta a Lei n. 11.326/06, houve refinamento de um dos critérios para definição de agricultor familiar. Portanto, a partir de 2017, diferentemente do critério usado para classificação de agricultura familiar empregado no Censo Agropecuário de 2006, o empreendimento da unidade familiar de produção agrária3 deverá auferir ao menos metade da renda da família. O conceito adotado pelo Censo Agropecuário realizado pelo IBGE em 2017 atende a essas premissas legais. O agricultor que não se esquadra nos requisitos listados é classificado como não familiar.

Para compreensão dos papéis dos atores envolvidos no processo de comercialização de queijos nas feiras, como definição, adotou-se o termo “produtor” para fabricante de queijo, sendo agricultor familiar ou não, e “atravessador” para o intermediário que compra os produtos diretamente de produtores ou de outros atravessadores.

O protocolo de pesquisa foi previamente aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Caae 51162121.2.0000.5083).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Caracterização geral das feiras, feirantes e produtos no contexto de Goiânia, Goiás

A partir da listagem fornecida pela Sedetec, contatou-se que Goiânia, Goiás, tinha 121 feiras livres cadastradas. Segundo o Mapeamento de Segurança Alimentar e Nutricional realizado em 2022, o Brasil tem um total de 5.059 feiras livres entre os 1.234 municípios respondentes, contabilizando uma média de 4,10 feiras livres por município (Brasil, 2022).

Entretanto, enquanto muitos municípios têm uma ou nenhuma feira, outros contam com um número significativamente expressivo, como é o caso de Goiânia, Goiás. Esse número indica a importância desse tipo de comércio para os goianienses, demonstrando sua relevância econômica, social e cultural. Durante a visita de campo, foi constatado que parte das feiras que constavam na lista obtida pela Sedetec haviam sido extintas. Das 121 feiras cadastradas, 105 estavam ativas e foram visitadas (Figura 1). No período da coleta, não havia restrição sanitária de funcionamento das feiras, e o município havia adotado medidas de flexibilização no que se refere à pandemia de covid-19.

Figura 1
Mapa da localização das feiras livres na cidade de Goiânia, Goiás, no ano de 2022

Entretanto, sabe-se que durante o período de emergência sanitária muitos espaços de comercialização ficaram fragilizados. Muitos agricultores suspenderam safras e seus acessos aos espaços de venda em diferentes níveis e intensidades (Schneider et al., 2020). Sugere-se, portanto, que parte destas feiras, certamente de pequeno porte, tenham sido extintas durante o período de impossibilidade de comércio ou por não seguirem todas as regras de reabertura durante o processo de flexibilização de funcionamento e serem gradativamente desativadas ao longo do processo.

Em nível nacional, existe um incentivo sobre a regulamentação de feiras de comercialização de alimentos, a fim de garantir uma boa organização e funcionamento, e proporcionar melhores condições para comerciantes e consumidores (Brasil, 2018). Considerando que a regulamentação do funcionamento das feiras se trata de matéria de gestão administrativa, compete privativamente ao prefeito, chefe do poder executivo, ordenar e dispor condições para esse funcionamento (Goiânia, 1990).

Em Goiânia, o Decreto n. 2835/14 (Goiânia, 2014), aprova as normas para o funcionamento de feiras livres e feiras especiais no município. Este decreto prevê que feiras livres podem ser criadas em um período de experiência de 90 dias e extintas após o período de teste. Como a listagem obtida pela Sedetec não fazia distinção entre feiras de caráter permanente e transitório, sugere-se que algumas podem ter sido extintas entre julho e dezembro de 2022, período em que ocorreram as visitas.

