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Retornos para educação no Brasil: enfoque nas regiões Sul e Nordeste para o ano de 2017

Returns to education in Brazil: focus on the South and Northeast regions for year 2017

Retornos a la educación en Brasil: enfoque en las regiones Sur y Noreste para el año de 2017

Resumo:

O objetivo deste artigo é analisar os efeitos da educação nos rendimentos dos indivíduos residentes no Brasil e, de forma específica, os das regiões Sul e Nordeste. As estimativas são realizadas a partir da base de dados da PNAD contínua para o ano de 2017, utilizando-se da equação de rendimentos proposta por Mincer (1974) e do procedimento de Heckman (1979)HECKMAN, J. Sample selection bias as a specification error. Econometrica, New Haven, v. 47, n. 1, p. 153-61, 1979. para corrigir o viés de seleção. Utiliza-se também o método de Trostel (2004)TROSTEL, P. Returns to scale in producing human capital from schooling. Oxford University Press, Oxónia, v. 56, p. 461-84, 2004. para o cálculo dos retornos da escolaridade tanto do Brasil quanto das regiões Sul e Nordeste. Como resultado principal, o modelo teórico e suas estimativas indicam que, em todas as regiões analisadas, o capital humano apresenta retornos crescentes, sendo estes cada vez maiores à medida que o indivíduo alcança graus mais elevados de educação, apontando que no Brasil pessoas com 4 anos de estudo têm retornos de 2,9% em seus salários; já com 15 anos de estudo, os retornos são de 33,2%. No Sul e Nordeste, os valores são, respectivamente, de 1,8% e 2,7% para 4 anos e 26,3% e 33,2% para 15 anos de estudo, apontando retornos maiores para a região Nordeste. Portanto os resultados sugerem que é de fundamental importância se delinearem políticas que incentivem a conclusão de níveis mais elevados de educação, a fim de se aumentar a renda dos trabalhadores.

Palavras-chave:
capital humano; renda; retorno da escolaridade

Abstract:

This paper aims to analyze the effects of education on the income of individuals residing in Brazil and, specifically, in the South and Northeast regions. Estimates are made from the PNAD database for the year 2017 using the income equation proposed by Mincer (1974) and Heckman’s (1979)HECKMAN, J. Sample selection bias as a specification error. Econometrica, New Haven, v. 47, n. 1, p. 153-61, 1979. procedure to correct the selection bias. The method of Trostel (2004)TROSTEL, P. Returns to scale in producing human capital from schooling. Oxford University Press, Oxónia, v. 56, p. 461-84, 2004. is also used to calculate the returns to schooling both in Brazil and in the South and Northeast regions. As a main result, the theoretical model and its estimates indicate that in all the regions analyzed, human capital presents increasing returns, which are increasingly higher as the individual reaches higher degrees of education, pointing out that in Brazil people with 4 years of study have returns of 2.9% in their salaries; with 15 years of study the returns are 33.2%. In the South and Northeast, the values are respectively 1.8% and 2.7% for 4 years, and 26, 3% and 33.2% for 15 years of study, indicating higher returns for the Northeast region. Therefore, the results suggest that it is of fundamental importance to devise policies that encourage the completion of higher levels of education to increase workers’ income.

Keywords:
human capital; income; return of schooling

Resumen:

El objetivo de este trabajo es analizar los efectos de la educación en los ingresos de las personas que residen en Brasil y, específicamente, en las regiones del Sur y Noreste. Las estimaciones se hacen de la base de datos PNAD para el año 2017, se utilizando la ecuación de ingresos propuesta por Mincer (1974) y el procedimiento de Heckman (1979) para corregir el sesgo de selección. El método de Trostel (2004)TROSTEL, P. Returns to scale in producing human capital from schooling. Oxford University Press, Oxónia, v. 56, p. 461-84, 2004. también se utiliza para calcular los rendimientos de la escolarización tanto en Brasil como en las regiones del Sur y Noreste. Como resultado principal, el modelo teórico y sus estimaciones indican que, en todas las regiones analizadas, el capital humano presenta rendimientos crecientes, que son cada vez más altos a medida que el individuo alcanza mayores grados de educación, señalando que en Brasil las personas con 4 años de estudio tienen retornos del 2.9% en sus salarios; con 15 años de estudio, los retornos son del 33.2%. En el Sur y Noreste, los valores son, respectivamente, 1.8% y 2.7% por 4 años y 26.3% y 33.2% por 15 años de estudio, lo que indica mayores retornos para la región Noreste. Por lo tanto, los resultados sugieren que es de fundamental importancia diseñar políticas que alienten la realización de niveles más altos de educación para aumentar los ingresos de los trabajadores.

Palabras clave:
capital humano; renta; retorno a la escolarización

1 INTRODUÇÃO

O capital humano é um fator de produção fundamental na explicação do diferencial de renda entre os países e as regiões. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2001ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). The well-being of nations: the role of human and social capital. Education and Skills., Paris: OCDE, 2001.), sua definição está relacionada a diversos aspectos multidimensionais, como “conhecimentos, aptidões, competências e atributos, incorporados nos indivíduos e que facilitam a criação de bem-estar pessoal, social e econômico. Além disso, os processos de formação do capital humano ocorrem desde o nascimento até a morte dos indivíduos, enfatizando não apenas a importância do aprendizado na idade adulta, mas também durante todos os estágios da vida.

Desde a origem do capitalismo e sua constante evolução, o capital humano, mesmo que ainda sem existir o termo para tratar do assunto, foi se remodelando para atender às necessidades dos capitalistas, buscando o seu aperfeiçoamento. Indícios sobre o estudo dessa temática surgiram a partir do século XVII, com Charles Davenant, que reconheceu a importância do homem para o seu país. “The bodies of men ore without doubt the most valuable treasure of a country, said Davenant” (MARSHALL, 1890MARSHALL, A. Principles of Economics. 8. ed. London: Mac Millan. 1890. [1920]., p. 504).

