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Relações entre as políticas públicas de turismo e as ações dos serviços turísticos no município de Bonito, polo de ecoturismo nacional

Relations between tourism public policies and the actions of tourist services in the municipality of Bonito, a national ecotourism pole

Relaciones entre las políticas públicas de turismo y las acciones de los servidos turísticos en el município de Bonito, polo nacional de ecoturismo

Resumo:

As políticas públicas de turismo e os serviços turísticos são meios que possibilitam a organização e concretização da atividade turística, importante fonte de renda para diversas regiões, no Brasil e no mundo. Em Bonito, estado de Mato Grosso do Sul, o ambiente natural é o grande responsável pela demanda de turistas, o qual, e não apenas por isso, deve receber atenção de órgãos públicos e entidades privadas com vistas à sua sustentabilidade, pois a existência ou não de políticas públicas e a forma como se dão as relações entre os componentes da atividade turística interferem no desenvolvimento do turismo. Desta forma, este artigo objetiva compreender as relações entre as políticas públicas de turismo e as ações dos serviços turísticos em Bonito, na perspectiva do ambiente natural. A metodologia utilizada foi de caráter quantitativo e qualitativo, de natureza descritivo-exploratória, por meio de um questionário aplicado junto aos serviços turísticos, avaliado com auxílio do software Sphinx Léxica 5.0. Os resultados indicaram que tanto as políticas públicas quanto as ações desenvolvidas pelos serviços turísticos são ainda insuficientes para garantir a conservação do ambiente. São poucas as ações realizadas pelo setor e, destas, uma pequena parcela acontece por influência dos órgãos governamentais por meio de suas políticas, demonstrando, assim, que as relações são ainda inexpressivas. As relações existem, mas não ocorrem de modo adequado a favorecer as práticas turísticas, considerando o que se convencionou chamar de sustentabilidade ambiental.

Palavras-chave:
turismo sustentável; políticas públicas de turismo; agências de turismo; atrativos turísticos; meios de hospedagem

Abstract:

The tourism public politics and the tourist services are means that enable the organization and realization of tourist activity, an important source of income for several regions, in Brazil and worldwide. In Bonito, state of Mato Grosso do Sul, the natural environment is the great responsible for the tourist's demand, which, and not only for this reason, should receive attention from public and private agencies with a view to its sustainability, because the existence or not of public policies the way in which the relations between the components of the tourism activity occur interfere in its development of tourism. Thus, this article intends to understand the relationships between the public politics of tourism and the actions of the tourist services, in Bonito, in the perspective of the natural environment. The methodology used was quantitative and qualitative of a descriptive-exploratory nature, through the application of a questionnaire applied in the tourist services of Bonito, appraised with the aid of the software Sphinx Léxica 5.0. The results indicated that as much the publics politics of tourism as the actions developed by tourist services are still insufficient to guarantee the conservation of the natural way. They are few the actions accomplished by the section and, of those, a small parcel happens for influence of the government organs through their politics, demonstrating, therefore, that the relationships are still inexpressive. The relationships exist but do not occur in an appropriate way to favor tourism practices, considering what has been called environmental sustainability.

Keywords:
sustainable tourism; tourism public policies; tourism agencies; tourist attractions; means of hosting

Resumen:

Las políticas públicas de turismo y los servicios turísticos son medios que permiten la organización y realización de la actividad turística, importante fuente de ingresos para varias regiones, en Brasil y en el mundo. En Bonito, estado de Mato Grosso do Sul, el medio natural es en gran parte responsable de la demanda de turistas, que, y no solo por ello, debe recibir atención de organismos públicos y privados con miras a su sostenibilidad, ya que la existencia o no de políticas públicas y la forma en que tienen lugar las relaciones entre los componentes de la actividad turística interfieren en el desarrollo del turismo. Por lo tanto, este artículo tiene como objetivo comprender la relación entre las políticas públicas de turismo y las acciones de los servicios turísticos en Bonito, desde la perspectiva del entorno natural. La metodologia utilizada fue cuantitativa y cualitativa, de naturaleza descriptiva-exploratoria, a través de un cuestionario aplicado a los servicios turísticos, evaluado con la ayuda del software Sphinx Léxica 5.0. Los resultados indicaron que tanto las políticas públicas como las acciones desarrolladas por los servicios turísticos aún son insuficientes para garantizar la conservación del medio ambiente. Hay pocas acciones tomadas por el sector y de estas, una pequena porción ocurre debido a la influencia de las agencias gubernamentales a través de sus políticas, lo que demuestra que las relaciones siguen siendo inexpresivas. Existen relaciones, pero no ocurren de manera adecuada para favorecer las prácticas turísticas, considerando lo que convencionalmente se llama sostenibilidad ambiental.

Palabras clave:
turismo sostenible; políticas públicas de turismo; agencias de turismo; atracciones turísticas; medios de alojamiento

1 INTRODUÇÃO

A população da região da Serra da Bodoquena, estado de Mato Grosso do Sul, busca na atividade turística uma forma de desenvolvimento econômico, servindo-se das singularidades naturais que a região dispõe e ofertando, principalmente, modalidades relacionadas à natureza, como: ecoturismo, turismo rural e de contemplação, entre outras. Na região, localiza-se o município de Bonito, o qual se destaca entre os demais destinos pelos seus recursos naturais, encontrando-se estruturado por meio da oferta de diversos serviços e atrativos que exploram esses bens. A região é reconhecida pelo Ministério do Turismo como um destino indutor, pois influencia e impulsiona o turismo nas cidades vizinhas.