As feiras livres acontecem todos os dias durante a semana e em dois turnos: diurno, das 7 às 14 horas, e noturno, das 16 às 22 horas. Excepcionalmente o período pode ser alterado mediante solicitação formal de no mínimo 30% dos moradores do setor e parecer favorável dos órgãos competentes. Não há distinção da ocorrência da quantidade de feiras livres por dia da semana, observando-se uma média de 19 feiras/dia, exceto na segunda-feira. Observou-se que as feiras, em sua grande maioria, localizam-se em logradouros públicos de fácil acesso pela população local, tais como ruas, praças e ginásios, o que permite grande fluxo de pessoas. Em consonância ao Decreto n. 2835/14, não foi observada nenhuma feira em frente a repartições públicas, estabelecimentos militares, de saúde e postos de combustíveis.

Apesar de haver uma padronização das barracas mediante controle municipal, a pesquisa observou algumas exposições de produtos em locais não regulares, que ocorriam no chão, em carrocerias de automóveis e estruturas improvisadas, como carrinhos de mão e mesas. Presume-se, a partir desse fato, que há presença de comerciantes esporádicos não regularizados na Sedetec.

Quanto aos itens comercializados nas feiras livres de Goiânia, Goiás, eles são variados, sendo comum nos depararmos com as feiras segregadas em setores por tipo de mercadoria vendida, em uma espécie de zoneamento por produtos. Apesar de serem comercializados principalmente itens alimentícios, in natura e processados advindos das agroindústrias rurais, outros produtos são comumente comercializados, tais como vestuário, itens de higiene, plantas ornamentais e frutíferas e utensílios domésticos. As feiras, conforme citado por Araújo e Ribeiro (2018), abrangem uma enorme gama de produtos além de alimentos e normalmente são divididas em setores para venda de uma mesma categoria de produtos segregados em áreas não demarcadas. Estes itens comercializados conferem fidedignidade à definição de feiras livres:

As Feiras Livres destinam-se ao comércio varejista de produtos alimentares, hortifrutigranjeiros, laticínios, carnes e derivados, quitandas e lanches, podendo ser estes in natura, preparados ou semipreparados, bem como artigos de uso doméstico ou pessoal, manufaturados e semimanufaturados (Goiânia, 2014, p. 1).

De forma análoga aos estudos de Menezes (2021), além de haver predominância de comercialização de alimentos com elevada prevalência de produtos agrícolas, foi identificada a comercialização negociável, indicando proximidade entre feirantes e consumidores, característica essencial de canais curtos. Apesar da relação entre feirante e consumidor não ser o cerne da presente pesquisa, ficou muito evidente, durante a aplicação dos questionários, que uma parcela dos consumidores tinha intimidade com os feirantes. No ato da compra, muitos feirantes, ao recepcionarem os clientes, já iam embalando o produto, por conhecer o hábito de consumo e compra. Outras vezes ocorria a entrega do produto com a possibilidade de pagamento posterior. Esse ambiente relacional, permeado de proximidade e conhecimento, foi frequente não apenas com feirantes produtores, mas também com feirantes atravessadores.

Conforme posto por Ibdaiwi et al. (2023), algumas características mercadológicas foram inseridas na rotina de comercialização das feiras, sendo possível realização de pagamentos online, tele-entrega e utilização de redes sociais para divulgação de produtos. Entretanto, mesmo com essas tendências, os contatos diretos entre consumidores e produtores são mantidos.

Para além de aspectos econômicos, é importante destacar que as feiras integram o grupo de unidades que compõe os Equipamentos Públicos de Segurança Alimentar e Nutricional (EPSAN), promovendo abastecimento, impulsionando o consumo de alimentos e reduzindo a insegurança alimentar e nutricional (Brasil, 2018). Segundo o Mapeamento de Segurança Alimentar e Nutricional realizado em 2022, 66,0% dos municípios respondentes tinham feiras livres. Em contrapartida, uma parcela expressiva de municípios brasileiros não tinha feiras livres (27,1%) e 7,0% dos municípios não sabiam informar sobre a existência desses mercados. Isso expressa, portanto, que as realidades locais são distintas, situação que emite um alerta ao poder público, dada a essencialidade das feiras como mecanismo de amparo à segurança alimentar e nutricional da população.

