Acessibilidade / Reportar erro

Dos efeitos à constatação dos usos da pornografia pela audiência

De los efectos a la verificación de los usos de la pornografía por parte de la audiencia

Resumo

Sites de acesso à pornografia chegam a receber 75 milhões de visitas diárias e as tecnologias digitais fizeram do conteúdo sexual explícito mais visível e acessível do que nunca. Seu intenso consumo reavivou o interesse de pesquisadores pelo entendimento do que justificaria a procura e a exposição da audiência à pornografia, bem como seus possíveis efeitos, isso porque conceber tais relações têm consequências diretas na regulação e normatização da sua produção e circulação. Nesse sentido, nosso trabalho de pesquisa buscou compreender as motivações, os usos da audiência da pornografia, por meio de uma revisão de literatura que privilegiou a abordagem do tema pela tradição teórica de Usos e Gratificações. Além de explicitar nossos achados principais: (i) manipulação de reações fisiológicas; (ii) interação social; e (iii) autoconhecimento; estabelecemos teoricamente as relações entre as motivações de uso e os possíveis efeitos da pornografia sobre seus usuários.

Palavras-chave
Audiência da pornografia; Usos e Gratificações; Efeitos comportamentais; Revisão de literatura

Resumen

Según los estudios, los sitios que acceden a la pornografía reciben hasta 75 millones de visitas diarias y las tecnologías digitales han hecho que el contenido sexual explícito sea más visible y accesible. Su intenso consumo revivieron el interés de los investigadores por comprender qué justificaría la demanda y la exposición de la audiencia a la pornografía, así como sus posibles efectos, porque concebir tales relaciones tienen consecuencias directas en la regulación y estandarización de su producción y circulación. En este sentido, nuestro trabajo de investigación buscó comprender las motivaciones, los usos de la audiencia de pornografía por medio de una revisión de literatura que privilegió el enfoque del tema por la tradición teórica de Usos y Gratificaciones. Además de explicar nuestros principales hallazgos: (i) manipulación de reacciones fisiológicas; (ii) interacción social; y (iii) autoconocimiento, establecimos teóricamente la relación entre las motivaciones para el uso y los posibles efectos de la pornografía en sus usuarios.

Palabras clave
Audiencia pornográfica; Usos y Gratificaciones; Efectos en el comportamiento; Revisión de literatura

Abstract

Pornography sites receive up to 75 million daily visits and digital technologies have made explicit sexual content more visible and accessible than ever before. Its intense consumption revived the interest of researchers in understanding what would justify the audience’s demand for pornography, as well as its possible effects, because, conceiving such relationships have direct consequences in the regulation and standardization of their production and circulation. In this sense, we seek to understand the motivations, the uses of the pornography by the audience, through a literature review that privileged the approach of the theoretical tradition of Uses and Gratifications. It also sought to expose our main findings: (i) manipulation of physiological reactions; (ii) social interaction; and (iii) self-awareness. In the end, we theoretically established the relationships between the uses and the possible effects of pornography on its users.

Keywords
Pornography audience; Uses and Gratifications; Behavioral effects; Literature review

Introdução

A indústria de conteúdos pornográficos se expandiu e se consolidou nas plataformas digitais. Segundo a Paranashop (NÚMEROS..., 2022NÚMEROS da Indústria pornô superam sites como CNN, Netflix e Twitter. Geral. 2022. Paranashop. Disponível em: https://paranashop.com.br/2022/01/numeros-da-industria-porno-superam-sites-como-cnn-netflix-e-twitter. Acesso em: 22 mar. 2022.
https://paranashop.com.br/2022/01/numero...
), essa indústria tem receitas mais volumosas que a Major League Baseball (MLB), a National Football League (NFL) e a National Basketball Association (NBA) juntas. A MindGeek, empresa que controla os websites Pornhub, Brazzers, YouPorn e RealityKings, está entre as três empresas com maior consumo de banda larga no mundo, junto com Google e Netflix. A Xvideos, por sua vez, é maior que CNN, Dropbox e New York Times juntos, já a Pornhub tem mais acessos mensais do que Amazon, Netflix e Twitter.

No estudo produzido pela Quantas Pesquisas e Estudos de Mercado nos anos de 2016 e 2017, a pedido do canal a cabo Sexy Hot, para traçar um perfil de quem consome pornografia no país, foi averiguado que 22 milhões de pessoas consomem pornografia no Brasil (MURARO, 2020MURARO, C. 22 milhões de brasileiros assumem consumir pornografia e 76% são homens, diz pesquisa. G1, [S. l.]. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/22-milhoes-de-brasileiros-assumem-consumirpornografia-e-76-sao-homens-diz-pesquisa.ghtml. Acesso em: 1 jan. 2020.
https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/22...
). De fato, as tecnologias facilitaram o acesso aos conteúdos sexuais, com sua distribuição privilegiada por meio da internet e seu largo consumo, os conteúdos pornográficos se destacam e nos incitam a descortinar os motivos que impulsionam o comportamento de busca desse conteúdo em particular.

De início, é importante destacar o consenso sobre a caracterização do gênero pornográfico. Ele é no geral tomado como qualquer material produzido com a finalidade de despertar sexualmente o público (ASHTON; McDONALD; KIRKMAN, 2017ASHTON, S.; McDONALD, K.; KIRKMAN, M. Women’s experiences of pornography: A systematic review of research using qualitative methods. The Journal of Sex Research, v. 55, n. 3, p. 1-14, 2017.) ou provocar a liberação sexual do consumidor (LEVINSON, 2005LEVINSON, J. Erotic art and pornographic pictures. Project Muse: Philosophy and Literature, v. 29, n. 1, p. 228-240, 2005.). Tal noção dos efeitos ocasionados em seus usuários, decorridos da clara intenção voluntária de consumo, expande-se com o desenvolvimento de novas pesquisas dedicadas ao tema dentro da área da Psicologia, Psicossociologia, Antropologia, Saúde, Comunicação Social, e ecoa, eventualmente, em marcos regulatórios que normatizam a sua produção e circulação.

O tema repercute, sobretudo, na saúde pública. O amadurecimento do seu estudo em termos de número, amostragem, medidas e sofisticação de análise começa a documentar o efeito da pornografia no desenvolvimento individual e seu bem e mal-estar (CARROLL et al., 2016CARROLL, J. S. et al. The porn gap: differences in men’s and women’s pornography patterns in couple relationship. Journal of Couple & Relationship Therapy, v. 16, n. 2, p. 1-18, 2016.). Estudos descobriram que taxas mais altas do uso da pornografia estão associadas a níveis de depressão entre homens (BRIDGES; MOROKOFF, 2011BRIDGES, A. J.; MOROKOF, P. J. Sexual media use and relational satisfaction in heterosexual couples. Personal Relationships, n. 18, p. 562-585, 2011.). Há também alguma associação do conteúdo com o desenvolvimento de comportamentos violentos, abuso infantil, compulsão, objetificação das mulheres (ATTWOOD, 2005ATTWOOD, F. What do people do with porn? Qualitative research into the consumption, use and experience of pornography and other sexually explicit media. Sexuality & Culture, v. 9, n. 2, p. 65-86, 2005.). Agressividade relacional, menos comunicação positiva, menor interesse pelo parceiro e menor estabilidade afetiva são também suportados (CARROLL et al., 2016CARROLL, J. S. et al. The porn gap: differences in men’s and women’s pornography patterns in couple relationship. Journal of Couple & Relationship Therapy, v. 16, n. 2, p. 1-18, 2016.; SCHNEIDER, 2002SCHNEIDER, J. P. Effects of cybersex problems on the spouse and family. In: COOPER, A. (ed.) Sex and the Internet: A guidebook for clinicians. New York, 2002. p. 169-186.; ZILLMANN; BRYANT, 1988ZILLMANN, D.; BRYANT, J. Pornography’s impact to sexual satisfaction. Journal of Applied Social Psychology, n. 18, p. 438-453, 1988.).

Para além de uma insatisfação geral dentro do relacionamento (MADDOX; RHOADES; MARKMAN, 2009MADDOX, A. M.; RHOADES, G. K.; MARKMAN, H. J. Viewing sexually-explicit materials alone or together: associations with relationship quality. Archives of Sexual Behavior, n. 40, p. 441-448, 2009.; YUCEL; GASSANOV, 2010YUCEL, D.; GASSANOV, M. A. Exploring actor and partner correlates of sexual satisfaction among married couples. Social Science Research, n. 39, p. 725-738, 2010.), é possível haver associações entre pornografia e sexo extraconjugal, bem como maior taxa de uso de sexo pago (STACK; WASSERMAN; KERN, 2004STACK, S.; WASSERMAN, I.; KERN, R. Adult social bonds and use of Internet pornography. Social Science Quarterly, n. 85, n. 1, p. 75-88, 2004.). Para Sinkovic, Stulhofer e Bozic (2012)SINKOVIC, M.; STULHOFER, A.; BOZIC, J. Revisiting the association between pornography use and risky sexual behaviors: The role of early exposure to pornography and sexual sensation seeking. Journal of Sex Research, n. 50, p. 633-341, 2012., há maior engajamento em comportamentos sexuais de risco.