De acordo com Oliveira e Diettrich (2019)OLIVEIRA, A. K. M.; DIETTRICH, L. C. Sustentabilidade ambiental na Serra de Bodoquena no contexto da legislação de Mato Grosso Sul. Revista Brasileira de Ecoturismo, São Paulo, v. 12, n. 5, p. 601-22, 2019. DOI: https://doi.org/10.34024/rbecotur.2019.vl2.9408
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, o turismo na região é um importante instrumento para a melhoria da qualidade de vida das comunidades e para o desenvolvimento regional. Entretanto, apesar de existirem políticas que regulam a atividade, a sustentabilidade por elas mencionada não objetiva verdadeiramente a proteção do ambiente natural, tornando-se necessário aprimorá-las para que ocorra a sustentabilidade do ambiente e do turismo, evitando prejuízos ao meio e à sociedade. Para Beni (2001)BENI, M. C. Análise estrutural do turismo. 4. ed. São Paulo: SENAC, 2001., a preservação do meio natural pelo turismo tem como consequência a sustentabilidade da própria atividade e, portanto, proteger os recursos naturais significa beneficiar-se disso. O autor salienta que os interesses econômicos que comumente ameaçam esta postura não são impeditivos para os cuidados com o ambiente, pois dele o homem depende para sua sobrevivência.

Ressalte-se que o turismo é constituído e ocorre por meio dos serviços que possibilitam o acesso e seu consumo: os serviços turísticos. Em Bonito, para atender à demanda, o município conta com diversos serviços de agências de turismo, de meios de hospedagem e de transporte, serviços de alimentação e de recreação, entre outros.

Quanto à relação e à responsabilidade dos serviços turísticos com a sustentabilidade do meio natural, a legislação brasileira (Lei Federal 6.938) que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (BRASIL, 1981BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Brasília, DF, 1981. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l6938.htm. Acesso em: 13 jul. 2021.
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) reconhece o turismo como uma das diversas atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais (embora em pequeno grau).

Por outro lado, a Lei Federal 11.771, relacionada à Política Nacional de Turismo (BRASIL, 2008BRASIL. Lei n. 11.771, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, define as atribuições do Governo Federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo ao setor turístico. Brasília, DF, 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-NacionaLde%201991%3B%20e%20d%C3%Al%20outras. Acesso em: 13 jul. 2021.
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), estabelece que as viagens devem ser promotoras da preservação da biodiversidade e reconhece o turismo como fator de desenvolvimento sustentável e de conservação do patrimônio natural. De acordo com a legislação, compete às políticas públicas do setor a promoção de normas, diretrizes e estímulos, entre outros, que apoiem e/ou orientem as ações adotadas pelos serviços turísticos. Cabe frisar que a expressão “desenvolvimento sustentável” foi popularizada por meio do Relatório Brundtland, em 1987, e definida como “[...] aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades” (WCED, 1987, p. 19).

Os serviços turísticos são atividades econômicas importantes e também fatores de desenvolvimento sustentável, provendo fundos para a conservação e proteção do ambiente. Porém, sem políticas públicas adequadas e um planejamento correto, também podem causar ações de cunho contrário (DIAS, 2008DIAS, R. Turismo sustentável e meio ambiente. São Paulo: Atlas, 2008.), pois são setores da economia causadores de consideráveis mudanças no ambiente. Convém destacar que as políticas públicas têm a responsabilidade de conduzir as transformações advindas dessa atividade, com vistas ao desenvolvimento sustentável, por meio do estabelecimento do ambiente regulatório.

No âmbito estadual, pode-se afirmar que as políticas públicas de turismo estão sob a gestão da Secretaria de Cultura, Turismo, Empreendedorismo e Inovação (SECTEI), que tem como funções estabelecer as políticas públicas de turismo em nível estadual e apoiar as ações e os diversos segmentos que compõem a atividade turística, com vistas ao seu crescimento e à sustentabilidade, sob a gestão também da Fundação de Turismo de Mato Grosso do Sul (FUNDTUR), vinculada à SECTEI, com encargos relacionados à promoção do turismo como atividade econômica, ambiental e socialmente justa.

Em âmbito local, são reguladas pelo Conselho Municipal de Turismo de Bonito (COMTUR), que formula a política municipal de turismo, visando criar condições para o incremento e desenvolvimento da atividade; é responsável pelo planejamento e organização do setor, caracterizando-se como o órgão que exerce maior influência nas tomadas de decisão. Embora tenha caráter consultivo, Almeida (2013, p. 101)ALMEIDA, N. P. O processo de turistifícação de Bonito. Campo Grande: UFMS, 2013. explica que “o poder público municipal acata quase que integralmente as decisões tomadas, fazendo com que na atividade do turismo a gestão seja compartilhada entre o poder público municipal e comunidade representativa local”. Também em âmbito local, a Secretaria de Turismo, Indústria e Comércio (SECTUR) coordena e implementa ações para o desenvolvimento do turismo, além de promover o desenvolvimento sustentável.

As características ecossistêmicas de Bonito, assim como a atividade turística nele desenvolvida, por meio de seus serviços, demonstram a importância da sustentabilidade dos recursos naturais, a qual pode ser consolidada por meio de ações e de políticas efetivas. Assim sendo, este artigo objetivou compreender as relações entre as políticas públicas de turismo e as ações dos serviços turísticos em Bonito, na perspectiva do ambiente natural.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2.1 Área de estudo

O município de Bonito está localizado no sudoeste do estado de Mato Grosso do Sul, na Serra da Bodoquena (Figura 1), e tem uma população de 22.190 habitantes em uma área territorial de 4.934,32 km2, correspondendo a 1,38% do estado (IBGE, 2021). A região tem grande beleza cênica e se destaca pelas suas características naturais singulares, nas quais a atividade turística se desenvolve, com seus rios de águas cristalinas, sendo esses os principais atrativos turísticos. Tal beleza é resultado das peculiaridades geográficas da serra, formada por rochas carbonáticas e da associação deste tipo de rocha com o sistema hidrográfico, formando rios subterrâneos, ressurgências e cascatas, entre outros atrativos.

