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Termos de ajustamento de conduta em áreas rurais de Goiás e a falsa sensação de recomposição do dano ambiental

Alternative dispute resolution agreements in the countryside of Goiás and the misperception of environmental damage recovering

Medios alternativos de resolución de controversias en zonas rurales de Goiás y la falsa percepción de recuperación de daños ambientales

Resumo:

Esta pesquisa analisa os resultados obtidos na recomposição de danos causados a Áreas de Preservação Permanentes localizadas nos municípios que integram a bacia do Rio Meia Ponte, em Goiás, a partir da verificação dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) elaborados com a participação do Ministério Público estadual, com o fito de avaliar se o trabalho produz resultados práticos condizentes com a função ecológica que se espera desses espaços. A pesquisa mapeia comarcas conforme a quantidade de crimes ambientais registrados entre 2017 e 2019. Seguindo o critério de seleção preestabelecido, realiza análise de sete TACs e dispõe sobre o atendimento de parâmetros mínimos de qualidade técnica. Além disso, identifica cinco imóveis rurais de compromissários e avalia as imagens de satélite por meio de comparação temporal da situação das Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais a serem recompostas e propostas no Cadastro Ambiental Rural. Por meio de análise qualitativa, a pesquisa conclui que os requisitos definidos pelo Direito não são suficientemente atendidos pelos textos formulados pelo Ministério Público. Em seus resultados, a pesquisa indica o baixo nível de utilidade dos TACs quanto à efetiva retomada da função ecológica das áreas. Faltam, ou foram esquecidas, informações relevantes sobre os compromissários, sobre a identificação das áreas e sobre as obrigações consignadas nos acordos. Em nenhum dos documentos foi verificada a recomposição da área degradada. O Ministério Público confere maior valor à apresentação de documentos do que à realidade da área e à possibilidade de cumprimento da função ecológica.

Palavras-chave:
desenvolvimento rural; direitos humanos; agronegócio; interesse público; direitos difusos

Abstract:

This research analyses the results on damage recomposing in Permanent Preservation Areas located in cities that integrate the Meia Ponte River basin, in Goiás, by verifying the Alternative Dispute Resolution Agreements (ADRs) in which public prosecutors take part in orderto evaluate if their work produces sensible results when the ecological role of these areas is considered. The research maps the judiciary districts and links them to environmental crimes committed between 2017 and 2019. By following the established criteria, it analyzes seven ADRs that were found during the research. The goal, during this step, is to examine if the agreements comply with the minimum technical quality required by Brazilian Law. Also, it identifies five rural properties belongingto the ADRs participants in orderto verify them by satellite images. These images permit temporal comparison of the areas and make it possible to see if there are Permanent Preservation Areas and Legal Reserved Areas that still have to be recomposed and the proposition on doing so according to the Rural-Environmental Registration. By qualitative analyses, the research concludes that the criteria established by Brazilian Law are not sufficiently complied by the ADRs in which state public prosecutors take part. The results indicate a low utility level of ADRs in Brazil when ecological roles are considered. Important data on the parts, on the areas, and on the obligations are not mentioned or were forgotten. The restoration of the damaged areas was not verified in any of the rural properties analyzed. Public prosecutors value documents over the reality of the areas and the possibility of complying with the ecological role.

Keywords:
rural development; human rights; agribusiness; public interest; diffuse rights

Resumen:

Esta investigación analiza los resultados obtenidos en la restauración de los danos ocasionados a las Áreas de Conservación Permanente ubicadas en los municípios que integran la cuenca del río Meia Ponte, en Goiás, a partir de la verificación de los Medios alternativos de resolución de controversias elaborados con la participación del Ministerio Público de Estado con el objetivo de evaluar si la obra produce resultados prácticos acordes con la función ecológica que se espera de estos espacios. La investigación mapea distritos según la cantidad de delitos ambientales registrados entre 2017 y 2019. Siguiendo critérios de selección preestablecidos, analiza siete TAC y prevé el cumplimiento de parámetros mínimos de calidad técnica. Adernás, identifica cinco predios rurales propiedad de los partidos y evalúa las imágenes satelitales mediante una comparación temporal de la situación de las Áreas de Preservación Permanente y Reservas Legales a ser recompuestas y propuestas en el Registro Ambiental Rural. A través del análisis cualitativo, la investigación concluye que los requisitos definidos por el Derecho no son satisfechos de manera suficiente por los textos formulados por el Ministerio Público. En sus resultados, la investigación indica el bajo nivel de utilidad de los TAC en cuanto a la reanudación efectiva de la función ecológica de las áreas. Falta, o fue olvidada, información relevante sobre los compromisos, sobre la identificación de áreas y sobre las obligaciones contenidas en los acuerdos. En ninguno de los documentos se verificó la restauración de la zona degradada. El Ministerio Público valora más la presentación de documentos que la realidad de la zona y la posibilidad de cumplir la función ecológica.

Palabras clave:
desarrollo rural; derechos humanos; agronegocio; interés público; derechos difusos

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa trata dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) que versam sobre a reparação de danos causados às Áreas de Preservação Permanentes (APPs) rurais dos municípios que integram a bacia do Rio Meia Ponte, em Goiás. O objetivo é verificar a atuação do Ministério Público de Goiás enquanto legitimado a realizar acordos para recompor APPs rurais degradadas e avaliar se o trabalho produz resultados práticos condizentes com a função ecológica que se espera desses espaços. A análise visa, a partir dos dados relacionados aos TACs e sua aplicação em concreto, discutir a gestão ambiental para além dos documentos e das certidões que orientam a aplicação do Direito. Para tanto, realiza-se análise de documentos públicos em processos judiciais e administrativos, além do imageamento de áreas rurais envolvidas na realização de acordos ambientais.

Dentro de um sistema que busca ser coerente, se a Constituição brasileira atribui ao Ministério Público o papel de buscar a responsabilização integral do poluidor pela degradação das APPs, cabe ao MP verificar se as medidas adotadas são, de fato, suficientes para que o dano seja realmente encerrado. E, mesmo que haja documentos que atestem ausência de prejuízo, se o dano ambiental persiste, é dever do MP continuar trabalhando para sua integral reparação. Afinal, conforme entendimento ratificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não há direito de poluir(STF, 2016SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL [STF]. ARE 1004174. Ministro Luiz Fux. Brasília, 26 de outubro de 2016. Jurisprudência: inteiro teor. Brasília, DFG: STF, 16 nov. 2016.).

A literatura da área jurídica apresenta os TACs como importante instituto na busca por soluções consensuais e eficazes. Os trabalhos produzidos pelos estudiosos do Direito colocam como avanço o fato de os TACs permitirem dispensar a espera pelo longo e moroso caminho do processo até que o Judiciário dê sua resposta. Diante da emergência das questões vinculadas ao meio ambiente, sobretudo em âmbito local, em que o represamento de um curso d'agua pode significar a ruína e a fome de famílias que residem após um barramento, há necessidade de se pensar em soluções passíveis de implementação imediata. Nesse sentido, e tendo em vista o incentivo institucional à conciliação, desenvolveu-se, no Brasil, a possibilidade de o Ministério Público firmar acordos com poluidores, visando à adequação mais rápida de suas atividades à legislação.

Em tese, a realização de um acordo significa economia considerável de tempo e de recursos para todas as partes. Akaoui (2015)AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromissso de ajustamento de conduta ambiental. 5. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015., por exemplo, entende que a ampliação de instrumentos de resolução de conflitos que não envolvam o Poder Judiciário e permitam a redução da quantidade de processos poderia melhorar a qualidade do trabalho desenvolvido pelos responsáveis por emitir as decisões judiciais. Assim, o Judiciário poderia se ocupar devidamente das hipóteses de magnitude e relevância para os quais não seria possível encontrar solução por meio do uso do bom senso e da colaboração das partes litigantes.

Na sistemática legislativa brasileira, só há cumprimento do acordo se houver também a recomposição integral do dano causado. Mas, apesar de farta literatura que destaca a importância dos TACs na celeridade e eficiência da prestação jurisdicional, na prática, não há dados suficientes que permitam atestar com segurança ou mesmo que deem algum indicativo de que os acordos tidos como cumpridos têm como consequência a ampliação dos espaços protegidos. Por isso, constitui objetivo desta pesquisa avaliar os resultados obtidos a partir da realização dos TACs, a fim de responder se esses acordos servem ao propósito de recuperação da função ecológica das APPs rurais.

A pesquisa tem natureza qualitativa pautada na análise de casos selecionados a partir de critérios que incluíram o mapeamento da bacia do Rio Meia Ponte e a seleção de municípios em que houvesse maior quantitativo de infrações ambientais registradas no estado de Goiás. O artigo é dividido em três partes. A primeira delas contém revisão de literatura, que apresenta o conceito de TAC e o contexto em que o instituto foi desenvolvido no Brasil. Em seguida, apresenta-se a metodologia utilizada para seleção dos documentos analisados. A terceira parte concentra os resultados encontrados a partir da verificação dos documentos que integravam os processos judiciais públicos que tinham participação das pessoas e áreas vinculadas aos acordos selecionados ao longo desta pesquisa. Além disso, são utilizadas técnicas de sensoriamento remoto para analisar o efetivo cumprimento dos TACs.

