Acessibilidade / Reportar erro

Um retrato da pesquisa em mídia pública no Brasil

Una imagen de la investigación de medios públicos en Brasil

Resumo

Apresentamos um levantamento das iniciativas recentes desenvolvidas institucionalmente no Brasil a respeito da mídia pública. A hipótese é que o crescimento quantitativo das pesquisas, que contribuem para a construção da mídia pública como objeto de estudo, sobretudo, no campo da Comunicação, é decorrente do aprofundamento das políticas públicas na área. A pesquisa baseia-se principalmente nos trabalhos apresentados na etapa nacional do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (INTERCOM), entre os anos de 2001 e 2015. A partir do levantamento dos títulos de trabalhos apresentados, verificamos tendências na pesquisa, que apontam para o crescimento da temática na área relacionada, principalmente, a aspectos políticos e econômicos. O avanço da pesquisa no meio está relacionado principalmente a dois casos referenciais nos estudos, a TV Brasil, criada em 2007, e a TV Cultura, emissora pública do Governo de São Paulo, criada há mais de 30 anos, indicando a relevância conjuntural para o interesse da pesquisa em mídia pública no Brasil.

Palavras chave
Mídia pública; Brasil; TV Cultura; TV Brasil; Comunicação

Resumen

Se presenta un estudio de las iniciativas recientes desarrollado institucionalmente en Brasil sobre los medios públicos. La hipótesis es que el crecimiento cuantitativo de la investigación que contribuya a la construcción de los medios públicos como objeto de estudio, especialmente en el campo de la Comunicación, se debe al fortalecimiento de las políticas públicas en el área. La investigación se basa principalmente en los documentos presentados en la fase nacional del Congreso Brasileño de Ciencias de la Comunicación (INTERCOM), entre los años 2001 y 2015. A partir de la encuesta de los títulos de los trabajos presentados, encontramos tendencias en la investigación, lo que demuestra el crecimiento de la materia en el campo relacionado, especialmente los aspectos políticos y económicos.También analizamos brevemente dos casos de referencia de estudios, la TV Brasil, fundada en 2007, y el TV Cultura, la cadena pública del Gobierno de São Paulo, creó más de 30 años, lo que indica la relevancia cíclica al interés del público en la investigación de los medios de comunicación en Brasil.

Palabras clave
Medios Públicos; Brasil; TV Cultura; TV Brasil; Comunicación

Abstract

The survey presented here is the result of recent initiatives developed institutionally in Brazil about the public media. The hypothesis is that the quantitative growth of research that contributes to the construction of public media as an object of study, especially in the Communication field, is due to the strengthening of public policies in the area. The research is mainly based on papers presented on the national stage of the Brazilian Congress of Communication Sciences (INTERCOM), between 2001 and 2015. From the survey of the titles of the works presented, we find trends in research, which shows the growth of the theme in the related field, especially the political and economic aspects. We also look briefly at two reference case studies, TV Brazil, established in 2007, and TV Cultura, the public broadcaster of São Paulo’s government, created more than 30 years ago, indicating the cyclical relevance to the research interest in public media in Brazil.

Keywords
Public Media; Brazil; TV Cultura; TV Brazil; Communication

Introdução

Por “comunicação pública” podemos entender a ação de emitir ou distribuir conteúdos de caráter público, mas que não definem se uma emissora é pública ou privada. Já o termo “mídia pública” pode ser entendido como sendo aquele que se constitui como meio de comunicação de massa e que compõem o campo público ligado direta ou indiretamente ao Estado, tendo como princípio fundamental – presente ou potencial – a mediação de informações e conteúdos, produção e emissão de conteúdos de interesse público. Enquadram-se nestas condições as tevês, rádios e impressos de natureza educativa, fundacional, autárquica, estatal, governamental, institucional (órgãos de governo e empresas públicas) e universitária (de instituições de caráter público) (CARVALHO, 2016aCARVALHO, Guilherme. Mídia pública no Brasil: do estatal ao não-comercial. Ação Midiática, Curitiba, UFPR, ed. 11, p.49-72, jan./jun. 2016a.).

A histórica prevalência de um modelo essencialmente comercial na radiodifusão brasileira contrasta com princípios da Constituição Federal que reconhece a coexistência dos sistemas privado, público e estatal, conforme artigo 223. Apesar disso, nos meios eletrônicos é perceptível a hegemonia das emissoras privadas seja nos índices de audiência, seja na sua capacidade de abrangência territorial ou ainda na qualidade técnica das produções. A discrepância se deve, sobretudo, à diferença da capacidade de investimento destes meios. Em 2015, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), gestora da TV Brasil, recebeu do governo federal a quantia de R$ 547,6 milhões (PEREIRA; BRESCIANE, 2016PEREIRA, Paulo; BRESCIANE, Eduardo. Gastos com a EBC chegam a R$ 3,6 bilhões desde sua criação. O Globo, Rio de Janeiro, 26 maio 2016. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/gastos-com-ebc-chegam-r-36-bilhoes-desde-sua-criacao-19379523>. Acesso em: 10 out.2016.
http://oglobo.globo.com/brasil/gastos-co...
). No mesmo ano, só a Globo Comunicação e Participações SA operou com uma receita líquida de R$ 2,1 bilhões, um valor quase quatro vezes maior que o da EBC, sem contar o arrecadado pelas outras grandes empresas privadas de comunicação (INTERVOZES, 2016INTERVOZES. Em meio à crise econômica, Globo tem lucro líquido superior a R$ 3 bi. Carta Capital, São Paulo, s/.n., s./p., 30 mar.2016. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/em-meio-a-crise-economica-globo-tem-lucro-liquido-superior-a-r-3-bi>. Acesso em: 10 out.2016.
http://www.cartacapital.com.br/blogs/int...
), donas de aproximadamente 95% da programação exibida em tevês e rádios pelo país.