Em 1776, Adam Smith, em sua obra intitulada “A riqueza das Nações”, discursou sobre o tema, salientando a importância de melhorar a habilidade e a destreza dos trabalhadores como fonte de progresso econômico. O seu trabalho passou a ser elemento de debate e estudos por outros filósofos, visto que, em sua perspectiva, o capital humano adotava a forma de fator de produção, enquanto os demais teóricos da época discordavam da ideia (KELNIAR; LOPES; PONTILI, 2013KELNIAR, V. C.; LOPES, J. L; PONTILI, R. M. Ateoria do capital humano: revisitando conceitos. In: ENCONTRO DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA, 8., 21 a 25 de outubro de 2013, Campo Mourão. Anais [...]. Campo Mourão: Unespar, 2013.).

Em 1890, Marshall abordou o tema na sua obra “Principles of Economics” e classificou as habilidades e qualidades dos indivíduos como capital humano, afirmando que os pais são os responsáveis por estimular e investir na educação de seus filhos. Marx também contemplou o assunto no século XIX, considerando que todo o valor agregado vem da mão de obra (PONCHIROLLI, 2002PONCHIROLLI, O. O capital humano como elemento estratégico na economia da sociedade do conhecimento sob a perspectiva da teoria do agir comunicativo. Revista FAE, Curitiba, v. 5, n. 1, p. 29-42. 2002.) e que os trabalhadores deviam investir em educação para adquirir capacidade de serem os formadores do estado (KELNIAR; LOPES; PONTILI, 2013KELNIAR, V. C.; LOPES, J. L; PONTILI, R. M. Ateoria do capital humano: revisitando conceitos. In: ENCONTRO DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA, 8., 21 a 25 de outubro de 2013, Campo Mourão. Anais [...]. Campo Mourão: Unespar, 2013.).

Apesar da sinalização da importância da qualificação do trabalho como forma de promover o crescimento econômico e bem-estar social, a discussão acerca de uma teoria para o capital humano iniciou-se somente em meados dos anos 40 e 50 do século passado, com os estudos de Theodore Schultz. Em suas palavras: “Much of what we call consumption constitutes investment in human capital. Direct expenditures on education, health, and internal migration to take advantage of better job opportunities are clear examples” SCHULTZ (1961, p. 1)SCHULTZ, T. W. Investment in human capital. American Economic Review, Pittsburgh, n. 51, p. 1-17, 1961.. Mostra, com isso, que a importância do capital humano pode ser discutida no contexto econômico e que, apesar de amplamente aceito em termos educacionais, o capital humano aborda também outros tipos de investimentos, tais como: gastos com saúde, migração interna, busca de melhores empregos, entre outros.

Entretanto, a formalização da teoria do capital humano foi anunciada e amplamente difundida apenas nos anos 1960, quando o Journal of Political Economy publicou, em outubro de 1962, um volume sobre “Investimento em Seres Humanos”, sendo que esse trabalho e vários outros pioneiros formalizaram os capítulos preliminares da monografia de Becker (1964)BECKER, G. Human capital. New York: The National Bureau of Economic Research, 1964., que desde então serviu como locus clássico do assunto (BLAUG, 1992BLAUG, M. The Methodology of Economics: or how economist explain. New York: Cambridge University Press, 1992.).

Contudo, foi o estudo realizado por Mincer (1974)MINCER, J. Schooling, experience, and earnings. Human Behavior & Social Institutions. New York/London: National Bureau of Economic Research, 1974. que consolidou o conceito e mensurou a fórmula do retorno de investimentos em capital humano. O autor formalizou a equação de salários, sendo esta abordagem uma forma revolucionária de observar o comportamento das variáveis de capital humano sobre o nível de renda dos trabalhadores. A partir dos seus estudos, vários trabalhos se dedicaram a estimar seu modelo para países ou determinadas regiões, aplicando a equação com o objetivo de mensurar as taxas de retorno da escolaridade.

Diante disto, este artigo tem como objetivo analisar os efeitos da educação nos rendimentos dos indivíduos residentes no Brasil e, de forma específica, avaliar a diferença desses rendimentos entre as regiões Sul e Nordeste, comprovando que o país e as regiões analisadas têm taxas de retorno crescente para capital humano. A escolha das regiões Sul e Nordeste se deu pela existência de disparidade socioeconómica entre estas regiões, como a diferença entre a taxa de analfabetismo, que no Sul representa 4,23% e no Nordeste 19,63%, a média de anos de escolaridade dos indivíduos residentes nessas localidades, com 8,32% e 6,57% para as regiões Sul e Nordeste, respectivamente, como também a diferença da média salarial observada entre os trabalhadores pertencentes a essas regiões, sendo constatada, no Sul do país, uma média salarial maior em todos os níveis de escolaridade (chegando a uma diferença de, aproximadamente, 112% a mais, quando o indivíduo tem de 1 a 4 anos de estudos), quando comparado aos salários dos trabalhadores residentes no Nordeste (IBGE, 2017).

A presente pesquisa aborda as questões conceituais referentes ao capital humano, bem como elenca as principais variáveis utilizadas como indicador deste conceito, apresentando trabalhos que tratam desta temática. Almeja-se oferecer estimativas que permitam compreender os efeitos da educação sobre os rendimentos dos indivíduos residentes no Brasil, com enfoque nas regiões Sul e Nordeste, no ano de 2017. Para isso, são utilizados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2017, e as estimativas econométricas são feitas por meio da equação de rendimentos de Mincer (1974)MINCER, J. Schooling, experience, and earnings. Human Behavior & Social Institutions. New York/London: National Bureau of Economic Research, 1974.. Além disso, para verificar se há retornos crescentes da educação e a partir de que grau de escolaridade estes retornos crescentes ocorrem, é utilizado o modelo teórico proposto por Trostel (2004)TROSTEL, P. Returns to scale in producing human capital from schooling. Oxford University Press, Oxónia, v. 56, p. 461-84, 2004..

O artigo está organizado em mais quatro seções além desta introdução. A segunda seção apresenta uma revisão de literatura que enfatiza a participação do capital humano nos retornos do trabalhador. Na terceira seção, são apresentados os dados e as técnicas de estimativas utilizadas no trabalho. A quarta seção discorre sobre os resultados da pesquisa. Por fim, a última seção apresenta as considerações finais.

