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Quando o Jornalismo e as fontes disputam o controle da visibilidade pública: a cobertura do jornal O Povo sobre a fanpage de Cid Gomes

Cuando el periodismo y las fuentes disputan el control de la visibilidad pública: la cobertura del periódico O Povo sobre la fanpage en Facebook de Cid Gomes

Resumo

Com o intuito de investigar em que medida agentes do campo jornalístico e do campo político disputam o controle da esfera de visibilidade pública, o artigo examina a cobertura do jornal O Povo sobre a fanpage do ex-governador do Ceará (2007-2014), Cid Gomes. Por meio de Análise de Conteúdo, a seção empírica investiga 67 textos jornalísticos que trataram das postagens do então mandatário, verificando-se (i) o grau de relevância dos posts na construção das pautas e (ii) o tipo de conteúdo da fanpage que o periódico costuma repercutir. Conclui-se que O Povo ignorou a maioria das publicações nas quais Cid procurou construir uma imagem positiva de si. Além disso, a publicação relaciona a fanpage à informalidade e à polêmica, buscando manter o poder de agendamento do Jornalismo.

Palavras-chave
Jornalismo Político; Redes Sociais; O Povo; Cid Gomes; Análise de Conteúdo

Resumen

Procurando comprender en qué medida agentes del campo periodístico y del campo político disputan el control de la esfera de visibilidad pública, el artículo examina la cobertura del periódico brasileño O Povo acerca de la fanpage en Facebook del ex gobernador de Ceará (2007-2014), Cid Gomes. Aplicando un Análisis de Contenido, la sección empírica investiga 67 textos periodísticos que trataron de las publicaciones del representante, verificándose (i) el grado de relevancia de los posts en la construcción de las pautas y (ii) el tipo de contenido de la fanpage repercutido en el periódico. Se concluye que O Povo ignoró la mayoría de las publicaciones en las que Cid intenta construir una imagen positiva de sí mismo. El diario relaciona la fanpage a la informalidad y a la polémica, buscando mantener su poder de establecimiento de temas de discusión pública.

Palabras clave
Periodismo Político; Redes sociales; O Povo; Cid Gomes; Análisis de contenido

Abstract

The article aims to investigate the disputes involving agents from the journalistic and the political fields regarding the dispute over the control of public visibility. We consider as a case study the coverage provided by the O Povo newspaper about the Facebook page of Cid Gomes, the former governor of Ceará (2007-2014). By using Content Analysis, the empirical section investigates 67 journalistic texts covering Gomes’ posts in order to verify (i) the degree of relevance and (ii) the type of content published on the fanpage that achieved the newspaper’s attention. The results show that O Povo ignored most of the publications in which Gomes seeks to build a positive image of himself. At the same time, the publication tries to maintain its agenda-building power by associating the fanpage to informality and controversy.

Keywords
Political Journalism; Social Network Sites; O Povo; Cid Gomes; Content Analysis

Introdução

Diferentes pesquisas nacionais e internacionais na área de Comunicação têm refletido acerca de como os media digitais propõem desafios mercadológicos, profissionais e políticos ao Jornalismo (GANT, 2007GANT, S. We’re all Journalists Now. New York, NY: Free Press, 2007.; MORAES, 2011MORAES, A. A crise do Jornalismo e o discurso legitimador. Estudos, Goiânia, v.38, n.4, p.663-678, out/dez. 2011.; WOLTON, 2006WOLTON, D. É preciso salvar a comunicação. São Paulo: Paulus, 2006.; PALACIOS; DÍAZ NOCI, 2009PALACIOS, M.; DÍAZ NOCI, J. (Org.). Ciberperiodismo: Métodos de Investigación. Bilbao: Servicio Editorial de la Universidad del País Vasco, 2009.; NEVEU, 2010NEVEU, E. As notícias sem os jornalistas. Brazilian Journalism Research, v.6, n.1, 2010.; HAUSER; BERGER, 2015HAUSER, V.; BERGER, C. A crise do jornalismo. Revista Observatório, Palmas, v.1, n.2, p.117-135, set./dez. 2015.; BRUNS, 2011BRUNS, A. Gatekeeping, gatewatching, realimentação em tempo real: novos desafios para o jornalismo. Brazilian Journalism Research, v.7, n.2, p.119-140, 2011.). Dentre as questões mais debatidas, está a possibilidade de agentes de campos sociais diversos se utilizarem de dispositivos midiáticos a fim de atingir determinado público-alvo (COLEMAN, 2005COLEMAN, S. New mediation and direct representation. New Media & Society, v.7, n.2, p.177-198, 2005.). Mesmo que tal fenômeno não seja necessariamente novo, é cada vez mais comum notar que atores do campo político têm se dotado de mecanismos próprios de produção e difusão de conteúdo, construindo um conjunto de instrumentos classificados por Sant’Anna (2009)SANT’ANNA, F. Mídia das fontes. Senado Federal, 2009. como “mídias das fontes”.