Nos últimos anos algumas iniciativas institucionais que partiram do governo federal brasileiro têm fomentado um aprofundamento dos debates a respeito da mídia pública, em boa parte fundamentado na crítica ao sistema de comunicação público e privado. O país viveu, nos últimos anos, a possibilidade de estruturação de uma política de reorganização do sistema de comunicação brasileiro, prevendo a criação de uma rede que possibilitaria a exibição de uma programação diferenciada em relação aos meios de comunicação comerciais.

A criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em 2007, resultado de um movimento capitaneado pelo Ministério da Cultura, então ocupado por Gilberto Gil, a partir do qual se constituiu o Fórum Nacional de TV’s Públicas, conforme apontado por Tereza Cruvinel, primeira diretora presidente da empresa (PAULINO; SILVA, 2013PAULINO, Fernando; SILVA, Luiz Martins (Org.). Comunicação pública em debate: ouvidoria e rádio. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2013.), trouxe como proposta um novo olhar para a mídia pública contribuindo para uma maior diversidade sobre a compreensão do tema. Por outro lado, a TV Cultura, emissora pública do Governo de São Paulo, uma referência nos últimos 30 anos sobre televisão pública no Brasil, vivia um processo inverso que resultou na redução de sua capacidade de produção de conteúdos.

O cenário contribuiu para uma maior preocupação sobre o futuro da mídia pública no Brasil, expresso nos noticiários de diferentes meios de comunicação do país. Ao mesmo tempo verificou-se a consolidação da temática a partir da constituição de redes de pesquisa ligadas a universidades públicas como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que deram origem ao “Observatório da Radiodifusão Pública na América Latina”, além de uma série de estudos recentes que geraram livros, teses e dissertações sobre o assunto1 1 O Observatório de Radiodifusão apresenta uma lista com mais de 260 artigos, livros, teses e dissertações sobre rádio pública, TV pública e políticas de comunicação pública (OBSERVATÓRIO..., s./d.). . Também é possível encontrar o trabalho desenvolvido por coletivos como o Intervozes que tem acompanhado o desenvolvimento das emissoras públicas do Brasil comparando-a a realidades de outros países.

Expressa-se, portanto, uma preocupação no campo científico brasileiro que contribui para repensar o que vem sendo desenvolvido sobre meios de comunicação de massa por meio de radiodifusão e políticas públicas promovidas por governos e emissoras ligadas direta ou indiretamente a União, Estados ou Municípios.

Com o objetivo de contribuir para este debate, o artigo que apresentamos traz um levantamento das iniciativas recentes desenvolvidas institucionalmente no país e também no campo das Ciências da Comunicação. Por meio de dados obtidos em pesquisa documental, demonstramos o avanço científico a partir do qual a mídia pública se consolida como linha de pesquisa e objeto de estudo. Verificamos que o campo de conhecimento está fundamentado na Comunicação, na interface com Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas e na sua relação com vários outros campos como Direito, Sociologia, Política, Psicologia, entre outras.

Dentre os dados auxiliares, apresentamos também informações do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq, a partir do qual foram buscados registros de grupos de pesquisa certificados de instituições brasileiras. O trabalho mais denso desta pesquisa, no entanto, concentra-se em outra pesquisa documental, mais precisamente no levantamento e classificação dos trabalhos apresentados na etapa nacional do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (INTERCOM), entre os anos de 2001 e 2015, na categoria “Divisão Temática”. Utilizando o sistema de busca do site dos anais do INTERCOM, foram rastreados os trabalhos que tinham como palavras-chave “educativa”, “pública”, “estatal”, “governamental” e “universitária”. Após selecionados, os trabalhos foram lidos a partir dos resumos para identificar se de fato estavam enquadrados na temática.

A hipótese é que o crescimento quantitativo das pesquisas, que contribuem para a construção da mídia pública como objeto de estudo, sobretudo, no campo da Comunicação, é decorrente do aprofundamento e intensificação das políticas públicas na área que favorecem o desenvolvimento de iniciativas como da TV Brasil. O estabelecimento de relações entre governo, EBC, instituições de ensino superior e pesquisadores tem um papel central nos resultados expressos aqui.

Este artigo é parte de uma pesquisa iniciada em 2014 sobre mídia pública no Brasil, tendo gerado outros resultados e que ainda se encontra em andamento.

TV Cultura e TV Brasil: dois modelos em condições inversas

A TV Cultura, emissora pública do Estado de São Paulo, mantida pela Fundação Padre Anchieta, e a TV Brasil, da Empresa Brasil de Comunicação, empresa pública brasileira, são hoje as duas principais emissoras públicas de televisão do país. Pela qualidade e quantidade de produção e pelo alcance territorial, ambas têm buscado se tornar referências nacionais, procurando oferecer um conteúdo diferenciado em relação ao que exibe a mídia comercial.

A conjuntura política atual do Brasil contribui para um debate antagônico entre ambas as emissoras. O governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), do Partido dos Trabalhadores (PT), deu início a um projeto de comunicação que propunha ser alternativa aos meios comerciais e que culminou com a criação da EBC. A proposta foi percebida também como uma opção de programação ao que vinha sendo veiculada pela TV Cultura, de São Paulo. Nesse debate é preciso considerar que o governo federal era dirigido pelo PT e que o governo de São Paulo, pelo governador por Geraldo Alckmin, do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), na época os dois principais partidos do país e marcadamente oposto, ao menos nas estratégias políticas para as eleições.