Considerando a realidade do município de Goiânia, das feiras visitadas, 7 não tinham nenhum feirante que comercializasse queijo ou qualquer outro produto lácteo. Estas feiras, de menor porte, continham em média 18 bancas. Feiras que contavam com a presença de feirantes lácteos eram maiores e apresentavam uma média de 56 bancas, sendo que, em média, 3,5 das bancas eram de comerciantes de queijo. Para que haja implantação de uma feira no município, é necessária a presença de no mínimo 30 feirantes e no máximo 600 (Goiânia, 2014). Foi constatado que 29 feiras das visitadas contam com menos de 30 feirantes, indicando que após o processo de criação das feiras, o desligamento de feirantes é uma realidade.

Considerando o universo total de feiras, foram identificados 182 feirantes que comercializavam produtos lácteos. Destes, 22 declinaram em participar da pesquisa. Dos 160 feirantes lácteos entrevistados, constatou-se a presença majoritária de atravessadores. Apenas 24,38% dos feirantes lácteos são produtores e uma parcela pouco significativa produz e compra simultaneamente os produtos que vende (Tabela 1).

Tabela 1
Feirantes entrevistados, produtores e atravessadores de produtos lácteos presentes nas feiras livres de Goiânia, Goiás, no ano de 2022

Apesar das feiras livres constituírem-se como mercados de majoritária participação de atravessadores, elas continuam sendo canais de relacionamento de proximidade entre produtor e consumidor (Valério, 2023). Estudos realizados por Verano, Figueiredo e Medina (2021) no estado de Goiás identificaram que 42,37% das feiras goianas oportunizam a inclusão socioprodutiva aos agricultores familiares, sendo que quanto mais os agricultores estão ligados a organizações (associações, cooperativas, sindicatos e movimentos sociais), menor é a porcentagem de atravessadores e maior é a possibilidade de se encontrar bancas de agricultores familiares.

Para obtenção do exercício da atividade de feirante em feiras de Goiânia, não há nenhum benefício municipal que incentive ou priorize a presença de agricultores familiares nestes mercados. A tramitação do pedido ocorre na Gerência de Gestão de Feiras Livres. Após deferido o protocolo, é verificada a disponibilidade do ponto e, a depender da demanda, o requerente é alocado na feira ou inserido na fila de espera.

Segundo a Gerência de Feiras, no município, existem atualmente apenas duas feiras específicas cadastradas para venda de produtos orgânicos: uma que acontece no Mercado Popular, no Setor Central, e a outra no Mercado da Vila Nova, no Setor Vila Nova. Apesar destas feiras serem alternativas para venda direta do produtor, sem presença de intermediários e com a possibilidade de preços mais acessíveis do que em outros tipos de comércio, para participação nessa feira os feirantes não precisam ser, necessariamente, produtores.

Dos 160 feirantes entrevistados que comercializam produtos lácteos, apenas 11 não comercializam queijos, sendo que cinco (5) deles se autodeclararam agricultores familiares com propriedades localizadas em Goiânia, três (3) em Avelinópolis e um (1) em São Francisco. Os demais são atravessadores e informaram que adquirem a produção láctea diretamente de agricultores familiares das cidades de Inhumas, Avelinópolis, Aragoiânia, Nerópolis e Goiânia. Os principais produtos comercializados por eles são: doce de leite, manteiga, requeijão e leite in natura.

