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Impacto ambiental do turismo de pesca: aplicação da Lei da Cota Zero no Rio Araguaia, em Goiás

Environmental impact of fishing tourism: enforcement of the Zero Quota Law in the Araguaia River, in Goiás

Impacto ambiental del turismo de pesca: aplicación de la Ley de la Cuota Cero en el Río Araguaia, en Goiás

Resumo

Esta pesquisa busca responder se a Lei n. 17.985/2013, que regulamenta a pesca no Estado de Goiás, está garantindo que o turismo de pesca seja feito de maneira sustentável. A pesquisa foi realizada na comunidade Itacaiu, às margens do Rio Araguaia. Foi verificado que a região de estudo vem sofrendo com a pesca predatória devido ao conhecimento limitado dos pescadores sobre a Lei e devido à falta de fiscalização governamental. Peixes fora de medida e espécies protegidas são capturados, transportados e consumidos ilegalmente, comprometendo o desenvolvimento local sustentável.

Palavras-chave
desenvolvimento local sustentável; turismo rural; pesca ilegal; pesca predatória; Lei n; 17.985/2013

Abstract

This study aims to answer whether the Law n. 17.985/2013, which regulates fishing in the Brazilian State of Goiás, ensures that fishing tourism is carried out in a sustainable manner. Field research was carried out in the Itacaiu community on the banks of the Araguaia River. Results show that the study area has been suffering from predatory fishing due to fishermen’s limited knowledge about the Law and the lack of law enforcement. Out-of-measure fish and protected species are caught, transported, and consumed illegally, jeopardizing sustainable local development.

Keywords
sustainable local development; rural tourism; illegal fishing; predatory fishing; Law n; 17.985/2013

Resumen

Esta investigación busca responder si la Ley n. 17.985/2013, que regula la pesca en el Estado de Goiás, está garantizando que el turismo pesquero sea realizado de manera sostenible. La investigación se llevó a cabo en la comunidad ribereña Itacaiu, a orillas del Río Araguaia. Se verificó que la región de estudio viene sufriendo con la sobrepesca debido al limitado conocimiento de la Ley por parte de los pescadores y debido a la falta de inspección gubernamental. Los peces fuera de medida y las especies protegidas son capturados, transportados y consumidos ilegalmente, comprometiendo el desarrollo local sostenible.

Palabras clave
desarrollo local sostenible; turismo rural; pesca ilegal; pesca depredadora; Ley n; 17.985/2013

1 INTRODUÇÃO

O turismo rural vem se destacando no Brasil. Depois de um processo de consolidação, que teve início na década de 1990, hoje se mostra uma realidade de norte a sul do país (SILVA, 2004SILVA, A. M. Os caminhos do turismo em espaço rural goiano. Revista da UFG, Goiânia, v. 7, n. 1, p. 29, jun. 2004. Disponível em: https://observatoriogeogoias.iesa.ufg.br/n/29799-artigos. Acesso em: 1 de julho de 2015.
https://observatoriogeogoias.iesa.ufg.br...
). O turismo reconfigura o campo, trazendo transformações ambientais, espaciais e culturais (JOIA; ANUNCIAÇÃO; PAIXÃO, 2018JOIA, P.; ANUNCIAÇÃO, V.; PAIXÃO, A. Implicações do uso e ocupação do solo para o planejamento e gestão ambiental da bacia hidrográfica do rio Aquidauana, Mato Grosso do Sul. Interações, Campo Grande, MS, v. 19, n. 2, p. 354, abr./jun., 2018.).

O turismo de pesca afeta a população de pescado de diversas maneiras, incluindo a pesca predatória com o uso de apetrechos inapropriados, em períodos não autorizados, e a pesca de espécies não permitidas (ACAUAN et al., 2018ACAUAN, R.; TEIXEIRA, B.; POLETTE, M.; BRANCO, J. Aspectos legais da pesca artesanal do camarão sete-barbas no município de Penha, SC: o papel do defeso. Interações, Campo Grande, v. 19, n. 3, p. 543-56, 2018.;). Além disso, a tranquilidade e as belezas naturais das comunidades ribeirinhas induzem à especulação imobiliária, o que acaba conduzindo a um processo de urbanização desordenada com impactos na vegetação e nos rios (JOIA; ANUNCIAÇÃO; PAIXÃO, 2018JOIA, P.; ANUNCIAÇÃO, V.; PAIXÃO, A. Implicações do uso e ocupação do solo para o planejamento e gestão ambiental da bacia hidrográfica do rio Aquidauana, Mato Grosso do Sul. Interações, Campo Grande, MS, v. 19, n. 2, p. 354, abr./jun., 2018.).