Para o senso comum, a EBC poderia ser entendida como uma rede a serviço dos interesses do PT e a TV Cultura como uma emissora a serviço dos interesses do PSDB, fazendo da máquina pública do Estado uma estrutura para o atendimento de interesses político-partidário ou particulares. Nesse sentido, exige-se um esforço de vigilância ainda maior do campo científico, no sentido de evitar as idiossincrasias. A existência dos conselhos representa, em alguma medida, a possibilidade de assegurar maior autonomia editorial na produção e exibição de conteúdos2APARATO estatal de notícias custa R$ 900 mi. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 21 abr.2013. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,aparato-estatal-de-noticias-custa-r-900-mi-imp-,1023632>. Acesso em: 15 jul.2015.
http://politica.estadao.com.br/noticias/...
, superando o histórico problema de aparelhamento estatal das emissoras públicas do país.

O crescimento da capacidade de geração de conteúdo tanto da TV Brasil como da TV Cultura estão diretamente relacionados aos investimentos recebidos por ambas. Em 2007, o orçamento da TV Cultura ficou em R$ 130 milhões. No mesmo ano a EBC recebeu R$ 572 milhões (VALENTE, 2009VALENTE, Jonas. Concepções e abordagens conceituais sobre sistema público de comunicação. In: Sistemas públicos de comunicação no mundo: experiências de doze países e o caso brasileiro. São Paulo: Paulus: Intervozes, 2009. p.25-45.). Para se ter uma ideia do que isso significa, em 2005 o orçamento estimado somado de todas as 18 emissoras associadas a Abepec chegou a R$ 407 milhões (DIAGNÓSTICO..., 2006DIAGNÓSTICO do Campo Público de Televisão. In: I FÓRUM NACIONAL DE TV´S PÚBLICAS: Brasília: Ministério da Cultura, 2006.).

Os valores, muito superiores às demais emissoras públicas do país, como é o caso das “educativas”, permite que tanto a TV Cultura como a TV Brasil se tornem referências na produção pública e acabem ocupando boa parte da grade das outras emissoras públicas.

Pela capacidade de produção, a TV Cultura e a TV E Brasil são as grandes municiadoras de conteúdos para a rede: 40% das emissoras associadas (AL, AM, BA, ES, RN, SC e TO) ocupam entre 80% a 95% de sua grade de programação com material gerado pelas duas. A programação captada da TV Cultura representa em média 46,47%, variando de 83,16% (TVE/AL) a 10,29% (TVE/ MT), e a da TVE Brasil ocupa uma média de 30,11%, da grade das emissoras associadas, variando de 5,46 % (TVC/SC) a 83,24 % (TVE/MA) (DIAGNÓSTICO..., 2006DIAGNÓSTICO do Campo Público de Televisão. In: I FÓRUM NACIONAL DE TV´S PÚBLICAS: Brasília: Ministério da Cultura, 2006., p.47).

Mas se comparado apenas aos valores de verbas publicitárias repassadas pelo governo federal para as emissoras comerciais de televisão do país, percebe-se que o repasse para a mídia pública brasileira ainda é muito pequeno em comparação com o sistema privado.

Em 2012, segundo Valente (2009)VALENTE, Jonas. Concepções e abordagens conceituais sobre sistema público de comunicação. In: Sistemas públicos de comunicação no mundo: experiências de doze países e o caso brasileiro. São Paulo: Paulus: Intervozes, 2009. p.25-45., o governo repassou mais de R$ 1,1 bilhão para as empresas de televisão privadas do país, compostas basicamente por quatro grandes redes: Globo, SBT, Record, Band. A arrecadação destas empresas no ano de 2007 foi de R$ 10 bilhões. Os números demonstram a discrepância entre a mídia pública e privada no Brasil e ajudam a explicar porque esta consegue garantir maiores índices de audiência do que aquela.

De acordo com o Ibope, a TV Cultura chega a atingir, no horário nobre na região da Grande São Paulo, entre 0,6 e 0,8 pontos no índice de audiência, o que é considerável se comparado com outras emissoras privadas do país. A TV Brasil não chega a marcar índice algum, permanecendo no chamado “traço”. Mas só a Globo tem uma média de 26 pontos no mesmo período de tempo. Somadas a pontuação das demais emissoras privadas, elas ultrapassam os 50 pontos.

Tabela 1
Dados do Ibope na Grande São Paulo para televisão em 2012

No caso da TV Cultura, o repasse do Governo do Estado de São Paulo para a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da emissora, os valores correspondem a cerca de 70% do total arrecadado. Em 2013, o montante chegou a R$ 193 milhões. O restante dos valores é arrecadado por meio de lei de incentivo à cultura, apoio cultural e venda de programas. O crescimento financeiro, no entanto, não impediu que uma crise se instalasse na emissora. Desde 2003, a TV Cultura vem passando por uma série de reformulações estruturais que incluem a venda de horários para empresas privadas, como é o caso da Folha de São Paulo com o programa TV Folha, redução de funcionários, mais de 200 nos últimos anos, sucateamento da estrutura e equipamentos e reformulação da grade com redução de produção de conteúdos e aumento de retransmissão de outras emissoras (REIMBERG, 2006REIMBERG, Maurício. Sob críticas, TV Cultura reformula sua grade. Carta Maior, São Paulo, 22 jun. 2006. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/Sob-criticas-TV-Cultura-reformula-sua-grade/12/10519>. Acesso em: 15 jul.2015.
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/...
).