Quando questionados sobre quais produtos lácteos são comercializados, o queijo foi o produto mais citado (Figura 2). A produção agroindustrial rural de queijo e requeijão historicamente, no Brasil, considerando os Censos Agropecuários de 1960 a 2017, é a segunda mais difundida (Wesz Junior, 2023). Diante do cenário nacional, Goiás teve a segunda maior produção agroindustrial de queijos e requeijão (8,8%), atrás do Rio Grande do Sul (9%) (IBGE, 2017). Para além disso, o queijo era o produto com maior prevalência nas bancas de produtos lácteos das feiras, e quando o feirante vendia mais de um produto, o queijo era o produto lácteo de principal venda. Portanto, esses fatos fundamentam e direcionam a pesquisa em questão e reforçam o objetivo de verificar a participação dos agricultores familiares produtores de queijo em feiras livres de Goiânia.

Figura 2
Ocorrência percentual de produtos lácteos comercializados por produtos por feirantes lácteos em feiras livres de Goiânia, Goiás, no ano de 2022

Os feirantes comercializam uma grande variedade de queijos, sendo o queijo fresco (temperado ou não) e o curado/meia cura os mais comumente encontrados. Além destes, foram encontrados: queijo muçarela, cabacinha, coalho, canastra, ricota, trança, parmesão, provolone e muçarela de búfala. Foi observada a existência de processos de fracionamento de peças e ralagem de queijos curados/meia cura.

Por parte de alguns atravessadores, observou-se que existe a revenda, apesar de bastante reduzida, de alguns queijos produzidos industrialmente, com selos de inspeção, e destinados a nichos bem específicos, tais como tipo emmental, gorgonzola, queijos sem lactose e outros.

Ao serem questionados sobre a nomenclatura dos queijos, 81,88% dos feirantes disseram não ter nomes específicos, enquanto 18,12% dos feirantes nomeavam os produtos. Os nomes citados foram variados: queijo-caipira, queijo-goiano, queijo-prensado, queijo-manteiga, queijo-ponteiro, defumado e queijo-nozinho. Apesar de não haver uma nomenclatura padrão entre eles, pôde-se observar que a referência ao queijo “mineiro” estava sempre relacionada ao queijo curado ou de meia cura, com origem no estado de Minas Gerais. Contrapondo-se a este, o queijo “goiano” relacionava-se ao queijo curado com origem no estado de Goiás.

3.2 Produção e comercialização de queijos por produtores

Quando questionados sobre a quantidade de feiras realizadas semanalmente, os produtores de queijos revelaram uma frequência variada, majoritariamente de duas a três vezes por semana (Figura 3). Parte dos produtores alegaram que o acúmulo de atividades e o deslocamento são fatores que dificultam a realização de muitas feiras. Ademais, além das feiras livres, alguns produtores informaram outras formas de venda direta para constituição da fonte de renda familiar.

Figura 3
Quantidade de feiras semanais realizadas por produtores de queijos das feiras livres de Goiânia, Goiás, no ano de 2022

Conforme estudo realizado por Gazzola (2017a), os canais de comercialização utilizados pelas agroindústrias familiares se dividem em seis tipos, com as feiras um papel de destaque nessa comercialização em termos de volume de vendas: i) os canais institucionais, configurados pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae); ii) cadeias curtas, que consolidam a venda direta entre o agricultor e o consumidor a partir de vendas na propriedade, entrega em residências, feiras, entre outros locais; iii) vendas em eventos, realizadas em exposições com foco na divulgação do produto, mas podendo inserir-se como vendas diretas; iv) as cadeias longas, com presença de grande distância percorrida pelo produto, exemplificando venda em redes de supermercados, com a presença de intermediários que redistribuem a produção; v) vendas formais, caracterizadas pela venda a intermediários, como supermercados locais, bares em que há regularização do produto; e, por fim vi) canais coletivos e em redes, que se caracterizam pela presença de cooperativas, associações, feiras e grupos de agricultores, podendo ter a dinâmica de cadeias curtas.