É nesse cenário de profissionalização das fontes e de maior variedade de plataformas de emissão de conteúdos que Bardoel e Deuze (2001)BARDOEL, J.; DEUZE, M. Network Journalism: converging competencies of old and new media professionals. Australian Journalism Review, v.23, n.2, p.91-103, 2001. identificam a existência de novas práticas de mediação. Bruns (2011, p.137)BRUNS, A. Gatekeeping, gatewatching, realimentação em tempo real: novos desafios para o jornalismo. Brazilian Journalism Research, v.7, n.2, p.119-140, 2011. concorda com tal ideia ao afirmar que “os usuários de notícias são cada vez mais capazes de até ignorá-los [referindo-se aos jornalistas] para acessar informações em primeira mão de uma variedade de outras organizações e fontes”.

Assim, mostra-se legítimo questionar, na esteira de casos internacionais já examinados por autores como Friend e Singer (2007)FRIEND, C.; SINGER, J. Online Journalism ethics: Traditions and transitions. London: M.E. Sharpe, 2007. e Kovach e Rosenstiel (2001)KOVACH, B.; ROSENSTIEL, T. The Elements of Journalism. New York: Crown Publishers, 2001., o seguinte: de que maneira o Jornalismo reage ou procura se adaptar a tal desafio, concernente a seu papel de mediador? Quais estratégias as empresas do ramo empregam a fim de manter seu papel de representante do interesse público? Partindo-se dessas questões gerais, pretende-se examinar, neste artigo, um problema de pesquisa específico: como a utilização de redes sociais digitais por parte de agentes do campo político é abordada na cobertura jornalística?

Para dar conta de tal problemática, investiga-se a cobertura do jornal cearense O Povo sobre a página no Facebook de Cid Gomes, integrante do Partido Democrático Trabalhista (PDT) que governou o estado do Ceará entre 2007 e 2014. A intenção é compreender o teor da cobertura elaborada sobre a fanpage no período entre agosto de 2013 (quando a página é criada) até dezembro de 2015, com o intuito de averiguar de que modo o jornal percebe tal espaço enquanto fonte de informação. Embora Cid já não esteja mais no governo no ano de 2015, sua atuação no Facebook continuou sendo pautada pelo periódico (principalmente por ele ter se tornado Ministro da Educação de Dilma Rousseff), o que justifica a inclusão do referido ano no corpus.

A fim de ilustrar a pertinência do caso ora examinado, é possível mencionar as manifestações de diferentes jornalistas de O Povo sobre as estratégias de comunicação online de Cid. Em 2013, uma coluna do então ombudsman do periódico, Erivaldo Carvalho, foi dedicada a discutir o papel da imprensa na Era Digital, tendo como mote o anúncio feito por Cid (via Facebook) de que iria promover uma reforma do secretariado estadual. O texto, intitulado “Facebook, o pauteiro”1 1 Ver: https://is.gd/P3Yr2m. Acesso em: 9 jan. 2019. , chega a questionar a relevância do próprio Jornalismo a partir do momento em que as fontes passam a ter mais oportunidades para falar diretamente ao público. A visão de Carvalho, porém, contrasta com a de outro profissional de O Povo, o colunista Érico Firmo, que, em 20142 2 Ver: https://is.gd/gDnDqU. Acesso em: 9 jan. 2019. , defendeu que o Jornalismo permanece como a arena de mediação social das mais relevantes. Resta verificar, então, não as impressões pessoais de determinados jornalistas, mas o padrão geral de cobertura do periódico sobre as páginas de representantes políticos no Facebook, sublinhando-se a tensão verificada entre Cid e o jornal quanto ao controle da esfera de visibilidade pública e ao poder de mediar a informação.