Apesar dos cortes, a TV Cultura ainda é reconhecida pela qualidade de sua produção e como referência de mídia pública, principalmente por programas como Roda Viva3 3 Programa de entrevista exibido desde 1986, com formato de entrevista coletiva a partir de entrevistadores e entrevistados diferentes a cada edição. É exibido semanalmente na TV Cultura e retransmitido por várias emissoras educativas. , Jornal da Cultura e pela sua programação infantil. Aliado à história da emissora, a mais antiga dentre as públicas em atuação desde sua compra pelo governo paulista em 1969, a TV Cultura inclui o canal de TV a cabo Rá-tim-bum, Univesp TV, que reúne a produção de tevês universitárias públicas de São Paulo, e as rádios Cultura Brasil e Cultura FM. A rede conta também com 90 emissoras afiliadas, o que lhe garante a liderança na retransmissão de seus conteúdos, sobretudo por canais educativos.

A programação de segunda a sexta-feira da TV Cultura é marcada pelo predomínio de conteúdo voltado para o público infantil. Pela manhã são exibidas três horas de desenhos, séries e peças infantis e mais seis horas à tarde. Os telejornais ao meio-dia e às 21 horas somam duas horas de notícias. Destacam-se ainda programas de cultura como Metrópolis e o”, exibidos à noite. O restante do conteúdo fica reservado para documentários e telecursos, estes exibidos durante as madrugadas, além de reprises dos programas próprios que preenchem o restante da grade de programação que mantém a TV 24 horas no ar.

A EBC surgiu sob expectativas de entidades que congregam pesquisadores na área da Comunicação, entidades sindicais de jornalistas e organizações da sociedade civil4 4 Pode-se listar instituições como a Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares Estudos da Comunicação (INTERCOM), International Association for Media and Communication Research (IAMCR), Associação Latino-Americana de Investigadores da Comunicação (Alaic), Confederação Ibero-Americana das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Confibercom), Federação das Associações Lusófonas de Ciências da Comunicação (Lusocom), além da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Fórum Nacional da Democratização da Comunicação (FNDC) (PAULINO; SILVA, 2013). de que assumiria o posto de referência em mídia pública no Brasil, tanto pela sua capacidade de produção em quantidade, quanto em qualidade. Uma análise da grade de programação da TV Brasil, realizada em 2015 para nossa pesquisa, aponta a existência de 20 programas jornalísticos, sendo que diariamente são exibidas 5h30 de jornalismo (PROGRAMAÇÃO..., s./d.PROGRAMAÇÃO. TV Brasil. Brasília: TV Brasil, s./d. Disponível em: <http://tvbrasil.ebc.com.br/programacao>. Acesso em: 16 jul.2015.
http://tvbrasil.ebc.com.br/programacao...
). Além disso, a emissora apresenta uma grade diversa de conteúdos, incluindo produções de outras emissoras públicas como a própria TV Cultura e outras educativas, além de emissoras públicas de outros países. Cerca de 26% do conteúdo exibido pela TV Brasil diariamente são de produções próprias.

“Nessa meia década, o sinal da TV Brasil, que emprega 479 funcionários, chega a 61% da população, com sete emissoras próprias e 45 afiliadas. A audiência, porém, é baixa. Em 2012, a preferência pelo canal na Grande São Paulo variou de 0,06 a 0,11 ponto no Ibope” (APARATO..., 2013APARATO estatal de notícias custa R$ 900 mi. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 21 abr.2013. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,aparato-estatal-de-noticias-custa-r-900-mi-imp-,1023632>. Acesso em: 15 jul.2015.
http://politica.estadao.com.br/noticias/...
).

É preciso considerar que a programação da TV Brasil varia mais dependendo do dia da semana – são cerca de 150 programas exibidos em diferentes dias da semana – apesar de manter horários fixos para determinados públicos. Pela manhã, são exibidos mais programas educativos. A partir das 8 horas, começa a programação infantil com desenhos e séries, que dominam a maior da grade. Os programas infantis vão até as 16 horas, mas são cortados ao meio pelo Repórter Brasil, o telejornal da emissora, com duração de uma hora, com edição à noite também. A partir do final da tarde são exibidos programas de variedade e de debate como o Sem Censura. Após o telejornal, às 22 horas, são exibidos programas de cultura ou documentários como o Caminhos da Reportagem e, em seguida, filmes. A programação da madrugada é marcada por reprises de conteúdos próprios da TV Brasil e telecursos.

Dentre as questões a serem resolvidas pela EBC, seguindo o que prevê o I Fórum das TVs Públicas, estava a necessidade de reafirmação da autonomia e independência editorial, para garantir credibilidade para a emissora. “Com a TV Brasil se inaugurava no Brasil a oferta de televisão efetivamente pública, e não de exploração privada ou estatal, como as demais emissoras até então em funcionamento” (COUTINHO, 2015b_______. Sobre o (tele)jornalismo público: conceitos e métodos de análise. In: COUTINHO, Iluska (Org.). A informação na TV pública. Florianópolis: Insular, 2015b. p.21-39., p.28).