Há quem diga que a pornografia pode aumentar a pressão que as mulheres sentem em participar e realizar diferentes atos sexuais representados, bem como o desenvolvimento de baixa estima corporal (ALBRIGHT, 2008ALBRIGHT, J. Sex in America online: an exploration of sex, marital status and sexual identity in internet sex seeking and its impact. Journal of Sex Research, v. 45, n. 2, p. 175-186, 2008.; CAVAGLION; RASHTY, 2010CAVAGLION, G.; RASHTY, E. Narratives of suffering among italian female partners of cybersex and cyber-porn dependents. Sexual Addiction an Compulsivity, v. 17, p. 270-287, 2010.; BENJAMIN; TLUSTEN, 2010BENJAMIN, O.; TLUSTEN, D. Intimacy and/or degradation: heterosexual images of togertherness and women’s embracement of pornography. Sexualities, v. 13, p. 599-623, 2010.; MATTEBO et al., 2012MATTEBO, M. et al. Hercules and Barbie? Reflections on the influence of pornography and its spread in the media and society in groups of adolescents in Sweden. European Journal of Contraception and Reproductive Health Care, v. 17, p. 40-49, 2012.; ROTHMAN et al., 2015ROTHMAN, E. F. et al. Without porn... I wouldn’t know half the things I know now: a qualitative study of pornography use among a sample of urban, low-income, black and hispanic youth. Journal of Sex Research, v. 52, n. 7, p. 736-746, 2015.; SHAW, 2010SHAW, S. Men’s leisure, women’s lives: The impact of pornography on women’s lives. Leisure Studies, v. 18, n. 3, p. 197-212, 2010.; PENNY; PARRY, 2016PENNY L. T.; PARRY, D. C. Normalizing dark desires? The medicalization of sex and women’s consumption of pornography. In: BRUNSKELL-EVANS, H. (ed). Performing sexual liberation: the construction of the sexual body and the medical authority of pornography. Cambridge Scholars Publishing, 2016. p. 81-94.). Isso se daria porque as imagens sexualizadas dos corpos femininos são particularmente selecionadas, projetando uma beleza sexualmente desejável e padronizada pela mídia. Tal expressão sustenta um padrão altamente restritivo, impactando negativamente as mulheres que se sentem comparativamente feias e inseguras em relação ao próprio corpo.

Mais estudos comprovam a associação entre pornografia e o aumento significativo de disfunção erétil e desempenho sexual em homens com menos de 40 anos (DISFUNÇÃO ERÉTIL..., 2019DISFUNÇÃO ERÉTIL e consumo de pornografia: a relação é comprovada. VEJA, [S. l.]. Disponível em: https://veja.abril.com.br/saude/disfuncao-eretil-em-jovens-esta-associada-ao-alto-consumo-de-pornografia/. Acesso em: 1 jan. 2020.
https://veja.abril.com.br/saude/disfunca...
, online). Essa patologia se estabeleceria pela dificuldade de desenvolver relações românticas, uma vez que a principal fonte de educação sexual viria de um cenário distorcido que não representa a realidade. Indivíduos que usam conteúdo pornográfico para se masturbar estariam habituados a ter o controle total da própria experiência sexual e, assim, não estariam adaptados às condições importantes na relação sexual a dois, com as necessidades de um parceiro real e o seu papel dentro da relação sexual. “Se os jovens acreditam que a pornografia online oferece uma visão realista das relações sexuais, isso pode levar a expectativas inadequadas sobre as mulheres e as relações de verdade” (DISFUNÇÃO ERÉTIL..., 2019DISFUNÇÃO ERÉTIL e consumo de pornografia: a relação é comprovada. VEJA, [S. l.]. Disponível em: https://veja.abril.com.br/saude/disfuncao-eretil-em-jovens-esta-associada-ao-alto-consumo-de-pornografia/. Acesso em: 1 jan. 2020.
https://veja.abril.com.br/saude/disfunca...
, online).

Quanto ao uso da pornografia dentro de um contexto relacional, observamos sentimentos negativos entre os parceiros românticos, como ciúmes, incômodo, sentimentos de traição e deslealdade (GROV et al., 2011GROV, C. et al. Perceived consequences of casual online sexual activities on heterosexual relationship: a U.S. online survey. Archives of Sexual Behavior, n. 40, p. 429-439, 2011.), e outras associações negativas com relação à satisfação sexual dentro de um relacionamento amoroso (MADDOX; RHOADES; MARKMAN, 2009MADDOX, A. M.; RHOADES, G. K.; MARKMAN, H. J. Viewing sexually-explicit materials alone or together: associations with relationship quality. Archives of Sexual Behavior, n. 40, p. 441-448, 2009.; YUCEL; GASSANOV, 2010YUCEL, D.; GASSANOV, M. A. Exploring actor and partner correlates of sexual satisfaction among married couples. Social Science Research, n. 39, p. 725-738, 2010.). Contudo, esses estudos são parcialmente contrariados por pesquisas que descobriram que o efeito da pornografia pode estar relacionado ao aumento do conhecimento sexual e à abertura dos indivíduos para uma vida sexual mais plena (LOFGREN-MARTENSON; MANSSON, 2010LOFGREN-MARTENSON, L.; MANDSSON, S. L. Love and life: a qualitative study of swedish adolescent’s perceptions and experiences with pornography. Journal of Sex Research, n. 47, p. 568-579, 2010.; WEINBERG et al., 2010WEINBERG, M. S. et al. Pornography, normalization and empowerment. Archives of Sexual Behavior, n. 39, p. 1389-1401, 2010.; PALAC, 1998PALAC, L. On the edge of the bed: how dirty pictures changed my life. Boston: Little, Brown and Company, 1998.). Nesse sentido, vimos mulheres ganharem maior aceitação de sua sexualidade, de seus corpos e de seus desejos sexuais por assistir pornografia (CHOWKHANI, 2016CHOWKHANI, K. Pleasure, bodies and risk: women’s viewership of pornography in urban India. Porn Studies, v. 3, n. 4, p. 443-452, 2016.), bem como vimos homens mais conscientes dos seus interesses e engajados no aprendizado das necessidades do prazer sexual feminino (LOFTUS, 2002LOFTUS, D. Watching sex: how men really respond to pornography. New York: Thunder’s Mouth Press, 2002.).

O impacto positivo da pornografia sobre a dinâmica de casal também é estabelecido, como o aumento da qualidade e frequência sexual, proporcionado pelo clima erótico mais diversificado dos conteúdos pornográficos (DANEBACK; TRAEN; MANSSON, 2009DANEBACK, K.; TRAEN, B.; MANSSON, S. A. Use of pornography in a random sample of Norwegian heterossexual couples. Archives of Sexual Behavior, n. 38, p. 746-753, 2009.; HALD; MALUMUTH, 2008HALD, G. M.; MALAMUTH, N. M. Selfie-perceived effects of pornography consumption. Archives of Sexual Behavior, n. 37, p. 614-625, 2008.; GROV et al., 2011GROV, C. et al. Perceived consequences of casual online sexual activities on heterosexual relationship: a U.S. online survey. Archives of Sexual Behavior, n. 40, p. 429-439, 2011.). Quando assistida com os parceiros, a pornografia é associada a menor taxa de tédio da vida sexual do casal. Parceiros que veem pornografia juntos relatam ser mais fácil discutir sua sexualidade, desejos e fantasias um com o outro (DANEBACK; TRAEN; MANSSON, 2009DANEBACK, K.; TRAEN, B.; MANSSON, S. A. Use of pornography in a random sample of Norwegian heterossexual couples. Archives of Sexual Behavior, n. 38, p. 746-753, 2009.; BEJAMIN; TLUSTEN, 2010BENJAMIN, O.; TLUSTEN, D. Intimacy and/or degradation: heterosexual images of togertherness and women’s embracement of pornography. Sexualities, v. 13, p. 599-623, 2010.; WANG; DAVIDSON, 2006WANG, B.; DAVIDSON, P. Sex, lies and videos in rural China: a qualitative study of women’s sexual debut risky sexual behavior. Journal of Sex Research, v. 43, n. 3, p. 227-235, 2006.), tendo seus relacionamentos sexuais melhorados porque descobrem o que mais agrada a si e ao outro (BENJAMIN; TLUSTEN, 2010BENJAMIN, O.; TLUSTEN, D. Intimacy and/or degradation: heterosexual images of togertherness and women’s embracement of pornography. Sexualities, v. 13, p. 599-623, 2010.; PARVEZ, 2006PARVEZ, Z. F. The labor of pleasure: how perceptions of emotional labor impact women’s enjoyment of pornography. Gender and Society, v. 20, p. 605-631, 2006.).

