Open-access Análise de produtos agrícolas com potencial de certificação “Quilombos do Brasil” em comunidades do Rio Grande do Sul

Analysis of agricultural products with potential for “Quilombos do Brasil” certification in communities in Rio Grande do Sul

Análisis de productos agrícolas con potencial para la certificación “Quilombos de Brasil” en comunidades de Rio Grande do Sul

Resumo

O selo “Quilombos do Brasil” representa o reconhecimento das identidades sociais destas comunidades, com especial atenção sobre o acesso aos circuitos de produção e consumo e valorizaçã4o e agregação de valor aos seus produtos. O objetivo deste estudo foi identificar se as comunidades quilombolas do estado do Rio Grande do Sul possuem produtos agrícolas com potencial para a identificação de origem e certificação Quilombos do Brasil. Para tanto, realizou-se uma pesquisa em conformidade com a abordagem denominada mista, com aplicação de um questionário via Google Forms, composto por trinta questões descritivas. O questionário foi enviado a diferentes comunidades quilombolas do estado, obtendo-se retorno de 23 comunidades distribuídas em 18 municípios. Como resultado, constatou-se que as comunidades quilombolas analisadas possuem produtos agrícolas com potencial de certificação, embora nenhuma tenha o selo Quilombos do Brasil. Dentre as barreiras identificadas para a obtenção desta certificação, os respondentes destacam, sobretudo, a burocracia e a falta de informação. Conclui-se, portanto, que embora se reconheça a relevância da adoção do Selo Quilombos do Brasil, é fundamental que haja uma maior divulgação e orientação por parte das instituições, a fim de que um maior número de comunidades possa adquiri-lo.

Palavras-chave:
certificação; comunidades quilombolas; desenvolvimento local; identificação de origem; políticas públicas.

Abstract

The “Quilombos do Brasil” seal represents the recognition of the social identities of these communities, with special attention to access to production and consumption circuits and appreciation and added value to their products. The objective of this study was to identify whether quilombola communities in the state of Rio Grande do Sul have agricultural products with potential for the identification of origin and certification of Quilombos do Brasil. To this end, research was carried out in accordance with the so-called mixed approach using a questionnaire via Google Forms, consisting of thirty descriptive questions. The questionnaire was sent to different quilombola communities in the state, obtaining feedback from 23 communities distributed in 18 municipalities. As a result, it was found that the quilombola communities analyzed have agricultural products with certification potential, although none have the Quilombos do Brasil seal. Among the barriers identified to obtaining this certification, respondents highlight bureaucracy and lack of information. It is concluded, therefore, that although the relevance of adopting the Quilombos Seal of Brazil is recognized, it is essential that there is greater dissemination and guidance from institutions so that a greater number of communities can acquire it.

Keywords:
Certification; Quilombola Communities; Local Development; Identification of Origin; Public Policies.

Resumen

El sello “Quilombos do Brasil” representa el reconocimiento de las identidades sociales de estas comunidades con especial atención al acceso a los circuitos de producción y consumo y a la valoración y valor agregado de sus productos. El objetivo de este estudio fue identificar si las comunidades quilombolas del estado de Rio Grande do Sul poseen productos agrícolas con potencial para la identificación de origen y certificación de los quilombos en Brasil. Para ello, la investigación se llevó a cabo según el llamado enfoque mixto mediante un cuestionario a través de Google Forms, compuesto por treinta preguntas descriptivas. El cuestionario fue enviado a diferentes comunidades quilombolas del estado, obteniendo retroalimentación de 23 comunidades distribuidas en 18 municipios. Como resultado, se constató que las comunidades quilombolas analizadas tienen productos agrícolas con potencial de certificación, aunque ninguna tiene el sello Quilombos do Brasil. Entre las barreras identificadas para la obtención de esta certificación, los encuestados destacan la burocracia y la falta de información. Se concluye, por tanto, que si bien se reconoce la relevancia de adoptar el sello Quilombos de Brasil, es fundamental que exista una mayor difusión y orientación por parte de las instituciones para que un mayor número de comunidades puedan adquirirlo.

Palabras clave:
proceso de dar un título; comunidades quilombolas; desarrollo local; identificación de origen; políticas públicas.

1 INTRODUÇÃO

As comunidades quilombolas caracterizam-se como comunidades tradicionais e representam a resistência dos escravos, onde se mantém a cultura e os aspectos da tradição desses indivíduos. O reconhecimento legal das comunidades quilombolas foi estabelecido a partir da Constituição Federal de 1988, que prevê: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitirlhes os títulos respectivos” (Brasil, 1988). Por conseguinte, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), por meio do Decreto n. 4.887, de 2003, é a autarquia competente, na esfera federal, pela titulação dos territórios quilombolas no Brasil.