Dentre os critérios debatidos para a defesa da qualidade na produção, ressaltase os aspectos que diferenciam o conteúdo da TV Brasil para o das chamadas emissoras educativas ou comerciais. Coutinho (2015b)_______. Sobre o (tele)jornalismo público: conceitos e métodos de análise. In: COUTINHO, Iluska (Org.). A informação na TV pública. Florianópolis: Insular, 2015b. p.21-39. lista elas: o maior aprofundamento dos temas e consequentemente maior tempo de reportagem, prevalência de notícias de interesse público, isenção de relatos e pluralidade de opiniões. Esse último liga-se essencialmente à produção jornalística e parece ser um dos aspectos centrais no debate. “A perspectiva de pluralidade de vozes no telejornalismo público orientaria a constituição dos programas jornalísticos em uma emissora pública como espaço para o exercício do direito à comunicação, para além do direito à informação de qualidade, aferida segundo parâmetros de excelência” (COUTINHO, 2015b_______. Sobre o (tele)jornalismo público: conceitos e métodos de análise. In: COUTINHO, Iluska (Org.). A informação na TV pública. Florianópolis: Insular, 2015b. p.21-39., p.30). Soma-se ainda o tratamento ao telespectador como cidadão e não consumidor, além do estímulo à participação, maior relevância para temas relacionados a direitos humanos e representação dos diferentes grupos identitários do país.

A partir do estudo de diversos programas da TV Brasil, Coutinho et al. (2015a)COUTINHO, Iluska (Org.). A informação na TV pública. Florianópolis: Insular, 2015a. reconhece o avanço promovido pela emissora em termos de qualidade e verifica o cumprimento de boa parte dos critérios aprovados no Fórum, mas traça também questões que ainda merecem revisão pela emissora.

A construção de um “Sistema Público de Comunicação no Brasil” previa a constituição de uma rede na qual se compartilhariam conteúdos entre as emissoras universitárias, educativas e institucionais, tendo a TV Brasil como “cabeça de rede”.

Pelo documento do Fórum, a proposta para as emissoras públicas é que servissem de modelo para qualificar o conteúdo exibido, dirigindo-se para o público infantil e jovem, além da produção de conteúdos informativos e de debate que proponham a reflexão e assegurassem credibilidade ao veículo. Não por acaso, a programação infantil da TV Brasil é exemplar, seguindo o modelo desenvolvido pela inglesa BBC, que serve de inspiração também em partes para a TV Cultura, que tem como um de seus maiores sucessos de audiência programas como Castelo Rá-tim-bum e Có-có-ri-có.

Essa estratégia partia de uma análise crítica da realidade que visava à formação de um novo público. Em primeiro lugar, as emissoras do campo público ou estatal não produzem conteúdo suficiente para preencherem suas grades de programação. Em segundo, a qualidade do que vem sendo exibido nessas emissoras está abaixo do que seria aceitável. Em terceiro, não existe um sistema integrado que tenha condições de se impor como uma alternativa significativa para os meios comerciais. E, por último, seria necessária a reformulação dos mecanismos de gestão das emissoras, prevendo maior participação social e democracia.

Vistas em seu conjunto, o que as emissoras públicas oferecem ao público, salvo exceções [...] é uma versão piorada de formatos comerciais desgastados. Quase nunca supera o triste patamar do traço em audiência. Pior: a quase totalidade dessas instituições não sabe o que é – e jamais praticou – a independência editorial, resigna-se a bajular os governantes de ocasião. Em seus noticiários, muitas delas operam como se fossem assessorias particulares dos ocupantes do Executivo (BUCCI, 2008BUCCI, Eugênio. A razão de ser das emissoras públicas na democracia. Interesse Nacional, São Paulo: USP, v.1, n.1, p.65-75, abr./jun. 2008. Disponível em: <http://www.producao.usp.br/handle/BDPI/32440/>. Acesso em: 10 jul. 2015.
http://www.producao.usp.br/handle/BDPI/3...
, p. 67).

A crítica está associada ao desinteresse de governantes em fazer principalmente das emissoras educativas, meios de comunicação que atuem de maneira independente dos interesses político-partidários do gestor. Um problema que se liga ao modelo implantado no país, ainda em vigência, e que exprime o drama principalmente das emissoras educativas, cuja programação é marcada pelo controle editorial do estatismo.

As brechas na legislação, ampliadas pela nova conjuntura que beneficiava os interesses privados, fez com que as emissoras educativas do país herdassem o modelo institucional, facilitando o uso para o atendimento de interesses político-partidários, sem que concorressem com os interesses privados. Assim, não era política de Estado constituir emissoras que disputassem audiência com as emissoras privadas. Ao contrário, as estatais atuavam (e ainda atuam em sua maioria) com baixa qualidade de conteúdo e pouca produção própria, relegadas a canais inexpressivos ou com baixíssima audiência (CARVALHO, 2016b_______. O drama da comunicação pública no Paraná. Revista Famecos, Porto Alegre: PUC-RS, v.3. n.1, p.1-20, jan./abr. 2016b., p. 5).

A mudança para um sistema de comunicação efetivamente público não dependeria apenas de investimentos ou produção de qualidade. No entendimento dos participantes do Fórum, ela passava por uma mudança na maneira de gerir as emissoras, seguindo o exemplo do que já ocorre em outros países, que contam como emissoras públicas geridas por conselhos nos quais participam membros de organizações da sociedade civil, de modo a diminuir o poder de pressão dos governantes sobre o conteúdo a ser exibido.

Outra iniciativa inspirada também em outros países, conforme relato de Laurindo Leal Filho, em Paulino e Silva (2013)PAULINO, Fernando; SILVA, Luiz Martins (Org.). Comunicação pública em debate: ouvidoria e rádio. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2013., foi a constituição da “Ouvidoria da EBC”, cuja principal atribuição era estabelecer pontes entre o público e o Conselho Curador, em uma espécie de ombudsman, para garantir que houvesse contribuições da sociedade a respeito do conteúdo exibido ou publicado pela empresa.