Desse modo, conforme descrito, o efeito inicialmente determinante do gênero pornográfico é mais diverso do que inicialmente imaginado. O efeito de excitação sexual parece não ser a única possibilidade entregue ao seu consumidor, muito embora possa ser o único objetivo em mente de quem produz o material pornográfico. Neste sentido, nos interessa compreender a perspectiva da audiência, na sua capacidade de buscar ou permitir efeitos dos conteúdos em questão.

A capacidade reativa da audiência é, inclusive, um conceito chave, uma vez que o relacionamento entre a audiência e os conteúdos dos meios de comunicação social é um processo multissemântico, “cuja sintaxe é extremamente imprevisível e imprecisa” (CASTELLS, 2006CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. A era da informação: Economia, Sociedade e Cultura. v. 1. Trad. Roneide Venancio Majer. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006., p. 422). O que queremos dizer é que é realçada a complexa possibilidade de intervenção da audiência sobre a pornografia por meio das suas particulares necessidades, motivações, predisposições para seleção, interpretação, aceitação ou não das sugestões dos conteúdos, reflexão e uso – o efeito da pornografia será sempre diverso, conforme nos mostram as investigações do tema.

Nessa perspectiva, uma abordagem interessante para se pensar a relação entre a audiência e a pornografia é a de Usos e Gratificações (UEG). Nessa tradição, se tem em conta que as características antecedentes da audiência, como idade, escolaridade, interesse em socialização e religião – entre tantos outros de origem social, circunstancial e psicológica – são fatores fundamentais para o comportamento de procura e uso dos conteúdos da comunicação social. Tais prerrogativas são precedentes de qualquer efeito buscado pela audiência, ou sugerido pelos meios de comunicação.

Assim, segundo UEG, a interação entre a estrutura social/cultural e as características pessoais origina necessidades, valores, disposições que impulsionam motivos para o uso da pornografia. Ela também tem em conta aspectos como as avaliações perceptivas dos conteúdos consumidos, oferta dos meios, entre outros fatores intervenientes no processo de exposição do receptor. Em seu esquema apresentado, não há elementos de desempenho central. Os elementos mais próximos de um papel destacado à exposição aos meios são as gratificações procuradas ou motivos, ainda usos, o que sintetizariam as variáveis antecedentes incidentes no fenômeno da audiência, e evidenciaria a sua natureza motivacional da teoria de Usos e Gratificações (FERREIRA, 2016FERREIRA, R. M. C. Exposição da audiência aos meios: avanços da abordagem de Usos e Gratificações. Revista FAMECOS, v. 23, n. 1, 2016.).

É importante destacar que as gratificações são importantes variáveis para o largo espectro de efeitos dos meios, incluindo a aquisição de conhecimento; influência sobre atitudes e opiniões; percepções da realidade social; agendas estabelecidas; bem como outras relações importantes. Para ilustrar, podemos citar Blumer e Katz (1974)BLUMER, J.; KATZ, E. The uses of mass communications: Current perspectives on gratifications research. Beverly Hills: Sage Publications, 1974., que sintetizaram três usos primários dos meios e propôs três hipóteses sobre os efeitos baseados nas gratificações identificadas: (i) as motivações de busca de conhecimento ou aconselhamento irão facilitar obtenção de informação; (ii) os motivos de diversão ou escapismo irão facilitar uma percepção mais fidedigna dos retratos sociais expostos; e (iii) a motivação de identidade pessoal (receptores que buscam emular-se, igualar-se ou diferenciar-se dos personagens exibidos nos meios) promoverá a facilitação de efeitos de reforço de comportamentos.

Assim, dado o estabelecimento da relevância das gratificações e usos para os efeitos promovidos pelo consumo da pornografia, nos propomos a explorar o assunto inicialmente1 1 Estamos em curso com um estudo empírico, indutivo-qualitativo sobre os Usos e Gratificações do consumo da pornografia. por meio de uma revisão de literatura narrativa, com o conjunto de estudos que se debruçaram sobre os motivos, usos e gratificações do consumo da pornografia. Comparada à revisão sistemática, a revisão narrativa não exige um protocolo rígido para sua confecção, tão pouco aplica estratégias de busca sofisticadas e exaustivas, entretanto, ela é recomendada para o levantamento da produção científica disponível e para a reconstrução de redes de pensamentos e conceitos que articulam saberes de diversas fontes, com o intuito de sondar os fenômenos a que os estudiosos objetivam desvelar (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008MENDES, K. D. S.; SILVEIRA, R. C. C. P.; GALVÃO, C. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto – Enfermagem, v. 17, n. 4, 2008.).

Para a compreensão do que os estudos publicados apontam, buscamos produções acadêmicas identificadas por uma pesquisa online nas plataformas B-On, Portal de Periódicos Capes e Google Acadêmico. Essas plataformas foram escolhidas por serem bases abrangentes, fornecendo acesso a diversos conteúdos nacionais e internacionais, em formato de trabalhos acadêmicos e científicos, cobrindo larga interseção das diversas áreas do conhecimento.

Os termos das buscas foram operados em inglês devido a sua ausência em português e espanhol: “uses” “uses and gratifications” cruzados com “pornography” e “porn”, na intenção de reunir materiais científicos da temática selecionada. A delimitação temporal aplicada para constituição do corpus de estudo foi de 1990 a 2020, critério estabelecido em função do período de popularização da Internet no ambiente doméstico, e sem delimitações geográficas.

A pesquisa nos trouxe treze artigos recuperados, mas como nem todos correspondiam em sua essência sobre nossos critérios de seleção estabelecidos, recorremos a uma filtragem de proximidade ao nosso objeto de pesquisa declarado. Obtivemos seis publicações que se debruçavam de forma central ao assunto, e que contribuíram, de algum modo, para a construção do quadro das principais categorias motivacionais apresentadas como resultado dos nossos esforços para entender a seleção e o consumo da pornografia.

Usos e Gratificações

O esquema teórico de UEG centra-se no interesse da decisão do indivíduo em selecionar e consumir os conteúdos dos meios da comunicação social, como a pornografia. Descobrir as razões e o que o público faz com as mensagens da mídia é seu centro de interesse.

Essa tradição aponta para uma audiência que consome os conteúdos da comunicação social através de suas escolhas, com o propósito de satisfazer objetivos pessoais, como se divertir, entender ou resolver um problema. Na década de 1940, essa abordagem inicia as descrições dos motivos pelo qual a audiência selecionava e consumia os diversos meios, como rádio, jornal, cinema, revista, quadrinhos etc. (BLUMER; KATZ, 1974BLUMER, J.; KATZ, E. The uses of mass communications: Current perspectives on gratifications research. Beverly Hills: Sage Publications, 1974., RUBIN, 1998RUBIN, A. M. Media uses and effects: a uses-and-gratifications perspective. In: BRYANT, J.; ZILLMANN, D. (ed.). Media effects: Advances in theory and research. Washington: Kent State University, 1998. p. 417-436.; McQUAIL, 2003McQUAIL, D. Teoria da Comunicação de Massas. Trad. Carlos de Jesus. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.).

Na década 1950 e início de 1970, a pesquisa passa à operacionalização de múltiplas variáveis que resultaram como explicativas dos diferentes padrões de exposição aos meios. As relações entre os contextos da audiência, os motivos da audiência e as satisfações gratificadas pelos meios, aportaram uma estratégia mais explicativa para uma grande variedade de processos comunicativos mediados pelos diversos aparatos tecnológicos da comunicação (WIMMER; DOMINICK, 1996WIMMER, R.; DOMINICK, J. La Investigación Científica de la Comunicación. Barcelona: Bosh, 1996.).

Sua diversificação de métodos e preocupações, ainda que focado na exposição, se expande nas décadas subsequentes, como podemos ver nos estudos que se dedicam (i) às origens sociais e psicológicas das gratificações dos meios; (ii) ao valor da expectativa; (iii) à atividade da audiência; (iv) às gratificações e o consumo dos meios; (v) às gratificações procuradas e obtidas; e (vi) às gratificações e os efeitos dos meios (PALMGREEN; WENNER; ROSENGREN, 1985PALMGREEN, P.; WENNER, L.; ROSENGREN, E. Uses Gratifications research: The past ten years. In: ROSEGREN, E.; WENNER, L.; PALMGREEN, P. (ed). Media Gratifications Research. Beverly Hills: Sage Publications, 1985, p. 11-37.).

A par da sua diversificação, seu pressuposto básico é que, por meio das experiências e reflexões sobre os conteúdos das mídias, a audiência relaciona quais materiais lhes são gratificantes ou úteis e escolhe quais materiais consumir. Assim, (i) as origens sociais e psicológicas das (ii) necessidades, que geram (iii) expectativas de satisfação dos (iv) meios ou outras fontes, levam a audiência a (v) padrões diferentes de exposição resultando em (vi) gratificações das necessidades e (vii) outras consequências (BLUMER; KATZ, 1974BLUMER, J.; KATZ, E. The uses of mass communications: Current perspectives on gratifications research. Beverly Hills: Sage Publications, 1974.). Em outras palavras, podemos imaginar que o usuário de pornografia busque, nos conteúdos, informações, conselhos sobre o ato e as relações sexuais. A gratificação buscada conselho é somente satisfeita quando o sujeito em questão conquista a informação nos conteúdos selecionados, estabelecendo um determinado padrão de exposição e consumo.