Em Goiás, as discussões relacionadas ao turismo de pesca tratam da preservação da fauna aquática nos corpos de água sob jurisdição do Estado, conforme previsto pela Lei n. 17.985/2013, conhecida também como Lei da Cota Zero. Esta Lei considera a necessidade de se promover a estabilização da população da fauna aquática nos rios e lagos do Estado de Goiás, em virtude da constante degradação a que estão sendo submetidos e do dever que tem o poder público na preservação dos recursos da ictiofauna4 4 Em ecologia e ciências pesqueiras, chama-se ictiofauna o conjunto das espécies de peixes que existem numa determinada região biogeográfica. .

O termo Cota Zero se deve ao fato de que a Lei n. 17.985/2013 estabeleceu a cota zero para transporte de pescado em todas as bacias hidrográficas do Estado de Goiás. Peixes que são transportados, mas provenientes de estados que permitem a captura e o transporte de pescados, bem como peixes que são comercializados em Goiás, devem estar devidamente acompanhados de documentação que comprove sua origem.

Pescadores que praticam o turismo de pesca em território goiano devem possuir licença e estar cientes de que as espécies capturadas devem estar dentro de limites preestabelecidos pela Lei. Podem ser consumidos até cinco quilogramas de pescado, por licença, no local de pesca. Tais medidas procuram inviabilizar a pesca comercial e predatória (Lei n. 17.985/2013).

O Rio Araguaia5 5 Nome de origem Tupi-Guarani, Araguaia significa “Rio das Araras Vermelhas” e é um rio brasileiro que nasce no estado de Goiás, na Serra do Caiapó (GOIÁS TURISMO, 2012). se tornou um grande atrativo para o turismo rural em Goiás, devido às suas belezas naturais, que incluem praias ao longo de suas margens (SANTOS, 2006SANTOS, M. E. M. O. Estudo econômico-ecológico do rio Araguaia: região de Aruanã pela demanda turística. 2006. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Evolução) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, 2006.). Neste cenário, o turismo contemplativo da natureza, passeios de barco e pesca amadora representaram uma nova oportunidade econômica à região, que é proporcionada pela integridade do ambiente natural.

O principal destino dos turistas é o município de Aruanã, que chega a receber aproximadamente 300 mil turistas durante a temporada das férias de julho (GOIÁS TURISMO, 2012GOIÁS TURISMO. Agência Goiana de Turismo. Elaboração do Plano de desenvolvimento integrado do turismo sustentável (PDITS) do polo Vale do Araguaia. Goiânia: Ministério do Turismo, 2012. Disponível em: https://docplayer.com.br/10919717-Elaboracao-do-plano-de-desenvolvimento-integrado-do-turismo-sustentavel-pdits-do-polo-vale-do-araguaia.html. Acesso em: 26 ago. 2021.
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). É também possível observar o aparecimento de atrativos particulares, como é o caso da Fazenda São Paulo, que loteou parte de suas glebas rurais no Município de Britânia (GO), às margens do Rio Araguaia, dando origem à comunidade ribeirinha Itacaiu (GOIÁS TURISMO, 2012GOIÁS TURISMO. Agência Goiana de Turismo. Elaboração do Plano de desenvolvimento integrado do turismo sustentável (PDITS) do polo Vale do Araguaia. Goiânia: Ministério do Turismo, 2012. Disponível em: https://docplayer.com.br/10919717-Elaboracao-do-plano-de-desenvolvimento-integrado-do-turismo-sustentavel-pdits-do-polo-vale-do-araguaia.html. Acesso em: 26 ago. 2021.
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).