Dentre os modelos reconhecidos, podem ser citados a France Television, na Alemanha, a ARD e a ZDF, no Canadá, a CBC, a PBS americana, a RTP portuguesa e a TVE espanhola. Todas funcionam por meio de gestão de conselhos. A TV Cultura funciona com relativa autonomia por meio da Fundação Padre Anchieta, já que uma parte dos participantes do conselho curador da instituição é proveniente de organizações da sociedade civil. A EBC funcionava de maneira parecida até setembro de 2016, ou seja, por meio de conselhos no qual a maior parte dos participantes era indicada por organizações da sociedade civil.

A democratização na gestão das emissoras públicas seria uma condição imprescindível para a mudança no modelo atual. Segundo Bucci (2008, p. 73)BUCCI, Eugênio. A razão de ser das emissoras públicas na democracia. Interesse Nacional, São Paulo: USP, v.1, n.1, p.65-75, abr./jun. 2008. Disponível em: <http://www.producao.usp.br/handle/BDPI/32440/>. Acesso em: 10 jul. 2015.
http://www.producao.usp.br/handle/BDPI/3...
, “a comunicação pública exige, portanto, que a gestão seja efetivamente pública, quer dizer, que esteja a cargo de um conselho formado por integrantes capazes de representar a sociedade, investidos de poder de fato e de mandato definido”.

Evidências da ascensão da mídia pública

A situação da mídia pública brasileira tem fomentado importantes debates acadêmicos, impulsionados pelas iniciativas em esferas governamentais, da sociedade civil ou acadêmica. Em 1998, algumas das principais emissoras ligadas diretamente a governos estaduais do Brasil criaram a Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (ABEPEC). Um ano depois, foi constituída a Rede Pública de Televisão, em que as emissoras associadas transmitem, em tempo real, uma programação de alto nível, para todo o território nacional. Dentre os principais objetivos, previa-se

congregar emissoras públicas que operam exclusivamente a radiodifusão de conteúdo de natureza educativa, sem fins lucrativos; definir e implementar projetos estratégicos para o fortalecimento financeiro, a atualização tecnológica e o aperfeiçoamento da programação das associadas; e representar os interesses da televisão educativa e cultural perante os poderes constituídos (ABEPEC, s./d.ABEPEC. Objetivos sociais. São Paulo: Abepec, s./d. Disponível em: <https://pt.scribd.com/presentation/32226437/ABEPEC-Associacao-Brasileira-das-Emissoras-Publicas-Educativas-e-Culturais>. Acesso em: 16 jul.2015.
https://pt.scribd.com/presentation/32226...
).

Em 2006, realizou-se o I Fórum Nacional de TVs Públicas, a partir do qual foi publicado o “Diagnóstico do Campo Público de Televisão”, organizado pelo Ministério da Cultura. O documento traça a política do Governo Federal para a constituição de uma rede nacional pública que tem como principal motor a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Também se estabelecem diretrizes para as emissoras não comerciais e não comunitárias. Dentre elas estão: 1) à forma de gestão (editorial e administrativa), que deve caber à sociedade e não ao governo; 2) aos fins (não-comerciais); 3) à universalidade de acesso; e, também, 4) ao compromisso de sua programação com os valores da democracia e dos direitos humanos (DIAGNÓSTICO..., 2006DIAGNÓSTICO do Campo Público de Televisão. In: I FÓRUM NACIONAL DE TV´S PÚBLICAS: Brasília: Ministério da Cultura, 2006.).

O tema também passou a fazer parte das pautas de organizações ligadas à luta pela democratização dos meios de comunicação mais recentemente. Em sua proposta de “Lei da Mídia Democrática”, elaborada durante o “Seminário Desafios da Liberdade de Expressão”, em 2012, o Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC) traz a defesa de um fundo público composto por parte de impostos captados de emissoras privadas para custear as emissoras públicas do país, permitindo que elas se estruturem sem depender da venda de anúncio publicitário ou de interesses empresariais.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) aprovou, em seu último congresso, realizado em 2014, uma tese na qual reconhece como positivo os esforços do Governo Federal no investimento na EBC e denuncia os “desmontes” realizados em algumas emissoras mantidas por governos estaduais, demonstrando uma preocupação com o tema, entre elas a TV Cultura, a Rede Minas e a RTVE-PR.

Em 2013, a Rede de Pesquisadores em Telejornalismo (Telejor), ligada a Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), e composto por pesquisadores de diferentes instituições de ensino, publicou o resultado de uma minuciosa pesquisa sobre a qualidade da programação de emissoras públicas, entre elas a EBC e a TV Cultura. O trabalho, ao que tudo indica, tem tido continuidade e é custeado por instituições de fomento à pesquisa como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Outro trabalho que merece reconhecimento no campo acadêmico é o que realiza o Coletivo Intervozes, que reúne intelectuais, profissionais e ativistas no debate sobre direito à comunicação no Brasil. Em 2009, o grupo publicou uma coletânea de artigos a respeito dos sistemas públicos de comunicação em diferentes países, com especial atenção para o Brasil.

Em 2011, o Laboratório de Políticas de Comunicação, da Universidade de Brasília (UnB), em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), criaram o Observatório da Radiodifusão Pública na América Latina, um site que reúne artigos, notícias, teses, dissertações, livros, relatórios e informações sobre comunicação pública em diferentes países da América do Sul, mas com foco na situação brasileira.