Para a revisão aqui proposta, nos interessa saber o estado da arte dos UEG já identificadas para o consumo do conteúdo pornográfico, isso porque as investigações têm evidenciado esquemas motivacionais multivariados que podem contribuir parcialmente para o entendimento do consumo da pornografia.

Apresentação dos resultados

Os seis artigos analisados nesta revisão foram tomados de forma não apenas a considerar os resultados empíricos apresentados, mas também as referências do trabalho de literatura que davam suporte à investigação. Dentre eles, apenas um fazia referências objetivas à abordagem de UEG (PAUL; SHIM, 2008PAUL, B.; SHIM, J. W. Gender, sexual affect, and motivations for Internet pornography use. Journal of Sexual Health, v. 20, p. 187-199, 2008.), o que nos mostra que, de fato, poucas pesquisas abordam a questão fundamental de por que as pessoas se expõem ao material pornográfico. O exame da pornografia pela perspectiva do seu usuário é claramente pouco explorado, sobretudo, quando temos em conta suas gratificações. Mesmo dado a esta particularidade, todos os materiais selecionados nos propuseram conceitos fundamentais para seleção e uso da pornografia, ainda que não propriamente partisse da abordagem de UEG.

Quanto ao método das publicações analisadas, metade era de ênfase empírico qualitativo, como vimos em McKeown, Parry e Penny (2017)McKEOWN, J. K. L.; PARRY, D. C.; PENNY L. T. My iPhone changed my life: how digital Technologies can enable women’s consumption on online sexually explicit materials. Sexuality & Culture, v. 22, p. 340-354, 2017., que avalia o impacto do uso de smartphones no consumo de pornografia por mulheres, Attwood (2005)ATTWOOD, F. What do people do with porn? Qualitative research into the consumption, use and experience of pornography and other sexually explicit media. Sexuality & Culture, v. 9, n. 2, p. 65-86, 2005., que faz uma revisão de literatura dos estudos empíricos qualitativos sobre o tema, e Ashton, McDonald e Kirkman (2017)ASHTON, S.; McDONALD, K.; KIRKMAN, M. Women’s experiences of pornography: A systematic review of research using qualitative methods. The Journal of Sex Research, v. 55, n. 3, p. 1-14, 2017., que também trabalham a pornografia por meio de uma revisão. Esses dois últimos materiais foram salutares para nos pôr em contato com uma gama muito maior de estudos empíricos inicialmente investigados.

Carroll et al. (2016)CARROLL, J. S. et al. The porn gap: differences in men’s and women’s pornography patterns in couple relationship. Journal of Couple & Relationship Therapy, v. 16, n. 2, p. 1-18, 2016. utilizam técnicas da pesquisa quantitativa como análises fatoriais, para avaliar o impacto dos estágios de compromisso entre casais e taxas de uso de pornografia, método também adotado por Poulsen, Busby e Galovan (2013)POULSEN, F. O.; BUSBY, D. M.; GALOVAN, A. M. Pornography use: Who uses it and how it is associated with couple outcomes. Journal of Sex Research, v. 50, n. 1, p. 72-83, 2013., que estudam como o uso da pornografia se relaciona à qualidade sexual dos casais, e Paul e Shim (2008)PAUL, B.; SHIM, J. W. Gender, sexual affect, and motivations for Internet pornography use. Journal of Sexual Health, v. 20, p. 187-199, 2008., que enfocam seus estudos sobre as motivações de uso.

Observamos cada artigo pela perspectiva das motivações de uso, com o auxílio da técnica de comparação constante, utilizada largamente no método de análise de conteúdo, para que identificássemos, em primeiro lugar, a consistência da presença dos conceitos motivacionais, por meio da frequência da sua aparição, e, em segundo lugar, a característica conceitual dos termos que deveriam se reorganizar – uma vez que inúmeros termos utilizados representavam os mesmos conceitos ou conceitos similares, bem como termos distintos foram encontrados ilustrando conceitos únicos ou muito parecidos. Muito embora a maioria dos estudos tenha tratado o consumo do material pornográfico segundo antecedentes distintos, como gênero, idade, religiosidade etc., esses dados foram suprimidos dos nossos esforços de análise por estar fora do nosso escopo investigativo.

Nosso trabalho analítico privilegiou a síntese dos resultados dos estudos observados com a sua validação nos campos de discussão dos resultados deles (Quadro 1), o que incrementou ainda mais a descrição das nossas categorias de análise.

Quadro 1
Artigos selecionados e analisados

A análise inicial dos motivos descritos para o consumo da pornografia nos trouxe 34 termos distintos de motivações ou categorias de uso. Após análises mais refinadas sobre os conceitos dos termos, produzimos uma reorientação dos rótulos com agrupamentos de conceitos similares, bem como a distinção de termos conceitualmente distantes, e, assim, identificamos o total de 18 motivos descritos para o consumo de pornografia. A partir dos conceitos descritos, realizamos uma nova sistematização das categorias para fim de generalização dos conceitos encontrados (Quadro 2), reduzindo assim, as categorias a três grupos motivacionais para o consumo de pornografia: (i) manipulação de reações fisiológicas; (ii) interação social; e (iii) autoconhecimento.

Quadro 2
Principais categorias motivacionais para o consumo da pornografia

A escolha da nomenclatura final das categorias é baseada tanto nos resultados dos estudos analisados quanto em estudos suplementares sobre as categorias motivacionais de UEG, para que essas ilustrassem com a maior precisão possível, os seus conceitos centrais.

Manipulação de reações fisiológicas

Zillmann (1985, p. 228, tradução nossa)ZILLMANN, D. The experimental exploration of gratifications from media entertainment. In: ROSEGREN, E.; WENNER, L.; PALMGREEN, P. (ed.). Media Gratifications research. Beverly Hills: Sage Publications, 1985, p. 225-239., no estudo da “exploração experimental das gratificações do entretenimento dos meios”, diz que os materiais da mídia possibilitam excitação, manifestando-se no sistema nervoso simpático, produzindo reações afetivas. Excitação é uma força unitária que energiza ou intensifica as manifestações corticais e autonômicas (estimulando em destaque, reações afetivas, ou seja, emocionais), iniciando, neutralizando ou alterando os estados iniciais de humor (ou disposição afetiva) do receptor (ZILLMANN, 1991ZILLMANN, D. Television viewing and physiological arousal. In: BRYANT, J; ZILLMANN, D. Responding to the Screen: reception and reaction processes. New Jersey: Lawrence Publishers, 1991. p. 103-134.). Em particular para os conteúdos pornográficos, devemos considerar excitação não somente como um estímulo cortical e autonômico, mas também sexual, quando o indivíduo se encontra pronto para a prática do ato sexual.

Dessa forma, receptores selecionam conteúdos pornográficos baseando sua escolha sobre suas avaliações dos estímulos que os trariam para um (i) equilíbrio interno, ou mesmo para a (ii) preparação da prática sexual, isso porque os conteúdos se conectam com a possibilidade de fazer com que os receptores escapem emocionalmente dos seus respectivos estados de excitação indesejável ou os ponham no estado de excitação sexual.

Para a primeira (i) variante da motivação relatada, podemos ilustrar receptores aborrecidos e entediados que usam a pornografia para estimular sua disposição de humor inicial para um estado mais intenso (das atividades autonômicas destacadamente). A fuga do seu estado de humor inicial é relatada como necessidade por entretenimento, distração, melhora do humor, e tem como finalidade um reequilíbrio interno, sobretudo, em função da experimentação de reações afetivas para passar o tempo entediado (PAUL; SHIM, 2008PAUL, B.; SHIM, J. W. Gender, sexual affect, and motivations for Internet pornography use. Journal of Sexual Health, v. 20, p. 187-199, 2008.), para obter entretenimento para as pessoas chateadas ou deprimidas (McKEOWN; PARRY; PENNY, 2017McKEOWN, J. K. L.; PARRY, D. C.; PENNY L. T. My iPhone changed my life: how digital Technologies can enable women’s consumption on online sexually explicit materials. Sexuality & Culture, v. 22, p. 340-354, 2017.).

Do contrário, a recíproca também é verdadeira, a pornografia pode proporcionar aos estressados estímulos neutralizadores dos seus estados de tensão e a redução do seu nível de perturbação. Segundo Zillmann (1991)ZILLMANN, D. Television viewing and physiological arousal. In: BRYANT, J; ZILLMANN, D. Responding to the Screen: reception and reaction processes. New Jersey: Lawrence Publishers, 1991. p. 103-134., uma pessoa que retorna ao lar após um dia de trabalho tenso, acaba por manter um alto nível de excitação inapropriada. A condição condutiva de tal estado é psicológica, podendo ser identificada como uma preocupação cognitiva contínua sobre os eventos responsáveis pela experiência de estresse. A interrupção de tal processo pode ser conduzida por qualquer forma de estimulação recreativa (que não necessariamente consumir pornografia), ocasionando um efeito benéfico de redução e alívio dos níveis de estresse do receptor.