De acordo com a Agência Estadual de Turismo, existe carência de pesquisas para aferir o impacto ambiental da prática do turismo (GOIÁS TURISMO, 2012GOIÁS TURISMO. Agência Goiana de Turismo. Elaboração do Plano de desenvolvimento integrado do turismo sustentável (PDITS) do polo Vale do Araguaia. Goiânia: Ministério do Turismo, 2012. Disponível em: https://docplayer.com.br/10919717-Elaboracao-do-plano-de-desenvolvimento-integrado-do-turismo-sustentavel-pdits-do-polo-vale-do-araguaia.html. Acesso em: 26 ago. 2021.
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). Há evidências de que o turista do Rio Araguaia não tem conhecimento sobre os processos ecológicos, o que implica a necessidade de projetos de conscientização para a prática de turismo sustentável na região (SANTOS, 2006SANTOS, M. E. M. O. Estudo econômico-ecológico do rio Araguaia: região de Aruanã pela demanda turística. 2006. Dissertação (Mestrado em Ecologia e Evolução) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, 2006.).

O objetivo desta pesquisa é compreender quais transformações o turismo de pesca trouxe para o Rio Araguaia, levando em consideração os possíveis impactos ambientais. Especificamente, busca-se identificar:
  1. O perfil socioeconômico dos pescadores;

  2. O conhecimento dos pescadores em relação à Lei da Cota Zero;

  3. Como é praticada a atividade de pesca e quais são seus impactos potenciais.

2 METODOLOGIA

Foi realizada uma pesquisa de cunho exploratório e quali-quantitativa com pescadores do Rio Araguaia, por meio da utilização de questionário estruturado com perguntas objetivas e subjetivas. Esse questionário foi composto por 16 perguntas para exploração de quais transformações o turismo de pesca trouxe para o Rio.

Para caracterizar o perfil socioeconômico dos pescadores, foram utilizadas oito perguntas, nas quais se verificou idade, sexo, nível de escolaridade, renda e tempo na atividade de pesca e de presença na região, com residência fixa ou não. Para averiguar o conhecimento dos pescadores em relação à Lei da Cota Zero, foram feitas seis perguntas sobre a posse da licença para a pesca regular e arrais náutica, além dos principais insumos e equipamentos utilizados na atividade de pesca.

Com o intuito de identificar os impactos potenciais que o Rio Araguaia sofreu ou pode sofrer, foram utilizadas duas perguntas, nas quais se verificou a percepção do pescador acerca do volume pescado antes e depois da vigência da Lei n. 17.985/2013. O pescador foi questionado sobre o esforço necessário para a captura de peixes (em horas de atividade de pesca) antes e depois da Lei. Foram feitas também observações de campo sobre a existência de fiscalização governamental no local de estudo.

Os critérios para a inclusão do pescador na entrevista foram ter idade mínima de 18 anos e praticar atividade de pesca na região há, pelo menos, cinco anos. O critério de cinco anos buscou garantir que os pescadores entrevistados pudessem avaliar mudanças no volume pescado ao longo do tempo. As entrevistas foram realizadas no período de 14 a 26 de julho de 2016, no Rio Araguaia, na região compreendida entre a comunidade Itacaiu até a divisa com o município de Aruanã, no Estado de Goiás.

Segundo dados levantados pela Gerência de Planejamento e Tecnologia da Informação da Secretaria de Meio Ambiente de Goiás (SECIMA), em 2016, foram solicitadas 4.361 licenças de pesca (GOIÁS, 2016GOIÁS (Estado). Secretaria do Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestruturas, Cidades e Assuntos Metropolitanos. A lei da cota zero está valendo. Goiânia, 2016. Disponível em: http://www.secima.go.gov.br/post/ver/199607/lei-da-cota-zero-esta-valendo. Acesso em: 23 de jun. 2016.
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). Este foi considerado o número da população a ser pesquisada, uma vez que a licença de pesca tem validade de um ano e deve ser renovada a cada ano subsequente. Utilizou-se, para fins de cálculo mínimo de entrevistas, um nível de confiança de 95% (Z = 1,96), com margem de erro de 5%. Chegou-se ao valor amostral (n) de 168, correspondente ao número previsto de pescadores a serem entrevistados.