O corpus empírico da pesquisa é composto por 67 textos publicados na versão impressa de O Povo entre 2013 e 2015. Todas as peças abordam o conteúdo das postagens de Cid. Por meio de Análise de Conteúdo (AC), são contempladas duas dimensões do fenômeno: 1) análise quanto à relevância dos posts de Cid na construção das pautas do jornal (ou seja, verifica-se em que medida a fanpage constituiu o mote principal de notícias e comentários, bem como qual visibilidade na estrutura das páginas do jornal tal material recebeu); e 2) análise quanto ao tipo de conteúdo da fanpage que acabou sendo repercutido pelo periódico.

Como ferramenta metodológica auxiliar, optou-se por realizar entrevistas com dois editores que atuaram à época no núcleo de Conjuntura do O Povo (FIRMO, 2016FIRMO, E. Entrevista concedida para a pesquisa. Fortaleza, 10 ago. 2016.; CORIOLANO, 2016CORIOLANO, I. Entrevista concedida para a pesquisa. Fortaleza, 11 ago. 2016.). Também foram entrevistados dois ex-assessores de imprensa de Cid (CABRAL, 2016CABRAL, M. Entrevista concedida para a pesquisa. Fortaleza, 4 ago. 2016.; SALES, 2016SALES, C. Entrevista concedida para a pesquisa. Fortaleza, 9 ago. 2016.). O objetivo de tais procedimentos foi elucidar questões complementares ligadas à dinâmica da cobertura e também às motivações do então gestor para se utilizar do Facebook. O acesso a informações de bastidores torna mais completa a análise e a discussão dos dados encontrados a partir da AC.

Na primeira parte do artigo, discute-se a questão da credibilidade jornalística na Era da comunicação digital, reconhecendo-se algumas das transformações nas rotinas de produção e no relacionamento de empresas e profissionais com as fontes. Em seguida, contextualiza-se o objeto de pesquisa, dando-se ênfase à fanpage de Cid e ao jornal O Povo. A terceira seção apresenta as estratégias metodológicas e os dados pertinentes à cobertura em questão. Por último, o artigo reflete, com base na literatura, acerca das descobertas da pesquisa.

Jornalismo, Política e a disputa pelo controle da visibilidade em sites de redes sociais

Investigar o discurso de autolegitimação do Jornalismo (SCHUDSON, 2008SCHUDSON, M. Why democracies need an unlovable press. Polity, 2008.; SOARES, 2009SOARES, M. Representações, jornalismo e a esfera pública democrática. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009.) implica observar de que modo esse campo se esforça para demonstrar ao público o quão relevante é (ROTHBERG, 2011ROTHBERG, D. Jornalismo público. São Paulo: Unesp, 2011.; MARQUES; MIOLA; SIEBRA, 2014MARQUES, F.; MIOLA, E.; SIEBRA, N. Jornalismo, assessoria de imprensa e seus condicionantes organizacionais. Animus, v.13, p.145-166, 2014.). Nesse contexto, asseverar a importância do Jornalismo por meio da “confiança” se torna um dos fundamentos que pautam a relação entre os periódicos e a audiência (ALSINA, 1996ALSINA, M. La construcción de la noticia. Barcelona, Buenos Aires, México: Paidós, 1996>.; CORNU, 1999CORNU, D. Jornalismo e verdade. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.; KARAM; CHIRSTOFOLETTI, 2011KARAM, F.; CHRISTOFOLETTI, R. Fundamentos jornalísticos para novos cenários éticos da informação. In: SILVA, G.; KÜNSCH, D.; BERGER, C.; ALBUQUERQUE, A. (Orgs.). Jornalismo Contemporâneo. Salvador: EDUFBA, p.79-100, 2011.; SODRÉ, 2009SODRÉ, M. A narração do fato: notas para uma teoria do acontecimento. Petrópolis: Vozes, 2009.; BENETTI, 2008BENETTI, M. O jornalismo como gênero discursivo. Galáxia (São Paulo), v.15, p.13-28, 2008.; SODRÉ; PAIVA, 2011SODRÉ, M.; PAIVA, R. Informação e boato na rede. In: SILVA, G.; KÜNSCH, D.; BERGER, C.; ALBUQUERQUE, A. (Orgs.). Jornalismo Contemporâneo. Salvador: EDUFBA, p.21-32, 2011.; MEYER, 2007MEYER, P. Os jornais podem desaparecer? Como salvar o jornalismo na era da informação. São Paulo: Contexto, 2007.).