Trata-se de um espaço público online, de tipo think tank, que promove discussão, análises e diagnósticos referentes aos avanços e impasses na estruturação e manutenção dos sistemas públicos de radiodifusão na América Latina, utilizando indicadores e ferramentas metodológicas de caráter quantitativo e qualitativo. As emissoras de rádio e televisão públicas são analisadas a partir dos instrumentos de participação da sociedade na administração, dos seus modelos de gestão, das formas e fontes de financiamento, dos processos de produção e distribuição dos conteúdos produzidos e também, a partir da verificação da existência de mecanismos sociais de avaliação do conteúdo e da qualidade da programação” (PORQUÊ ..., s./d.PORQUÊ um observatório de radiodifusão pública. Observatório da Radiodifusão Pública na América Latina. Brasília: UnB, s./d. Disponível em: <http://www.observatorioradiodifusao.net.br/index.php/o-observatorio/apresentacao>. Acesso em: 16 jul.2015.
http://www.observatorioradiodifusao.net....
; s./p.)

Utilizando a busca do Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), é possível encontrar uma lista de grupos e/ou linhas de pesquisa certificados cujas temáticas incluem a “comunicação pública” e a “TV pública”. Partindo do conceito de mídia pública exposto inicialmente, verifica-se a existência de nove grupos de pesquisa no Brasil, aos quais estão vinculadas 15 linhas nas quais a mídia pública constitui-se como objeto de estudo.

O quadro 1 pode ser lido não apenas como evidência do pouco tempo da pesquisa na área no Brasil, mas principalmente como amostra do crescimento do interesse dos pesquisadores, sobretudo da área da Comunicação, a respeito dos meios de comunicação pública. Os primeiros grupos iniciaram pesquisas em apenas em 2008, sendo as universidades federais do Rio Grande do Sul e Fluminense as pioneiras. A UnB é a que concentra o maior número de linhas de pesquisa, seguida da UFRGS e da EBC, esta a única instituição que não se enquadra no ramo do ensino superior, indicando a relação da empresa não apenas com a produção, mas também com a pesquisa. No que diz respeito à área de concentração, verifica-se o predomínio da Comunicação, sendo oito grupos que se declararam nesta área e apenas um na Ciência Política.

Quadro 1
Lista de grupos e linhas de pesquisa sobre mídia pública

O Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (INTERCOM), promovido anualmente, também apresenta um crescimento e uma consolidação na quantidade de artigos publicados nas “Divisões Temáticas” sobre mídia pública. Em levantamento realizado para este artigo, constatou-se que foram apresentados 90 trabalhos entre os anos de 2001 e 2015, apenas na etapa nacional do evento. Utilizando o sistema de busca do site dos anais do INTERCOM, foram rastreados os trabalhos que tinham como palavraschave “educativa(o)”, “pública(o)”, “estatal”, “governamental” e “universitária(o)”. Após selecionados, os trabalhos foram lidos a partir dos resumos para identificar se de fato estavam enquadrados na temática. Selecionamos aqueles que, de algum modo trataram do tema, seja com estudos de caso, seja com debates teóricos, seja a partir de políticas públicas ou de questões relacionadas à tecnologia.

A partir do levantamento dos trabalhos, conforme Congressos (2016)CONGRESSOS nacionais. Intercom. São Paulo, s./d. Disponível em: <http://www.portalintercom.org.br/eventos/congresso-nacional/apresentacao5>. Acesso em 10 jul.2016.
http://www.portalintercom.org.br/eventos...
, observamos a predominância de pesquisadores ligados a universidades federais, com destaques para a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) com dez trabalhos, boa parte coordenada pela professora Iluska Coutinho, uma das líderes da Rede de Pesquisadores em Telejornalismo (Telejor). A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade de Brasília (UnB) contam com seis trabalhos e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), vem em seguida com cinco trabalhos. A liderança destas instituições em pesquisas sobre mídia pública pode também estar relacionada aos investimentos feitos por instituições federais como a Capes e o CNPq, que têm financiado pesquisas e pesquisadores que trabalham com o tema, o que demonstra a preocupação de organizações ligadas ao governo federal em incentivar pesquisas que possam contribuir com políticas públicas de comunicação.

Observando outras informações a partir do levantamento, verificam-se outras questões que contribuem para compreender melhor como têm atuado os pesquisadores sobre mídia pública.

Gráfico 1
Trabalhos apresentados sobre mídia pública no INTERCOM (por ano) (2001-2015)
Gráfico 2
Trabalhos apresentados sobre mídia pública no INTERCOM (por tema) (2001-2015)
Gráfico 3
Trabalhos apresentados sobre mídia pública no INTERCOM (por abrangência) (2001-2015)

Como pode ser observado no gráfico 1, os trabalhos apresentados nos últimos congressos do INTERCOM apontam para uma consolidação do objeto de estudo. A quantidade significativa de trabalhos relacionados a este tema começa a aparecer em 2006, justamente no ano em que ocorreu o I Fórum de TVs Públicas. A exceção é o ano de 2003, quando foram apresentados oito trabalhos, sendo a maioria no grupo de Mídia Sonora, coordenado pelos professores Valci Zucoloto e Eduardo Meditsch, da UFSC.