A seleção da amostra foi feita por conveniência entre os pescadores que se encontravam no rio durante o período de entrevistas. Foram abordados 221 pescadores, com 185 respondentes, entre os quais, somente 170 questionários respondidos estavam dentro das características exigidas de idade mínima de 18 anos, com prática de, no mínimo, cinco anos de atividade de pesca no local. Dessa forma, foram utilizadas respostas de 170 participantes. Os dados obtidos com os 170 questionários respondidos foram tabulados no software Microsoft Office Excel.

Para analisar se houve correlação entre as variáveis, foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson com o auxílio do software IBM SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 22. O coeficiente de correlação de Pearson foi calculado segundo a seguinte fórmula:

r=i=1n(xix¯)(yiy¯)i=1n(xix¯)2×i=1n(yiy¯)2

Em que:
  • x1, x2, x3, ..., xn e y1, y2, y3, ..., yn são os valores medidos de ambas as variáveis.

  • x¯ e y¯ são as médias aritméticas de ambas as variáveis.

O coeficiente de Pearson, normalmente representado por r de Pearson, assume apenas valores compreendidos entre−1 e 1. A interpretação dos resultados foi feita de acordo com a Tabela 1.

Tabela 1
Análise do r de Pearson

3 RESULTADOS

3.1 Perfil socioeconômico dos pescadores

A idade dos pescadores é bem variada, com diferentes gerações exercendo atividade de pesca na região estudada. São 31,2% (n=53) pescadores com idade entre 39 e 48 anos, enquanto a menor parcela dos respondentes, 14,1% (n=24), tem idade entre 18 e 28 anos (Figura 1). A maioria dos pescadores era homem, 82,9% (n=141), mas foi observada presença relevante de mulheres na atividade pesqueira, equivalente a 17,1% (n=29). Elas afirmaram frequentar a região em virtude da tranquilidade e das belezas naturais, além de realizar a atividade de pesca por influência dos maridos, familiares, amigos e por gostar do contato com a natureza.

Figura 1
Idade dos pescadores entrevistados

Constatou-se que 1,9% (n=3) dos pescadores é não alfabetizado; 23,5% (n=40) têm ensino fundamental; 38,2% (n=65) têm ensino médio; 28,2% (n=48) têm nível de escolaridade superior (graduação); e 8,2% (n=14) têm pós-graduação, lato sensu ou stricto sensu (Figura 2). Assim, nota-se um número considerável de frequentadores com escolaridade de nível superior, totalizando, entre graduação e pós-graduação, 36,4% (n=62).

Figura 2
Nível de escolaridade dos pescadores

A renda familiar dos pescadores ficou assim caracterizada: uma minoria, 0,6% (n=1), afirmou ter renda equivalente a um salário mínimo; 28,2% (n=48) afirmaram possuir renda entre 2 e 4 salários mínimos; 41,8% (n=71) têm renda entre 5 e 7 salários mínimos; 21,2% (n=36) afirmaram possuir renda entre 8 e 10 salários mínimos; e 8,2% (n=14) afirmaram possuir renda superior a 10 salários.

Os resultados relacionados ao tempo que os pescadores realizam atividade de pesca na região estudada foram os seguintes: 28,8% (n=49) afirmaram praticar atividade de pesca há mais de 25 anos; 8,8% (n=15) afirmaram realizar a atividade de pesca entre 20 e 25 anos; 19,4% (n=33) afirmaram realizar a atividade de pesca de 15 a 20 anos; 17,1% (n=29) afirmaram realizar a atividade de pesca entre 10 e 15 anos; e 25,9% (n=44) afirmaram realizar a atividade de pesca no tempo mínimo estabelecido, entre 5 e 10 anos (Figura 3).

Figura 3
Tempo que frequenta a região e que realiza a atividade de pesca (em anos)

O maior número dos pescadores entrevistados, 77,1% (n=131), afirmou não residir na comunidade e frequentar o local esporadicamente durante o ano, enquanto 22,9% (n=39) afirmaram ser ribeirinhos e residir no local há mais de cinco anos. Entre os pescadores entrevistados que vêm de outras localidades, 77,8% (n=102) afirmaram vir à comunidade em busca da atividade de pesca.