A pesquisa analisa duas hipóteses. A primeira hipótese se coloca no fato de os TACs não serem efetivos na proteção ambiental, no que tange à recomposição de APPs rurais degradadas, porque seu cumprimento não implica a retomada da função ecológica de APPs rurais. Além disso, avalia-se que o Estado, por meio da atuação do Ministério Público, não realiza gestão ambiental eficiente quando da elaboração e da fiscalização do cumprimento dos TACs, o que consolida situações de degradação de APPs e prejudica mananciais de água.

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Delimitações conceituais: termos de ajustamento de conduta e termos de compromisso ambiental

A apresentação do conceito legal dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) demanda sua diferenciação em relação aos Termos de Compromisso Ambiental (TCAs). Ambos podem ser elaborados a partir da atuação do Ministério Público e permitem a realização de acordos entre pessoas físicas e jurídicas que necessitem se adequar à legislação ambiental. Contudo, os TCAs resultam de negociação a respeito de matéria ambiental feita na esfera administrativa entre um empreendedor e o órgão ambiental. Nesse caso, é preciso que os TCAs sejam homologados pelo CONAMA (art. 7º, IV, da Lei 6.938, de 1981) a fim de converter penalidades pecuniárias em obrigação de realizar medidas de proteção ambiental (SCHMIDT, 2002SCHMIDT, Larissa. Análise crítico do termo de ajustamento de conduta no direito ambiental brasileiro. 2002. 150 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002.).

A popularização dos TCAs ocorreu após sua inserção na Lei de Crimes Ambientais. O receio da criminalização das condutas resultou em pressão para que o governo federal concedesse aos poluidores prazo de adaptação e formas de redução dos valores previstos como multas e penas privativas de liberdade. Ou seja, temendo a aplicação da lei ambiental, os poluidores demandaram a criação de instituto que lhes permitisse ganhar tempo para fazer adaptações. Em razão disso, por meio da Medida Provisória n. 1.710, de 1998, foi incluída na Lei de Crimes Ambientais a possibilidade de realização de TCAs junto aos órgãos do SISNAMA. A medida tinha prazo de vigência entre noventa dias e cinco anos, período no qual seria possível promover as adequações à legislação (SCHMIDT, 2002SCHMIDT, Larissa. Análise crítico do termo de ajustamento de conduta no direito ambiental brasileiro. 2002. 150 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002.).

A regulamentação da Lei n. 9.605, de 1998, criminalizou condutas que eram consideradas pelo legislador do Código Florestal de 1965 como contravenções penais. Na prática, danos causados às Áreas de Preservação Permanente puníveis pela legislação de 1965 (art. 26), com "[...] três meses a um ano de prisão simples ou multa de uma a cem vezes o salário-mínimo mensal" (BRASIL, 1965BRASIL. Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 19 set. 1965.), passaram, em 1998, a receber pena de "[...] detenção, de um a três anos, ou multa" (arts. 38 e 39) (BRASIL, 2012BRASIL. Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nºs 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nºs 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 28 maio 2012.). Além disso, o legislador abriu espaço para se realizar a desconsideração da personalidade jurídica em casos nos quais sua existência constituísse obstáculo ao ressarcimento pelos danos causados. Quando há desconsideração da personalidade jurídica, torna-se mais difícil ocultar bens que possam ser recebidos como pagamento, porque as indenizações e multas por danos ambientais das pessoasjurídicas podem, desde 1998, atingir o patrimônio da pessoa física (BRASIL, 1998BRASIL. Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 913 fev. 1998.).

Os TCAs, em razão da previsão constante no Decreto n. 99.274, de 1990, permitem suspender a exigibilidade das multas e, cumprida a obrigação, os valores devidos podem ser reduzidos em até noventa por cento. As penas restritivas de liberdade, contudo, não integram o objeto de TCA, já que o Decreto n. 99.274, de 1990, refere-se somente às penas pecuniárias3 3 "No caso de ser firmado termo de compromisso com algum dos órgãos do SISNAMA, tanto o valor a ser recolhido a título de recomposição, como eventual multa cominatória serão destinadas ao respectivo fundo, federal, estadual ou municipal. Mas a eventual inexistência de um fundo municipal não impedirá o acordo, pois neste caso a multa será destinada ao fundo estadual. Do mesmo modo, inexistindo o fundo estadual, haverá destinação do valor ao fiando federal" (SCHMIDT, 2002, p. 116). .

Viégas (2013)VIÉGAS, Rodrigo Nunes. Os descaminhos da "resolução negociada": o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) como forma de tratamento dos conflitos ambientais. 2013. 312 f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. destaca a "eufemização" relacionada à predileção pelos TCAs em comparação aos TACs. Segundo o autor, ao Termo de Compromisso Ambiental não se atribui carga negativa, uma vez que, do nome do instituto, não se conclui pela existência de conduta ilícita por parte daquele que firma o acordo. Ao contrário, pode-se até inferir que se trate de proceder voluntário por parte de um empreendedor. O TCA denotaria uma preocupação com o bem-estar ambiental. Já na hipótese de realização de TAC, a palavra ajustamento apresenta imediata carga negativa, porque facilmente se compreende o fato de haver intervenção de caráter punitivo. Afinal, só se ajusta algo que está errado.

Embora ambos os institutos, TCA e TAC, possuam força de título executivo judicial, apresentam diferenças no tangente à legislação a eles aplicável, responsabilidade pela celebração e prazos. Os títulos executivos são documentos que permitem o uso do Judiciário para determinar sua realização. Tanto no caso de TAC quanto de TCA, não é preciso que um juízo dê uma decisão que diga o que precisa ser feito, a vontade das partes cria obrigação suficiente. Se os acordos chegarem ao Judiciário, podem ser imediatamente executados.

Enquanto os TCAs são celebrados por órgãos ambientais e têm prazo máximo previsto na legislação, cabe ao Ministério Público a celebração e fiscalização dos TACs, aos quais não são aplicados prazos legais, devendo o acordo mencionar prazos para cumprimento das obrigações previstas no documento (LIMA, 2009LIMA, Luiz Henrique Moraes de. O Tribunal de Contas da União e o controle externo da gestão ambiental. 2009. 365 f. Tese (Doutorado em Planejamento Energético) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2009.). Os Termos Compromisso Ambiental (TCAs), previstos na Lei de Crimes Ambientais, tratam de responsabilidade administrativa, enquanto os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), presentes na Lei de Ação Civil Pública, versam sobre responsabilidade civil (NERY, 2017NERY, Ana Luiza. Teoria geral do Termo de Ajustamento de Conduta. 3. ed. rev. atual, e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.). Quando há responsabilização em âmbito administrativo, pode ocorrer perda de licenças ambientais, proibição de participar de licitações, aplicação de multas, apreensão ou destruição de produtos, equipamentos e mercadorias, demolição de obras, entre outras consequências. Já a responsabilidade civil significa a obrigação de reparar todos os danos causados pelo poluidor (MILARÉ, 2018MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 11. ed. rev., atual, e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.).

2.2 Produção de efeitos jurídicos a partir dos termos de ajustamento de conduta

Os autores pesquisados costumam elencar os problemas relacionados à efetiva aplicação de TACs e TCAs. Buscando sistematizar as informações coletadas, elaborou-se o Quadro 1, que permite verificar as questões levantadas em trabalhos publicados entre os anos de 2002 e 2017, a respeito de Termos de Ajustamento de Conduta e Termos de Compromisso Ambiental. Para fins desta discussão e elaboração do levantamento especificamente relacionado aos TACs, constam nos Quadros 1 e 2 somente os documentos que tratam dos TACs.

Quadro 1
Problemas relacionados à produção de efeitos de Termos de Ajustamento de Conduta e trabalhos que os mencionam

Foram analisadas as pesquisas identificadas a partir de consultas aos bancos de dados da Plataforma de Periódicos da CAPES, da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, além de buscadores como Google Acadêmico, SciELO e livros publicados por profissionais da área jurídica. A maior parte das obras produzidas por pesquisadores ligados ao Direito, no entanto, limita-se a aspectos conceituais, a discussões a respeito da natureza jurídica do instituto ou aspectos formais básicos. Os trabalhos voltados à análise de efetividade, em maior parte, foram elaborados por pesquisadores vinculados à Economia, Engenharia Florestal, Agronomia ou Administração.

A fim de superar os entraves identificados, para conferir melhores resultados após a assinatura de TACs, os trabalhos analisados para elaboração desta pesquisa propuseram as medidas sistematizadas no Quadro 2.