Figura 1
Localização do município de Bonito e da Serra de Bodoquena, Mato Grosso do Sul

2.2 Amostragem

A pesquisa foi desenvolvida junto aos serviços turísticos delimitados em: agências de turismo, atrativos turísticos e meios de hospedagem (excluídos albergues, campings, cama e café e casas de aluguel). O levantamento do universo teve como fonte o Observatório de Turismo de Bonito, com dados coletados entre 2016 e 2017 e atualizados em 2018. A amostra foi calculada a partir da população composta por 149 serviços turísticos divididos em 46 agências de turismo, 33 atrativos turísticos e 70 meios de hospedagem, com amostragem aleatória e proporcional ao número de serviços.

2.3 Metodologia e análise de dados

A abordagem foi de caráter quantitativo e qualitativo, de natureza descritivo-exploratória, por meio da aplicação de questionário semiestruturado dirigido aos responsáveis pelos empreendimentos (pessoalmente ou via endereço eletrônico). A abordagem foi quantitativa, por se basear em números que traduzem opiniões e informações (variáveis objetivas), e qualitativa, por permitir a análise dos dados (GIL, 2010GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.). As informações coletadas foram tabuladas no software Sphinx Léxica 5.0, aplicando-se análises univariadas, nas quais se observaram as frequências das variáveis. Neste processo, é estabelecida a frequência de cada variável, por meio das seguintes etapas: cada uma das perguntas corresponde a uma variável; codificação das variáveis; categorização das respostas fechadas; e formação do banco de dados (SPHINX BRASIL, 2021SPHINX Brasil. Léxica: sistema para pesquisa e análise de dados. 2021. Disponível em: https://www.sphinxbrasil.com/. Acesso em: 13 jul. 2021.
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).

As questões qualitativas apresentadas aos respondentes buscaram identificar as contribuições dos serviços turísticos e das políticas públicas para o turismo e sustentabilidade ambiental, bem como a influência de tais políticas em relação às ações sustentáveis desenvolvidas pelos empreendimentos. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética (Parecer 1.325.194), aprovado e acompanhado pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

O perfil dos serviços turísticos indica que a maior parte (64%) das agências de turismo foi criada há menos de dez anos e 28% têm mais de 10 anos de funcionamento (8% não responderam). Em sua grande maioria, caracterizam-se como receptivas, operadoras turísticas e especializadas nos destinos Bonito e Pantanal, em segmentos relacionados à natureza, como: ecoturismo, vida silvestre e turismo de aventura. Portanto, ofertam os serviços necessários para efetivação desses tipos de viagem: passeios e atrativos, hospedagem, guias, traslados, locação de veículos e pacotes turísticos.

Em relação aos atrativos turísticos, a maioria é da tipologia natural (90,5%), localizada na área rural e oferece atividades como: trilha, flutuação, mergulho, cavalgada, tirolesa, observação de aves, boia cross, arvorismo e passeio de bicicleta. Muitos atrativos agregam serviços de alimentos e bebidas (restaurantes, bares e lanchonetes), lojas de souvenirs e aluguel de equipamentos (roupas e acessórios para mergulho, caiaque, stand-up e pedalinhos), uma maneira de aumentar os ganhos com a atividade.

A maioria dos atrativos está sob a gestão privada (85,7%) e existe há mais de 10 anos (71,4%), e uma parcela menor (19%), entre 6 e 10 anos de existência. A demanda mensal de visitantes é bastante variada, sendo que há desde aqueles que recebem em média 30 visitantes/mês até os que atendem 2.800 pessoas/mês. Todos os atrativos e serviços de guias são comercializados somente por intermédio das agências de turismo local, por meio do “Voucher Único” (sistema de controle e de organização do turismo, implantado em 1995). Este sistema dá às agências de turismo a incumbência de não apenas comercializar os atrativos, mas também distribuir o montante pago pelos passeios aos atores do processo - à própria agência, à Prefeitura Municipal, aos guias e aos passeios (ALMEIDA, 2013ALMEIDA, N. P. O processo de turistifícação de Bonito. Campo Grande: UFMS, 2013.).

Em se tratando dos meios de hospedagem, estes se concentram na tipologia pousada (46,7%) e hotel (33,3%), de categoria mediana (40%, 3 estrelas; 16,7%, 2 estrelas; e 20%, econômicos) e de gestão independente (90,0%), não pertencendo a nenhuma grande rede de hotéis. A maior parte não alcança o número de 100 unidades habitacionais (e, desses, a metade tem entre 8 e 15 unidades), com a maioria oferecendo apenas serviços e equipamentos básicos (estacionamento, piscina, lavanderia, agência de turismo, bar e serviço de copa). Poucos oferecem atividades, estrutura e/ou equipamentos voltados à recreação (salão de jogos, academia, hidromassagem, quadras e playground), e somente alguns têm restaurante e salões para eventos, indicando simplicidade de funcionamento e atendimento, uma característica de meios de hospedagem familiares, comuns no interior do estado.

A grande maioria dos gestores de serviços (80% das agências, 90,5% dos atrativos e 83,3% da hospedagem) acredita contribuir para o desenvolvimento de Bonito e/ou da região. Quanto a sua forma de contribuição, a maior parte ocorre por meio da geração de emprego e renda. Para outros, numa proporção menor, dá-se pela divulgação e promoção que fazem, seja por meio de propagandas, fotografias, vídeos e redes sociais, ou por meio da comercialização da cidade como destino turístico.