2 REVISÃO EMPÍRICA

A discussão da importância do capital humano para o aumento dos rendimentos dos trabalhadores vem sendo objeto de estudo para diversos autores nacionais e internacionais e apresenta uma longa tradição na literatura econômica. Psacharopoulos e Patrinos (2018)PSACHAROPOULOS, G.; PATRINOS, H. A. Returns to investment in education: a decennial review of the global literature. The World Ban, 2018. analisaram tendências e padrões dos retornos estimados para a educação em 219 países, entre os anos de 1950 e 2014. Com base nos resultados obtidos, observou-se que a taxa média mundial de retorno à educação foi de 8,8%. A América Latina e o Caribe apresentaram o maior nível de retorno à educação, que foi de 11,0%. Além disso, os autores observaram que, de modo geral, os retornos à educação das mulheres excedem os dos homens em cerca de dois pontos percentuais.

Por sua vez, Wang e Wu (2018)WANG, F.; WU, H. Returns to education in rural and urban China: an empirical study. Asian Journal of Social Science Studies, Singapore, v. 3, n. 4, p. 18-28, 2018., por meio de um estudo realizado para a China, buscaram determinar a diferença na taxa de retornos entre trabalhadores das áreas rurais e urbanas no ano de 2013. Os resultados da análise empírica mostraram que a taxa de retorno à educação para as amostras foi, em geral, de 13,9%, sendo constatada uma diferença significativa entre áreas rurais (3,7%) e urbanas (25,6%). O teste de igualdade de gênero mostrou que, nas áreas rurais, a taxa de retorno da educação para mulheres (9,1%) era muito maior que para homens (2,5%). Os resultados forneceram uma visão geral da situação atual em relação ao investimento educacional na China, como também apontou a desigualdade de renda e educação entre rural-urbano e masculino-feminino.

Depken, Chiseni e Ita (2019)DEPKEN, C; CHISENI, C; ITA, E. Returns to Education in South Africa: evidence from the National Income Dynamics Study. Zagreb International Review of Economics & Business, Zagreb, v. 22, n. 1, p. 1-12, 2019. estimaram os retornos da educação para a África do Sul nos períodos de 2010 a 2012. Os autores concluíram que, durante esse período, os retornos à educação eram de aproximadamente 18,0% ao ano, sendo que esses retornos eram maiores para as mulheres em relação aos homens e maior para aqueles que viviam em áreas urbanas em relação aos que viviam em áreas rurais. Outro estudo que também procurou observar os retornos da educação foi realizado por Aali-Bujari, Venegas-Martinez e García-Santillán (2019)AALI-BUJARI, A.; VENEGAS-MARTÍNEZ, R; GARCÍA-SANTILLÁN, A. Schooling Levels and Wage Gains in Mexico. Economics & Sociology, Cidade, v. 12, n. 4, p. 74-331, 2019., em uma análise para o México em 2016. Os achados do estudo apontaram sinais positivos para os retornos à educação dos chefes de família no país; além disso, constataram que a escolaridade apresenta retornos de 15,65% ao ano e que, à medida que o nível de educação aumenta, os níveis de renda aumentam também.

Sachsida, Loureiro e Mendonça (2004)SACHSIDA, A.; LOUREIRO, P. R. A.; MENDONÇA, M. J. C. D. Um estudo sobre retorno em escolaridade no Brasil. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 58, n. 2, p. 249-65, 2004. estimaram o retorno salarial da educação para o Brasil entre 1992 e 1999, utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD). Por meio de diferentes métodos de estimação, os autores encontraram evidências de que o retorno em educação, para 4 anos de estudo, fica entre 14,49% e 16,86%. Além disto, observaram mudança no retorno em escolaridade à medida que o indivíduo aumenta seu nível educacional, constatando que o retorno da escolaridade para indivíduos com 16 anos de estudo é quase sempre o dobro do obtido para um nível de escolaridade de 4 anos. Já Resende e Wyllie (2006)RESENDE, M.; WYLLIE, R. Retornos para educação no Brasil: evidências empíricas adicionais. Economia Aplicada, Ribeirão Preto, v. 10, n. 3, p. 349-65, 2006., tomando como base de dados a Pesquisa sobre Padrão de Vida (PPV-IBGE, dados de 1996-1997), constataram um retorno da escolaridade entre 15,9% e 17,4% para os homens e 12,6% para as mulheres. Os autores observaram também que os menores retornos são obtidos quando se introduz uma variável para controlar a qualidade do ensino.

A importância de avaliar os retornos da educação foi também estudada por Suliano e Siqueira (2012)SULIANO, D. C; SIQUEIRA, M. L. Retornos da educação no Brasil em âmbito regional considerando um ambiente de menor desigualdade. Economia Aplicada, Ribeirão Preto, v. 16, n. 1, p. 137-65, 2012., que estimaram a taxa de retorno da educação para as duas regiões brasileiras que apresentam grandes disparidades socioeconómicas: Nordeste e Sudeste. Estes dados foram extraídos da PNAD e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os anos de 2001 e 2006. Os autores observaram, nos modelos por ciclo de estudo, que a região Nordeste apresenta maiores retornos da escolaridade sobre os rendimentos, principalmente para o Ensino Superior, com relação à região Sudeste. No geral, os resultados obtidos pelos autores apontaram evidências de que o prêmio à escolaridade no Brasil ainda se mantém em patamares elevados.

Por sua vez, Dias et al. (2013)DIAS, J.; MONTEIRO, W. D. R; DIAS, M. H. A.; RUSSO, L. X. Função de capital humano dos estados brasileiros: retornos crescentes ou decrescentes da educação? Pesguisa e Planejamento Econômico – PPE, Brasília, v. 43, n. 2, p. 333-79, ago. 2013., utilizando dados da PNAD, estimaram as funções de capital humano dos estados brasileiros no ano de 2009. Os resultados apontaram que a taxa de retorno da escolaridade se torna crescente a partir de 4,7 anos de escolaridade em nível agregado e 4,6 em nível individual, no Brasil. Notou-se ainda que a taxa de retorno do capital humano é crescente no Brasil e, para grande parte dos estados brasileiros, a partir de 4 anos de escolaridade. Contudo, a taxa de retorno para o primeiro ano de escolaridade (alfabetizado) é algo próximo de 9,5%, mas reduz para os graus de escolaridades seguintes e retorna a esse mesmo patamar após a conclusão do ensino médio.