Quadro 2
Medidas apontadas para ampliar a produção de efeitos sociais de Termos de Ajustamento de Conduta e trabalhos que as mencionam

No caso do desmatamento em Áreas de Preservação Permanente, Brancalion et al. (2010)BRANCALION, Pedro Henrique Santin; RODRIGUES, Ricardo Ribeiro, GANDOLFI, Sergius; KAGEYAMA, Paulo Yoshio; NAVE, André Gustavo; GANDARA, Flávio Bertin; BARBOSA, Luiz Mauro; TABARELLI. Instrumentos legais podem contribuir para a restauração de florestas tropicais biodiversas. Revista Árvore, Viçosa, v. 34, n. 3, p. 455-70, 2010. definem que o sucesso de processos de restauração florestal pode ser constatado quando haja capacidade de autoperpetuação. Assim, o cumprimento da legislação levaria ao reestabelecimento de serviços ecossistêmicos. Florestas viáveis, autossustentáveis por meio de processos ecológicos independentes de ações humanas e capazes de contribuir para a conservação da biodiversidade seriam o indicativo de ação efetiva de recomposição de danos ambientais.

A realização adequada desse trabalho em APPs localizadas às margens de rios resulta na reconstrução de corredores ecológicos que podem interligar áreas remanescentes isoladas e ampliar o fluxo gênico, auxiliando na manutenção da diversidade biológica. No entanto, para que isso aconteça, é preciso que as características das áreas recompostas e das remanescentes sejam as mais próximas possíveis (BRANCALION et al., 2010BRANCALION, Pedro Henrique Santin; RODRIGUES, Ricardo Ribeiro, GANDOLFI, Sergius; KAGEYAMA, Paulo Yoshio; NAVE, André Gustavo; GANDARA, Flávio Bertin; BARBOSA, Luiz Mauro; TABARELLI. Instrumentos legais podem contribuir para a restauração de florestas tropicais biodiversas. Revista Árvore, Viçosa, v. 34, n. 3, p. 455-70, 2010.).

Para que se atinja esse objetivo, Brancalion et al. (2010)BRANCALION, Pedro Henrique Santin; RODRIGUES, Ricardo Ribeiro, GANDOLFI, Sergius; KAGEYAMA, Paulo Yoshio; NAVE, André Gustavo; GANDARA, Flávio Bertin; BARBOSA, Luiz Mauro; TABARELLI. Instrumentos legais podem contribuir para a restauração de florestas tropicais biodiversas. Revista Árvore, Viçosa, v. 34, n. 3, p. 455-70, 2010. citam algumas recomendações presentes na Resolução n. 8, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo, que orienta ações de recuperação florestal a partir de contribuições recebidas da comunidade científica ao longo dos anos (SÃO PAULO, 2008SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Resolução n. 8, de 7 de março de 2007. Diário Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo, 1 fev. 2008. Disponível em: https://smastrl6.blob.core.windows.net/resolucao/2008/2008_res_est_sma_08.pdf Acesso em: 15 maio 2021.
https://smastrl6.blob.core.windows.net/r...
).

[...] (1) a caracterização do solo, visando criar as condições adequadas para a restauração; (2) o diagnóstico prévio da área visando definir prioridades de restauração baseadas nas características da paisagem regional e particularizar as ações de restauração para cada situação da paisagem, em função da resiliência dessas áreas; (3) a explicitação de outras possíveis metodologias de restauração, que não apenas o plantio de mudas, como a nucleação, a condução da regeneração natural, a semeadura direta etc.; (4) a possibilidade do uso de sistemas agroflorestais, como metodologia de manutenção das áreas em processo de restauração; e (5) o uso de um mínimo de espécies atrativas da fauna e de espécies raras ou ameaçadas de extinção. (BRANCALION et al., 2010, p. 459BRANCALION, Pedro Henrique Santin; RODRIGUES, Ricardo Ribeiro, GANDOLFI, Sergius; KAGEYAMA, Paulo Yoshio; NAVE, André Gustavo; GANDARA, Flávio Bertin; BARBOSA, Luiz Mauro; TABARELLI. Instrumentos legais podem contribuir para a restauração de florestas tropicais biodiversas. Revista Árvore, Viçosa, v. 34, n. 3, p. 455-70, 2010.).

O processo de recomposição do dano ambiental causado às APPs depende de arranjos bastante delicados, uma vez que é necessário verificar aspectos relacionados ao solo, aos agentes polinizadores, ao tempo de declínio de mudas plantadas, à compatibilidade com o ecossistema, entre outros fatores que interferem na capacidade de o sistema sobreviver por si só (BRANCALION et al., 2010BRANCALION, Pedro Henrique Santin; RODRIGUES, Ricardo Ribeiro, GANDOLFI, Sergius; KAGEYAMA, Paulo Yoshio; NAVE, André Gustavo; GANDARA, Flávio Bertin; BARBOSA, Luiz Mauro; TABARELLI. Instrumentos legais podem contribuir para a restauração de florestas tropicais biodiversas. Revista Árvore, Viçosa, v. 34, n. 3, p. 455-70, 2010.). Para que isso ocorra, a literatura propõe a observação e o registro regulares das atividades submetidas a TACs, por profissionais capazes de avaliar se são atingidos indicadores de que as áreas terão capacidade de se autossustentar futuramente. Por meio do monitoramento periódico, é possível verificar se as ações adotadas são suficientes e se há necessidade de definir novas estratégias (LIMA, 2009LIMA, Luiz Henrique Moraes de. O Tribunal de Contas da União e o controle externo da gestão ambiental. 2009. 365 f. Tese (Doutorado em Planejamento Energético) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2009.; BRITO et al., 2011BRITO, Brenda; CARDOSO JUNIOR, Dário; PINTO, Andréia; ADAMS, Moira. Análise de Termos de Ajustamento de Conduta para a recomposição de passivo ambiental de imóveis rurais no Pará. Belém: Imazon, 2011.; WACHHOLZ, 2017WACH HOLZ, Carla Simone. A efetividade do Compromisso de Ajustamento de Conduta na reparação in natura do dano ambiental em Área de Preservação Permanente. 2017. 122 f. Dissertação (Mestrado em Perícias Criminais Ambientais) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.).

Visando discutir a observância de critérios ecológicos na elaboração de TACs para recomposição de APPs degradadas, Wachholz (2017)WACH HOLZ, Carla Simone. A efetividade do Compromisso de Ajustamento de Conduta na reparação in natura do dano ambiental em Área de Preservação Permanente. 2017. 122 f. Dissertação (Mestrado em Perícias Criminais Ambientais) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017. avaliou 129 acordos firmados em Santa Catarina entre os anos de 2012 e 2016. A autora constatou a baixa produção de efeitos dos acordos firmados, uma vez que áreas tidas como restauradas, após a realização dos TACs, estavam, na verdade, muito distantes dos resultados obtidos em igual período (1 a 3 anos) por equipes de pesquisadores que empregaram técnicas adequadas. Após 3 anos, as mudas plantadas não atingiam altura suficiente para sombrear o solo, que estava coberto por gramíneas exóticas.

Na maior parte dos documentos analisados, foi prevista reparação in natura (119 casos), sendo que a técnica de condução da regeneração natural foi proposta em apenas 2 TACs, apesar de ser a menos dispendiosa. A maioria dos acordos estabelecia obrigação de plantio de mudas, porque esse sistema facilitaria o acompanhamento por parte do Ministério Público, além de gerar sentimento de segurança para o compromissário, que consegue rapidamente comprovar a tomada de iniciativa. A mera apresentação de fotos de mudas plantadas, por vezes, serviu para sustentar o cumprimento da obrigação (WACHHOLZ, 2017WACH HOLZ, Carla Simone. A efetividade do Compromisso de Ajustamento de Conduta na reparação in natura do dano ambiental em Área de Preservação Permanente. 2017. 122 f. Dissertação (Mestrado em Perícias Criminais Ambientais) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.).

Em 32 TACs, havia também previsão de indenização, outros 14 documentos previam ações de mitigação, e 8 deles, reparação em local diverso. De acordo com Wachholz (2017)WACH HOLZ, Carla Simone. A efetividade do Compromisso de Ajustamento de Conduta na reparação in natura do dano ambiental em Área de Preservação Permanente. 2017. 122 f. Dissertação (Mestrado em Perícias Criminais Ambientais) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017., a cumulação de medidas dificultaria a fiscalização do cumprimento das obrigações; por esse motivo, dar-se-ia a preferência pela previsão de indenizações, uma vez que basta verificar o depósito do valor junto ao fundo indicado. Contudo, a depender da área e de diagnóstico prévio, seria possível propor técnicas menos onerosas que o plantio e, por vezes, mais eficazes. Diante da ausência de conhecimento técnico nesse sentido por parte dos titulares das promotorias, seria fundamental o apoio de profissionais das áreas de engenharia florestal, biologia, geografia, entre outras (WACHHOLZ, 2017WACH HOLZ, Carla Simone. A efetividade do Compromisso de Ajustamento de Conduta na reparação in natura do dano ambiental em Área de Preservação Permanente. 2017. 122 f. Dissertação (Mestrado em Perícias Criminais Ambientais) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.).