Observamos muitos relatos que consolidam como a pornografia melhora o humor do usuário da pornografia, seja para aliviar o estresse e a ansiedade, seja para relaxar ou escapar dos problemas diários. Por exemplo, “Eu pessoalmente preciso usar várias vezes por semana, caso contrário, eu me transformo em uma cadela irritadiça”. Com relação ao alívio do estresse, “é bom para liberar a tensão” ou “uso pornô como alívio da ansiedade”. Ainda para ratificar o objetivo de relaxamento: “Hoje eu não estou trabalhando, e eu só quero relaxar, então é isso que eu faço” ou ainda “isso meio que tira minha mente da realidade” (McKEOWN; PARRY; PENNY, 2017McKEOWN, J. K. L.; PARRY, D. C.; PENNY L. T. My iPhone changed my life: how digital Technologies can enable women’s consumption on online sexually explicit materials. Sexuality & Culture, v. 22, p. 340-354, 2017., p. 346 -347; PAUL; SHIM, 2008PAUL, B.; SHIM, J. W. Gender, sexual affect, and motivations for Internet pornography use. Journal of Sexual Health, v. 20, p. 187-199, 2008., p. 192).

Uma das razões para que reações afetivas venham a ocorrer, proporcionando um reequilíbrio emocional interno, encontra-se na capacidade da pornografia de fornecer estímulos que envolvem e absorvem o seu receptor, afastando-o, mesmo que momentaneamente, da origem das situações ou preocupações que mantinham seu nível de tédio ou estresse elevado.

A segunda variante de justificativa que contribui para elaboração desta categoria motivacional para o uso da pornografia é (ii) “excitação sexual” ou busca de um “estado de preparação da prática do ato sexual”, também uma espécie de manipulação fisiológica. São muitos os relatos que apoiam a categoria, como vimos em Paul e Shim (2008, p. 193)PAUL, B.; SHIM, J. W. Gender, sexual affect, and motivations for Internet pornography use. Journal of Sexual Health, v. 20, p. 187-199, 2008., que descobriram a pornografia “como um auxiliar visual excitante para me masturbar”. Como declaram os autores, “esse fator reflete que as pessoas usam pornografia para se divertir, equilibrar o humor e ajudar na masturbação”. Essa associação é também suportada pela pesquisa de Döring (2009, p. 1091)DÖRING, N. M. The Internet’s impact in sexuality: a critical review of 15 years of research. Computers in Human Behavior, v. 25, n. 5, p. 1089-1101, 2009., “utilizada com competência, a Internet oferece aos usuários a oportunidade de satisfazer suas necessidades sexuais”. Da mesma forma, Albright, (2008)ALBRIGHT, J. Sex in America online: an exploration of sex, marital status and sexual identity in internet sex seeking and its impact. Journal of Sex Research, v. 45, n. 2, p. 175-186, 2008., McCutcheon e Bishop (2014)McCUTCHEON, J. M.; BISHOP, C. J. An erotic alternative? Women’s perception of gay pornography. Psychology and Sexuality, v. 6, p. 75-92, 2014., McKeown, Parry e Penny (2017)McKEOWN, J. K. L.; PARRY, D. C.; PENNY L. T. My iPhone changed my life: how digital Technologies can enable women’s consumption on online sexually explicit materials. Sexuality & Culture, v. 22, p. 340-354, 2017., Parvez (2006)PARVEZ, Z. F. The labor of pleasure: how perceptions of emotional labor impact women’s enjoyment of pornography. Gender and Society, v. 20, p. 605-631, 2006. e Smith (2013)SMITH, M. Youth viewing sexually explicit material online: Addressing the elephant on the screen. Sexuality Research and Social Policy, v. 10, p. 62-75, 2013., dentre outros, ratificam o uso da pornografia com o objetivo de excitação sexual.

Uma das estratégias para manipulação da excitação sexual do usuário é a utilização do enredo pornográfico como um cenário fantasioso em que “eu imagino que a modelo pornô me quer” (ATTWOOD, 2005ATTWOOD, F. What do people do with porn? Qualitative research into the consumption, use and experience of pornography and other sexually explicit media. Sexuality & Culture, v. 9, n. 2, p. 65-86, 2005., p. 70). “Fantasiar que você é a pessoa que faz sexo com atores ou atrizes na pornografia” e “fantasiar que você é um dos indivíduos na pornografia” são métodos comumente utilizados para manipulação da excitação sexual (PAUL; SHIM, 2018PAUL, B.; SHIM, J. W. Gender, sexual affect, and motivations for Internet pornography use. Journal of Sexual Health, v. 20, p. 187-199, 2008., p. 194; ATTWOOD, 2005ATTWOOD, F. What do people do with porn? Qualitative research into the consumption, use and experience of pornography and other sexually explicit media. Sexuality & Culture, v. 9, n. 2, p. 65-86, 2005., p. 70).

Em um estudo publicado pelo Instituto Kinsey e o Serviço Público de Radiodifusão, as principais razões para o uso da pornografia foram: “masturbar-se / para liberação física”, “despertar sexualmente a mim e/ou outras pessoas”, “porque posso fantasiar sobre coisas que não necessariamente desejaria na realidade” e “me distrair” (PAUL; SHIM, 2008PAUL, B.; SHIM, J. W. Gender, sexual affect, and motivations for Internet pornography use. Journal of Sexual Health, v. 20, p. 187-199, 2008.). Esse resultado implica que o uso de pornografia está relacionado aos propósitos de manipulação de reações fisiológicas, designação que identifica esta categoria motivacional.

Interação social

Usar a pornografia para o fim de sociabilização com o parceiro sexual, para criar conexão com o par, para discutir desejos e interesses sexuais seus e do parceiro, introduzir novas ideias para a relação sexual, enfim, a integração a partir de interesses sexuais chaves para o casal é o que consolida esta categoria motivacional. Aqui, necessariamente, o casal ou grupo consome o material pornográfico em conjunto.

Essa motivação é observada por pares que consomem os conteúdos pensando em satisfazer seus parceiros ou na melhoria do relacionamento entre eles. Os casais que explicitamente usavam pornografia juntos, buscando aprimorar seu relacionamento sexual, tendiam a relatar o encontro de uma ferramenta para facilitação da comunicação sobre seus gostos e preferências sexuais (DANEBACK; TRAEN; MANSSON, 2009DANEBACK, K.; TRAEN, B.; MANSSON, S. A. Use of pornography in a random sample of Norwegian heterossexual couples. Archives of Sexual Behavior, n. 38, p. 746-753, 2009.). Assim, um dos objetivos da aplicação do consumo em conjunto também é o de construção e preservação do relacionamento, uma vez que esta prática consolidaria o conhecimento das preferências do par.

Tal prática também proporcionaria um clima erótico mais interessante, o que facilitaria a expressão sexual dos envolvidos. Para se conectar com um parceiro sexual, as mulheres de um estudo (McKEOWN; PARRY; PENNY, 2017McKEOWN, J. K. L.; PARRY, D. C.; PENNY L. T. My iPhone changed my life: how digital Technologies can enable women’s consumption on online sexually explicit materials. Sexuality & Culture, v. 22, p. 340-354, 2017., p. 347-348) falaram sobre o uso de pornografia online para iniciar conversas sobre desejos e interesses sexuais e introduzir novas ideias em seus relacionamentos sexuais: “quando estou em um relacionamento, começamos a conversar sobre, bem, você me mostra seu clipe favorito e eu mostro o meu”; “Acho que é apenas uma espécie de conversa aberta, você se sente mais à vontade com a pessoa com quem você está”; “É muito mais fácil olhar para alguém fora do seu relacionamento e dizer ‘veja essa pessoa fazendo algo que eu não acho atraente’, em vez de dizer ‘você está fazendo a coisa errada’”; “É uma ferramenta”.

Essa perspectiva consolida a crença de que os papéis de esposo(a) ou namorado(a) exigem que eles venham a aprofundar o relacionamento agradando sexualmente o(a) parceiro(a), incluindo aceitar o uso de pornografia e assisti-la com ele(a) (BENJAMIN; TLUSTEN, 2010BENJAMIN, O.; TLUSTEN, D. Intimacy and/or degradation: heterosexual images of togertherness and women’s embracement of pornography. Sexualities, v. 13, p. 599-623, 2010.; PARVEZ, 2006PARVEZ, Z. F. The labor of pleasure: how perceptions of emotional labor impact women’s enjoyment of pornography. Gender and Society, v. 20, p. 605-631, 2006.). Desse modo, o consumo mútuo de pornografia facilita o diálogo e introduz novas práticas sexuais em um relacionamento. “A pornografia pode desempenhar um papel valioso como uma oportunidade de intimidade, exploração sexual, prazer mútuo e comunicação sexual compartilhada” (ASHTON; MCDONALD; KIRKMAN, 2017, p. 345, tradução nossa).