Entre os 131 pescadores que afirmaram não residir na comunidade, muitos apontaram como origem outros municípios do estado. A maioria, 40,5% (n=53), afirmou deslocar-se da capital Goiânia (a aproximadamente 350 km de distância); 16,0% (n=21) se deslocam da cidade de Jussara (a aproximadamente 130 km de distância); 9,9% (n=13) se deslocam do município de Sanclerlândia (aproximadamente 220 km de distância). Observou-se a presença mínima de turistas vindos de outros estados, como Minas Gerais e Ceará.

3.2 Conhecimento dos pescadores em relação à Lei n. 17.985/2013

A maioria dos pescadores afirmou conhecer a Lei da Cota Zero implantada no Estado de Goiás. Entre os entrevistados, 79,4% (n=135) afirmaram saber do que a Lei trata, e 20,6% (n=35) afirmaram não ter conhecimento sobre ela. Entre os 135 pescadores que afirmaram conhecer a Lei, apenas 2,9% (n=4) citaram corretamente, pelo menos, cinco de suas atribuições.

Diferente do esperado, a análise dos dados não identificou correlação significativa entre as variáveis escolaridade, renda e tempo de pesca com o conhecimento dos entrevistados sobre a Lei (Tabela 2). Este resultado sugere que mesmo os turistas que, a princípio, detêm as condições necessárias para o maior conhecimento sobre a legislação, pelo fato de terem maior escolaridade, não têm conhecimento sobre a Lei que seja significativamente diferente daquele dos demais pescadores com menor escolaridade.

Tabela 2
Correlações encontradas entre as variáveis pesquisadas

Quando questionados sobre o que sabiam a respeito da lei, a maioria dos pescadores, 75,6% (n=102), afirmou que a função da lei é proibir o transporte de pescado; outros 11,1% (n=15) afirmaram que a lei permite apenas consumir todo o pescado às margens do rio, o que não é correto afirmar; enquanto 9,6% (n=13) afirmaram que a lei permite consumir apenas cinco quilos de pescado por licença, às margens do rio (Figura 4).

Figura 4
Conhecimento a respeito da Lei n. 17.985/2013
A seguir, apresenta-se a consideração de um pescador acerca do conhecimento da Lei n. 17.985/2013.

Conheço a “Lei da Cota Zero” e sei para que serve. Se realmente fosse fiscalizado, seria para a preservação e repovoamento das espécies de peixe. Na Lei fala a respeito do tamanho mínimo e máximo permitido para a pesca, espécies proibidas de serem capturadas, não pode transportar e pode consumir somente cinco quilos de peixe por licença de pesca na margem do rio, mas aqui isso não acontece porque não há um efetivo de fiscalização suficiente para que a lei funcione. No meu ponto de vista essa Lei deveria ser mais rígida e proibir a pesca total no Brasil e não só em Goiás, mas em todo o país. (Pescador 1).

3.1 Prática da atividade de pesca e percepção de impacto

Dos entrevistados, 55,9% (n=95) afirmaram ter licença de pesca, mas ainda há um número significativo de pescadores sem licença (Figura 5). Entre os 95 pescadores que afirmaram ter a licença, 4,1% (n=7) informaram não estar com ela válida para exercer a atividade. Sendo assim, de um total de 170 pescadores, apenas 51,8% (n=88) estavam com a documentação regularizada, enquanto outros 48,2% (n=82) estavam realizando a atividade de forma irregular.

Figura 5
Uso de licença de pesca

Conforme resultados relacionados aos insumos e equipamentos de pesca, existe ainda uma minoria que utiliza material de pesca predatória na região (Figura 6). Pesca com apetrechos, como boias de pesca, tarrafas, redes, espinhel e pinda, é estritamente proibida. Analisando o material utilizado pelos pescadores durante a atividade de pesca, 8,8% (n=15) afirmaram utilizar boia de pesca, enquanto 4,7% (n=8) declararam utilizar tarrafas; 1,8% (n=3) informou utilizar redes; 1,2% (n=2) afirmou utilizar espinhel; e 3,5% (n=6) dizem que utilizam pinda para capturar peixes (Figura 6).