O amparo técnico seria capaz de superar equívocos quanto aos métodos utilizados e quanto ao tempo de execução e monitoramento das obrigações constantes nos TACs. O fato de se realizar o plantio de mudas não basta para assegurar que a área será capaz de se autossustentar e de cumprir sua função ecológica (BRANCALION et al., 2010BRANCALION, Pedro Henrique Santin; RODRIGUES, Ricardo Ribeiro, GANDOLFI, Sergius; KAGEYAMA, Paulo Yoshio; NAVE, André Gustavo; GANDARA, Flávio Bertin; BARBOSA, Luiz Mauro; TABARELLI. Instrumentos legais podem contribuir para a restauração de florestas tropicais biodiversas. Revista Árvore, Viçosa, v. 34, n. 3, p. 455-70, 2010.). É necessária análise do tipo de solo, do grau de degradação, das condições socioeconómicas da região, entre outros aspectos que integram Planos de Recuperação de Áreas Degradadas (PRADs) (WACHHOLZ, 2017WACH HOLZ, Carla Simone. A efetividade do Compromisso de Ajustamento de Conduta na reparação in natura do dano ambiental em Área de Preservação Permanente. 2017. 122 f. Dissertação (Mestrado em Perícias Criminais Ambientais) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.).

3 MATERIAIS E MÉTODOS

3.1 Caracterização da área: o estado de Goiás e a Bacia do Rio Meia Ponte

Goiás é estado composto por 246 municípios que abrigam 6,779 milhões de habitantes. Goiânia, capital do estado, juntamente a outros 19 municípios da região metropolitana, possui 2,494 milhões de habitantes e responde por 40% do Produto Interno Bruto de Goiás (INSTITUTO MAURO BORGES [IMB], 2018aINSTITUTO MAURO BORGES [IMB]. Índice de desempenho dos municípios goianos: IDM - 2018. Goiânia: SEGPLAN, 2018a.). Esta conjuntura, todavia, foi resultado de um processo de integração à economia nacional vinculada às ações do período Vargas, com fito de estimular o mercado interno (IMB, 2017INSTITUTO MAURO BORGES [IMB]. Agropecuária goiana: uma análise em perspectiva histórica. Goiânia: SEGPLAN, 2017.).

Contemporaneamente, Goiás é o 4º maior produtor brasileiro de grãos, participando com 9,05% do total. Os principais produtos agrícolas são soja, sorgo, milho, cana-de-açúcar, feijão, tomate, algodão, ademais de outros. O estado possui o 3º maior rebanho bovino do Brasil, com cerca de 21,9 milhões de cabeças, 10,2% do total nacional. Goiás está em sexto lugar na produção de aves (4,8% do total nacional) e suínos (5% do total nacional), consolidada, principalmente, na região sudoeste do estado.

O estado de Goiás tem 90% de seu território localizado nos limites oficiais do bioma Cerrado, considerado como área prioritária para a conservação da biodiversidade (IMB, 2018a). No centro-sul do estado de Goiás, ocupando 4% da área total, tem-se a região hidrográfica do Paraná, composta por afluentes da margem direita do Rio Paranaíba, onde se localiza o porto de São Simão, utilizado para escoar parte da produção agrícola goiana. Essa região ocupa 10% do território nacional nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, São Paulo, Santa Catarina e no Distrito Federal (ANA, 2015AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS [ANA]. Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil: regiões hidrográficas brasileiras. Brasília: ANA, 2015.; IMB, 2018bINSTITUTO MAURO BORGES [IMB]. Goiás em dados: 2017. Goiânia, SEGPLAN, 2018b.).

A escolha pela bacia do Rio Meia Ponte se faz em razão de sua importância para o abastecimento populacional, mas também pelo fato de ser região em que se registram índices de disponibilidade hídrica inferiores à média histórica desde o ano de 2014. Se se considerar a bacia do Paranaíba, as precipitações acumuladas não superam a média histórica desde 2013 (SECIMA, 2018SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE, RECURSOS HÍDRICOS, INFRAESTRUTURA, CIDADES E ASSUNTOS METROPOLITANOS [SECIMA]. Nota técnica n. 01/2018. Escassez hídrica na bacia do rio Meia Ponte. Goiânia: Secima, 8 fev. 2018.). Ademais, tendo em vista o fato de se tratar de região onde se residem mais de 2,5 milhões de pessoas, o uso por atividades agropecuárias e industriais contribui negativamente na quantidade e na qualidade da água dos mananciais (COMPANHIA SANEAMENTO DE GOIÁS [SANEAGO], 2018COMPANHIA SANEAMENTO DE GOIÁS [SANEAGO]. Nota técnico: relatório de stress hídrico - sistema Meia Ponte. Goiânia: Saneagro, 9 fev. 2018.), que não contam com a proteção das APPs, uma vez que 64% das áreas de preservação permanente estão antropizadas (RAISER, 2019RAISER, João Ricardo. Proposição de diretrizes de segurança hídrica na bacia hidrográfica do Rio Meia Ponte com foco no abastecimento da região metropolitana de Goiânia/Goiás. 2019. 251 f. Dissertação (Mestrado em Rede Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos) - Universidade Estadual Paulista, Ilha Solteira, SP, 2019.).

3.2 Da seleção e análise dos termos de ajustamento de conduta

A partir do mapeamento dos municípios e da identificação daqueles que apresentaram as dez maiores quantidades de crimes ambientais registrados no estado de Goiás, deu-se destaque às cinco promotorias da região da bacia do Rio Meia Ponte com maior quantidade de crimes ambientais registrados entre 2017 e o primeiro semestre de 2019. Os municípios foram agrupados seguindo a divisão feita pelo poder Judiciário estadual e pelo Ministério Público, que separam as cidades em comarcas e promotorias.

A capital foi excluída da pesquisa porque se visa analisar aspectos relacionados ao meio rural. Goiânia, a despeito de ter registrado no período 913 crimes ambientais, apresenta elevado grau de ocupação urbana e problemas atrelados ao adensamento e crescimento desordenado da cidade. Portanto, as informações a respeito não contribuiriam para o encaminhamento da pesquisa. Os mesmos motivos foram determinantes para a desconsideração dos municípios de Aparecida de Goiânia e Senador Canedo. Conforme projeção para o ano de 2020, esses municípios somavam 2.636.000 habitantes (IMB, 2021INSTITUTO MAURO BORGES [IMB]. População estimada total: Goiás - 2020. Goiânia: SEGPLAN, 2021. Disponível em: https://www.imb.go.gov.br/bde/. Acesso em: 13 ago. 2021.
https://www.imb.go.gov.br/bde/...
).

Diante desses dados, foram selecionadas 7 promotorias (Inhumas, Goianira, Morrinhos, Cromínia, Anápolis, Hidrolândia, Itumbiara) para elaboração de uma nova listagem que considerasse os crimes ambientais descritos nos arts. 38 caput, 38, parágrafo único, 38-A, 39, 48 e 50, da Lei de Crimes Ambientais, escolhidos porque são aqueles que, pela redação dos artigos, podem envolver atos cometidos em Áreas de Preservação Permanente.

Art. 38, da Lei de Crimes Ambientais. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: Pena- detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.

Art. 38-A, da Lei de Crimes Ambientais. Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

Pena- detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.

Art. 39, da Lei de Crimes Ambientais. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente:

Pena- detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

[...]

Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:

Pena- detenção, de seis meses a um ano, e multa.

[...]

Art. 50. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação:

Pena- detenção, de três meses a um ano, e multa. (BRASIL, 1998BRASIL. Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 913 fev. 1998.).

O crime descrito no art. 50-A, da Lei de Crimes Ambientais, que consiste em "Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente", não foi registrado pela Secretaria de Segurança Pública de Goiás.

Foram selecionadas as promotorias de Inhumas, Goianira, Morrinhos, Cromínia e Anápolis, uma vez que tiveram a maior quantidade de infrações ambientais pertinentes registradas. Quanto maior o número de problemas, mais expressiva deveria ser a atuação do poder público no sentido de resolver as demandas. Logo, deveria haver maior probabilidade de se encontrar TACs e atos de fiscalização nas cidades vinculadas a essas promotorias.

Após verificar que as promotorias de Cromínia e Inhumas, incluindo seus distritos, não assinaram TACs, decidiu-se por incluir na amostra a promotoria de Itumbiara, município que possuía a maior quantidade de vínculos de emprego no setor agropecuário dentre as cidades pesquisadas e que também integra a pesquisa em razão de sua posição geográfica, uma vez que se trata de município onde se encerra a bacia do Rio Meia Ponte, localizado na porção mais ao sul do estado, e banhado também pelo Rio Paranaíba. Ainda que Anápolis seja município que apresente pequeno quantitativo de trabalhadores rurais, entendeu-se por manter a promotoria na análise desta pesquisa, uma vez que abrange também os municípios de Ouro Verde e Campo Limpo, nos quais há presença marcante de atividades agropecuárias.

OS TACs foram obtidos a partir de contato com as promotorias e acesso ao Portal da Transparência do MPGO (2021), que disponibiliza os documentos firmados e permite a consulta por município. A pesquisa não permite a filtragem por assuntos.

Os documentos identificados foram lidos e analisados conforme os parâmetros estabelecidos a partir da literatura pesquisada. O Quadro 3 sintetiza os casos mapeados e as obrigações assumidas como decorrência da assinatura dos acordos.

Quadro 3
TACs identificados durante a pesquisa, com síntese do caso e das providências requeridas

Realizou-se pesquisa para identificar a existência de processos judiciais que pudessem fornecer mais dados a respeito do cumprimento dos TACs, da atual situação das áreas e da existência de outras demandas que envolvessem a legislação ambiental. A busca retornou cinco processos em que se averiguou a responsabilização criminal dos proprietários pelos danos causados à área.