Considerando que o mercado de trabalho passa por constantes alterações e é distinto de acordo com a faixa etária, classe de renda, escolaridade, entre outras características dos trabalhadores, Nakabashi e Assahide (2017)NAKABASHI, L.; ASSAHIDE, L. Estimando o retorno da escolaridade dos jovens por classe de renda: 1997-2012. Pesguisa e Planejamento Econômico – PPE, Brasília, v. 47, n. 3, p. 137-83, dez. 2017. buscaram estimar o retorno da escolaridade dos jovens brasileiros por classe de renda, fazendo uso dos dados da PNAD para os anos de 1997, 2002, 2007 e 2012. Os resultados apontaram uma redução no retorno da escolaridade para jovens e adultos no Brasil. Além disso, observou-se um diferencial importante do retorno da escolaridade entre os jovens das diferentes classes, sendo mais elevado para os jovens da classe alta. Os autores argumentam que essa distinção do retorno da escolaridade ocorre, provavelmente, pela maior proporção de jovens da classe alta com Ensino Superior, como também pelo diferencial de qualidade do ensino, entre outras causas, como capital social e estoque de riqueza familiar.

Nesse contexto, pode-se evidenciar que o entendimento da forma pela qual o capital humano impacta os resultados econômicos é fundamental, pois esta compreensão pode permitir articulações de políticas que promovam a elevação do nível desse capital e, com isso, haja melhoria no nível de bem-estar da sociedade.

3 DADOS E METODOLOGIA

3.1 Base de dados

Os dados utilizados neste trabalho foram retirados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do ano 2017. A amostra foi composta por 51.868 indivíduos maiores de 14 anos, chefes da casa e com renda bruta mensal do trabalho principal menor ou igual a R$ 50.000,00. Foram desconsiderados da base de dados para a regressão: os empregadores, as pessoas que trabalham por conta própria e trabalhadores não remunerados. Destaca-se que, para as estatísticas do Brasil, foram utilizados todos os estados, com exceção do Distrito Federal. De forma sucinta, os dados retirados da PNADC para a realização deste trabalho estão apresentados no Quadro 1:

Quadro 1
Dados retirados da PNADC para a realização deste trabalho

É importante destacar ainda que a base de dados da PNADC não fornece informações sobre a qualidade da educação e nem sobre a formação profissional. Outro aspecto a se considerar com relação à educação é que essa variável se restringe a 15 anos de estudos completos, impossibilitando a distinção entre os graus de especialização, mestrado e doutorado, considerando-se possível captar, no máximo, a conclusão da graduação do curso superior. De qualquer forma, não obstante as limitações apontadas, é de se realçar a importância dessa fonte estatística, a qual permite realizar as estimativas das taxas de retorno do capital humano nas regiões Sul e Nordeste do Brasil, que é o objetivo central deste trabalho.

3.2 Metodologia

3.2.1 Equação de rendimentos de Mincer

A equação de rendimentos proposta por Jacob Mincer (1974)MINCER, J. Schooling, experience, and earnings. Human Behavior & Social Institutions. New York/London: National Bureau of Economic Research, 1974. para calcular os retornos à escolaridade leva em consideração a influência que tem a educação nos salários dos indivíduos e o impacto sobre os ganhos por meio do aprendizado que lhe é transmitido pela experiência no trabalho. Desse modo, a equação é descrita como:

(1) ln Y  ( s, x ) = α + β s + yx + δ x 2 + ε

em que In Y (s, x)éo logaritmo da renda obtida de s anos de estudos, e x é a experiência. O coeficiente β é conhecido como coeficiente (ou retorno) minceriano de educação. Essa equação permite, de forma simplificada, ter uma ideia dos impactos que a educação e a experiência têm sobre os rendimentos dos indivíduos. Esse impacto é mensurado na forma dos anos adicionais de educação e experiência. A variável experiência ao quadrado indica que o aumento no rendimento ocasionado pelo acúmulo de experiência é sujeito a retornos decrescentes, o que se verifica na literatura, por isso o coeficiente tende a apresentar um sinal negativo (FOCHEZATTO et al., 2019FOCHEZATTO, A.; PELEGRINI,T; HOECKEL, P. H. O.;TOMKOWSKI, F.G. Desenvolvimento socioeconômico regional: cidades, crescimento e especialização produtiva. Criciúma: EDIPUCRS, 2019.).

3.2.2 Procedimento de Heckman

Um dos problemas econométricos levantados pela literatura é a presença de viés de seleção amostrai. A natureza do viés de seleção ocorre quando se estima a equação minceriana pelos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) e se deve ao fato de que, nesse modelo, os indivíduos utilizados na amostra são os que estão empregados, ou seja, consideram-se apenas os que têm rendimentos, não sendo levados em consideração os grupos que podem adotar regras distintas para entrar no mercado de trabalho. Sendo assim, a não consideração deste fato faz com que as estimativas obtidas por MQO para o modelo minceriano sejam viesadas por conta do problema de viés de seleção amostrai.

Para resolver este impasse, Heckman (1979)HECKMAN, J. Sample selection bias as a specification error. Econometrica, New Haven, v. 47, n. 1, p. 153-61, 1979. propôs uma solução para esse problema de seletividade amostrai. Para o autor, torna-se necessário levar em consideração a probabilidade de o indivíduo escolher trabalhar ou não, considerando um conjunto de características pessoais e dos seus familiares. Nesta decisão, supõe-se que o indivíduo avalie os ganhos e as perdas que o emprego pode oferecer. As variáveis que compreendem essa tomada de decisão não são diretamente observáveis para cada indivíduo i. Então, pode-se definir y* como uma preferência (não observável) latente como:

(2) y i = β i X i + μ i

em que Xi representa um conjunto de variáveis explicativas relacionadas ao trabalhador i. Para a decisão de trabalhar, emprega-se uma variável dummy, y, que assume valor 1 se a pessoa aceitou a trabalhar, e 0 se não aceitou a trabalhar. O βi mede o efeito de uma mudança em Xi sobre a variável latente yi*. Dessa forma, o sinal do parâmetro (βi determina a direção desse efeito, e ele tende ser maior, quanto maior for o βi Quanto maior for o valor yi*, maior será a probabilidade de o indivíduo trabalhar.