Autoconhecimento

A motivação de busca por autoconhecimento é explicada pela necessidade de aprendizado sobre a própria sexualidade, no geral referenciada à sexualidade do outro: “Uma vez descobri como usar pornografia e certas experiências para transformar desejo em um orgasmo auto-gerado”; “Pela primeira vez na minha vida, me senti sexualmente autônoma” (PALAC, 1998PALAC, L. On the edge of the bed: how dirty pictures changed my life. Boston: Little, Brown and Company, 1998., p. 34-35). Para os usuários, é um meio valioso de se educar sobre sexo (BOIES, 2002BOIES, S. C. University student’s use of and reactions to online sexual information and entertainment: links to online and off-line sexual behavior. The Canadian Journal of Human Sexuality, v. 11, n. 2, p. 77-89, 2002.; CHOI; NICOLSON, 1994CHOI, P.; NICOLSON, P. Female sexuality: psychology, biology and social context. United Kingdom: Hemel Hempstead, 1994.). Chowkhani (2016)CHOWKHANI, K. Pleasure, bodies and risk: women’s viewership of pornography in urban India. Porn Studies, v. 3, n. 4, p. 443-452, 2016., em seu estudo sobre como as mulheres consomem pornografia na Índia urbana, descobriu que as mulheres procuram entendimento sobre sua sexualidade, seus corpos e seus desejos sexuais.

Adolescentes descreveram a pornografia como uma forma útil de educação. Eles relataram procurar a pornografia como um modo de entender mais sobre seus corpos e sobre atos sexuais em um contexto sem julgamento (HARE et al., 2014HARE, K. A. et al. Perspectives on “pornography”: exploring sexually explicit Internet movie’s influences on Canadian Young adult’s holistic sexual health. Canadian Journal of Human Sexuality, v. 23, p. 148-158, 2014.; RAMLAGUN, 2012RAMLAGUN, P. Don’t call me weird, but I normally watch porn: girls, sexuality and porn. Agenda, v. 26, p. 31-37, 2012.; ROTHMAN et al., 2015ROTHMAN, E. F. et al. Without porn... I wouldn’t know half the things I know now: a qualitative study of pornography use among a sample of urban, low-income, black and hispanic youth. Journal of Sex Research, v. 52, n. 7, p. 736-746, 2015.; SMITH, 2013SMITH, M. Youth viewing sexually explicit material online: Addressing the elephant on the screen. Sexuality Research and Social Policy, v. 10, p. 62-75, 2013.; WANG; DAVIDSON, 2006WANG, B.; DAVIDSON, P. Sex, lies and videos in rural China: a qualitative study of women’s sexual debut risky sexual behavior. Journal of Sex Research, v. 43, n. 3, p. 227-235, 2006.).

Não são poucos os estudos que ratificam esta perspectiva: “isso me dá ideias, como uma posição que eu gostaria de tentar”; “Tudo o que aprendi que era novo certamente veio daí. Acho que nas gerações anteriores as pessoas aprenderam a maior parte delas com seus amigos fofocando ou conversando, mas tudo o que aprendi veio de lá; “Definitivamente meu consumo ajudou a entender o que eu desejo e mereço” (McKEOWN; PARRY; PENNY, 2017McKEOWN, J. K. L.; PARRY, D. C.; PENNY L. T. My iPhone changed my life: how digital Technologies can enable women’s consumption on online sexually explicit materials. Sexuality & Culture, v. 22, p. 340-354, 2017., p. 347).

A pornografia é tida como uma possibilidade de compreensão da atividade e das relações sexuais, das concepções físicas e afetivas, da experiência de excitação, e das potenciais atitudes a serem adotadas, refutadas e adaptadas em relação ao sexo e ao parceiro sexual. Uma das principais estratégias para adoção de uma atitude em relação a sua própria sexualidade é a comparação social. Estudos demonstram relatos de mulheres fazendo julgamentos diversos, comparando seus próprios corpos aos corpos de atores de pornografia. “Comparações foram feitas para peso, forma do corpo, características faciais e pelos púbicos, resultando em idealização e subsequentes sentimentos de adequação e inadequação, normatização, ou críticas a esses órgãos e personagens” (ASHTON; MCDONALD; KIRKMAN, 2017ASHTON, S.; McDONALD, K.; KIRKMAN, M. Women’s experiences of pornography: A systematic review of research using qualitative methods. The Journal of Sex Research, v. 55, n. 3, p. 1-14, 2017., p. 9, tradução nossa).

Participantes de inúmeros estudos relataram, por exemplo, “eu gostaria de ter um corpo assim” (ECK, 2003ECK, B. A. Men are much harder: gendered viewing of nude images. Gender and Society, v. 17, n. 5, p. 691-710, 2003., p. 697, tradução nossa) e “eu não tenho um corpo perfeito como aquelas estrelas pornôs” (CAVAGLION; RASHTY, 2010CAVAGLION, G.; RASHTY, E. Narratives of suffering among italian female partners of cybersex and cyber-porn dependents. Sexual Addiction an Compulsivity, v. 17, p. 270-287, 2010., p. 280, tradução nossa). A comparação para o entendimento da própria sexualidade tem inúmeros vieses, não só sobre o que é bonito ou feio, certo ou errado, mas sobretudo, possível e socialmente aceitável: “Eu não tinha acesso a BBW [grandes mulheres bonitas] que você sabe, realmente mostra que vários corpos diferentes podem ser agradados e agradáveis. Elas são sensuais e fodíveis, então, eu meio que uso isso para aumentar minha autoestima” (McKEOWN; PARRY; PENNY, 2017McKEOWN, J. K. L.; PARRY, D. C.; PENNY L. T. My iPhone changed my life: how digital Technologies can enable women’s consumption on online sexually explicit materials. Sexuality & Culture, v. 22, p. 340-354, 2017., p. 349).

A ideia é que a beleza física, interesses e atitudes sexuais sejam validados socialmente em uma espécie de normatização social da sexualidade: “Se está lá fora, significa que alguém gosta”; “Ver que outras pessoas compartilham os meus interesses é legal”; “São algumas coisas que eu gosto de encontrar que outras mulheres que gostam também, faz da minha ideia algo normal”; “Definitivamente me deu uma mentalidade muito mais liberal e aberta. A pornografia me mostrou estilos de vida alternativos aos quais eu não poderia ter sido exposta, por causa da família em que cresci e da área de onde venho. Isso me deixou muito mais receptiva e interessada em explorar coisas que eu não entendo, eu acho” (McKEOWN, PARRY; PENNY, 2017McKEOWN, J. K. L.; PARRY, D. C.; PENNY L. T. My iPhone changed my life: how digital Technologies can enable women’s consumption on online sexually explicit materials. Sexuality & Culture, v. 22, p. 340-354, 2017., p. 349).

Vimos em nossa revisão, o uso da pornografia para a busca de permissão ou endosso para que mulheres fossem mais sexualmente ativas (ATTWOOD, 2005ATTWOOD, F. What do people do with porn? Qualitative research into the consumption, use and experience of pornography and other sexually explicit media. Sexuality & Culture, v. 9, n. 2, p. 65-86, 2005.). Nesse sentido, Ciclitira (2002)CICLITIRA, K. Researching pornography and sexual bodies. The psychologist. v. 15, n. 4, p. 191-194, 2002. nos mostra com a pornografia pode aumentar ou limitar as opções para a sexualidade dessas mulheres para um comportamento “normal, saudável, divertido e valorizado” (ATTWOOD, 2005ATTWOOD, F. What do people do with porn? Qualitative research into the consumption, use and experience of pornography and other sexually explicit media. Sexuality & Culture, v. 9, n. 2, p. 65-86, 2005., p. 75). Tais comportamentos de uso e reflexão motivados por autoconhecimento não deixam de ser um modo de construção das suas identidades sexuais (BRICKELL, 2012BRICKELL, C. Sexuality, power and the sociology of the Internet. Current Sociology, v. 60, n. 1, p. 28-44, 2012.; ALBURY, 2009ALBURY, K. Reading porn reparatively. Sexualities, v. 12, n. 5, p. 647-653, 2009.). Esse achado ecoa o trabalho de Penley et al. (2013)PENLEY, C. et al. Introduction the politics of producing pleasure. In: TRISTAN T., et al. The Feminist Porn Book: The politics of producing pleasure. New York: The Feminist Press, 2013. p. 9-20., que observaram como o consumo de pornografia online criam “um espaço para perceber as formas contraditórias pelas quais nossas fantasias nem sempre se alinham com a política ou com as ideias de quem pensamos que somos”.