Tendo em vista o objetivo geral e as hipóteses da pesquisa, propôs-se o uso de imagens de satélite das áreas identificadas nos acordos obtidos junto ao Ministério Público do Estado de Goiás, a fim de verificar o estado em que se encontravam as APPs que foram objeto de acordo no ano de 2021. O Fluxograma abaixo sintetiza a metodologia desenvolvida.

Fluxograma 1
Etapas para seleção de imóveis e realização do imageamento.

A análise por meio de imageamento para monitorar áreas de desmatamento foi sugerida por Carvalho et al. (2019)CARVALHO, William; MUSTIN, Karen; HILÁRIO, Renato; VASCONCELOS, Ivan; EILERS, Vivianne; FEARNSIDE, Philip. Deforestation control in the Brazilian Amazon: a conservation struggle being lost as agreements and regulations are subverted and bypassed. Perspectives in Ecology and Conservation, São Paulo, v. 17, p. 122-30, 2019. como forma de superação dos problemas relacionados à subversão dos objetivos que levaram à realização de compromissos ambientais. Andrade (2019)ANDRADE, Valéria Aparecida David. A legislação ambiental e seus efeitos no controle dos danos ambientais e na recomposição de áreas legalmente protegidas: uma análise no período de 1987-2018 para a região central do estado de São Paulo (Brasil). 2019. 86 f. Tese (Doutorado em Ciências) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, 2019.. também destaca a importância de acompanhamento de áreas onde houve registro de infração ambiental, com intuito de ampliar os efeitos produzidos pela legislação por meio do aprimoramento de instrumentos de fiscalização.

Dos sete imóveis identificados, apenas cinco foram submetidos à etapa de verificação por meio de técnicas de sensoriamento remoto. Ao constatar que os TACs não mencionam as coordenadas geográficas dos imóveis rurais, foi necessário utilizar os sistemas de pesquisa disponíveis para a advocacia goiana, por meio do Processo Judicial Digital (PROJUDI), para identificar a localização dos imóveis. Ainda assim, dois imóveis não foram localizados.

As imagens foram obtidas por meio de consulta à base de dados do Cadastro Ambiental Rural [CAR], o que só foi possível após a identificação das coordenadas nos processos judiciais relacionados aos acordos. Com a localização das áreas, foram feitos os mapas dos imóveis por meio do Google Earth Pro. O software possibilita o acompanhamento das áreas ao longo do tempo, com destaque para as APPs e Reservas Legais, visando comparar as áreas propostas e a vegetação existente no ano de 2021.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Análise dos casos

O primeiro TAC analisado tratou de desvio integral de água de nascente para formação de rego que alimentava piscinas e represas destinadas a lazer, no ano de 2015.

No TCO, os agentes de polícia responsáveis pela investigação mencionaram que a cerca em torno de uma segunda nascente fora retirada do local original a fim de reduzir a APP para apenas 5 metros. Como resultado, o volume de saída da água era 70% menor em relação ao volume de entrada na propriedade.

No TAC, foram previstas obrigações de apresentar termo de outorga do uso da água, protocolo do Cadastro Ambiental Rural (CAR) junto à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e comprovação de cercamento de uma nascente com replantio em APP Observe-se:

CLÁUSULA SEGUNDA

O compromissário assume o compromisso e a responsabilidade na OBRIGAÇÃO DE FAZER consubstanciada no seguinte:

dever de apresentar, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da assinatura do presente termo, a Outorga de Uso D'Água ou dispensa desta, emitida pelo Órgão Ambiental Estadual, bem como o licenciamento ambiental para construção e operação de represa.

Após o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, assinalado no item anterior, o compromissário protocolizará, no prazo de 30 (trinta) dias, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) junto à Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recurso Hídricos, contemplando o cercamento da nascente com a proposta de plantio da Área de Preservação Permanente (APP); devendo apresentar o protocolo nesta Promotoria;

Após o prazo de 24 (vinte e quatro) meses do protocolo do CAR, o compromissário deverá comprovar, nesta Promotoria de Justiça, por meio de relatório fotográfico, o cercamento da nascente e o replantio feito na APP, o qual será vistoriado por Oficiais da Promotoria de Justiça.

A operação policial que efetuou a investigação, de acordo com o processo judicial sobre a responsabilização criminal do proprietário do imóvel, foi motivada pela constatação de redução considerável do volume de água do principal ribeirão que abastecia o município. Diante disso, para que não houvesse disposição do direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e se atendesse à função ecológica da área, seria adequado que a avaliação de cumprimento da obrigação se desse quando da comprovação da retomada de volume aceitável de água na saída do imóvel. Esse ponto indica a falta de capacitação multidisciplinar dos servidores envolvidos na fiscalização (INSTITUTO "O DIREITO POR UM PLANETA VERDE", 2008INSTITUTO "O DIREITO POR UM PLANETA VERDE". Compromisso de ajustamento ambiental: análise e sugestões para aprimoramento. São Paulo: Instituto "O Direito Por Um Planeta Verde", 2008. 108 p. [Coord. Silvia Cappelli].). Se a razão de assinatura dos TACs foi a redução no volume da água, a constatação de retomada do abastecimento regular deveria ser aspecto importante para declarar o cumprimento da legislação.

Contudo, mesmo com a atestada perda de água pela evaporação causada pelo desvio integral de água de uma das nascentes, nem sequer foi mencionada, no TAC, providência alguma no sentido de reduzir ou mitigar o prejuízo. A questão foi superada com a simples apresentação de termo de outorga ou dispensa de outorga de uso da água, o que indica a inexistência de efetivo monitoramento do cumprimento do acordo (LIMA, 2009LIMA, Luiz Henrique Moraes de. O Tribunal de Contas da União e o controle externo da gestão ambiental. 2009. 365 f. Tese (Doutorado em Planejamento Energético) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2009.; BRITO et al. 2011BRITO, Brenda; CARDOSO JUNIOR, Dário; PINTO, Andréia; ADAMS, Moira. Análise de Termos de Ajustamento de Conduta para a recomposição de passivo ambiental de imóveis rurais no Pará. Belém: Imazon, 2011.).

No caso concreto, conforme documentos consultados no processo, em que constavam informações fornecidas por especialista, a dispensa de outorga estaria atrelada ao fato de se tratar de uso insignificante de recursos hídricos, porque, conforme declaração feita pelo interessado e ratificada por engenheiro agrônomo e ambiental, o acúmulo de água não ultrapassava o limite legal de 5.000 m3.

Para orientar o pedido de dispensa de outorga, foi colacionado documento que atestava que o rego d'água tinha 3 metros de comprimento, 40 cm de largura e 4 de profundidade. Contudo, após análise das imagens de satélite, foi possível verificar que o desvio hídrico tinha, na verdade, mais de 200 metros de comprimento e existia no local, pelo menos, desde o ano de 2003.

As informações sobre o desvio do curso d'água foram prestadas pelo proprietário que fora representado por engenheiro agrônomo e ambiental responsável por dar andamento aos procedimentos administrativos junto à Secretaria Estadual de Meio Ambiente.

Diante da notável imprecisão, foi feita pesquisa utilizando o nome completo do engenheiro no sistema de processos eletrônicos do TJGO. Nessa busca, foi localizado processo criminal em andamento por suposto crime de apresentação de documentos falsos ou enganosos em processo de licenciamento ambiental em desfavor do engenheiro que prestou as informações relacionadas ao imóvel. A ausência de neutralidade técnica de profissionais especializados já havia sido levantada por Acselrad, Bezerra e Gaviria (2010)ACSELRAD, Henri; BEZERRA, Gustavo das Neves; GAVIRIA, Edwin Munoz. Inserción económica internacional y "resolución negociada" de conflictos ambientales en América Latina. EURE-Revista Latinoamericana de Estudios Urbano Regionales, Santiago de Chile, v. 36, n. 107, p. 27-47, abr. 2010.. Nesse caso, demonstra-se que o engenheiro contratado pelo compromissário manobrou os dados em claro intuito de apresentar laudo capaz de produzir declaração de cumprimento, sem que fossem realizadas quaisquer ações para recuperação do dano.

As imagens disponíveis no TCO mostram que as bordas do canal são margeadas por coqueiros destinados ao aformoseamento do imóvel. E, considerando-se o fato de as represas estarem cheias, é possível afirmar que, até janeiro de 2021, o desvio permanecia ativo.

Ainda que o objetivo da realização da operação que culminou na fiscalização do imóvel tenha sido a redução no volume de água em trecho da bacia importante para o abastecimento do município, não houve necessário destaque para a permanência do desvio. A modificação realizada pelo compromissário reduz de modo permanente o volume de água da bacia. A única solução adequada para sanar o problema é a cessação do desvio e a retomada do curso regular da água.