Porém, é necessário cuidado em relação ao significado do termo desenvolvimento, o qual, muitas vezes, é confundido com crescimento. Enquanto este último diz respeito ao aumento quantitativo e à multiplicação da riqueza material, desenvolvimento significa, principalmente, aumento qualitativo, objetivando a evolução do ser humano nos diversos aspectos que o realizam. O desenvolvimento ambiental, por sua vez, é uma vertente da sustentabilidade associado ao aspecto natural que “assegura a compatibilidade do desenvolvimento com a manutenção dos processos ecológicos essenciais à diversidade dos recursos” (BRASIL, 2016, p. 8BRASIL. Ministério do Turismo. Secretaria Nacional de Qualificação e Promoção do Turismo. Departamento de Formalização e Qualificação no Turismo. Coordenação-Geral de Turismo Responsável. Turismo e sustentabilidade: orientações para prestadores de serviços turísticos. Brasília, DF: Ministério do Turismo, 2016.).

Sendo assim, uma observação mais acurada seria necessária para reconhecer se os empregos gerados e/ou o aumento da demanda de turistas - provocado pela divulgação – se configuram realmente como desenvolvimento ou apenas crescimento. Araújo et al. (2017)ARAÚJO, W. A.; TEMOTEO, J. A. G.; ANDRADE, M. O.; TREVIZAN, S. D. P. Desenvolvimento local, turismo e populações tradicionais: elementos conceituais e apontamentos para reflexão. Interações, Campo Grande, v. 18, n. 4, p. 5-18, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.20435/inter.vl8i4.1392
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alertam que o desenvolvimento é um processo que pressupõe modificações nas relações econômicas e sociais das comunidades, promovendo transformações que incluem os indivíduos de maneira participativa e sustentável, o que nem sempre ocorre.

Contudo, alguns gestores mencionaram, como forma de colaboração para o desenvolvimento daquela localidade, atitudes com vistas à educação ambiental, à proteção, conservação dos recursos naturais, à inclusão e ao desenvolvimento social. Foram citados: a realização de palestras sobre conservação do ambiente; participação, apoio institucional e financeiro às iniciativas locais de sustentabilidade; engajamento em atividades de refloresta mento; conscientização dos turistas; promoção da integração de crianças no turismo; inserção do menor aprendiz; distribuição da colheita de hortas para a Casa da Criança e ao asilo; e priorização de produtores, fornecedores e mão de obra locais.

Uma parcela menor se divide entre ter afirmado não contribuir para o desenvolvimento (12,0%, agências; 4,8%, atrativos; e 6,7%, hospedagem) ou não responder (8,0%, agências; 4,8%, atrativos; e 10,0%, hospedagem). Estes resultados permitem supor que o interesse pela ação desenvolvida é estritamente financeiro, sem percepção da relação existente entre desenvolvimento, turismo e serviços turísticos, corroborando Dias (2008)DIAS, R. Turismo sustentável e meio ambiente. São Paulo: Atlas, 2008., Heidemann e Salm (2010)HEIDEMANN, F. G.; SALM, J. F. (Org.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. 2. ed. Brasília: UnB, 2010., que sustentam a ideia de que o setor turístico tem, costumeiramente, priorizado a promoção, comercialização e o desenvolvimento de produtos turísticos diversificados. Suas políticas públicas têm, em sua maioria, evidenciado o negócio e a atividade em si e desconsiderado todos os demais agentes sociais responsáveis pela atividade

É importante, neste contexto, verificar se há contribuição das políticas para a conservação do ambiente, pois, de acordo com Lage e Milone (2001)LAGE, B. H. G.; MILONE, P. C. Economia do turismo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2001., em muitas situações as atividades turísticas impõem custos sociais e ambientais às regiões exploradas. Na perspectiva da maioria dos gestores dos serviços turísticos, tais políticas existem (Tabela 1). Porém, se for considerado que desconhecer seja tão grave quanto a não existência, o resultado desta pesquisa aponta que, para um número significativo de empreendimentos, essas políticas não são indispensáveis para o cumprimento de suas funções ou para a preservação ambiental.

Tabela 1
Existência de políticas públicas de turismo (PPT) no estado de Mato Grosso do Sul e no município de Bonito, na visão dos serviços turísticos

Sobre as políticas existentes, é possível mencionar algumas. Na esfera estadual: (1) Estratégias de Desenvolvimento do Turismo de MS para o período de 2008 a 2020 – Região Bonito/Serra da Bodoquena; (2) Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável Serra da Bodoquena; (3) Plano de Marketing Turístico – Polo Bonito/Serra da Bodoquena; e (4) Programa de Classificação dos Municípios. Em se tratando das políticas municipais: (1) Plano de Turismo; (2) Lei Municipal 689 (12 de abril de 1995) (BONITO, 1995BONITO (Cidade). Lei Municipal n. 689, de 12 de abril de 1995. Dispõe sobre a obrigatoriedade do acompanhamento do guia local nos passeios turísticos no município e dá outras providências. Bonito, MS, 1995. Disponível em: http://www.camarabonito.ms.gov.br/base/media/attachments/34a072fe8b7a3318ac913d549_lei-689-95.pdf. Acesso em: 13 jul. 2021.
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), que torna obrigatório o acompanhamento de guias de turismo nos passeios; (3) Lei Municipal 919 (13 de maio de 2002), a qual dispõe sobre as atribuições dos guias (BONITO, 2002BONITO (Cidade). Lei Municipal n. 919, de 13 de maio de 2002. Dispõe sobre as atribuições do Guia de Turismo local, a obrigatoriedade de seu acompanhamento nos passeios turísticos no Município e dá outras providências. Bonito, MS, 2002. Disponível em: http://www.camarabonito.ms.gov.br/96afl5b03fec07ae92fd8_lei-ordinaria-n-919.pdf. Acesso em: 13 jul. 2021.
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); e, (4) Resolução Normativa n. 01/95, que regulamenta a instituição do Voucher. As políticas elencadas normatizam as regras a serem seguidas pelos prestadores de serviços e podem ser consideradas como uma Política de Estado, pois existe uma continuidade de ações que visam ao mesmo objetivo, qual seja, o ordenamento do setor. Entretanto, as políticas citadas relacionam-se às necessidades do empresariado, sem levar em consideração a questão da sustentabilidade ambiental.