Porém, ao mesmo tempo em que precisa reforçar uma imagem própria de credibilidade, o Jornalismo – especialmente no meio impresso – também enfrenta desafios relacionados à crescente velocidade com que os fatos são divulgados e atualizados no ambiente de comunicação digital (PALACIOS, 2010PALACIOS, M. Convergência e memória: jornalismo, contexto e história. MATRIZes, v.4, n.1, p.37-50, 2010.). A descentralização da produção de conteúdos e a possibilidade de atores externos ao Jornalismo difundirem informações a grandes audiências afetam a capacidade do jornal impresso de divulgar notícias exclusivas, por exemplo. O próprio surgimento do Jornalismo online tem provocado, já há alguns anos, transformações no que diz respeito ao “furo” jornalístico (BRUNS, 2011BRUNS, A. Gatekeeping, gatewatching, realimentação em tempo real: novos desafios para o jornalismo. Brazilian Journalism Research, v.7, n.2, p.119-140, 2011.; ADGHIRNI, 2004ADGHIRNI, Z. Valores-notícia e credibilidade no jornalismo online. In: II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO (SBPJOR), Salvador, 2004. Anais...). Por conta disso, a possibilidade de descentralização da produção de conteúdos impõe desafios que merecem mais atenção por parte dos investigadores (NEVEU, 2010NEVEU, E. As notícias sem os jornalistas. Brazilian Journalism Research, v.6, n.1, 2010.).

Ao lançarem mão de perfis e páginas em sites de redes sociais digitais, os agentes do campo político trilham um caminho alternativo para chegar ao cidadão, procurando reduzir, na medida do possível, sua dependência de visibilidade em relação à cobertura jornalística tradicional (THOMPSON, 2005THOMPSON, J. B. The new visibility. Theory, Culture & Society, v.22, n.6, p.31-51, 2005.; VAN AELST; SHEAFER; STANYER, 2012VAN AELST, P.; SHEAFER, T.; STANYER, J. The personalization of mediated political communication. Journalism, v.13, n.2, p.203-220, 2012.). Os media digitais, assim, têm sido explorados como canais aptos a permitirem uma interação mais direta com a audiência, atuando como alternativa para a divulgação de informações acerca de candidaturas, programas e realizações.

Estabelecem-se, então, zonas de disputa entre instituições jornalísticas e agentes do campo político pelo controle da esfera de visibilidade pública (GOMES, 2004GOMES, W. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004.).

Agindo como gatekeepers, os jornalistas controlam a visibilidade, o quanto as fontes devem receber a atenção que estão buscando e o tom das notícias. Por outro lado, as fontes das notícias detêm o controle da informação, mas, se são poderosas, também têm o poder de outorgar legitimidade às histórias

(STRÖMBÄCK; NORD, 2006STRÖMBÄCK, J.; NORD, L. W. Do Politicians Lead the Tango? European Journal of Communication, v.21, n.2, p.147-164, 2006., p.148).