No estudo de Durham (2016)DURHAM, M. G. Girls, media and the negotiation of sexuality: a study of race, class and gender in adolescent peer groups. Journalism and Mass Communication Quarterly, v. 76, n. 2, p. 193- 216, 1999., por exemplo, as referências da mídia tornaram-se parte das conversas das meninas sobre uma série de questões como sexualidade ou imagem corporal, como uma maneira de reforçar uma visão particular da feminilidade e heterossexualidade. As jovens usariam o sexo da mídia para refletir a respeito, tomar uma posição e construir uma personalidade afetiva e sexual (ATTWOOD, 2005ATTWOOD, F. What do people do with porn? Qualitative research into the consumption, use and experience of pornography and other sexually explicit media. Sexuality & Culture, v. 9, n. 2, p. 65-86, 2005.). Os repertórios de práticas e comportamentos seriam as referências para criação e manutenção de identidades individuais e grupais, e apoiaria o desempenho e a exibição de gênero e sexualidade.

A escolha da pornografia inclusive baseia-se na visão da sexualidade como uma forma de escolha cultivada desenvolvida através de preferências e estilo de vida. Assim, os contextos de consumo da pornografia, com os seus enquadrados, são compreendidos, aceitos ou refutados, policiados e eventualmente incorporados em um novo comportamento. Isso se dá sobre questões de funcionamento de grupos de pares, construção de estruturas morais, políticas, de regulação e práticas, e sobre expressão ou opressão sexual.

Considerações finais

Pensar a pornografia apenas como um mecanismo para excitação e liberação do desejo sexual do seu consumidor ainda é uma visão muito reducionista do universo que é a exposição, produção de nexo e uso da pornografia na atualidade. Vimos em nossa revisão a consolidação de três categorias motivacionais conceitualmente distintas e relevantes para a variável gama de objetivos buscados: (i) manipulação de reações fisiológicas; (ii) interação social; e (iii) autoconhecimento.

A primeira, com o uso da pornografia para um reequilíbrio interno da disposição do humor, para relaxar e aliviar tensões do dia-a-dia, bem como excitar, seja sexualmente falando, seja a excitação do processamento cognitivo e emoções. A segunda, interação social, com o uso da pornografia para o ganho de uma melhor qualidade de intimidade com o parceiro sexual, e, terceiro, autoconhecimento, com o uso do material para definição de uma personalidade ou identidade sexual do usuário.

Essas categorias nos mostram um importante nexo entre objetivos buscados e possíveis efeitos produzidos. Não que todo efeito planejado seja, na maioria das vezes, efetivado. Nem sempre os materiais midiáticos são capazes de fornecer a satisfação das gratificações requeridas por seus usuários, mas as motivações em causa da seleção do material midiático consumido são, de fato, reveladoras para todo e qualquer efeito que possa ocorrer no comportamento de exposição e consumo dos materiais da comunicação social.

Do mais, as categorias aqui descritas apresentam características muito particulares. Enquanto o desejo de manipulação de reações fisiológicas se apresenta como uma audiência ritualística, a interação social e o autoconhecimento são caracterizados por uma audiência instrumental. Isso significa saber que o receptor do material pornográfico, quando motivado pela primeira categoria, se satisfaz e cessa sua busca particular, ou seja, finda a exposição ao material escolhido. Enquanto, motivado pelas duas últimas categorias, a obtenção de aprendizado é operada no dia-a-dia do receptor, demonstrando assim, a relevância destas variantes no processo de consumo.

De outro modo, quando o sujeito obtém o estado de relaxamento ou excitação sexual, o material pornográfico terá cumprido seu papel de fornecedor dos estímulos procurados. Já para aqueles motivados pela obtenção de informação para sua sexualidade e para a sexualidade do outro ou do par, tais estímulos terão cumprido sua função ao ser refletido, adotado, refutado, modificado, adaptado e incorporado nas práticas e nos modos de ser do consumidor da pornografia.

Comparativamente aos achados de estudos que se dedicam a outros gêneros de conteúdos midiáticos como telenovelas (FERREIRA, 2015FERREIRA, R. M. C. Telenovelas brasileiras e portuguesas: padrões de audiência e consumo. Aracaju: EDISE, 2015.), publicidade (FERREIRA, 2018FERREIRA, R. M. C. Estudos da exposição às mensagens publicitárias: usos e gratificações. Revista FAMECOS, v. 25, n. 1, ID26901, 2018.), e suportes diversos, como novas e velhas plataformas, ou seja, plataformas digitais e analógicas (FERREIRA; ESPANHA, 2019FERREIRA, R. M. C.; ESPANHA, R. Exposição seletiva: consumo das novas mídias e mídias tradicionais. Brazilian Journal of Technology Communications and Cognitive Science, v. 7, n. 1, p. 1-18, 2019.), os motivos encontrados são muito similares, o que nos indica que, mais do que olhar preconceituosamente para o material midiático, devemos nos dedicar a compreensão do processo de consumo pela perspectiva do seu receptor. Ademais, pesquisas futuras terão que privilegiar enfoques mais específicos de estudo. A pornografia funciona de maneira diferente para grupos distintos de pessoas, e seu contexto é particularmente enviesado por relações de gênero, fase de desenvolvimento de vida, ideologias, entre outros. Tais aspectos devem ser privilegiados quanto ao seu papel na construção de necessidades e desejos, simbolismos e sentidos para o consumo da pornografia com vistas a objetivos específicos da saúde pública. Poderão, por exemplo, se concentrar em motivações de uso e o desenvolvimento de efeitos não desejados, como comportamentos sexuais de risco (sexo inseguro), depressão e baixa estima corporal.

  • 1
    Estamos em curso com um estudo empírico, indutivo-qualitativo sobre os Usos e Gratificações do consumo da pornografia.

Disponibilidade de dados

As autoras confi rmam que os dados que apoiam os resultados deste estudo estão disponíveis no artigo.