Segundo Dias (2003)DIAS, R. Planejamento do turismo: política e desenvolvimento do turismo no Brasil. São Paulo: Atlas, 2003., a relação entre o poder público e os serviços turísticos é complexa, pois sempre existem críticas, seja por excesso de envolvimento do poder público, seja pela falta dele. No caso de Bonito, existe a presença do Estado, por meio de uma série de regulamentações, mas a eficiência de sua ação pode ser questionada.

Dos gestores de serviços turísticos que afirmaram existirem políticas públicas, a maioria considera que essas contribuem para o desenvolvimento da atividade (Tabela 2). Diferentemente do que seria natural imaginar, a maior contribuição, na percepção dos investigados, é proveniente das políticas estaduais. Em âmbito local, os administradores dos serviços turísticos também entendem que há contribuição para com a atividade, embora em menor proporção (exceção para os serviços de hospedagem, com resultado bem semelhante).

Tabela 2
Contribuição das políticas públicas de turismo (PPT) do estado de Mato Grosso do Sul e do município de Bonito para o desenvolvimento da atividade turística pela compreensão dos serviços turísticos

Vale destacar o percentual dos gestores dos meios de hospedagem em relação às políticas estaduais (21%) e das agências de turismo em relação às políticas de Bonito (26,3%) quanto a acreditar não haver contribuição para o turismo local, além de uma parcela dos prestadores de serviços turísticos que desconhece as políticas. Esta situação indica a inexistência da tal contribuição e/ou falta de interesse ou envolvimento dos prestadores de serviços com essas políticas.

Deduz-se, assim, que tal crença possa estar atrelada não apenas à falta de conhecimento, mas também ao papel que uma política bem estruturada e desenvolvida é capaz de cumprir e quais os benefícios por ela gerados. De acordo com Beni (2001)BENI, M. C. Análise estrutural do turismo. 4. ed. São Paulo: SENAC, 2001., a exploração dos recursos naturais, quando realizada sem o devido planejamento, tem como consequência um turismo insustentável. Dias (2008)DIAS, R. Turismo sustentável e meio ambiente. São Paulo: Atlas, 2008. descreve que atividades turísticas bem planejadas auxiliam na minimização dos problemas ambientais e sociais, gerando impactos econômicos positivos, o que deveria ser desejado por todos.

Teoricamente, as políticas públicas efetuam-se por meio de processos que ocorrem da seguinte forma: são, primeiramente, politicamente decididas, com a finalidade de resolver problemas sociais previamente estudados; depois, formuladas e implementadas (colocadas em prática). A partir daí, verifica-se se as partes interessadas foram satisfeitas em suas demandas e, finalmente, sujeitas a sistemas de acompanhamento e avaliadas a fim de continuidade, aperfeiçoamento, reformulação ou descontinuidade (HEIDEMANN; SALM, 2010HEIDEMANN, F. G.; SALM, J. F. (Org.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. 2. ed. Brasília: UnB, 2010.).

Todavia, para Rodrigues (2010)RODRIGUES, M. M. A. Políticas públicas. São Paulo: Publifolha, 2010., este modelo de política, embora considerado por especialistas como uma forma descomplicada de entender o processo de formação das políticas, dificilmente servirá como referência a um fato real. Sendo assim, talvez as políticas de turismo, para alguns serviços turísticos, representem uma utopia.

Apoiando-se em Butler (1999)BUTLER, R. W. Sustainable tourism: a state-of-the-art-review. Tourism Geographies, Routledge, v. 1, n. 1, p. 7-25, 1999., quando indica deveres aos governos que vislumbram a sustentabilidade, verifica-se enorme variedade de ações possíveis de serem desempenhadas. Para se ter uma ideia, são sugeridas 18 ações, e, delas, os seguintes termos foram extraídos a fim de representar as múltiplas opções, como: desenvolver normas, regulamentos, avaliação, monitoramento, auditoria, processos, consultas, tomada de decisões, indicadores, elaborar, implementar, programas, analisar, monitorar, ajustar, controlar, incluir, planejamento, criar, envolver, regular, informar, representar e garantir. É possível perceber que as ações sugeridas podem estar atreladas e serem atendidas por políticas governamentais bem elaboradas.

Tão importante quanto a existência de políticas é o conhecimento que se tem sobre elas, e, em Bonito, em relação à proporção de conhecimento dos gestores de seus serviços turísticos acerca das políticas públicas estaduais e municipais, embora uma significativa parcela (Tabela 1) tenha afirmado que elas existem, poucos conhecem plenamente tais políticas. O resultado desse questionamento também demonstra que os administradores dos atrativos têm maior conhecimento das políticas, em relação tanto às estaduais quanto às municipais, seguidos dos gestores das agências e hospedagem. As demais respostas (que representam uma parcela bastante significativa) dividem-se em: conhecem quase nada e não conhecem. Sobre estas últimas respostas, sobressaem-se os gerentes dos meios de hospedagem, seguidos pelos administradores das agências de turismo (Tabela 3). Neste contexto, destacam-se duas respostas nas quais se percebe um tom irônico ao tratar do assunto. Um gestor de meios de hospedagem, em relação às políticas do estado, disse: “Ouve-se falar que existe...”. E uma das agências, quanto às políticas do município, respondeu com outra pergunta: “Onde estão?”.

Tabela 3
Conhecimento sobre políticas públicas de turismo (PPT) do estado de Mato Grosso do Sul e do município de Bonito

Alguns dos entrevistados justificaram as respostas de pouco ou nenhum conhecimento das políticas de turismo, atribuindo à falta de divulgação o maior motivo para isso. Além disso, argumentaram também que as políticas são de conhecimento apenas dos responsáveis pelos empreendimentos (proprietários), restritas a grupos de interesses políticos, como também se limitam à captação de eventos durante as feiras, das quais apenas as agências participam e há poucas oportunidades para falar sobre o assunto.