Assim, apesar de possíveis variações na correlação de forças entre jornalistas e fontes, é possível afirmar que os periódicos, em determinadas ocasiões, continuam a exercer um papel de gatewatching ao monitorar perfis e páginas de representantes políticos (CANAVILHAS, 2010CANAVILHAS, J. Do gatekeeping ao gatewatcher: o papel das redes sociais no ecossistema mediático. In: II CONGRESO INTERNACIONAL COMUNICACIÓN 3.0: NUEVOS MEDIOS, NUEVA COMUNICACIÓN. Salamanca, Espanha, 4 out. 2010. Anais...). Tal postura abre espaço para um tipo de narrativa que alguns autores têm chamado de “adversária” (FALLOWS, 1997FALLOWS, J. Detonando a notícia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.; MOTTA, 2005MOTTA, L. A Análise Pragmática da Narrativa Jornalística. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. São Paulo: Intercom, 2005. Anais...; CLAYMAN, 2002CLAYMAN, S. 2002. Tribune of the people: Maintaining the legitimacy of aggressive journalism. Media, Culture & Society, v.24, p.197-216, 2002.; ERIKSSON; ÖSTMAN, 2013ERIKSSON, G.; ÖSTMAN, J. Cooperative or Adversarial? The International Journal of Press/Politics, v.18, n.3, p.304-324, 2013.).

Mas nem tudo é concorrência ou disputa: as redes de comunicação digital também têm auxiliado o acesso de profissionais do Jornalismo a declarações de agentes do campo político. Nesse sentido, a relação entre a cobertura jornalística e as formas de uso de sites de redes sociais constitui um objeto de estudo privilegiado, já que permite não somente compreender como agentes representativos se expressam com o intuito de atingir diretamente o público, mas, também, dá a oportunidade de se investigar em que medida a atividade jornalística se transforma para manter seu discurso de legítima mediadora da opinião pública.

Contextualização sobre o objeto de pesquisa

Cid Gomes, ex-governador do Ceará, filiado ao PDT, inaugurou uma página no Facebook em 26 de agosto de 2013: “Estou iniciando hoje uma fanpage. Sejam bem-vindos!!! Este será mais um espaço de cidadania”3 3 Ver: http://fb.me/3f2M81i7p. Acesso em: 9 jan. 2019. . Desde então, fez da página um ambiente para promover sua gestão, oferecer versões próprias sobre fatos polêmicos, criticar adversários ou responder a acusações4 4 Ver: www.facebook.com/Cid-F-Gomes-658216240856974/?fref=ts. Acesso em: 9 jan. 2019. . Até 9 de janeiro de 2019, a fanpage possuía 127 mil seguidores. O gerenciamento do espaço, segundo o ex-gestor e de acordo com dois de seus assessores entrevistados para esta pesquisa, era realizado diretamente por Cid (CABRAL, 2016CABRAL, M. Entrevista concedida para a pesquisa. Fortaleza, 4 ago. 2016.; SALES, 2016SALES, C. Entrevista concedida para a pesquisa. Fortaleza, 9 ago. 2016.).

Figura 1
Postagem de Cid Gomes no Facebook

Conforme relatou em entrevista o jornalista Marco Cabral, assessor do então governador cearense no período em que foram publicadas as matérias examinadas neste artigo, a relação com a imprensa foi um dos elementos a pautar as formas de uso que Cid Gomes conferiu ao Facebook.

Cid achava que, quando postava, tinha repercussão em todos os veículos. Para nós, da assessoria, era muito bom. Ao invés de produzirmos um conteúdo, escrever cheio de meandros, ele falava no Facebook dele e conseguia impactar os veículos. [...] A gente começou a se comunicar com a imprensa do Brasil. Ele ganhou mais autonomia. E sentiu isso, porque começou a gostar de fazer aquilo

(CABRAL, 2016CABRAL, M. Entrevista concedida para a pesquisa. Fortaleza, 4 ago. 2016.).

Uma vez que o objetivo do artigo é investigar de que modo a cobertura jornalística aborda o uso do Facebook por parte de líderes políticos, uma breve trajetória do jornal O Povo também merece destaque. O Povo é o periódico impresso mais antigo do Ceará, tendo completado 91 anos em janeiro de 2019.