A inserção de agricultores familiares em canais curtos é imprescindível para o desenvolvimento rural, abrangendo mudanças econômicas, sociais e ambientais, ao passo que melhora a remuneração dos agricultores, valoriza a cultura alimentar local e contribui para a manutenção da biodiversidade regional. Fomentar suas participações em feiras livres, portanto, potencializa, inclusive, uma nova forma mais sustentável e otimizada de uso do território (Rambo; Pozzebom; Von Dentz, 2019). Somando essas características, a frequência com que agricultores familiares estão presentes em feiras constitui aspecto importante na questão de uso dos territórios, conferindo pertencimento e estreitamento de relações locais (Rambo; Pozzebom; Von Dentz, 2019).

Quando à autodeclaração de agricultor familiar, dos 38 feirantes produtores de queijo, 78,95% (30) se autodeclararam agricultores familiares, sendo que 26 deles utilizam predominantemente a mão de obra da família nas atividades de produção do queijo (Tabela 2). Para a autodeclaração, não houve nenhuma instrução legal sobre o termo, baseando-se, portanto, no conhecimento que os respondentes dispunham e em aspectos relativos a pertencimento identitário.

Tabela 2
Número de feirantes produtores de queijos entrevistados nas livres de Goiânia, Goiás, autodeclaração de agricultura familiar e predominância de mão de obra familiar na propriedade, no ano de 2022

Importante destacar que dois dos quatro produtores que compram parte de suas mercadorias realizam essa compra diretamente de agricultores familiares de Goiás e Minas Gerais, enquanto os outros dois compram de atravessadores os queijos produzidos em Goiás.

Dos oito produtores que não se autodeclararam agricultores familiares, cinco não estão inseridos no meio rural e produzem os queijos em suas residências, na zona urbana. Os demais não justificaram suas respostas.

Conforme exposto por Niederle, Fialho e Conterato (2014), a definição de agricultura familiar não pode ser meramente sociopolítica e desconectada de um contexto histórico que permeia lutas sociais de reconhecimento de grupos diversos que constituem o rural brasileiro. Nesse sentido, a definição legalista pouco expressa o modus operandi e a heterogeneidade sociocultural das comunidades e populações que compõem e configuram a identidade da agricultura familiar brasileira. Assim sendo, os limites conceituais de agricultor familiar são estendidos às definições e expressões socioculturais de compreensão dos entrevistados.

O conceito de agricultura familiar passou por muita evolução, sendo, até a década de 1990, definido com termos tais como “pequena produção”, “produção de subsistência” ou “produtor de baixa renda”. Entretanto, configura-se um “equívoco reducionista” afirmar que os agricultores familiares não enfrentam as mesmas dificuldades que os camponeses e não tenham limitações com a sociedade e os mercados (Schneider; Cassol, 2014).

São relativamente bem conhecidos os números sobre a agricultura familiar no Brasil. Dada a expressividade desta categoria, que representa a maioria dos estabelecimentos agropecuários brasileiros (Figura 4), a definição da “agricultura familiar” precisa ser continuamente revista e aprimorada, considerando esse sistema produtivo que abrange não apenas questões econômicas, mas também culturais, e que se expressa como uma rede dinâmica e complexa de relacionamentos. Em termos de percentual, a agricultura familiar representava, em 2017, 76,82% do total dos estabelecimentos agropecuários brasileiros, 64,30% do Centro-Oeste e 62,88% goianos.

Figura 4
Número de estabelecimentos agropecuários por tipologia no Brasil, Centro-Oeste e em Goiás

Sabe-se, entretanto, que a dinâmica da agricultura familiar é distinta da agricultura não familiar. Entre tantas particularidades, é possível distinguir que no familiar há o compartilhamento da gestão, e a atividade produtiva é a principal fonte de renda. Segundo estudos realizados por Bastian et. al (2014), a maioria das agroindústrias rurais não familiares dispõem de especialização, enquanto as familiares estão fortemente ligadas à diversidade e têm a transformação da matéria-prima como uma atividade típica para agregação de valor ao produto.