A despeito da aparente manutenção da situação de degradação das APPs, as obrigações descritas no TAC foram acompanhadas pela Promotoria e, em 2018, foi atestado o regular cumprimento do acordo. A Promotoria se ocupou de orientar o proprietário do imóvel na obtenção de mudas, identificação da quantidade de indivíduos necessários para a área e forneceu contato de pessoas que poderiam auxiliar no adimplemento. As informações sobre as espécies e quantidades de mudas a serem plantadas foram dadas por técnico vinculado à SANEAGO e pelo diretor técnico da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, após pedido da promotoria.

Após declaração de realização do plantio, oficial da promotoria foi até o imóvel para fiscalizar o cumprimento do TAC. Foram juntadas fotos e lavrado termo de constatação, que informou o integral cumprimento do acordo. Consoante à documentação, foram plantadas 300 mudas e construídos 300 metros de novos cercamentos, motivo pelo qual, no mesmo ano, houve o arquivamento do procedimento administrativo de acompanhamento do TAC.

Quanto ao prazo para cumprimento do TAC, foi mencionada a Resolução do Colégio de Procuradores de Justiça do MPGO, de n. 11/20144 4 A Resolução n. 11/2014 foi revogada em 2018, pela Resolução n. 9. Contudo, o prazo permaneceu inalterado no novo texto. , aplicável na época aos procedimentos administrativos que deveriam ter duração máxima de 1 ano, podendo o período ser prorrogado por decisão fundamentada. No caso, em razão da necessidade de acompanhar o cumprimento da obrigação de replantar árvores na APP, houve prorrogação de 1 ano. O proprietário havia feito o cercamento da área mencionada no TAC, mas ainda aguardava o recebimento de doação de mudas para efetuar o plantio. Por essas razões, o procedimento se estendeu até o ano de 2018.

Ainda assim, ao analisar as imagens de janeiro de 2021 da base de dados do CAR, foram verificadas algumas inconsistências quanto às APPs propostas e aquelas que devem existir às margens de cursos d'água de até 10 m. A Figura 1 apresenta destaque da área que deveria corresponder às APPs e à Reserva legal do imóvel. Como se verifica, até janeiro de 2021, ainda havia APPs de rios de até 10 metros a serem recompostas. A área de Reserva Legal proposta deveria totalizar 13,03 ha ou 20,23% da área do imóvel. As APPs demandariam 1,75 ha de recomposição para que estivessem adequadas à legislação.

Figura 1 (A e B)
Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanentes propostas e a serem recompostas no imóvel 1, em janeiro de 2021

Passados quase 3 anos da declaração de cumprimento do TAC, verifica-se que não houve efetiva recomposição do dano causado à APP, a despeito de haver farta documentação atestando a regularidade do imóvel.

O fato de o estado, por meio do Ministério Público, dos órgãos do SISNAMA e do Judiciário, ter conferido ao proprietário da área os atestados de cumprimento das obrigações ambientais aponta a ineficiência da gestão dos recursos do meio ambiente. No caso 1, tanto em sede de TAC quanto no processo criminal, como em âmbito administrativo, houve declaração do Estado no sentido de assegurar que a área cumpre a legislação ambiental. No entanto, tratando-se, na verdade, de caso de descumprimento, a atuação do poder público dá legitimidade a caso de desrespeito à lei ambiental. Não bastasse, contribui para a percepção de que é mais barato, mais fácil e mais vantajoso descumprir as regras ambientais do que se adequar à previsão legislativa. O caso, portanto, confirma as hipóteses inicialmente propostas e ratifica os levantamentos elaborados pela literatura pesquisada (AZEVEDO et al., 2017AZEVEDO, Andrea Aguiar; RAJÃO, Raoni, COSTA, Marcelo; STABILE, Marcelo; MACEDO, Marcia; REIS, Tiago dos; ALENCAR, Ane; SOARES-FILHO, Britaldo; PACHECO, Rayane. Limits of Brazil's Forest Code as a means to end illegal deforestation. Proceedings of the National Academy of Sciences, [s.l.], v. 114, n. 29, p. 7653-8, Jul. 2017.; CARVALHO et al., 2019CARVALHO, William; MUSTIN, Karen; HILÁRIO, Renato; VASCONCELOS, Ivan; EILERS, Vivianne; FEARNSIDE, Philip. Deforestation control in the Brazilian Amazon: a conservation struggle being lost as agreements and regulations are subverted and bypassed. Perspectives in Ecology and Conservation, São Paulo, v. 17, p. 122-30, 2019.; GARCIA; FONSECA, 2018GARCIA, Luis Carlos; FONSECA, Alberto. The use of administrative sanctions to prevent environmental damage in impact assessment follow-ups. Journal of Environmental Management, [s./.], v. 219, p. 46-55, 2018.; SCHMITT, 2015SCHMITT, Jair. Crime sem castigo: a efetividade da fiscalização ambiental para o controle do desmatamento ilegal na Amazônia. 2015. 188 f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável) - Universidade de Brasília, Brasília, 2015.).

O caso 2 teve origem em notícia anônima direcionada ao Ministério Público. Por esta razão, nãofoi produzida documentação que pudesse ser consultada por meio de acesso ao PROJUDI. Ainda assim, merecem análise as cláusulas que estabelecem a obrigação prevista para o compromissário em virtude do baixo nível de determinabilidade do objeto, requisito essencial para a validade dos contratos (AKAOUI, 2015AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromissso de ajustamento de conduta ambiental. 5. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.; NERY, 2017NERY, Ana Luiza. Teoria geral do Termo de Ajustamento de Conduta. 3. ed. rev. atual, e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.; RODRIGUES, 2013RODRIGUES, Geisa de Assis. O compromisso de ajustamento de conduta na visão dos tribunais superiores. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO AMBIENTAL, 18., Licenciamento, ética e sustentabilidade. São Paulo, 2013. Anais [...]. São Paulo: Instituto "O Direito por um Planeta Verde"; MPSP, 2013. p. 134-153.; TARTUCE, 2019TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das coisas. 11. ed., rev., atual, e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2019.; VENOSA, 2010VENOSA, Silvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2010.).

Observe-se que o TAC se ateve mais à apresentação de documentação do que à efetiva reparação do dano ambiental.

CLÁUSULA PRIMEIRA

O compromissário reconhece que realizou atividade de represamento do Córrego [...] para o fim de irrigação de lavouras, sem a outorga ambiental válida.

CLÁUSULA SEGUNDA

O compromissário assume o compromisso e a responsabilidade na OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER consubstanciada na proibição de causar dano ambiental de qualquer espécie na propriedade localizada no endereço citado na cláusula anterior.

CLÁUSULA TERCEIRA

O compromissário assume o compromisso e a responsabilidade na OBRIGAÇÃO DE FAZER consubstanciada no dever de apresentar a renovação da Outorga de Uso D'Água emitida pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH), no prazo de 90 dias, a contar da assinatura do presente termo, cujo requerimento já foi protocolizada no órgão ambiental [...].

A despeito de haver informações no documento que indicam a destruição de APP utilizada para o plantio de tomates, não há previsão de ação direcionada à sua recuperação. As partes se limitaram a prever obrigação genérica de não causar dano ambiental. Contudo, tal obrigação já decorre da mera existência do sistema jurídico constitucional. Não há necessidade de firmar compromisso para frisar a necessidade de atender ao comando legal. A função do TAC é conferir celeridade à reparação do dano e permitir a rápida tomada de providências em caso de execução.

O estabelecimento de cláusula genérica não produz benefício, conforme já discutido por Ferreira, Simões e Amoras (2017)FERREIRA, Adriana Passos; SIMÕES, Helena Cristina Guimaraes Queiroz; AMORAS, Fernando Castro. Termos de ajustamento de conduta ambiental na Amazônia. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 14, n. 28, p. 167-93, jan./abr. 2017.; é prejudicial, porque a redação não possibilita executar o compromissário para que recomponha a área degradada. O dano sofrido pela APP foi ignorado pelo documento.

Assim como no primeiro caso, há cláusula que destaca a possibilidade de imediata execução do acordo e aplicação de multa diária por descumprimento no valor de um salário mínimo da época, revertido em benefício de fundo municipal do meio ambiente, acrescido de multas e juros. Tal fato atende à necessária fixação de consequências do inadimplemento (INSTITUTO "O DIREITO POR UM PLANETA VERDE", 2008INSTITUTO "O DIREITO POR UM PLANETA VERDE". Compromisso de ajustamento ambiental: análise e sugestões para aprimoramento. São Paulo: Instituto "O Direito Por Um Planeta Verde", 2008. 108 p. [Coord. Silvia Cappelli].). Mas, quando se tem uma obrigação de não fazer genérica (não causar dano ambiental de qualquer espécie) para cumprir a obrigação, basta que o compromissário se mantenha inerte.

O TAC do segundo caso não apresenta número do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), identidade ou endereço completo do compromissário, restringindo-se a indicar o nome da fazenda em que ele reside. Somente dois documentos atenderam à adequada qualificação civil dos signatários (Casos 3 e 5). Ainda assim, os compromissários se declararam solteiros e não há informação de inexistência de vínculos de posse com terceiros.

As coordenadas geográficas do imóvel não foram mencionadas no termo. Tal fato inviabilizou a identificação do local por meio de imagens de satélite. Mesmo após consulta nos cadastros do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), não foi possível identificar o imóvel, uma vez que havia diversas fazendas com a mesma denominação.