Um dos gestores de uma agência de turismo explicou que o acesso às políticas acontece a partir da ocorrência de fatos que demandam orientações e permitem, por consequência, o conhecimento, ou seja, por iniciativa própria e somente a partir de um questionamento. Vale destacar e observar outra resposta dada, a qual retrata não somente a falta de políticas, mas também a insatisfação tanto em relação a sua inexistência quanto ao desejo de ações efetivas dos governos em benefício do turismo e da sustentabilidade. Segundo este respondente, “Não existe uma política definida [no papel] para o destino de Bonito. Os atrativos não têm nenhuma regra. O poder público somente investe em divulgação. Deveriam também investir em segurança, saúde etc, intervir na organização geral”.

Tal depoimento corrobora as ideias de Heidemann e Salm (2010)HEIDEMANN, F. G.; SALM, J. F. (Org.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. 2. ed. Brasília: UnB, 2010., ao entenderem que a formalização das políticas públicas é bastante relevante, pois propicia a comunicação e o entendimento entre o governo e a cidadania, tornando-se a base de referência, e que as ações são necessárias para materializar uma intenção oficial. De acordo com Oliveira e Rossetto (2013)OLIVEIRA, M. A. S.; ROSSETTO, A. M. Políticas públicas para o turismo sustentável no Brasil- evolução e perspectivas de crescimento para o setor. Revista Turismo Visão e Ação - Eletrônica, Itajaí, v. 15, n. 3, p. 322-39, 2013. DOI: https://doi.org/10.14210/rtva.vl5n3.p322-339
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, existe a necessidade de melhor planejamento das políticas e das ações públicas relacionadas à interface entre turismo e sustentabilidade.

Porém, alguns respondentes reconheceram que o motivo de desconhecerem as políticas é o pouco interesse e disposição que eles próprios têm para buscar informações a respeito. Por outro lado, em relação aos que conhecem as políticas de turismo, a justificativa mais frequente dada para tal conhecimento foi a participação do segmento no COMTUR, que tem papel fundamental na organização da atividade turística.

Em relação às maneiras pelas quais as informações a respeito das políticas são obtidas, os gestores dos serviços turísticos mencionaram que a internet, por meio de suas várias ferramentas (portais e e-mails, entre outros), é uma das principais formas de acesso em relação às políticas. Também são citadas a ATRATUR, COMTUR, FUNDTUR, SECTEI e SECTUR, em que as informações são obtidas diretamente e/ou pelos sites, além de eventos do trade, como reuniões, palestras, cursos, convenções e feiras, sendo as principais fontes.

Isto demonstra que os gestores dos empreendimentos não têm prioridade em receber este tipo de informação e não fazem parte do processo de elaboração dessas políticas, sendo que tal conhecimento pode ser superficial. Tal inferência conflui para uma das respostas obtidas, qual seja: “Recebemos e-mail sobre a existência, mas não sobre como e onde acessá-las”. Assim sendo, o conhecimento vai depender do esforço, da iniciativa e/ou do interesse em buscá-lo; caso contrário, os administradores poderão ficar à margem dos acontecimentos.

Um dos investigados sugere que deveria ser melhorada a divulgação e o acesso às políticas públicas, criando, por exemplo, uma plataforma on-line, na qual os agentes públicos e privados poderiam participar, com matrícula, login, fóruns de debate e programas com projetos participativos, por exemplo, de uma maneira transparente. Este depoimento demonstra que algumas empresas se interessam não apenas pelas políticas, mas também pelo seu processo de elaboração, e isso vai ao encontro de uma das funções das políticas públicas, que é fornecer uma estrutura para discussões na qual instituições públicas e privadas possam opinar e na qual os atores terão, de fato, clareza sobre as decisões tomadas.

Órgãos como associações e secretarias foram igualmente citados como maneiras de obtenção de informações acerca das políticas de turismo; todavia, os respondentes não informaram como isto ocorre de fato, se tais informações são buscadas ou levadas, de alguma forma, até os estabelecimentos. Em um dos depoimentos, é possível entender que a dificuldade de acesso às políticas está relacionada também à postura dos órgãos responsáveis pela condução dos procedimentos de elaboração. O empreendedor declarou: “Estamos abertos a toda forma de conhecimento e aprendizado. Políticas públicas devem prever a multiplicação das melhores práticas nas áreas aderentes e atingidas. Não há como se negar o acesso a políticas públicas quando bem conduzidas, participativas e transparentes'.

Depreende-se que, além da existência e do acesso às políticas públicas, compreendê-las seja também um dos quesitos necessários para torná-las realmente acessíveis. Com isto, buscou-se verificar se existe esta dificuldade por parte dos gestores dos serviços turísticos. Os resultados demonstram que grande parte daqueles que têm acesso às políticas não sabem se têm dificuldades em compreendê-las, significando desinteresse e/ou conhecimento insuficiente para tal compreensão (Tabela 4). Pode-se crer, assim, que esse aspecto retrata um gargalo, pois o entendimento é o que vai permitir o acesso, de fato, ao processo, transformando propostas em ações.

Tabela 4
Existência de dificuldades por parte dos serviços turísticos para compreender as políticas públicas de turismo (PPT) do estado de Mato Grosso do Sul e do município de Bonito

Em relação àqueles que consideram as políticas de turismo complexas, os argumentos apresentados foram: conteúdo, conhecimento sobre o assunto e mais informações, contato direto com os órgãos responsáveis e redação complexa. É interessante notar que, desde a década de 1970, já existiam preocupações em relação à atividade turística e à conservação dos recursos naturais que lhes dão sustentação (OMT, 2001). Porém, como aliar tais objetivos, se não existe a compreensão das políticas públicas relacionadas ao assunto?