No segundo momento, o procedimento de Heckman (1979)HECKMAN, J. Sample selection bias as a specification error. Econometrica, New Haven, v. 47, n. 1, p. 153-61, 1979. consiste em estimar a seguinte equação de rendimento:

(3) w i = δ Z i + ε i

em que wi é o logaritmo do salário, Zi representa um vetor de características pessoais, δ é um conjunto de parâmetros e εi é um vetor de erros aleatórios que assume as hipóteses estatísticas usuais. Como na equação de salários somente são considerados os indivíduos que estão trabalhando, a amostra é não aleatória, gerando um viés de seletividade amostrai. Esse viés pode ser ilustrado da seguinte forma:

(4) E [ w i | Z i , y i = 1 ] = δ Z i + E [ ε i | μ i > β X i ]

e dado que:

em que ϕ é a função densidade de probabilidade e Φ tem sua função de distribuição cumulativa. Tem-se, assim, que quando a cov(μi, εi) ≠ 0 existe o viés de seletividade, já que a esperança da perturbação será diferente de zero. Substituindo uma parte da equação (5) por Θ, tem-se:

(5) E [ ε i | μ i > βX i ] = cov ( μ i , ε i ) σ μ E [ μ i σ μ | μ i σ μ βX i σ μ ] = cov ( μ i , ε i ) σ μ E φ ( βX i ) ϕ ( βX i )
E [ ε i | μ i > β X i ] = Θ λ

em que:

λ = φ ( β X i Ф σ μ ) Φ ( β X i / σ μ )

Heckman (1979)HECKMAN, J. Sample selection bias as a specification error. Econometrica, New Haven, v. 47, n. 1, p. 153-61, 1979. mostrou, ao estimar os parâmetros β e μi, que seria possível construir a variável λ, conhecida como inverso da razão de Mills, a qual poderia entrar como variável explicativa na equação de rendimentos da seguinte forma:

(6) W i = δ Z i + λ Θ

Assim, os salários dependem das características pessoais dos agentes (Xi) e da razão inversa de Mills que determina as características comportamentais dos agentes no que se refere à sua decisão de trabalhar.

3.2.3 Método de Trostel

Trostel (2004)TROSTEL, P. Returns to scale in producing human capital from schooling. Oxford University Press, Oxónia, v. 56, p. 461-84, 2004. constrói um modelo para mostrar que os retornos de capital humano podem ser medidos a partir de uma taxa marginal de retorno à educação. A função segue os retornos de escala, a partir de insumos que podem ser acumulados, em relação à produção de capital humano. O modelo desenvolvido por Trostel (2004)TROSTEL, P. Returns to scale in producing human capital from schooling. Oxford University Press, Oxónia, v. 56, p. 461-84, 2004. é considerado uma extensão não linear da equação padrão de salário de Mincer (1974)MINCER, J. Schooling, experience, and earnings. Human Behavior & Social Institutions. New York/London: National Bureau of Economic Research, 1974..

(7) ln ( w i ) = β 0 + β 1 S 1 + β 2 S i 2 + β 3 S i 3 + β x X i + ε i

em que X é um vetor de variável controle. A estimativa da taxa marginal de retorno de educação, ρ, é:

(8) ln ( w ) ∂( s ) = ρ ˆ ( S ) = β ˆ 1 + 2 β ˆ 2 S + 3 β ˆ 3 S 2

e a hipótese nula é:

(9) 2 ln ( w ) s 2 = ρ ˆ s = 2 β ˆ 2 + 6 β ˆ 3 S = 0

então, se ρˆ/S (ou < 0), os resultados apontam aumento (ou diminuição) das taxas de retorno de escolaridade, e se ρˆ/S ilustra que as taxas de retorno de escolaridade são constantes.

3.3 Modelo empírico

Para a realização das estimativas, utiliza-se uma extensão não linear da equação-padrão de salário minceriana com as interações e considerando o método de Heckman (1979)HECKMAN, J. Sample selection bias as a specification error. Econometrica, New Haven, v. 47, n. 1, p. 153-61, 1979.:

Sendo que, na equação (10), In(wi) representa o logaritmo da renda bruta do trabalho principal; β0 a constante; (anoest) a escolaridade medida pelos anos de estudo; (anoest)2 escolaridades ao quadrado; (anoest)3 a escolaridade ao cubo; (exp) experiência; e (exp)2 experiências ao quadrado. As seguintes variáveis dummies (formal) assumem 1 para trabalhadores que pertencem ao setor formal e 0 para trabalhadores do setor não formal; (homem) assume 1 se o trabalhador for do sexo masculino e 0 do sexo feminino; (branco) assume 1 para trabalhadores brancos e 0 para trabalhadores não brancos; (urbana) assume 1 para trabalhadores residentes em área urbana e 0 para trabalhadores residentes em área rural; o sinal esperado destas variáveis pode ser visto no Quadro 2.

(10) ln ( w i ) = β 0 + β 1 ( anoest ) + β 2 ( anoest ) 2 + β 3 ( anoest ) 3 + β 4 ( exp ) + β 5 ( exp ) 2 + β 6 ( formal ) + β 7 ( homem ) + β 8 ( branco ) + β 9 ( urbana ) + ε i

A equação (11) é especificada de acordo com a proposta de Heckman (1979)HECKMAN, J. Sample selection bias as a specification error. Econometrica, New Haven, v. 47, n. 1, p. 153-61, 1979.. Considera os seguintes aspectos dos participantes ou não no mercado de trabalho na semana de referência (yi): se o indivíduo recebe Bolsa Família (bolsafamilia); se é homem (homem); se reside na zona urbana (urbana); se é branco (branco); e os anos de estudo do indivíduo (anoest); εi representam os resíduos das estimativas.

(11) y i = μ 0 + μ 1 ( anoest ) + μ 2 ( homem ) + μ 3 ( branco ) + μ 4 ( urbana ) + μ 5 ( bolsafamilia ) + ε i

Para a variável experiência, utiliza-se uma proxy definida por Heckman, Tobias e Vytlacill (2000)HECKMAN, J.; TOBIAS, J. L; VYTLACILL, E. Simple estimators for treatment parameters in a latent variable framework with an application to estimating the returns to schooling. NBER Working Paper, 7950, 2000., que é dada por: exp = idade − anoest − 6. Esta forma de mensurar a variável experiência assume a hipótese de que o indivíduo começa a trabalhar após concluir seus anos de estudo. Na equação, o número 6 representa a idade em que o indivíduo começa a estudar. No modelo econométrico, foram excluídos os indivíduos que, após o cálculo, ficaram com experiência negativa.