Segundo o Censo Agropecuário de 2017 (IBGE, 2019), o Brasil tem 175.198 estabelecimentos agropecuários com agroindústria rural na produção de queijo e requeijão. Destes, 143.921 unidades, ou seja, 82,15% são de agricultores familiares. No estado de Goiás, no que se refere ao processamento de queijo e requeijão, este percentual se mantém elevado, com presença majoritária de 72,55% de agricultores familiares.

Conceitualmente, o Censo Agropecuário de 2017 entende que a agroindústria rural (AGR) se configura pelo estabelecimento agropecuário em que há beneficiamento ou transformação de matéria-prima própria e/ou adquirida por intermédio de outros produtores, cuja destinação final do produto seja dada pelo produtor. Não são consideradas agroindústrias rurais as instalações em que há prestação de serviço para terceiros, nem instalações de terceiros em que ocorre o beneficiamento de matéria-prima do produtor cuja destinação final não seja dada pelo produtor.

Contrapondo o entendimento do IBGE, que apresenta um leque mais aberto para abarcar variadas formas de agroindústrias rurais, Mior (2005) considera que a agroindústria rural, além de processar e/ou transformar a matéria-prima e comercializar o produto, internaliza aspectos legais com fins de se tornar um empreendimento que atenda minimamente as questões sanitárias, ambientais e fiscais, de modo a sair da cozinha de casa e dispor de uma estrutura própria de produção. Nesse sentido, Mior (2005) destaca que as agroindústrias têm início nas cozinhas familiares dos estabelecimentos agropecuários, local de elaboração de alimentos para consumo próprio, e após um tempo podem assumir a configuração de empreendimento, com intuito de geração de valor de troca e comercialização, com viés social e econômico.

Independentemente das múltiplas compressões que o termo agroindústria rural admite, ela pode proporcionar geração de fonte de renda aos agricultores por meio da agregação de valor dada às matérias-primas. Segundo Wesz Júnior (2023), o Brasil tem enfrentado uma redução do número de estabelecimentos agropecuários que processam alimentos, demostrando uma tendência de decréscimo da agroindústria rural. Essa diminuição se justifica por inúmeros fatores, entre eles a complexidade das legislações (sanitárias, trabalhistas), as dificuldades gerenciais/organizacionais dos produtores, bem como a competitividade de mercado. Entretanto, é salutar que essa produção resista como uma estratégia de reprodução socioeconômica das famílias rurais e de disponibilidade de alimentos locais, que atendem aspectos socioculturais relacionados ao consumo alimentar.

Cabe também destacar que a existência de agroindústrias rurais é indispensável à segurança alimentar e nutricional das famílias, sendo necessária a formulação de políticas públicas visando ao reconhecimento deste mecanismo para redução da pobreza rural (Grisa; Schneider, 2008), especialmente em um contexto em que, como aponta Wesz Junior (2023), entre 2006 a 2017, é observada, entre agricultores familiares, uma tendência de aumento do autoconsumo comparado à venda.

Apesar da redução no número total de agroindústrias rurais, considerando os municípios em que se encontram os produtores de queijos que comercializam em feiras livres de Goiânia-Goiás, identificamos que os estabelecimentos agropecuários familiares que produzem queijo são mais numerosos do que os não familiares (Figura 5) nos 18 (dezoito) municípios vizinhos à capital, cidades onde se localizam as propriedades dos feirantes produtores de queijo. Essa supremacia deve-se, certamente, pelo fato de parte da matéria-prima produzida ser selecionada para transformação.

Figura 5
Número de estabelecimentos agropecuários com agroindústria rural que produzem queijo e requeijão nos municípios dos produtores que comercializam queijos nas feiras de Goiânia-Goiás.

Em Goiás, 66,11% da produção de queijo e requeijão fabricados na agroindústria rural são advindos da agricultura familiar. Dada a definição adotada pelo Censo de 2017, não é possível identificar o tipo da agroindústria familiar, podendo, portanto, o processamento ocorrer na cozinha das propriedades ou haver um espaço físico específico para a produção.