Para que se concretize o reconhecimento e a regularização das áreas quilombolas, é preciso que se realizem seis etapas, sendo elas: 1) Autodefinição Quilombola, sendo a obtenção da certificação de auto reconhecimento emitida pela Fundação Cultural Palmares; 2) Elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTDI), o qual faz o levantamento de informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas, etnográficas e antropológicas; 3) Publicação do RTDI; 4) Portaria de Reconhecimento: reconhecimento dos limites do território quilombola na portaria do Diário Oficial da União; 5) Decreto de desapropriação, caso houver imóveis privados incidentes no território; e 6) Titulação, mediante a outorga de título coletivo, em nome de sua associação legalmente constituída (INCRA, 2020).

Estima-se que no Brasil existem mais de três mil comunidades quilombolas distribuídas por todo o país, totalizando cerca de 2,2 milhões de pessoas. De acordo com dados do INCRA, o estado do Rio Grande do Sul conta com cerca de 146 comunidades quilombolas identificadas, das quais 90% já possuem o certificado emitido pela Fundação Palmares, estando em processo de regularização, enquanto apenas duas são tituladas e três têm titulação parcial (INCRA, 2020). A certificação Fundação Cultural Palmares permite o reconhecimento pelo Estado das comunidades enquanto remanescente de quilombo.

Entretanto, de acordo com Batista e Rocha (2020), as comunidades quilombolas enfrentam inúmeros desafios, entre eles a desigualdade social. Isso decorre em larga medida pelo fato de estarem localizadas principalmente nas áreas rurais e distante dos centros urbanos. Portanto, essas comunidades vivem num relativo grau de isolamento geográfico, em locais de difícil acesso e de desassistência (Batista; Rocha, 2020).

No campo científico, diversos estudos têm se dedicado a analisar comunidades quilombolas de várias regiões do Brasil e têm apontado para a necessidade de ações e políticas públicas voltadas a essa população (Da Silva, 2018; Urquiza; Santos, 2017; Freitas et al., 2011; Monego; Peixoto, 2010) que, juntamente com outras povos tradicionais, a exemplo dos indígenas, continuam sendo as mais desfavorecidas. Contudo, embora haja uma vasta literatura científica que se dedica a analisar as comunidades quilombolas, a exemplo dos estudos mencionados acima, é possível observar que, em sua maioria, tratam de aspectos relacionados à saúde (Afonso et al., 2020; Batista; Rocha, 2020; Dias et al., 2021; Gomes et al., 2024), sendo importante abordar aspectos socioeconômicos ainda pouco explorados, a exemplo do presente estudo.

Para atender às diversas categorias de agricultores familiares, incluindo as comunidades quilombolas, a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Brasil, 2018) publicou a Portaria do Selo de Identificação da Agricultura Familiar (SIPAF), n. 129, em 7 de março de 2018, que estipula suas categorias com características próprias. Entre os selos, estão o Selo Indígenas do Brasil, o Selo das Mulheres Rurais, o Selo da Juventude Rural, o Selo da Sociobiodiversidade e o Selo Quilombos do Brasil.

Em relação ao selo denominado “Quilombos do Brasil”, (Figura 1) este se refere a uma certificação que tem como objetivo o desenvolvimento produtivo e à autonomia econômica das Comunidades Quilombolas, tendo como base a identidade cultural e a sustentabilidade ambiental, social, cultural e política. As certificações locais, a exemplo do Selo Quilombos do Brasil, possibilitam atribuir valor e identidade aos produtos, fazendo com que estes se diferenciem de outros produtos similares disponíveis no mercado. Além de também promoverem o desenvolvimento da região em que se encontram, os produtos certificados podem contribuir para o turismo regional (BRASIL, 2012).

Figura 1
Selo Quilombos do Brasil para uso em produtos oriundos de comunidades quilombolas

auantitativa e a abordagem qualitativa conservem suas estruturas e procedimentos originais (Sampieri, Collado e Lúcio 2013).

Para atender o objetivo proposto, foi realizada a aplicação de um questionário no período de abril a junho de 2023, elaborado através do Google Forms, contendo 30 questões, abrangendo os seguintes temas: caracterização da comunidade; reconhecimento legal da comunidade; tipos, demanda e frequência de produtos e serviços ofertados/comercializados; locais e canais de comercialização e sistemas de transporte; participação em programas governamentais; sistemas organizacionais; diferenciação e agregação de valor aos produtos comercializados e; aspectos relacionados ao selo Quilombos do Brasil.