Em se tratando da relação específica e direta entre políticas públicas e benefícios aos serviços turísticos, constatou-se que as primeiras pouco colaboram com o trabalho desenvolvido pelos seus gestores. Apenas os administradores das agências, em relação às políticas municipais, indicaram que estas contribuem muito (24%), e os demais, abaixo de 15%. A maior parte dos respondentes indicou que as contribuições são poucas, quase nada ou nada, tanto das políticas estaduais como municipais (Tabela 5), sinalizando fragilidade no relacionamento entre a atividade turística e o poder público, de forma a deixar margem para o entendimento de que as contribuições são inexistentes, imperceptíveis e/ou insignificantes.

Tabela 5
Contribuição das políticas públicas de turismo (PPT) do estado de Mato Grosso do Sul e do município de Bonito para os serviços turísticos

Beni (2001)BENI, M. C. Análise estrutural do turismo. 4. ed. São Paulo: SENAC, 2001. descreve que a formulação de políticas de turismo é a forma encontrada para minimizar os impactos negativos da atividade, ou seja, é necessário planejar e executar adequadamente como ela será desenvolvida, sendo moldada por forças distintas (políticas, leis e regulamentações), que visam a seu estímulo e controle. De acordo com Dias (2003)DIAS, R. Planejamento do turismo: política e desenvolvimento do turismo no Brasil. São Paulo: Atlas, 2003., o turismo tornou-se uma opção para o desenvolvimento de regiões menos favorecidas, visando à obtenção de progresso econômico. Desta maneira, é evidente a necessidade de políticas para seu planejamento, desenvolvimento e gestão. Entretanto, em Bonito, existe uma falta de sintonia entre o poder público e a iniciativa privada, de forma que, como demonstrado, não existe contribuição efetiva das políticas para o turismo e a sustentabilidade ambiental.

No que se refere aos recursos naturais e sua conservação, buscou-se averiguar a existência de investimentos financeiros e constatou-se que pouco mais da metade dos entrevistados investem na sustentabilidade (52%, agências; 66,7%, atrativos; e 53,3%, hospedagem). Neste aspecto, é possível considerar que os atrativos se apresentam como os mais comprometidos com a sustentabilidade ambiental, e isso decorre, especialmente, do fato de que sua renda se origina principalmente do ambiente preservado.

Importa ressaltar que, daqueles que direcionam recursos à conservação do meio natural, uma ínfima parcela (4,0%, agências; e 4,8%, atrativos) afirmou que tais recursos se originam do setor público (municipal, estadual ou federal). Esses resultados demonstram que, se há apoio dos órgãos turísticos, este não ocorre na forma de recursos financeiros, e uma considerável parcela das empresas não está disposta a investir na sustentabilidade ambiental. Quanto às demais origens de investimentos direcionados à sustentabilidade, estas são provenientes de empresas parceiras, aleatoriamente. Porém, sabe-se que as ações sustentáveis não dependem exclusivamente de recursos financeiros, assim como o incentivo a essas ações pode acontecer de diferentes maneiras. Neste aspecto, o parecer da maioria dos gestores de serviços turísticos em relação ao incentivo governamental é de que não existe acompanhamento por parte do setor público para incentivar tais práticas, tampouco para verificar a existência e/ou a qualidade delas (Tabela 6). Pode-se assim inferir que, neste quesito, não há unidade plena entre os governos, as agências, os atrativos e os meios de hospedagem.

Tabela 6
Acompanhamento público com a finalidade de incentivar e/ou verificar a existência de práticas sustentáveis nos serviços turísticos do município de Bonito, Mato Grosso do Sul

Os resultados também revelam que, mesmo de maneira ainda não muito significativa, os atrativos são os serviços que recebem maior atenção do setor público. Como representam o elemento crucial da cadeia turística e sem os quais esta atividade não existiria, são os mais visados. Por outro lado, as agências são as menos acompanhadas. Este resultado converge para o entendimento do Ministério do Turismo de que os atrativos podem ser motivo para a proteção e conservação do meio, pois, à medida que aumenta a demanda de turistas, é possível que o poder público local e os empresários do setor invistam em medidas de conservação para manter a qualidade e, consequentemente, a atratividade do destino.

Daqueles que afirmaram haver acompanhamento do setor público com a finalidade de incentivar, verificar a existência e/ou a qualidade de práticas sustentáveis pelas agências de turismo, foi mencionado que tal fato decorre principalmente por meio do sistema de Voucher. Conforme declaração de um gestor, permite “monitorar o cumprimento das licenças ambientais e garantir que as agências compreendam a importância de limitar a quantidade de vagas vendidas nos passeios'; também foi mencionado que há fiscalização, orientações, reuniões, palestras e cursos como forma de acompanhar as referidas práticas.

Já os representantes dos atrativos, além do Voucher que controla a visitação em relação à capacidade de carga, referiram-se principalmente ao trabalho do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (IMASUL) no licenciamento ambiental. Também mencionaram que o acompanhamento público acontece pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, pelo Conselho de Meio Ambiente de Bonito e por ONGs.

Os responsáveis pelos meios de hospedagem alegaram que o acompanhamento de incentivos e/ou de verificação das práticas sustentáveis pelo poder público ocorre especialmente em relação ao lixo produzido, seja por meio da coleta seletiva e/ou da fiscalização. Mencionaram ainda, de forma secundária, o uso de panfletos e e-mails enviados com sugestões de práticas sustentáveis, reuniões e vistorias realizadas pelo IMASUL.

Observa-se que, dentre os órgãos nomeados pelos respondentes, nenhum do setor de turismo foi mencionado, sinalizando talvez que, na prática, estes órgãos não entendem e/ou não assumem que a conservação é também responsabilidade do setor, já que o ambiente conservado é essencial para a sustentabilidade da atividade.