De acordo com a “Direção de Mercado Leitor”, do Grupo de Comunicação O Povo, a circulação média do jornal em outubro de 2017, de segunda-feira a domingo, foi de 13.957 exemplares (venda avulsa e assinaturas)5 5 Dados repassados por e-mail pelo Diretor de Mercado Leitor de O Povo, Victor Chidid. De acordo com o “Atlas da Notícia”,Fortaleza registrou 0,87 consumo de veículo noticioso (jornal e site) por 100 mil habitantes. Ver: www.atlas.jor.br. Acesso em: 9jan. 2019. . O periódico possui uma Carta de Princípios6 6 Disponível em: http://bit.ly/2imnNKe. Acesso em: 9 jan. 2019. , datada de 1989, e um Código de Ética Jornalística7 7 Disponível em: http://bit.ly/2jTJoKd. Acesso em: 9 jan. 2019. , documentos nos quais aponta sua linha editorial.

Trata-se de um dos dois principais jornais do Ceará, ao lado do Diário do Nordeste. Ao contrário de seu principal concorrente, que integra um grupo empresarial cujos negócios se estendem a vários setores da economia, todas as empresas pertencentes ao Grupo O Povo atuam no ramo da comunicação – condição por vezes utilizada para conferir e ele status de maior autonomia jornalística. O noticiário de política é considerado um dos filões do jornal, tendo sido mote para postagens de Cid Gomes no Facebook – que, em diferentes ocasiões, utilizou links de textos de O Povo para comentar matérias ou criticar seus adversários. Já em relação ao Diário do Nordeste, não foi localizada menção nominal de Cid ao periódico no período compreendido por esta investigação. Em entrevista para esta pesquisa, dois exeditores de O Povo afirmaram que a relação do jornal com Cid Gomes, ao longo de seu mandato de governador, foi marcada por períodos ora harmônicos, ora conflituosos (FIRMO, 2016FIRMO, E. Entrevista concedida para a pesquisa. Fortaleza, 10 ago. 2016.; CORIOLANO, 2016CORIOLANO, I. Entrevista concedida para a pesquisa. Fortaleza, 11 ago. 2016.).

Entre agosto de 2013 e dezembro de 2015, foram identificados, por meio de pesquisa no acervo virtual e no banco de dados físico do jornal, um total de 67 textos publicados em O Povo impresso a abordarem o conteúdo das postagens de Cid. São textos de natureza noticiosa e opinativa, publicados em diversas editorias, que relatam, repercutem ou analisam as declarações do ex-governador na fanpage. A coleta foi realizada tanto no acervo virtual, quanto no físico, tendo-se combinado na busca, os termos “Cid Gomes”, “Facebook” e “fanpage”.

Análise empírica sobre as estratégias metodológicas

A fim de investigar o modo como o Facebook de Cid foi abordado na cobertura de O Povo, examina-se o conteúdo dos 67 textos publicados no jornal. Considera-se que a Análise de Conteúdo oferece contribuições importantes para a empreitada (CAREGNATO; MUTTI, 2006CAREGNATO, R.; MUTTI, R. Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo. Texto contexto enferm, v.15, n.4, p.679-84, 2006.). Bardin (1977, p.38)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. define tal abordagem como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utilizam procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”.

À luz dos pressupostos da AC, pretende-se realizar análises categoriais que funcionam “por operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamento analógicos” (CAREGNATO; MUTTI, 2006CAREGNATO, R.; MUTTI, R. Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo. Texto contexto enferm, v.15, n.4, p.679-84, 2006., p.683). Assim, os elementos analíticos são construídos à medida que os temas emergem nos textos (SILVA; FOSSÁ, 2015SILVA, A.; FOSSÁ, M. Análise de conteúdo: exemplo de aplicação da técnica para análise de dados qualitativos. Qualitas Revista Eletrônica, v.16, n.1, p.1-14, 2015.). Na Análise de Conteúdo aqui delineada, duas dimensões foram privilegiadas: (i) a relevância que as postagens tiveram na cobertura, seja na construção das pautas (se foram o mote principal das matérias, por exemplo), seja na estrutura hierárquica das páginas (se renderam manchetes, matérias secundárias ou outros tipos de retranca); e (ii) o tipo de conteúdo publicado por Cid que o jornal optou por repercutir.