Primeiramente, foi realizado um contato prévio com os líderes das comunidades quilombolas, a fim de explicar sobre a pesquisa. Posteriormente, foi enviado o questionário via e-mail ou WhatsApp para que fosse respondido. Ao final da coleta, foram obtidas 23 respostas válidas de comunidades quilombolas, distribuídas em 18 municípios do estado do Rio Grande do Sul. Os dados foram sistematizados por meio do Microsoft Excel para posterior análise. Os dados quantitativos foram analisados por meio de análise descritiva; já os dados qualitativos foram analisados por meio de análise de conteúdo. A localização geográfica das comunidades que participaram do estudo é apresentada na Figura 2.

Figura 2
Localização geográfica das comunidades respondentes

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A apresentação e discussão dos resultados contempla um total de 23 comunidades quilombolas do estado do Rio Grande do Sul. Em relação aos respondentes, na totalidade estes são representantes comunitários que ocupam os seguintes cargos: presidente, vice-presidente, segunda secretária e líderes comunitários. O reconhecimento das comunidades ocorreu entre o período de 2004 a 2018. Conforme relatado pelos entrevistados os processos de reconhecimento, foram longos e de muita luta, sendo a maioria por meio da Autodeclaração da Fundação Palmares.

No que diz respeito ao título de propriedade, nove comunidades declararam não possuir. Para as comunidades, o título é importante para que a propriedade tenha autonomia no que plantar, proporcionando à família decidir no que se dedicar e gerar renda. Além disso, os respondentes ressaltaram que o título de propriedade também dá a garantia de que as próximas gerações permaneçam neste espaço de memória, de lutas, resistência e conquistas. Ou seja, o título de propriedade garante autonomia e conservação dos valores de cada comunidade, proporcionando o sustento das famílias e a geração de uma renda (Marques, Mendes e Quinzani 2014).

A diversificação produtiva é uma característica muito presente nas comunidades quilombolas, sendo que dentre os produtos produzidos destacam-se frutas, hortaliças, mandioca, batata-doce, feijão, milho, carne bovina e ovina, produtos característicos da agricultura familiar. Além destes, duas comunidades declararam ofertar artesanato, como cestas de cipó, sendo que em uma comunidade este é confeccionado por mulheres idosas. Ainda, duas comunidades realizam o beneficiamento de produtos por meio da produção de pão, bolachas e conservas. Os resultados do estudo dialogam com os achados de Masochi et al. (2022), no qual os autores constataram a grande variedade de produtos ofertados por comunidades quilombolas.

Para além destes, destacam-se os produtos que visam à subsistência familiar, sendo que estes têm grande relevância para as comunidades. Grisa (2007), em estudo realizado em distintas regiões do Rio Grande do Sul, constatou que a produção para o autoconsumo refere-se a uma estratégia recorrida nas propriedades familiares, especialmente pelo fato de proporcionar segurança alimentar, sobretudo pela qualidade dos alimentos e por ser uma forma de economizar recursos financeiros, ao evitar a aquisição dos produtos em mercados externos à unidade familiar.

Em relação à comercialização, dez comunidades afirmaram participar de feiras locais. As feiras locais, segundo Silva e Borges (2020), representam os chamados circuitos curtos de comercialização e surgem como um canal de escoamento para os agricultores familiares, proporcionando a possibilidade de vender seus produtos por um preço justo. Para além destes aspectos, as feiras propiciam inúmeros aspectos positivos, entre eles ações na promoção do desenvolvimento local, tanto no âmbito econômico como na valorização da produção e cultura local (Azevedo; Nunes, 2013; Silva; Borges, 2020).

Por outro lado, uma comunidade elencou como dificuldade que impossibilita a participação nas feiras locais, destacando a logística de transporte como um entrave: “Não participamos de feira, pois não temos como levar os produtos (Comunidade 17)”. Além desta, outra comunidade destacou que a participação nas feiras é também reduzida, e os agricultores acabam comercializando os produtos de “porta em porta”, outro exemplo de cadeia curta de comercialização. “Geralmente os produtos são comercializados de porta em porta, raramente participamos das feiras locais” (Comunidade 22). Tais dificuldades já haviam sido constatadas em estudo anterior de Da Silva et al. (2021), no qual os autores enfatizam principalmente a estrutura das estradas, o custo para deslocamento e a distância como principais limitações na comercialização de produtos da agricultura familiar.