O gráfico 2 foi organizado de modo a associar determinados temas a partir de grupos com nomenclaturas parecidas, já que os nomes dos grupos do INTERCOM passaram por algumas mudanças nesse período e novos grupos foram criados. A maior parte dos trabalhos se liga às questões políticas, impulsionada pelas ações governamentais em nível federal que promoveu avanços por meio de investimentos e debates sobre o assunto. O tema também é recorrente nos grupos relacionados a rádio, demonstrando que existe uma preocupação com este meio, principalmente as “educativas”, no qual sobressaem os estudos de caso.

Já no que diz respeito à abrangência, observa-se a predominância dos trabalhos que se ativeram às análises de emissoras nacionais ou que produzem conteúdos retransmitidos para emissoras regionais, como é o caso da TV Brasil e da TV Cultura (gráfico 3). Isso pode ser explicado pelo fato de que o INTERCOM tem etapas regionais e uma etapa nacional, de modo que os grupos que podem ter artigos que se concentram em casos locais acabam aparecendo mais nas etapas regionais, enquanto que os trabalhos sobre emissoras maiores acabam ganhando mais relevância na etapa nacional do congresso.

Analisando os três gráficos, pode-se dizer que as pesquisas em mídia pública apresentadas na categoria “Divisão Temática” no Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (INTERCOM Nacional) têm como traço a abordagem político/econômica para os meios rádio e tevê, principalmente em âmbito nacional. Chama atenção a curva de crescimento do objeto de pesquisa nos últimos anos, sobretudo no último ano de análise, quando o tema atinge seu pico na série histórica.

Considerações finais

O levantamento que apresentamos aponta o surgimento de várias iniciativas que estão resultando em novas pesquisas, como grupos de estudo e redes de pesquisadores que estão se atendo de maneira mais aprofundada sobre a mídia pública, rompendo com anos de escassa pesquisa sobre este assunto, salvo casos isolados.

A partir dos dados e da análise apresentados neste artigo, percebe-se um crescimento da quantidade de estudos que tem a mídia pública como objeto. As informações apresentadas aqui carecem, no entanto, de uma análise qualitativa para observar de que maneira a pesquisa tem contribuído para uma práxis no campo da comunicação pública no Brasil.

Duas questões merecem avaliação dos pesquisadores, a nosso ver. Em primeiro lugar, um aspecto que nos parece importante, mas que vem sendo pouco verificado são as tecnologias digitais de sites, redes sociais, ou mesmo a interação entre as plataformas tradicionais, a internet e os dispositivos móveis no que diz respeito à mídia pública. Este nos parece um campo bastante aberto a uma série de pesquisas, tendo em vista a existência de meios digitais em praticamente todas as emissoras públicas. O segundo aspecto, refere-se à relevância da pesquisa sobre meios públicos de comunicação no Brasil. É claro que, nos últimos anos, tem-se observado uma aproximação significativa entre a universidade e o debate sobre mídia pública. O próximo passo deve ser o que propõe uma integração ainda maior com vistas a uma produção de conhecimento que possa servir aos meios públicos e, consequentemente, à sociedade, seja na sensibilização sobre a importância da mídia pública, ainda que em tempos de retrocessos, seja na melhoria da qualidade da programação aliada a uma identificação popular.

Além dos cuidados que devem ser tomados em relação às visões preconceituosas ou com as influências político-partidárias as quais as pesquisas podem sofrer, é imprescindível que se estruture uma rede de pesquisadores em âmbito nacional que lhes permita compreender de maneira mais abrangente o que vem ocorrendo com os meios de comunicação públicos no Brasil, tomando também como referência a pesquisa dos demais países latino americanos que já conta com certa tradição sobre o estudo da mídia pública. Essa observação, aliada ao desenvolvimento científico na área, tem a difícil tarefa de procurar compreender o papel dessa mídia sem perder de vista as análises anteriores que construíram uma percepção altamente crítica sobre o frágil sistema público de comunicação no país.

  • 1
    O Observatório de Radiodifusão apresenta uma lista com mais de 260 artigos, livros, teses e dissertações sobre rádio pública, TV pública e políticas de comunicação pública (OBSERVATÓRIO..., s./d.).
  • 2
    No dia 2 de setembro 2016, por meio da Medida Provisória 744, Michel Temer, então no exercício da presidência da república, extinguiu o Conselho Curador da EBC, o que afeta a política pública antes traçada. O órgão era composto por 22 membros: 15 representantes da sociedade civil; quatro do Governo Federal; um da Câmara dos Deputados; um do Senado Federal; e um representante dos trabalhadores da EBC, e tinha como principal atribuição determinar aspectos do conteúdo e programação dos canais de comunicação da empresa (CONSELHO ..., 2016).
  • 3
    Programa de entrevista exibido desde 1986, com formato de entrevista coletiva a partir de entrevistadores e entrevistados diferentes a cada edição. É exibido semanalmente na TV Cultura e retransmitido por várias emissoras educativas.
  • 4
    Pode-se listar instituições como a Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares Estudos da Comunicação (INTERCOM), International Association for Media and Communication Research (IAMCR), Associação Latino-Americana de Investigadores da Comunicação (Alaic), Confederação Ibero-Americana das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Confibercom), Federação das Associações Lusófonas de Ciências da Comunicação (Lusocom), além da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Fórum Nacional da Democratização da Comunicação (FNDC) (PAULINO; SILVA, 2013PAULINO, Fernando; SILVA, Luiz Martins (Org.). Comunicação pública em debate: ouvidoria e rádio. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2013.).

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2015
  • Aceito
    17 Set 2016
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM) Rua Joaquim Antunes, 705, 05415-012 São Paulo-SP Brasil, Tel. 55 11 2574-8477 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: intercom@usp.br