A equação (11) é usada para estimar o salário médio dos não participantes do mercado de trabalho. O uso desta equação permite considerar na estimativa os indivíduos que escolheram não trabalhar ou estão desempregados. Esta função é conhecida como equação de seleção, o seu uso reduz o viés de seleção ao considerar também os trabalhadores que não participam do mercado de trabalho por vontade própria ou não. As estimativas consideraram o plano de amostragem complexa. Os resultados, em nível de Brasil e para cada estado da região Sul e Nordeste, são apresentados constando o teste estatístico rho2 2 O rho verifica a existência de correlação serial entre a equação salário e a equação de seleção. , em que a estatística significativa dessa variável indica a existência de viés de seleção amostrai, o que justifica o uso do método proposto por Heckman (1979)HECKMAN, J. Sample selection bias as a specification error. Econometrica, New Haven, v. 47, n. 1, p. 153-61, 1979..

Após a apresentação da extensão não linear da equação-padrão de salário minceriana considerando o método de Heckman, verifica-se nas equações 18 e 19 o modelo empírico proposto por Trostel (2004)TROSTEL, P. Returns to scale in producing human capital from schooling. Oxford University Press, Oxónia, v. 56, p. 461-84, 2004., que é usado para o cálculo dos retornos de capital humano.

em que o resultado da equação 12 refere-se à taxa de retorno da educação, e da equação 13, a taxa marginal dos anos de escolaridade nos retornos dos rendimentos do indivíduo.

(12) ln ( w ) ∂( anost ) = ρ ˆ ( anost ) = β ˆ 1 + 2 β ˆ 2 anoest + 3 β ˆ 3 anoest 2
(13) 2 ln ( w ) anost 2 = ρ ˆ anost = 2 β ˆ 2 + 6 β ˆ 3 anoest = 0

4 RESULTADOS

4.1 Análise descritiva

A Tabela 1 apresenta as diferenças salariais por sexo para o Brasil e regiões Sul e Nordeste. Observa-se que o salário médio do homem no Brasil é aproximadamente 27% maior do que o salário médio da mulher. No Sul do país, as diferenças salariais chegam a 29%, visto que os homens recebem em média R$ 2.857,35, enquanto as mulheres R$ 2.019,42. Já na região Nordeste, a diferença salarial entre gêneros é em torno de 26%, com média salarial de R$ 1.754,65 e R$ 1.292,64 para homens e mulheres, respectivamente.

Tabela 1
Média salarial mensal por sexo, PNADC 2017

Por sua vez, a Tabela 2 apresenta as diferenças salariais por raça/cor dos indivíduos que compõem a amostra utilizada na pesquisa. Pode-se verificar que no Brasil a população é composta, em sua maioria, por brancos e pardos, somando, conjuntamente, 88,87% da população em análise. Nota-se que, embora o Brasil apresente um equilíbrio entre a parcela da população branca e parda, o salário médio dos indivíduos brancos é consideravelmente maior do que o salário médio dos indivíduos pardos.

Tabela 2
Média salarial mensal por raça/cor, PNADC 2017

Já no Sul do país, apenas a população branca representa 75,90%, sendo que, no ano analisado, o salário médio desses indivíduos apresenta-se 37% maior que o salários dos negros e 36% maior que o dos pardos. A situação fica ainda mais evidente ao se analisar a região Nordeste do país, mesmo com 75,57% da população negra ou parda, os brancos ganham em média 47% a mais do que os negros e 41% a mais do que os pardos (Tabela 2).

A escolaridade média dos indivíduos utilizados na pesquisa pode ser observada na Tabela 3. As mulheres no Brasil têm escolaridade média maior do que a dos homens. Nota-se também que a escolaridade média do Nordeste é menor que a do Sul em todos os aspectos considerados, sendo menor também que a média brasileira. Observa-se ainda que os maiores níveis de escolaridade das mulheres ocupadas não lhes têm garantido o acesso a níveis de rendimento semelhantes aos dos homens, como já visto na Tabela 1.

Tabela 3
Escolaridade média de homens e mulheres, por anos de estudos, PNADC 2017

No que diz respeito à escolaridade, o analfabetismo ainda é persistente entre a população de jovens e adultos na sociedade brasileira, como pode ser observado na Tabela 4. Mesmo considerando apenas o chefe da casa para a análise, a taxa de analfabetismo entre pessoas maiores de 14 anos é ainda de 9,26% no Brasil. A situação no Nordeste é mais preocupante, apresentando uma taxa de analfabetismo de 19,63%. Por sua vez, o Sul do país tem uma taxa de analfabetismo consideravelmente menor em relação ao Nordeste, de 4,23%.

Tabela 4
Taxa de alfabetização, PNADC 2017

Como apresentado na revisão de literatura deste trabalho (seção 2), pessoas com maiores níveis de educação tendem a ter salários mais elevados. Os resultados presentes na Tabela 5 vão ao encontro dessa afirmação. Observa-se que no Brasil a maior parcela da população brasileira analisada (29,16%) tem de 9 a 11 anos de estudos, o que é equivalente ao ensino médio. As pessoas com esse nível de escolaridade recebem salários médios mensais de R$ 1.841,51. Já aquelas que têm mais de 12 anos de estudos (equivalentes ao Ensino Superior) recebem uma média salarial mensal de R$ 4.790,32.

Tabela 5
Média salarial mensal por anos de escolaridade, PNADC 2017

No Nordeste, a diferença salarial entre os níveis de escolaridade é ainda mais evidente. Indivíduos com menos de um ano de estudo representam 19,58% da população e têm média salarial mensal de R$ 627,77, já aqueles com nível superior têm salários médios mensais de R$ 4.023,61 e representam 12,76% da população. Por fim, no Sul do país apenas 5,55% da população tem a escolaridade menor que um ano de estudo. Seus salários mensais são, em média, de R$ 1.297,48. A maior parte da população desta região contém de 9 a 11 anos de estudo, com salários médios mensais de R$ 2.093,83 (Tabela 5). Ainda, neste contexto, os salários da região Nordeste são menores que os do Sul e do Brasil para todos os níveis de escolaridade analisados.