Ainda sobre a venda direta de produtos aos consumidores ou para atravessadores, a maioria das Comunidades Quilombolas entrevistadas respondeu que tem contato direto com o consumidor, por meio de feiras, oficinas, bem como por venda nas residências dos consumidores. Além disso, utilizam das redes sociais para a divulgação dos produtos. Cabe ainda ressaltar que em algumas situações aparece a figura do atravessador, conforme relato dos entrevistados, sobretudo para a comercialização de produtos em locais mais distantes da comunidade.

No que se refere às barreiras enfrentadas pelas comunidades para produzir produtos da tradição quilombola, os entrevistados destacaram principalmente a falta de apoio governamental, embora, em outro momento, dezoito comunidades afirmaram ter auxílios locais, a exemplo da Emater. Sendo assim, acredita-se que a principal demanda seria em relação à esfera pública federal, em aspectos relacionados, sobretudo, a crédito e políticas públicas.

Além dessas barreiras, a falta de água devido aos períodos de estiagem e ao uso de agrotóxicos por propriedades vizinhas foi mencionada. Para além deste aspecto, a Comunidade 11 destaca: “a produção de cesta de cipó e taquara, pois sempre a produção foi realizada pelos mais velhos e já há dificuldades em matéria-prima, e o próprio trabalho exige força”.

Dificuldade similar foi destacada pela Comunidade 12: “a principal dificuldade é a estrada que dá acesso ao centro da cidade, bem como mão de obra”, uma vez que as pessoas mais jovens trabalham fora da comunidade. Nestas situações, fica evidente um problema observado nas propriedades familiares, a migração dos jovens ou ausência de sucessão familiar que compromete a continuidade de determinadas atividades.

Além disso, a utilização de agrotóxicos por propriedades vizinhas foi destacada como uma barreira, conforme comentado anteriormente. A esse respeito, quando questionados se os produtos da Comunidade Quilombola têm diferenciação, por exemplo, como produto agroecológico ou orgânico, pôde-se constatar que somente oito comunidades afirmaram utilizar esta prática. Entretanto, é importante apontar que, embora a produção seja realizada sem a utilização de produtos agroquímicos, ainda não há certificação. Essas constatações podem ser evidenciadas na fala da Comunidade 16: “Não temos selo, mas não usamos agrotóxicos”.

Outra questão abordada foi em relação ao acesso às políticas públicas. Em relação a esse questionamento, treze comunidades quilombolas afirmaram acessar políticas públicas, sendo o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) os mais acessados. Ao analisar a trajetória de construção das políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil, Grisa e Schneider (2014) enfatizam a presença de “gerações” ou referenciais de políticas públicas fortalecidos em alguns momentos-chaves.

De acordo com a análise dos autores, emergem em períodos e contextos distintos três gerações ou referenciais de políticas públicas, sendo o primeiro pautado pelo fortalecimento do viés agrícola e agrário da categoria social, o segundo foi focado em políticas sociais e assistenciais; já o terceiro focou na construção de mercados orientados pela segurança alimentar, a exemplo do PAA e do PNAE (Grisa; Schneider, 2014).

Outro aspecto observado no estudo foi a presença de associações e cooperativas nas comunidades quilombolas. Entre as participantes, doze comunidades quilombolas contam com associações ou cooperativas. Marques, Mendes e Quinzani (2014) destacam a importância de cada comunidade ter uma associação ou cooperativa, a fim de se obter uma melhor organização do espaço, levando em consideração a cooperação de todos os membros que ela compõe. Para além destes aspectos, as associações e cooperativas podem auxiliar no acesso a políticas públicas, a exemplo do PAA e do PNAE (Santos et al., 2022).

Contudo, os resultados do estudo apontaram que a produção é feita de forma individual entre as famílias; apenas em três comunidades o processo de produção é realizado de forma coletiva entre as famílias. De acordo com a Comunidade 12: “Na grande maioria cada família faz a sua produção própria, na agroindústria que temos a produção é realizada através de um grupo de trabalho que é alterado sempre que necessário”. Além desta, na comunidade 19, o trabalho é feito de forma coletiva pelo grupo de idosas que realiza a confecção de artesanato.

No que diz respeito aos selos de identificação das comunidades quilombolas, somente uma afirmou ter uma marca denominada “Sabores do Quilombo”. Outra comunidade destacou ainda não possuir uma marca específica, mas que já possuem duas agroindústrias: uma que leva o nome do quilombo “Quilombo Vovó Isabel” e outra denominada “Delícias do Quilombo”. Conforme Lima e Macedo (2020), a criação de marcas próprias das comunidades quilombolas para a venda externa faz com que se expanda a sua cultura e tradição a outros povos, além de gerar enriquecimento para a comunidade.