Por fim, em se tratando da contribuição das políticas públicas para a sustentabilidade, sob o ponto de vista dos serviços turísticos, cerca de 70% dos gestores declararam que a colaboração de tais políticas, estaduais e municipais, é irrisória. Porém, a maioria afirmou fazer sua parte e colaborar com a conservação, por meio de ações que visam minimizar o uso de energia, de resíduos e de água. Neste ponto, destaca-se a preocupação com a energia, em que agências, atrativos e hospedagem têm entre 57,2% e 72% de ações para minimizar seu uso, índice provavelmente relacionado ao alto custo deste insumo. Já em relação à água, o índice variou entre 52,4% e 66,7%, demonstrando menor preocupação, talvez devido ao seu menor custo. As ações, em relação aos resíduos, variaram entre 60,0% e 63,3%, e esta similaridade pode estar associada à existência da coleta seletiva (Recicla Bonito), embora a maior parte do material coletado termine em aterros controlados. Todavia, tal programa de reciclagem não é proposto e nem tem a participação dos órgãos de turismo.

O comportamento dos gestores dos serviços turísticos, em relação à utilização dos recursos naturais, além de outros pontos, define a sustentabilidade da atividade e do ambiente. Porém, seria necessário um maior número de participantes nessas ações, para que realmente a sustentabilidade fosse alcançada. De acordo com Dias (2008)DIAS, R. Turismo sustentável e meio ambiente. São Paulo: Atlas, 2008., a sustentabilidade se baseia em vários pontos, como o planejamento da atividade e sua compatibilidade com outros setores, além da ação conjunta da gestão pública e do setor privado, levando à conscientização de todos que participam do processo. De forma diferente, a sustentabilidade não será atingida.

Outras ações de sustentabilidade citadas pelos gestores dos serviços turísticos são exposições, palestras, cursos e atividades recreativas que fomentem a consciência ambiental; priorização do transporte coletivo e redução de deslocamentos; envolvimento com ONGs; contribuição financeira e participação em projetos diversos; trilhas suspensas; limpeza de rios; estudo de impacto ambiental e de capacidade de carga; monitoramento ambiental e organização da visitação. Os atrativos demonstraram ser os mais empenhados, talvez pelo fato de que essas ações são consideradas importantes pelos turistas.

Tomazzoni, Zanette e Laidens (2009)TOMAZZONI, E. L; ZANETTE, F. C; LAIDENS, M. C. Gestão em hotelaria e sustentabilidade ambiental: análise da experiência do Programa Bem Receber na região das hortênsias (Serra Gaúcha). Revista Acadêmica Observatório de Inovação do Turismo, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 1-14, 2009. DOI: https://doi.org/10.12660/oit.v4n3.5749
https://doi.org/10.12660/oit.v4n3.5749...
, avaliando a participação de meios de hospedagem no Programa Bem Receber na Serra Gaúcha e a adesão às práticas sustentáveis, como coleta seletiva de resíduos e sua destinação adequada, racionalização do uso da água e de energia e utilização de produtos biodegradáveis, indicaram que ocorreu maior assimilação do conceito de sustentabilidade e sua aplicação. Porém, este processo foi uma política pública envolvendo os diferentes elos da cadeia turística.

Os resultados obtidos reforçam a suposição de que a relação entre as políticas públicas de turismo do estado e do município, os serviços turísticos e a sustentabilidade do ambiente natural ainda é bastante inexpressiva, dada a capacidade, a importância e a necessidade de cada um desses elementos em prol de um turismo e ambiente sustentável, sobretudo quando desenvolvidos em conjunto. Tal situação sinaliza ainda uma enorme fragilidade nas relações existentes. A sustentabilidade ambiental no turismo depende da disposição, da participação e do comprometimento com seus princípios, por parte de todos os interessados (setor público e privado, residentes e turistas) e, caso isso não ocorra, a tendência é a degradação da natureza (BOULLÓN, 2009BOULLÓN, R. C. Las actividades turísticas y recreacionales: el hombre como protagonista. 4. ed. México: Editorial Trillas, 2009.), levando à perda dos recursos naturais.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As relações existentes entre as políticas públicas de turismo do estado e do município de Bonito, os serviços turísticos e a sustentabilidade do meio natural, além de muito limitadas, ocorrem de forma bastante pontual. Tanto as políticas existentes quanto os serviços turísticos contribuem para o turismo local, mas, em ambos os casos, essa contribuição afeta mais o crescimento do que o desenvolvimento da atividade. O ambiente não representa, de fato, prioridade dos órgãos públicos e do setor privado, e as ações visam principalmente à propaganda da atividade, sem uma legítima preocupação com a conservação. As políticas públicas relacionadas à conservação do meio natural pouco incentivam, acompanham ou investem em iniciativas com esta finalidade. Dentre os serviços turísticos, os atrativos, embora de forma ainda precária, mostram-se mais dedicados e preocupados com a sustentabilidade ambiental.

Ao final, considera-se que as correlações existentes são ainda ineficazes para contribuir efetiva e consideravelmente com a sustentabilidade do ambiente natural de Bonito. Julga-se então necessária uma aproximação entre órgãos públicos de turismo e os serviços turísticos por meio de políticas claras, acessíveis e passíveis de efetivação que possam, ao menos, fortalecer e aumentar tanto a quantidade quanto a qualidade das ações já existentes. Do mesmo modo, é preciso uma avaliação das políticas, sobretudo devido ao seu papel estratégico no desenvolvimento do turismo e à importância que esta atividade tem apresentado, além do seu desempenho na manutenção dos recursos naturais sujeitos à exploração turística.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT), pela bolsa de estudo (CAPES-FUNDECT) e de produtividade concedida (CNPq – PQ-1C), e à Universidade Anhanguera-Uniderp, pelo financiamento do projeto.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2020
  • Revisado
    05 Jul 2021
  • Aceito
    16 Ago 2021
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