4.2 Resultados dos modelos econométricos

Após a análise descritiva, são apresentadas e discutidas nesta seção as estimativas dos modelos econométricos. Na Tabela 6, apresentam-se os resultados da regressão para o Brasil e para as regiões Sul e Nordeste do país. Um resultado importante da regressão são as significâncias da variável educação na forma linear (anoest), quadrática (anoest2) e ao cubo (anoes3), pois implica a existência de retornos crescentes devido à acumulação de capital humano individualmente. Este resultado vai ao encontro daqueles encontrados por Dias et al. (2013)DIAS, J.; MONTEIRO, W. D. R; DIAS, M. H. A.; RUSSO, L. X. Função de capital humano dos estados brasileiros: retornos crescentes ou decrescentes da educação? Pesguisa e Planejamento Econômico – PPE, Brasília, v. 43, n. 2, p. 333-79, ago. 2013., em que os autores acharam evidências do mesmo comportamento para essa variável em sua análise para o Brasil. Observa-se também que há um impacto maior dos anos de escolaridade na renda do indivíduo que reside na região Nordeste quando comparado aos indivíduos residentes na região Sul, o que sugere que a educação pode ser um caminho para melhoria dos dados socioeconômicos da região Nordeste.

Tabela 6
Estimativas para as regiões Sul e Nordeste e para o Brasil, PNADC, 2017

Também, observa-se, por meio dos resultados estimados, que há retornos crescentes à experiência em todas as regiões analisadas, porém, a partir de um determinado ponto, os retornos se tornam decrescentes, ou seja, a segunda derivada se torna negativa, indicando que a experiência tem um impacto positivo, mas decrescente, resultado este que é comum na literatura, corroborando com os trabalhos de Sachsida, Loureiro e Mendonça (2004)SACHSIDA, A.; LOUREIRO, P. R. A.; MENDONÇA, M. J. C. D. Um estudo sobre retorno em escolaridade no Brasil. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 58, n. 2, p. 249-65, 2004. e Nakabashi e Assahide (2017)NAKABASHI, L.; ASSAHIDE, L. Estimando o retorno da escolaridade dos jovens por classe de renda: 1997-2012. Pesguisa e Planejamento Econômico – PPE, Brasília, v. 47, n. 3, p. 137-83, dez. 2017..

Além disso, os dados da Tabela 6 sugerem, por meio dos coeficientes das variáveis dummies, que tanto no Brasil como no Sul e Nordeste, os homens têm maiores rendimentos do que as mulheres, e pessoas brancas têm maiores salários do que as não brancas. Esses resultados também estão em linha com estudos que controlam para raça, considerando uma parcela mais ampla da população, como, por exemplo, Resende e Wyllie (2006)RESENDE, M.; WYLLIE, R. Retornos para educação no Brasil: evidências empíricas adicionais. Economia Aplicada, Ribeirão Preto, v. 10, n. 3, p. 349-65, 2006.. Destaca-se também que pessoas que trabalham em um emprego formal recebem maiores rendimentos do que as que trabalham em um emprego não formal, e, por fim, indivíduos residentes em regiões urbanas auferem maiores rendimentos em relação aqueles residentes na zona rural. Estudos já provaram que há uma diferença significativa nos rendimentos dos trabalhadores da área rural e urbana. O motivo pode ser devido à desigualdade econômica e educacional dessas regiões (WANG; WU, 2018WANG, F.; WU, H. Returns to education in rural and urban China: an empirical study. Asian Journal of Social Science Studies, Singapore, v. 3, n. 4, p. 18-28, 2018.).

Em relação à probabilidade de estar trabalhando, destaca-se que, em todas as regiões analisadas, a probabilidade de estar empregado reduz para pessoas que recebem auxílio do Programa Bolsa Família. Já pessoas do sexo masculino e indivíduos brancos apresentam maiores chances de estarem empregados. Além disso, há uma expectativa de as pessoas que têm uma maior escolaridade estarem trabalhando, visto que o coeficiente dessa variável foi positivo (Tabela 6).

As estimativas apontam também que, apesar de possuírem rendimentos mais baixos, pessoas que moram na zona rural têm uma probabilidade maior de estarem trabalhando do que as pessoas que residem na zona urbana. Para a região Nordeste, a estatística da variável “urbana” não foi significativa (Tabela 6).

Por fim, os resultados obtidos para os coeficientes das regressões mostram que a escolaridade tem um efeito positivo sobre o salário dos indivíduos. Um comportamento semelhante é observado pela variável experiência ao quadrado (exp2), que indica que o salário cresce a taxas decrescentes com a experiência, isto é, quanto maior for a experiência do trabalhador, maior será o seu salário, porém, este tenderá a aumentar a taxas cada vez menores com o aumento da experiência. Outro resultado análogo é o fato de que pessoas que recebem o benefício do Programa Bolsa Família apresentam uma probabilidade menor de estarem participando do mercado do trabalho.