Ao serem questionados sobre o selo de certificação Quilombos do Brasil, seis comunidades afirmaram que já ouviram falar, mas que não têm muito conhecimento sobre como funciona e como podem adquirir. Em relação a isso, grande parte dos respondentes declararam que a comunidade não tem conhecimento, conforme relata o entrevistado 7: “Não sabemos quais os requisitos pra usar este selo”. Sendo assim, a totalidade dos respondentes afirmou que não utiliza o selo Quilombos do Brasil. Neste sentido, destaca-se a importância de ações de divulgação de informações às comunidades quilombolas acerca do selo, além de orientações sobre como ele pode ser adquirido.

A respeito disso, os entrevistados foram questionados se existem produtos com potencial para comercialização com o selo Quilombos do Brasil. Onze entrevistados declararam que as suas comunidades têm produtos com potencial para certificação. Dentre os produtos elencados pelos respondentes destacaram farinha de milho, na Comunidade 2; milho catete, mel, feijão-sopinha, cebola, batata e abóbora, na Comunidade 3; morangos e hortaliças, na Comunidade 5; feijão, na Comunidade 11; hortaliças, na Comunidade 16 e; amendoim, na Comunidade 20.

Ainda em relação ao selo Quilombos do Brasil, as comunidades foram questionadas se já houve interesse ou tentativas de certificação, e quais as principais barreiras identificadas. Como resultado, apenas quatro comunidades afirmaram que já buscaram, e a principal barreira foi a burocracia, não saber a quem procurar e o que fazer, além da falta de transporte para os produtos.

Sobre novas demandas para os seus produtos e serviços, dezesseis comunidades disseram que existem novas demandas para eles, porém às vezes a demanda é maior que a capacidade de produção do quilombo. Além disso, cabe ressaltar que muitas vezes, por questões financeiras e de escala, as comunidades acabam por perder a demanda de serviço para outros concorrentes, em especial para produtos in natura, que estão em alta no mercado. Contudo, sete comunidades responderam que não apresentam novas demandas por produto ou serviços, seja pela falta de estrutura e interesse das comunidades, seja por apenas produzirem para consumo próprio.

Sobre a manutenção de tradições ancestrais nos processos produtivos e a guarda de sementes para as próximas safras, vinte comunidades realizam esta prática, em especial na produção de mandioca, batata-doce e feijão. Outro aspecto abordado no estudo foi a presença e participação feminina na tomada de decisões para o melhoramento da comunidade. Como resultado, constatou-se que as mulheres compõem a maior parte dos membros da comunidade e participam ativamente da diretoria.

Finalmente, foi solicitado ao representante de cada Comunidade Quilombola que traduzissem em uma palavra o “sentimento de sua Comunidade Quilombola” ao visualizar a imagem do selo Quilombos do Brasil. As percepções dos respondentes são apresentadas na Figura 3.

Figura 3
Sentimento das Comunidade Quilombolas ao visualizar a imagem do selo “Quilombos do Brasil”

O Quadro 1 apresenta uma síntese dos principais aspectos que caracterizam as comunidades quilombolas analisadas no estado do Rio Grande do Sul.

Quadro 1
Principais características das Comunidades Quilombolas analisadas

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste estudo foi identificar se as comunidades quilombolas do estado do Rio Grande do Sul contam com produtos agrícolas com potencial para a identificação de origem e certificação Quilombos do Brasil. A partir dos dados analisados, pode-se perceber que a diversidade produtiva está presente nas comunidades quilombolas do Rio Grande do Sul. Sendo assim, na percepção dos respondentes, existe uma série de produtos agrícolas com potencial de certificação por meio do selo Quilombos do Brasil.

Contudo, embora se reconheça a importância desta certificação de origem para valorização da produção local e agregação de valor, as comunidades enfrentam algumas dificuldades, sobretudo em relação à falta de informação e orientação e à burocracia que permeia a obtenção do selo. Diante destes achados, na prática, destaca-se a importância da extensão rural para levar informações e orientações às comunidades quilombolas.

Conclui-se, portanto, que ações voltadas à orientação e capacitação dos líderes comunitários, a fim de buscar este selo, são importantes e se fazem necessárias, já que entre os vinte e três casos analisados, nenhuma comunidade declarou possuir a certificação Quilombos do Brasil, embora, em algumas situações, já houve tentativas. Como sugestões de estudos futuros, destaca-se a importância de ampliar o debate acerca dos efeitos socioeconômicos da certificação nas comunidades tradicionais, além da importância de políticas específicas para apoio a certificações, visto que os dados demonstram a falta de conhecimento das comunidades sobre o selo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2024
  • Aceito
    16 Dez 2024
  • Aceito
    20 Dez 2024
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