Figura 6
Insumos e equipamentos de pesca utilizados pelos pescadores

De acordo com o Art. 7º § 4º: “É vedado, em qualquer modalidade de pesca, o uso de artifícios para retenção de cardume, tais como: cevas, rações, quireras, ou outro meio que venham interromper o ciclo natural dos peixes”. A maioria dos pescadores (92,4%, n=157) afirmou utilizar alevinos, enquanto 62,4% (n=106) pescam em cevas.

Ainda analisando os insumos e equipamentos, uma minoria de pescadores afirmou utilizar balança e fita métrica na atividade pesqueira, necessários para cumprir a norma sobre o tamanho mínimo para a captura; 9,4% (n=16) afirmaram possuir balança junto ao equipamento utilizado na atividade de pesca, enquanto 35,3% (n=60) afirmaram possuir e utilizar fita métrica na atividade de pesca.

O Anexo 1 da Lei n. 17.985/2013 especifica o tamanho mínimo e máximo permitido para captura e consumo no local da captura. A maioria dos pescadores, 51,8% (n=88), afirmou soltar as espécies que não estão dentro das medidas permitidas; outro percentual significativo (34,7%, n=59) afirmou consumir essas espécies mesmo fora dos tamanhos permitidos.

Em se tratando de espécies que os pescadores mais gostam de pescar, pôde-se observar a presença de três espécies de captura proibida na Bacia Hidrográfica Araguaia-Tocantins. Dos 170 pescadores, 6,5% (n=11) afirmaram gostar de capturar mandi-moela, outros 4,7% (n=8) afirmaram gostar de capturar pirarara, enquanto 1,8% (n=3) afirmou preferir capturar piraíba. Todas essas espécies têm a captura proibida, conforme o Anexo 3 da Lei da Cota Zero.

Ainda que um número pequeno, 9,4% (n=16), tenha afirmado que o mandi-moela é a espécie mais capturada na região, 1,7% (n=3) alegou que a piraíba é uma das espécies mais capturadas; 1,2% (n=2) afirmou ser a pirara a espécie mais capturada; e 0,6% (n=1), a jurupoca. Observou-se um número elevado de capturas de outras espécies: 28,8% (n=49) afirmaram que o piau é a espécie mais capturada na região; 21,2% (n=36) declararam ser o pintado; 16,5% (n=28) disseram ser o barbado; 15,9% (n=27) afirmaram ser o mandubé; e outros 12,9% (n=22) disseram ser o pacu a espécie mais capturada.

Observou-se um percentual elevado de pessoas que afirmam consumir as espécies protegidas capturadas, enquanto outras afirmaram que não sabem diferenciar quais espécies são protegidas e quais não são. Dessa forma, os resultados ficaram assim estabelecidos: 64,7% (n=110) afirmaram consumir as espécies protegidas capturadas, enquanto 35,3% (n=60) disseram soltar essas espécies.

A percepção dos pescadores em relação ao volume da população de pescado após a aplicação da Lei n. 17.985/2013 ficou assim estabelecida: a maioria dos pescadores, 57,6% (n=98), afirmou que, após a Lei, o pescado ainda continuou diminuindo, tendo em vista o aumento de pescadores a cada ano; 29,4% (n=50) afirmaram que houve um aumento mínimo, mas que ainda será necessário muito mais tempo para a Lei surtir efeito de fato, pois ainda carece de efetivo para fiscalização. Outros 12,9% (n=22) afirmaram que, após a Lei, não houve mudança, e que a população de pescado se manteve, não diminuiu nem aumentou.

Não houve fiscalização por nenhum órgão responsável no período em que a pesquisa foi realizada. A fiscalização mais próxima do local de estudo estava a cem quilômetros de distância, em um Posto Rodoviário da SECIMA, localizado na BR-070, no município de Jussara, GO.

4 CONCLUSÃO

Neste trabalho, foi avaliado se a Lei n. 17.985/2013, conhecida como Lei da Cota Zero, está cumprindo sua função, e se o turismo de pesca realizado na região da comunidade Itacaiu, às margens do Rio Araguaia, contribui para o desenvolvimento local sustentável. Os resultados revelam que 79,4% dos pescadores afirmaram conhecer a Lei e que 51,8% estão com licenças devidamente regulares para realizar a atividade de pesca.