A fim de operacionalizar a análise quanto à primeira dimensão, foram investigados 67 textos de O Povo com base nas seguintes perguntas: (i) qual o assunto central da notícia, comentário ou análise?; (ii) a narrativa ou análise central trata diretamente de uma declaração de Cid no Facebook?; e (iii) a postagem do governador é o elemento indutor da pauta ou aparece como pano de fundo para a descrição de outros fatos?

A partir de tais indagações, foi possível identificar semelhanças e diferenças entre os textos, o que favoreceu a construção de categorias aptas a demonstrarem os graus de importância dos posts em relação às pautas.

Já quanto à operacionalização da segunda dimensão de análise (conteúdo da fanpage repercutido pelo jornal), foi elaborada uma tipologia das postagens de Cid Gomes no Facebook – o que Bardin (1977)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. denomina “pré-análise” – em que se buscou organizar os dados e elaborar os indicadores adequados para identificar os padrões de conteúdo publicados na fanpage. As categorizações são alvo de detalhamento logo adiante.

Os tópicos a seguir trazem a apresentação dos dados concernentes à cobertura do jornal sobre a fanpage de Cid Gomes, bem como o detalhamento das categorias identificadas. Ressalte-se, ademais, que a exploração das dinâmicas de publicação do periódico vem acompanhada de reflexão acerca das opções editoriais da referida empresa jornalística.

Dimensão 1: Análise quanto à relevância das postagens na cobertura

Dos 67 textos que integram o corpus (todos eles a citarem a fanpage de Cid Gomes), 47 são noticiosos e 20 têm caráter opinativo (enquadram-se, especificamente, no subgênero coluna, já que a coleta não revelou outros tipos de texto opinativo, como cartas do leitor, editoriais e artigos). O primeiro aspecto a ser ressaltado é a existência de diferenças relevantes no modo como as mensagens de Cid são aproveitadas nas pautas. São observadas pelo menos três possibilidades às quais o jornal O Povo recorre ao abordar as postagens de Cid Gomes: (i) repercussão direta do conteúdo (o post é a motivação principal do texto jornalístico); (ii) repercussão indireta (o post serve de mote para a matéria, mas não é a questão central debatida); e (iii) o post como elemento de contextualização (a publicação é periférica ao argumento central).

Uma das providências tomadas com o intuito de conferir maior objetividade à classificação aqui proposta foi identificar a seção do texto em que surge a menção ao Facebook: no caso de peças noticiosas, verifica-se se a menção é feita no título, lead e sublead ou se nos parágrafos mais centrais e finais da notícia; no caso de textos opinativos, examina-se o mote principal da análise ao indicar se o texto se baseia no conteúdo do post para desenvolver um comentário ou se o utiliza apenas como referência periférica. O Gráfico 1 apresenta um resumo da distribuição dos textos por categorias de abordagem.

Gráfico 1
Distribuição dos textos de O Povo por tipo de abordagem do conteúdo publicado por Cid Gomes

Dos 67 textos do corpus, portanto, foram identificados 41 que trazem repercussão direta do conteúdo publicado por Cid:

Quadro 1
Textos de O Povo que fazem repercussão direta do conteúdo da postagem de Cid Gomes

Percebe-se que mais da metade dos textos do corpus (61,2%) utiliza as postagens como assunto central em notícias ou em peças de opinião – isto é, como elemento indutor da pauta, o que sugere a relevância do conteúdo publicado por Cid e o que comprova a função da fanpage como importante fonte de matéria-prima jornalística. A repercussão direta, inclusive, caracteriza boa parte das peças jornalísticas que integram a amostra analisada. Na notícia “Cid anuncia ingressos para show de Beyoncé no Facebook”, por exemplo, a menção à fanpage aparece tanto no título, quanto no primeiro parágrafo: “Para movimentar os comentários na sua fanpage pessoal no Facebook, o governador Cid Gomes anunciou sorteio de 10 ingressos para o show da cantora Beyoncé (...)” (GOMES, 2013GOMES, L. Cid anuncia sorteio de ingressos para show de Beyoncé no Facebook. O Povo, Fortaleza, 30 ago. 2013. Política.).