Na verdade, a ausência de coordenadas geográficas nos documentos pesquisados ocorreu em todos os TACs. Só foi possível identificar os imóveis nos casos em que havia TCOs. Ao longo das discussões para apuração de responsabilidade criminal, os compromissários juntaram aos autos documentos do CAR, PRADs e laudos que remetiam às coordenadas.

A falta de adequada identificação dos imóveis e vinculação dos TACs às áreas e aos compromissários é elemento que dificulta o acompanhamento dos acordos, porque torna indispensável o deslocamento de servidor até o local, para avaliação de cumprimento das obrigações, o que dificulta ou impede o efetivo monitoramento da área (BRITO et al. 2011BRITO, Brenda; CARDOSO JUNIOR, Dário; PINTO, Andréia; ADAMS, Moira. Análise de Termos de Ajustamento de Conduta para a recomposição de passivo ambiental de imóveis rurais no Pará. Belém: Imazon, 2011.; INSTITUTO "O DIREITO POR UM PLANETA VERDE", 2008INSTITUTO "O DIREITO POR UM PLANETA VERDE". Compromisso de ajustamento ambiental: análise e sugestões para aprimoramento. São Paulo: Instituto "O Direito Por Um Planeta Verde", 2008. 108 p. [Coord. Silvia Cappelli].; LIMA, 2009LIMA, Luiz Henrique Moraes de. O Tribunal de Contas da União e o controle externo da gestão ambiental. 2009. 365 f. Tese (Doutorado em Planejamento Energético) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2009.).

O simples ato de incluir no texto dos acordos as coordenadas geográficas das áreas sujeitas a TACs teria o condão de facilitar a fiscalização dos imóveis. Afinal, a despeito de haver limitações quanto às possibilidades de observação por imageamento, seria menos dispendioso para os cofres públicos verificar as imagens das áreas e, apenas nos casos em que não fosse observada presença de vegetação, promover visitas para avaliação.

A partir de buscas no sistema do TJGO, identificou-se pessoa com o mesmo nome, profissão, mesmo advogado e residente em fazenda de nome idêntico ao mencionado no termo. Diante disso, é bastante possível que se trate da pessoa do compromissário. Ao examinar os processos existentes no CPF localizado, verificou-se que, por algum tempo, o imóvel esteve arrendado a terceiro. A existência de contrato de arrendamento também foi notada no caso de n. 6.

Essas informações são indispensáveis para a identificação do responsável pelo cumprimento das obrigações estabelecidas no TAC, sobretudo porque, por meio delas, é possível localizar outros indivíduos passíveis de responsabilização solidária por danos causados ao meio ambiente. Mesmo que a terra seja utilizada por terceiro, permanece a responsabilidade do proprietário pelas ações de possuidor. E, ainda que eventual arrendatário ou parceiro não tenha sido o realizador do desmatamento, se o contratante se aproveita de APP já degradada para desenvolver suas atividades, é possível que conste no processo como responsável solidário pelo dano ambiental (CAHALI, 2014CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: mediação; conciliação; Resolução CNJ 125/2010.4. ed. rev., atual., ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.; TARTUCE, 2019TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das coisas. 11. ed., rev., atual, e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2019.).

A responsabilidade solidária também pode ocorrer quando se tem, por exemplo, pessoas casadas ou conviventes em união estável que, pelo simples fato de não aderirem ao regime de separação absoluta de bens, permitem estender a busca de responsabilização pela má gestão dos bens difusos a cônjuges e companheiros dos indivíduos que firmam o acordo (TARTUCE, 2019TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das coisas. 11. ed., rev., atual, e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2019.; VENOSA, 2010VENOSA, Silvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2010.). Nenhum dos TACs que recaíam sobre imóveis pertencentes a pessoas casadas (casos 1, 4, 5, 6 e 7) mencionou informações de cônjuges.

A adequada qualificação das partes facilita não apenas a identificação dos responsáveis pelos danos ambientais, mas serve para coibir minimamente tentativas de ocultação de patrimônio em casos de execução. Diante do descumprimento do TAC por pessoa casada ou convivente em união estável, a simples inclusão de cônjuge ou companheiro no polo passivo da demanda, quando da propositura da ação, economiza longos meses de andamentos processuais.

O envolvimento daqueles que exerçam a posse direta e a utilização da terra em suas atividades econômicas pode também contribuir para a redução da sensação de impunidade e para ampliar a noção de que há outros benefícios econômicos no cumprimento da legislação ademais do não pagamento de multas, conforme discutido por Schmitt (2015)SCHMITT, Jair. Crime sem castigo: a efetividade da fiscalização ambiental para o controle do desmatamento ilegal na Amazônia. 2015. 188 f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável) - Universidade de Brasília, Brasília, 2015.. O conhecimento amplo por parte de interessados em arrendar imóvel, da possibilidade de sofrer sanções decorrentes de desobediência à legislação, pode se converter em fator de dissuasão do descumprimento da legislação ambiental e auxiliar na cobrança por providências no sentido de cumprir o acordo.

O caso 3 foi o único a apresentar nível aceitável de determinabilidade do objeto e a indicar a existência de mais de uma forma de restauração, exigindo, ainda, a apresentação de PRAD e de cronograma para recuperação da área degradada, como destacado por Wachholz (2017)WACH HOLZ, Carla Simone. A efetividade do Compromisso de Ajustamento de Conduta na reparação in natura do dano ambiental em Área de Preservação Permanente. 2017. 122 f. Dissertação (Mestrado em Perícias Criminais Ambientais) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.. Ainda assim, ao analisar as imagens do local em janeiro de 2021 (Figura 2), é possível constatar que os desvios que motivaram a atividade policial permanecem ativos e não houve, nos termos do TAC, "[...] recuperação de toda a área degradada".

Figura 2 (A e B)
Reserva Legal averbada (polígono roxo) e proposta de recomposição de APPs e Reserva Legal no imóvel 3, em janeiro de 2021

A partir do banco de imagens do CAR, verificou-se a existência de dissonância entre a Reserva Legal averbada e a área de recomposição proposta.

Na Figura 2, o polígono roxo corresponde à área averbada como Reserva Legal. O espaço deveria corresponder a 10,2 ha de vegetação nativa. Para regularizar a situação da área, adequando-a à legislação ambiental, seria necessário, no mínimo, recuperar o polígono marcado na parte inferior da Figura 2 com a cor cinza. Assim, a área protegida corresponderia a 18,98 ha, em lugar dos 7,72 ha existentes em janeiro de 2021.

Passados 6 anos desde a assinatura do TAC que consignou a obrigação de recuperar toda a área degradada, ainda havia quantitativo inferior à metade do espaço mínimo necessário para adequação à legislação ambiental.

4.2 Considerações gerais sobre os documentos analisados

Não há registros de execução de quaisquer dos acordos no sistema de processos do Poder Judiciário de Goiás, o que permite concluir que, pelo menos nos casos anteriores a 2020, foi considerado o integral cumprimento dos acordos.

Todos os documentos contavam com o registro de data da assinatura do compromisso. Apenas no caso n. 7 deixou-se de colher a assinatura de duas testemunhas. A despeito disso, notou-se a falta de atenção a requisitos formais que não haviam sido considerados pela literatura especializada (INSTITUTO "O DIREITO POR UM PLANETA VERDE", 2008INSTITUTO "O DIREITO POR UM PLANETA VERDE". Compromisso de ajustamento ambiental: análise e sugestões para aprimoramento. São Paulo: Instituto "O Direito Por Um Planeta Verde", 2008. 108 p. [Coord. Silvia Cappelli].; BRITO et al., 2011BRITO, Brenda; CARDOSO JUNIOR, Dário; PINTO, Andréia; ADAMS, Moira. Análise de Termos de Ajustamento de Conduta para a recomposição de passivo ambiental de imóveis rurais no Pará. Belém: Imazon, 2011.), como a insuficiente qualificação das partes.

Nenhum dos TACs se dedicou a informar a matrícula dos imóveis ou a requerer registro da realização do acordo na certidão dos bens, como sugerido por Galiotto (2018)GALIOTTO, Rubiane. A contribuição do Termo de Ajustamento de Conduta - TAC na mitigação do dano ambiental: O caso prático dos corredores ecológicos da bacia hidrográfica do Rio Taquari-Antas. 2018. 130 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Jurídicas, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2018.. Também não há previsão de ações de educação ambiental voltadas à prevenção, nem de realização de audiências públicas (VIÉGAS, 2013VIÉGAS, Rodrigo Nunes. Os descaminhos da "resolução negociada": o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) como forma de tratamento dos conflitos ambientais. 2013. 312 f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.). Tal fato indica inexistência de sistema que vincule o acordo ao produtor rural ou ao imóvel (INSTITUTO "O DIREITO POR UM PLANETA VERDE", 2008INSTITUTO "O DIREITO POR UM PLANETA VERDE". Compromisso de ajustamento ambiental: análise e sugestões para aprimoramento. São Paulo: Instituto "O Direito Por Um Planeta Verde", 2008. 108 p. [Coord. Silvia Cappelli].) e a desconsideração de ações educativas voltadas à prevenção (SCHMIDT, 2002SCHMIDT, Larissa. Análise crítico do termo de ajustamento de conduta no direito ambiental brasileiro. 2002. 150 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002.).