Referências

  • ALBRIGHT, J. Sex in America online: an exploration of sex, marital status and sexual identity in internet sex seeking and its impact. Journal of Sex Research, v. 45, n. 2, p. 175-186, 2008.
  • ALBURY, K. Reading porn reparatively. Sexualities, v. 12, n. 5, p. 647-653, 2009.
  • ASHTON, S.; McDONALD, K.; KIRKMAN, M. Women’s experiences of pornography: A systematic review of research using qualitative methods. The Journal of Sex Research, v. 55, n. 3, p. 1-14, 2017.
  • ATTWOOD, F. What do people do with porn? Qualitative research into the consumption, use and experience of pornography and other sexually explicit media. Sexuality & Culture, v. 9, n. 2, p. 65-86, 2005.
  • BENJAMIN, O.; TLUSTEN, D. Intimacy and/or degradation: heterosexual images of togertherness and women’s embracement of pornography. Sexualities, v. 13, p. 599-623, 2010.
  • BLUMER, J.; KATZ, E. The uses of mass communications: Current perspectives on gratifications research. Beverly Hills: Sage Publications, 1974.
  • BOIES, S. C. University student’s use of and reactions to online sexual information and entertainment: links to online and off-line sexual behavior. The Canadian Journal of Human Sexuality, v. 11, n. 2, p. 77-89, 2002.
  • BRICKELL, C. Sexuality, power and the sociology of the Internet. Current Sociology, v. 60, n. 1, p. 28-44, 2012.
  • BRIDGES, A. J.; MOROKOF, P. J. Sexual media use and relational satisfaction in heterosexual couples. Personal Relationships, n. 18, p. 562-585, 2011.
  • CARROLL, J. S. et al. The porn gap: differences in men’s and women’s pornography patterns in couple relationship. Journal of Couple & Relationship Therapy, v. 16, n. 2, p. 1-18, 2016.
  • CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede A era da informação: Economia, Sociedade e Cultura. v. 1. Trad. Roneide Venancio Majer. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
  • CAVAGLION, G.; RASHTY, E. Narratives of suffering among italian female partners of cybersex and cyber-porn dependents. Sexual Addiction an Compulsivity, v. 17, p. 270-287, 2010.
  • CHOI, P.; NICOLSON, P. Female sexuality: psychology, biology and social context. United Kingdom: Hemel Hempstead, 1994.
  • CHOWKHANI, K. Pleasure, bodies and risk: women’s viewership of pornography in urban India. Porn Studies, v. 3, n. 4, p. 443-452, 2016.
  • CICLITIRA, K. Researching pornography and sexual bodies. The psychologist v. 15, n. 4, p. 191-194, 2002.
  • DANEBACK, K.; TRAEN, B.; MANSSON, S. A. Use of pornography in a random sample of Norwegian heterossexual couples. Archives of Sexual Behavior, n. 38, p. 746-753, 2009.
  • DISFUNÇÃO ERÉTIL e consumo de pornografia: a relação é comprovada. VEJA, [S. l.]. Disponível em: https://veja.abril.com.br/saude/disfuncao-eretil-em-jovens-esta-associada-ao-alto-consumo-de-pornografia/ Acesso em: 1 jan. 2020.
    » https://veja.abril.com.br/saude/disfuncao-eretil-em-jovens-esta-associada-ao-alto-consumo-de-pornografia/
  • DÖRING, N. M. The Internet’s impact in sexuality: a critical review of 15 years of research. Computers in Human Behavior, v. 25, n. 5, p. 1089-1101, 2009.
  • DURHAM, M. G. Girls, media and the negotiation of sexuality: a study of race, class and gender in adolescent peer groups. Journalism and Mass Communication Quarterly, v. 76, n. 2, p. 193- 216, 1999.
  • ECK, B. A. Men are much harder: gendered viewing of nude images. Gender and Society, v. 17, n. 5, p. 691-710, 2003.
  • FERREIRA, R. M. C. Estudos da exposição às mensagens publicitárias: usos e gratificações. Revista FAMECOS, v. 25, n. 1, ID26901, 2018.
  • FERREIRA, R. M. C. Exposição da audiência aos meios: avanços da abordagem de Usos e Gratificações. Revista FAMECOS, v. 23, n. 1, 2016.
  • FERREIRA, R. M. C. Telenovelas brasileiras e portuguesas: padrões de audiência e consumo. Aracaju: EDISE, 2015.
  • FERREIRA, R. M. C.; ESPANHA, R. Exposição seletiva: consumo das novas mídias e mídias tradicionais. Brazilian Journal of Technology Communications and Cognitive Science, v. 7, n. 1, p. 1-18, 2019.
  • GROV, C. et al. Perceived consequences of casual online sexual activities on heterosexual relationship: a U.S. online survey. Archives of Sexual Behavior, n. 40, p. 429-439, 2011.
  • HALD, G. M.; MALAMUTH, N. M. Selfie-perceived effects of pornography consumption. Archives of Sexual Behavior, n. 37, p. 614-625, 2008.
  • HARE, K. A. et al. Perspectives on “pornography”: exploring sexually explicit Internet movie’s influences on Canadian Young adult’s holistic sexual health. Canadian Journal of Human Sexuality, v. 23, p. 148-158, 2014.
  • LEVINSON, J. Erotic art and pornographic pictures. Project Muse: Philosophy and Literature, v. 29, n. 1, p. 228-240, 2005.
  • LOFGREN-MARTENSON, L.; MANDSSON, S. L. Love and life: a qualitative study of swedish adolescent’s perceptions and experiences with pornography. Journal of Sex Research, n. 47, p. 568-579, 2010.
  • LOFTUS, D. Watching sex: how men really respond to pornography. New York: Thunder’s Mouth Press, 2002.
  • MADDOX, A. M.; RHOADES, G. K.; MARKMAN, H. J. Viewing sexually-explicit materials alone or together: associations with relationship quality. Archives of Sexual Behavior, n. 40, p. 441-448, 2009.
  • MATTEBO, M. et al. Hercules and Barbie? Reflections on the influence of pornography and its spread in the media and society in groups of adolescents in Sweden. European Journal of Contraception and Reproductive Health Care, v. 17, p. 40-49, 2012.
  • McCUTCHEON, J. M.; BISHOP, C. J. An erotic alternative? Women’s perception of gay pornography. Psychology and Sexuality, v. 6, p. 75-92, 2014.
  • McKEOWN, J. K. L.; PARRY, D. C.; PENNY L. T. My iPhone changed my life: how digital Technologies can enable women’s consumption on online sexually explicit materials. Sexuality & Culture, v. 22, p. 340-354, 2017.
  • McQUAIL, D. Teoria da Comunicação de Massas Trad. Carlos de Jesus. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
  • MENDES, K. D. S.; SILVEIRA, R. C. C. P.; GALVÃO, C. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto – Enfermagem, v. 17, n. 4, 2008.
  • MURARO, C. 22 milhões de brasileiros assumem consumir pornografia e 76% são homens, diz pesquisa. G1, [S. l.]. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/22-milhoes-de-brasileiros-assumem-consumirpornografia-e-76-sao-homens-diz-pesquisa.ghtml Acesso em: 1 jan. 2020.
    » https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/22-milhoes-de-brasileiros-assumem-consumirpornografia-e-76-sao-homens-diz-pesquisa.ghtml
  • NÚMEROS da Indústria pornô superam sites como CNN, Netflix e Twitter. Geral. 2022. Paranashop Disponível em: https://paranashop.com.br/2022/01/numeros-da-industria-porno-superam-sites-como-cnn-netflix-e-twitter Acesso em: 22 mar. 2022.
    » https://paranashop.com.br/2022/01/numeros-da-industria-porno-superam-sites-como-cnn-netflix-e-twitter
  • PALAC, L. On the edge of the bed: how dirty pictures changed my life. Boston: Little, Brown and Company, 1998.
  • PALMGREEN, P.; WENNER, L.; ROSENGREN, E. Uses Gratifications research: The past ten years. In: ROSEGREN, E.; WENNER, L.; PALMGREEN, P. (ed). Media Gratifications Research. Beverly Hills: Sage Publications, 1985, p. 11-37.
  • PARVEZ, Z. F. The labor of pleasure: how perceptions of emotional labor impact women’s enjoyment of pornography. Gender and Society, v. 20, p. 605-631, 2006.
  • PAUL, B.; SHIM, J. W. Gender, sexual affect, and motivations for Internet pornography use. Journal of Sexual Health, v. 20, p. 187-199, 2008.
  • PENLEY, C. et al. Introduction the politics of producing pleasure. In: TRISTAN T., et al. The Feminist Porn Book: The politics of producing pleasure. New York: The Feminist Press, 2013. p. 9-20.
  • PENNY L. T.; PARRY, D. C. Normalizing dark desires? The medicalization of sex and women’s consumption of pornography. In: BRUNSKELL-EVANS, H. (ed). Performing sexual liberation: the construction of the sexual body and the medical authority of pornography. Cambridge Scholars Publishing, 2016. p. 81-94.
  • POULSEN, F. O.; BUSBY, D. M.; GALOVAN, A. M. Pornography use: Who uses it and how it is associated with couple outcomes. Journal of Sex Research, v. 50, n. 1, p. 72-83, 2013.
  • RAMLAGUN, P. Don’t call me weird, but I normally watch porn: girls, sexuality and porn. Agenda, v. 26, p. 31-37, 2012.
  • ROTHMAN, E. F. et al. Without porn... I wouldn’t know half the things I know now: a qualitative study of pornography use among a sample of urban, low-income, black and hispanic youth. Journal of Sex Research, v. 52, n. 7, p. 736-746, 2015.
  • RUBIN, A. M. Media uses and effects: a uses-and-gratifications perspective. In: BRYANT, J.; ZILLMANN, D. (ed.). Media effects: Advances in theory and research. Washington: Kent State University, 1998. p. 417-436.
  • SCHNEIDER, J. P. Effects of cybersex problems on the spouse and family. In: COOPER, A. (ed.) Sex and the Internet: A guidebook for clinicians. New York, 2002. p. 169-186.
  • SHAW, S. Men’s leisure, women’s lives: The impact of pornography on women’s lives. Leisure Studies, v. 18, n. 3, p. 197-212, 2010.
  • SINKOVIC, M.; STULHOFER, A.; BOZIC, J. Revisiting the association between pornography use and risky sexual behaviors: The role of early exposure to pornography and sexual sensation seeking. Journal of Sex Research, n. 50, p. 633-341, 2012.
  • SMITH, M. Youth viewing sexually explicit material online: Addressing the elephant on the screen. Sexuality Research and Social Policy, v. 10, p. 62-75, 2013.
  • STACK, S.; WASSERMAN, I.; KERN, R. Adult social bonds and use of Internet pornography. Social Science Quarterly, n. 85, n. 1, p. 75-88, 2004.
  • WANG, B.; DAVIDSON, P. Sex, lies and videos in rural China: a qualitative study of women’s sexual debut risky sexual behavior. Journal of Sex Research, v. 43, n. 3, p. 227-235, 2006.
  • WEINBERG, M. S. et al. Pornography, normalization and empowerment. Archives of Sexual Behavior, n. 39, p. 1389-1401, 2010.
  • WIMMER, R.; DOMINICK, J. La Investigación Científica de la Comunicación. Barcelona: Bosh, 1996.
  • YUCEL, D.; GASSANOV, M. A. Exploring actor and partner correlates of sexual satisfaction among married couples. Social Science Research, n. 39, p. 725-738, 2010.
  • ZILLMANN, D. Television viewing and physiological arousal. In: BRYANT, J; ZILLMANN, D. Responding to the Screen: reception and reaction processes. New Jersey: Lawrence Publishers, 1991. p. 103-134.
  • ZILLMANN, D. The experimental exploration of gratifications from media entertainment. In: ROSEGREN, E.; WENNER, L.; PALMGREEN, P. (ed.). Media Gratifications research. Beverly Hills: Sage Publications, 1985, p. 225-239.
  • ZILLMANN, D.; BRYANT, J. Pornography’s impact to sexual satisfaction. Journal of Applied Social Psychology, n. 18, p. 438-453, 1988.

Editado por

Editora responsável: Maria Ataide Malcher
Assistente editorial: Weverton Raiol

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2021
  • Aceito
    05 Nov 2022
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM) Rua Joaquim Antunes, 705, 05415-012 São Paulo-SP Brasil, Tel. 55 11 2574-8477 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: intercom@usp.br