A Tabela 7 apresenta a taxa de retorno da escolaridade para o Brasil e para as regiões Sul e Nordeste, conforme proposto por Trostel (2004)TROSTEL, P. Returns to scale in producing human capital from schooling. Oxford University Press, Oxónia, v. 56, p. 461-84, 2004.. Observa-se que a escolaridade média é de 7,8 anos de estudo para o Brasil, 8,2 anos de estudos para a região Sul e 6,5 anos de estudos para a região Nordeste. Os resultados relevantes são de que a taxa de retornos da educação apresenta-se crescente a partir de 5,5 anos de escolaridade para o Brasil; 4,9 para o Sul do país e, no Nordeste, a partir de 5,0 anos. Portanto, esses resultados confirmam os retornos crescentes encontrados por Dias et al. (2013)DIAS, J.; MONTEIRO, W. D. R; DIAS, M. H. A.; RUSSO, L. X. Função de capital humano dos estados brasileiros: retornos crescentes ou decrescentes da educação? Pesguisa e Planejamento Econômico – PPE, Brasília, v. 43, n. 2, p. 333-79, ago. 2013., Sachsida, Loureiro e Mendonça (2004)SACHSIDA, A.; LOUREIRO, P. R. A.; MENDONÇA, M. J. C. D. Um estudo sobre retorno em escolaridade no Brasil. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 58, n. 2, p. 249-65, 2004., Psacharopoulos e Patrinos (2018)PSACHAROPOULOS, G.; PATRINOS, H. A. Returns to investment in education: a decennial review of the global literature. The World Ban, 2018. e Wang e Wu (2018)WANG, F.; WU, H. Returns to education in rural and urban China: an empirical study. Asian Journal of Social Science Studies, Singapore, v. 3, n. 4, p. 18-28, 2018., Depken, Chiseni e Ita (2019)DEPKEN, C; CHISENI, C; ITA, E. Returns to Education in South Africa: evidence from the National Income Dynamics Study. Zagreb International Review of Economics & Business, Zagreb, v. 22, n. 1, p. 1-12, 2019. e Aali-Bujari, Venegas-Martínez e García-Santillán (2019)AALI-BUJARI, A.; VENEGAS-MARTÍNEZ, R; GARCÍA-SANTILLÁN, A. Schooling Levels and Wage Gains in Mexico. Economics & Sociology, Cidade, v. 12, n. 4, p. 74-331, 2019..

Tabela 7
Retorno da escolaridade no Brasil e nas regiões Sul e Nordeste, PNADC 2017

As taxas de retorno associadas por ano de escolaridade apresentam comportamento próximo para 11 anos de escolaridade, sendo que as taxas de retorno para esse nível de escolaridade, tanto do Brasil como das regiões analisadas, ficaram entre 10% e 13%. Quando analisado o retorno da escolaridade para o Ensino Superior, nota-se que são bem maiores quando comparados aos outros níveis de escolaridade, ficando entre 26% e 33%, sendo que, na região Nordeste, o retorno da escolaridade para indivíduos com Ensino Superior é maior do que este retorno para indivíduos residentes no Sul do país.

Diante dessas constatações, verifica-se que a hipótese do trabalho foi alcançada, isto é, foi estimado o comportamento da taxa de retorno à escolaridade, comprovando que o Brasil e as regiões Sul e Nordeste têm taxas de retorno crescente para capital humano. Isso significa que as regiões estudadas gozarão de ganhos cada vez maiores conforme a população for aderindo a níveis de educação cada vez mais altos, causando, a longo prazo, maior produtividade e, principalmente, contribuindo para aumento de seus rendimentos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo estudar os retornos da educação para o Brasil, e, de forma específica, para as regiões Sul e Nordeste, no ano de 2017. Na literatura sobre o tema, inúmeros métodos têm sido utilizados para determinar qual a taxa de retorno real para o investimento em educação. Com o intuito de explorar os resultados gerados por essas metodologias, estimou-se a equação de rendimentos proposta por Mincer (1974)MINCER, J. Schooling, experience, and earnings. Human Behavior & Social Institutions. New York/London: National Bureau of Economic Research, 1974. e utilizou-se o procedimento de Heckman para corrigir o viés de seleção; além disso, apresentou-se o cálculo das taxas de retorno de escolaridade conforme proposto por Trostel (2004)TROSTEL, P. Returns to scale in producing human capital from schooling. Oxford University Press, Oxónia, v. 56, p. 461-84, 2004..

Em geral, fica evidente a importância da variável educação na determinação de rendimentos dos trabalhadores, pois, em todas as estimativas, os retornos à educação se mostraram crescentes. Os resultados mostraram que os brasileiros têm rendimentos crescentes a partir de 5,5 anos de estudo. Observou-se que, para o Brasil a taxa de retorno da escolaridade foi de 2,9% para os primeiros 4 anos de estudo, 4,2% para 8 anos de estudo, 12,4% para o ensino médio e 33,2% para o Ensino Superior.

Na região Sul, os retornos da escolaridade foram crescentes a partir de 4,9 anos de estudos, e a taxa de retorno da educação foi de 1,8% para 4 anos de estudo, 3,9% para a conclusão do Ensino Fundamental, 10,6% para o ensino médio e 26,3% para o Ensino Superior. Já na região Nordeste, os retornos da educação aumentam a partir de 5,0 anos de escolaridade, a taxa de retorno da educação foi de 2,7% para 4 anos de estudo, 5,2% para 8 anos, 13,5% para o ensino médio e 33,2% para o Ensino Superior. É importante destacar que os retornos da educação para indivíduos com Ensino Superior foram maiores em todas as regiões analisadas e, além disso, esse retorno apresentou maior impacto na região Nordeste quando comparada à região Sul.

No geral, as especificações mostraram uma taxa de retorno menor nas três primeiras faixas de ensino, trazendo um retorno expressivo para os rendimentos dos trabalhadores que têm Ensino Superior, mostrando, assim, que o investimento em educação não deve parar quando completado o Ensino Fundamental ou Médio. Afinal, o maior retorno salarial acontece ao atingir o nível superior, e o mercado de trabalho necessita de trabalhadores com diferentes níveis educacionais.

Outro resultado importante é que os retornos da educação nos estados da região Nordeste se mostraram maiores quando comparados aos retornos observados na região Sul, o que aponta que a educação pode ser um caminho para a melhoria dos dados socioeconómicos desta região. Faz-se necessário ter políticas públicas que estimulem os investimentos em educação em regiões mais vulneráveis socioeconomicamente.

Diante disto, este artigo contribui ao lançar um olhar quantitativo e econométrico para a discrepância entre Sul e Nordeste, haja vista que, por meio dos métodos aplicados, foi possível observar que os retornos da educação nos estados da região Nordeste se mostraram maiores quando comparados aos retornos observados na região Sul. Desta forma, é possível concluir que os estados com defasagens em seus indicadores econômicos absorvem de forma mais acelerada o impacto das políticas públicas. Com isto, o resultado final deste artigo permite apontar que a educação deve ser um caminho para a melhoria dos indicadores socioeconómicos dessa região, sendo necessária a existência de políticas públicas que estimulem os investimentos em educação em regiões mais vulneráveis socioeconomicamente.

  • 2
    O rho verifica a existência de correlação serial entre a equação salário e a equação de seleção.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2020
  • Revisado
    28 Dez 2020
  • Aceito
    26 Fev 2021
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