Entre os pescadores que afirmaram conhecer a Lei, apenas 2,9% citaram corretamente, pelo menos, cinco de suas atribuições fundamentais; 62,4% utilizam artifícios como ceva para retenção de cardume, o que é proibido; apenas 35,3% utilizam fita métrica para garantir que não estão capturando indivíduos abaixo do tamanho mínimo permitido; e 64,7% afirmaram consumir as espécies protegidas capturadas. Embora os pescadores afirmem conhecer a Lei, suas ações são contrárias ao que ela determina.

Diferentemente do esperado, a análise estatística dos dados não identificou correlação significativa entre as variáveis escolaridade, renda e tempo de pesca com o conhecimento dos entrevistados sobre a Lei. Este resultado sugere que mesmo os turistas que, a princípio, detêm as condições necessárias para o maior conhecimento sobre a legislação não têm conhecimento sobre a Lei que seja significativamente diferente daquele dos demais pescadores.

O pescador não se preocupa em estar dentro da legislação pertinente, uma vez que há deficiência de fiscalização no local estudado. Não houve fiscalização por nenhum órgão responsável no período em que a pesquisa foi realizada. Com a falta de fiscalização da atividade pesqueira às margens do Rio Araguaia, o descumprimento da Lei da Cota Zero é evidente entre os pescadores.

Estes resultados levantam dúvidas sobre a sustentabilidade do turismo de pesca que vem crescendo no Brasil. Permitem também questionar a eficácia dos instrumentos legais existentes para o controle da atividade. Concluiu-se que a região estudada vem sofrendo, ao longo dos anos, com a ação antrópica, devido à pesca predatória, à falta de conhecimento dos pescadores em relação às diretrizes da lei e à falta de fiscalização no local.

O desenvolvimento local sustentável passa pela tomada de decisões por parte do Estado para fortalecer as instituições de defesa ambiental. É importante que o poder público goiano tenha maior preocupação com a situação pesqueira do Estado de Goiás, pois a Lei da Cota Zero tem relevância, mas faltam campanhas educativas para os pescadores e fiscalização da atividade.

  • 4
    Em ecologia e ciências pesqueiras, chama-se ictiofauna o conjunto das espécies de peixes que existem numa determinada região biogeográfica.
  • 5
    Nome de origem Tupi-Guarani, Araguaia significa “Rio das Araras Vermelhas” e é um rio brasileiro que nasce no estado de Goiás, na Serra do Caiapó (GOIÁS TURISMO, 2012GOIÁS TURISMO. Agência Goiana de Turismo. Elaboração do Plano de desenvolvimento integrado do turismo sustentável (PDITS) do polo Vale do Araguaia. Goiânia: Ministério do Turismo, 2012. Disponível em: https://docplayer.com.br/10919717-Elaboracao-do-plano-de-desenvolvimento-integrado-do-turismo-sustentavel-pdits-do-polo-vale-do-araguaia.html. Acesso em: 26 ago. 2021.
    https://docplayer.com.br/10919717-Elabor...
    ).

Referências

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  • GOIÁS (Estado). Secretaria do Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestruturas, Cidades e Assuntos Metropolitanos. A lei da cota zero está valendo Goiânia, 2016. Disponível em: http://www.secima.go.gov.br/post/ver/199607/lei-da-cota-zero-esta-valendo Acesso em: 23 de jun. 2016.
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  • GOIÁS TURISMO. Agência Goiana de Turismo. Elaboração do Plano de desenvolvimento integrado do turismo sustentável (PDITS) do polo Vale do Araguaia. Goiânia: Ministério do Turismo, 2012. Disponível em: https://docplayer.com.br/10919717-Elaboracao-do-plano-de-desenvolvimento-integrado-do-turismo-sustentavel-pdits-do-polo-vale-do-araguaia.html Acesso em: 26 ago. 2021.
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    » https://observatoriogeogoias.iesa.ufg.br/n/29799-artigos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2019
  • Revisado
    24 Mar 2020
  • Aceito
    17 Jul 2020
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