Dos 18 municípios onde se localizam os produtores de queijos que comercializam nas feiras livres de Goiânia, nove deles possuem suas produções de queijo e requeijão advindas da agricultura familiar e totais contabilizadas pelo último Censo Agropecuário (Figura 6). Comparativamente à produção familiar goiana de queijo e requeijão, a proporcionalidade é ainda maior no caso de Cidade de Goiás (91,54%), Bela Vista de Goiás (84,98%), Jaraguá (84,64%), Cristianópolis (73,91%), São Miguel do Passa Quatro (72,14%), Varjão (69,35%) e Hidrolândia (67,15%). Apenas os municípios de Goiânia (48,65%) e Caldazinha (27,14%) apresentam uma proporcionalidade inferior à média do estado.

Figura 6
Quantidade de queijo e requeijão produzida na agroindústria (T) de 9 municípios goianos.

Apesar do Censo Agropecuário de 2017 não informar quais são os canais de comercialização para escoamento da produção da agroindústria, esses dados expressam que as cidades próximas à capital têm capacidade produtiva de atendimento dos mercados locais próximos no que se refere à produção e distribuição de queijos, dada a quantidade produzida pela agroindústria rural familiar, através de venda direta, realizada sem a interferência de atravessadores, gerando maior renda para as famílias.

Essa potencialidade da agroindústria rural familiar expressa uma forma de movimento contra o sistema hegemônico, permitindo ganhos econômicos locais e estreitamento de relações com os consumidores (Gazolla, 2017a).

Os municípios onde são produzidos os queijos localizam-se, em média, a 58 km da capital (σ 34), sendo Senador Canedo o município mais próximo (20km) e Cidade de Goiás o mais distante (140km) (Figura 7). O deslocamento entre a produção e o local de venda foi um fator evidenciado pelos produtores como relevante no processo de comercialização nas feiras.

Figura 7
Mapa dos municípios dos produtores de queijo que comercializam em feiras de Goiânia, Goiás.

A distância entre a produção e o mercado consumidor pode ser um fator gerador de dificuldades para os agricultores. Em contrapartida, proximidade entre a propriedade agrícola e o mercado gera vantagem competitiva, reduz custos laborais e intensifica relação direta com consumidores, fortalecendo relações interpessoais (Wästfelt; Zhang, 2016).

Oliveira et. al (2020) relatam que o transporte é um dos fatores determinantes na composição do custo dos produtos de agricultores familiares, que, em sua grande maioria, desconhecem a correlação desta variável. Isso expressa debilidade no gerenciamento e nos custos dos empreendimentos familiares e demostra a necessidade pujante de inserção de políticas públicas que incluam gestão financeira voltada às diversas realidades de agricultores familiares.

Com vistas a minimizar as dificuldades de produção e comercialização enfrentadas pelas agroindústrias familiares, é imprescindível que o governo execute fomento aos produtores através de linhas de crédito em formato coletivo e independente como forma de apoio, bem como assessoramento (Wesz Junior, 2017). Para além disso, Gazolla (2017b) relata que as agroindústrias familiares mantêm-se comumente na informalidade, mesmo com a descentralização do serviço de inspeção pelo governo federal, especialmente devido a fragilidades e falta de interface entre as legislações federais, estaduais e municipais para atendimento à realidade produtiva, comercial e socioeconômica desta produção. Portanto, observa-se que não há atendimento à diversidade desta produção agroindustrial de pequeno e médio porte, sendo equiparadas às grandes indústrias e inseridos em padrões higiênico-sanitários que não consideram que a inocuidade de um alimento possa ser obtida via processos reduzidos e estruturas minimizadas, mesmo que disponham de princípios de higiene e boas práticas de fabricação.