Quanto ao prazo de vigência dos acordos, no entanto, desde 2014, Resolução do Colégio de Procuradores de Justiça do MPGO, de n. 115 5 A Resolução n. 11/2014 foi revogada em 2018, pela Resolução n. 9. Contudo, o prazo permaneceu inalterado. , informava que os procedimentos administrativos devem ter duração máxima de 1 ano, podendo ser prorrogados por decisão fundamentada. Por isso, considera-se a existência de padronização dos prazos de vigência em todos os documentos analisados, atendendo ao que dispõe a literatura, no que tange à existência de procedimentos e prazos definidos para cumprimento das obrigações (BRITO et ol. 2011BRITO, Brenda; CARDOSO JUNIOR, Dário; PINTO, Andréia; ADAMS, Moira. Análise de Termos de Ajustamento de Conduta para a recomposição de passivo ambiental de imóveis rurais no Pará. Belém: Imazon, 2011.; INSTITUTO "O DIREITO POR UM PLANETA VERDE", 2008INSTITUTO "O DIREITO POR UM PLANETA VERDE". Compromisso de ajustamento ambiental: análise e sugestões para aprimoramento. São Paulo: Instituto "O Direito Por Um Planeta Verde", 2008. 108 p. [Coord. Silvia Cappelli].). Mas, como já discutido por Wachholz (2017)WACH HOLZ, Carla Simone. A efetividade do Compromisso de Ajustamento de Conduta na reparação in natura do dano ambiental em Área de Preservação Permanente. 2017. 122 f. Dissertação (Mestrado em Perícias Criminais Ambientais) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017., a fixação do prazo deveria considerar o tipo de técnica a ser utilizada na recuperação da área. Contudo, entre os casos analisados, não houve previsão de uso de estratégia além do mero plantio de mudas.

A atuação do Ministério Público, por meio da elaboração e fiscalização dos TACs, não produz efeitos sensíveis quanto ao cumprimento da função ecológica das APPs. Mas, para além disso, enquanto representante do Estado, o MP não promove gestão ambiental eficiente, descumprindo seu papel institucional e conferindo aparência de legalidade a situações de desrespeito à legislação.

Como resultado prático da presente pesquisa, para que os TACs elaborados pelo MP contemplem requisitos formais e de conteúdo necessários a promover a recuperação de APPs rurais degradadas e possam, em caso de descumprimento, ser executados, propõe-se o checklist expresso no Quadro 4.

Quadro 4
Checklist para elaboração de TACs que envolvam meio ambiente

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após realizar análise dos resultados obtidos a partir dos TACs que envolvem APPs rurais em municípios que compõem a Bacia do Rio Meia Ponte, conclui-se pela confirmação das hipóteses inicialmente propostas.

A primeira hipótese confirmada indica que os TACs não são efetivos na proteção ambiental no que tange à recomposição de APPs rurais degradadas, porque seu cumprimento não implica a retomada da função ecológica de APPs rurais.

A segunda hipótese confirmada aponta que o Estado, por meio da atuação do Ministério Público, não realiza gestão ambiental eficiente quando da elaboração e da fiscalização do cumprimento dos TACs, o que consolida situações de degradação de APPs e prejudica mananciais de água.

Os documentos avaliados apresentaram falhas quanto à qualificação e menção de partes envolvidas, olvidando-se de informações relevantes, como a presença de cônjuges, companheiros, sócios, arrendatários, parceiros e outras pessoas que podem ser responsabilizadas por eventuais danos. E nem mesmo um dos acordos avaliados se demonstrou suficiente para que se atingisse o objetivo de recuperação das APPs.

Em alguns casos, foi impossível localizar as áreas para verificação. A falta de informação quanto às coordenadas geográficas e à matrícula dos imóveis impede o acompanhamento dos resultados por meio de imageamento e obriga a realização de diligências nos locais. Num dos casos, a fiscalização pelo MPGO foi obstada, porque o imóvel se encontrava fechado.

Foram identificadas cláusulas abertas e obrigações de difícil ou impossível cobrança em juízo, por se tratarem de obrigações genéricas de não fazer. A preferência pelo cercamento e plantio de mudas ignora técnicas, por vezes, mais adequadas e baratas de recomposição das APPs.

Além disso, as razões que orientaram as ações de fiscalização não produzem reflexos práticos no texto dos acordos finais, uma vez que as condutas lesivas permaneceram esquecidas pelos compromissários e acabaram legalizadas por meio da documentação produzida.

Os TACs desconsideram o papel das APPs na proteção de mananciais de água, a capacidade financeira dos compromissários, casos de reincidência e vinculação de multas e penalidades a casos de responsabilidade ambiental.

Apesar de o Ministério Público ter como papel institucional a tarefa de zelar pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado e ser um dos legitimados a propor Ação Civil Pública direcionada a recomposição do dano ambiental, o foco dos representantes do MP nos casos analisados indica maior preocupação com a conjuntura documental das áreas do que com o cumprimento de sua função ecológica.

O Ministério Público, seja por falta de conhecimento a respeito de técnicas que garantam o cumprimento da função ecológica, seja por ausência de pessoal disponível para fiscalização ou até pelo acúmulo de trabalho das promotorias, confere valor quase absoluto à apresentação de documentação que ateste a regularização do imóvel.

O Estado, por meio da atuação do Ministério Público, não realiza gestão ambiental eficiente quando da elaboração e da fiscalização do cumprimento dos TACs, o que consolida situações de degradação de APPs e prejudica mananciais de água, como informava a segunda hipótese da pesquisa.

As diversas indicações de aperfeiçoamento dos TACs dadas pela vasta literatura produzida são ignoradas pelas promotorias. E, sendo a eficiência um princípio básico da administração pública, não é possível que esse tipo de comportamento persista. A identificação das razões que orientam os representantes do Ministério Público no momento da elaboração dos TACs constitui limitação desta pesquisa.

A impossibilidade de contato ocasionada pela pandemia de covid-19, entre 2020 e 2021, impediu a visitação às Promotorias e dificultou o acesso aos servidores. Por esse motivo, não foram feitas entrevistas com os promotores e promotoras a fim de verificar os motivos que conduzem esses profissionais a participar da elaboração de um TAC, os critérios utilizados para estabelecer as obrigações e sua percepção acerca da utilidade do instituto.

Ainda no contexto gerado pela pandemia, de isolamento social e de manutenção da segurança pessoal dos pesquisadores, foram obstados os planos de visitação aos imóveis para avaliação da vegetação existente em áreas de recomposição. O contato com produtores rurais, com intuito de avaliar sua percepção a respeito dos TACs, o conhecimento das técnicas de recomposição de danos e do papel ecológico desempenhado pelas APPs, também é uma lacuna desta pesquisa.

Mesmo em cenário de crise hídrica persistente, de mudanças climáticas e de necessidade de gestão eficiente para produção de alimentos, foram identificados números decrescentes de inquéritos civis públicos. Tal fato pode indicar que também foram reduzidas as ações de fiscalização. A hipótese não foi objeto de análise desta pesquisa. Mas, diante das mudanças realizadas pelo governo federal a partir de 2019, é possível que o panorama de fiscalizações tenha piorado também dentro do MP.

Os TACs analisados permitem questionar a eficiência do órgão ministerial e do próprio Estado, em seu papel constitucional de guarda do meio ambiente. Como instituição criada para zelar pelos direitos difusos, há necessidade de implementar rotinas que permitam resultados. De outro modo, os brasileiros estão sustentando estrutura que não lhes aproveita, enquanto o MP dedica seus esforços a trabalho que serve apenas para escamotear o caos na gestão ambiental. Se a permanência dos TACs e do MP no sistema jurídico brasileiro servir apenas para regularizar casos de degradação ambiental, melhor seria abandonar o instituto e atribuir a tarefa de fiscalização e guarda do meio ambiente ao SISNAMA.

  • 3
    "No caso de ser firmado termo de compromisso com algum dos órgãos do SISNAMA, tanto o valor a ser recolhido a título de recomposição, como eventual multa cominatória serão destinadas ao respectivo fundo, federal, estadual ou municipal. Mas a eventual inexistência de um fundo municipal não impedirá o acordo, pois neste caso a multa será destinada ao fundo estadual. Do mesmo modo, inexistindo o fundo estadual, haverá destinação do valor ao fiando federal" (SCHMIDT, 2002, p. 116SCHMIDT, Larissa. Análise crítico do termo de ajustamento de conduta no direito ambiental brasileiro. 2002. 150 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002.).
  • 4
    A Resolução n. 11/2014 foi revogada em 2018, pela Resolução n. 9. Contudo, o prazo permaneceu inalterado no novo texto.
  • 5
    A Resolução n. 11/2014 foi revogada em 2018, pela Resolução n. 9. Contudo, o prazo permaneceu inalterado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2021
  • Revisado
    29 Abr 2022
  • Aceito
    16 Maio 2022
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