Observou-se, por meio da observação participante, que os queijos comercializados nas feiras livres da capital são produzidos e vendidos de modo informal, não apresentando registro em órgãos de inspeção. Para além disso, não havia identificação dos produtos com rótulos e informações gerais, tais como nome, data de fabricação, forma de acondicionamento, entre outros. Esse fato coaduna com o cenário de informalidade presente nas agroindústrias em estabelecimentos rurais. É sabido que a regularização sanitária da produção de pequeno e médio porte de alimentos de origem animal, mesmo que tenha evoluído ao longo dos anos, apresenta inúmeros entraves que dificultam a formalização e adequação perante às legislações vigentes (Coelho, Corcioli, Cruz, 2024).

Quanto à comunicação visual dos produtos e das bancas, os produtores (autodeclarados agricultores familiares ou não) não têm nenhuma estratégia de marketing ou tendência à valorização da produção que possam garantir uma melhor comercialização de seus produtos. Constata-se, portanto, uma ausência de associações ou propagandas que diferenciem facilmente a origem do produto comercializado e impulsionem as vendas.

Conforme observado por Menezes (2021), a busca por bancas de feirantes agricultores é uma realidade, pois os consumidores estão ávidos por uma alimentação saudável e relações firmadas em laços de confiança, fidelização e proximidade. Somado a isso, o uso de banners, fotografias e outros artifícios visuais impulsionam as vendas ao reforçar a origem dos produtos. Segundo Paulino et al. (2017), a predileção dos consumidores e valorização de determinadas mercadorias em detrimento de outras se dão por vários motivos, sendo eles altamente influenciados pelas formas de abordagem, falas e marketing.

Vivenciar a ambiência de elementos culturais relativos à identidade e origem dos produtos de forma visual nas barracas, e estreitando isso em forma de confiança na relação dos produtores e consumidores, poderia, possivelmente, impulsionar a comercialização e o consumo destes alimentos.

4 CONCLUSÕES

A comercialização de produtos lácteos é bastante expressiva e presente em feiras livres de Goiânia, Goiás, sendo encontrados em 93,33% das feiras ativas cadastradas na Sedetec. Dentre os produtos comercializados, destacam-se os queijos, fato que coaduna com a elevada quantidade produzida na agroindústria rural do estado de Goiás.

Foi observado que a agricultura familiar goiana tem potencial para oferta de produtos em mercados locais, mesmo em municípios de grande porte, fazendo-se presente e comercializando concomitantemente com atravessadores. Os agricultores familiares que produzem queijos, em sua grande maioria, processam toda sua produção e comercializam em mais de uma feira semanalmente. Quanto às suas localizações, encontram-se em municípios vizinhos, a um raio aproximado de 58 km de distância entre a cidade de produção e a de venda.

As feiras livres do município de Goiânia, Goiás, configuram-se, portanto, como possibilidades ativas de inclusão de agricultores familiares, proporcionando escoamento da produção e consequentemente fortalecimento do comércio local, desenvolvimento regional e ferramenta de combate à insegurança alimentar e nutricional.

Com vistas a estudos futuros, espera-se que a presente pesquisa impulsione pesquisas qualitativas e quantitativas acerca da inclusão de agricultores familiares em canais curtos de comercialização, tais como feiras livres em municípios de pequeno, médio e grande portes, para que eles possam ser visibilizados e políticas públicas, voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar em suas diversas formas de comercialização, possam ser proporcionadas, bem como para que haja a viabilização dos meios de promoção e agregação de valor aos produtos elaborados pelos próprios agricultores.

  • 3
    Os conceitos de empreendimento familiar rural, cooperativa singular da agricultura familiar, cooperativa central da agricultura familiar e associação da agricultura familiar, dispostos no Decreto n. 9.064, de 2017, foram alterados por meio do Decreto n. 10.688, de 2021, contribuindo para o aumento da participação de agricultores familiares em políticas públicas direcionadas a empreendimentos familiares rurais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2025
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2025

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2024
  • Revisado
    09 Dez 2024
  • Aceito
    09 Dez 2024
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