Em outro caso, na notícia intitulada “Cid Gomes defende legalidade da obra”, o post do então mandatário é, novamente, o elemento central da matéria, conforme indica o lead: “O ex-governador Cid Gomes saiu em defesa do Acquario Ceará, obra idealizada em seu governo. Pela rede social Facebook, (...) afirmou que ‘todos os atos para a contratação da construção obedeceram a rigorosos procedimentos legais (...)’” (O POVO. 2015O POVO. CID Gomes defende legalidade de obra. O Povo, Fortaleza, 1 mar. 2015. Política.).

A nota publicada na coluna “Política”, intitulada “O bom debate sobre os carros da polícia”, inicia-se com o seguinte excerto:

As Hilux compradas para a Polícia Militar causaram polêmica do começo ao fim do governo Cid Gomes. Nesta semana, ao tratar do leilão dos veículos velhos e a compra dos novos, o governador comentou [no Facebook] a propaganda de Eunício Oliveira (PMDB) que fala em “cemitério de Hilux”. Cid responde: “Humildade e paciência... Na verdade, carros não duram para sempre e precisam ser descartados e substituídos”

(FIRMO, 2014______. O bom debate sobre os carros de polícia. O Povo, Fortaleza, 27 set. 2014.).

Percebe-se, em resumo, que os textos de repercussão direta guardam em comum o fato de se pautarem diretamente a partir de um post de Cid. Em outras palavras, a iniciativa do líder político no Facebook constitui o fio que conduz a narrativa ou a análise.

A segunda categoria contempla materiais jornalísticos que fazem repercussão indireta dos posts – isto é, textos cujo mote não é “o que Cid disse”, e sim “os desdobramentos do que Cid disse no Facebook”. Nesses casos, a postagem atua como pano de fundo da pauta, sendo que textos lotados em tal classificação quase sempre são publicados como “suítes” – materiais que exploram os desdobramentos de um fato já noticiado anteriormente.

Dentre as 67 peças do corpus, identificou-se a presença de 14 materiais com essas características – todos eles do gênero notícia, conforme o Quadro 2.

Quadro 2
Textos de O Povo que fazem repercussão indireta do conteúdo da postagem de Cid Gomes

A título de ilustração, a notícia “Cid aproveita reforma para mudar secretaria mais crítica” faz referência ao post em que são anunciadas mudanças no secretariado:

Justificada por pretensões eleitorais insuspeitas para quem nunca pertenceu a partido político, a saída do coronel Francisco Bezerra do comando da Segurança Pública representa mudança de rumo na secretaria que mais desgasta o governo (...). Por causa dos números da violência, a substituição do coronel da SSPDS é aprovada por entidades representativas de policiais civis e militares, Ministério Público, sociedade civil...

(FREIRE; LAZARI, 2013FREIRE, L.; LAZARI, M. Cid aproveita reforma para mudar secretaria mais crítica. O Povo, Fortaleza, 7 set. 2013.).

Note-se que o conteúdo da referida postagem de Cid no Facebook, divulgada em 6 de agosto de 20138 8 Ver: https://fb.me/IdhjWfv7. Acesso em: 9 jan. 2019. , é um elemento crucial na matéria, mas não o mote principal. Em outras palavras, o texto não se debruça exatamente sobre “o que Cid disse” (no caso, o anúncio de mudanças no secretariado), mas sobre “a avaliação que se fez sobre o que Cid disse”, caracterizando a repercussão indireta.

Por fim, foram identificadas ocasiões em que o post não surge como aspecto central do texto, mas, sim, na condição de elemento de contextualização utilizado na matéria. A diferença entre esta categoria e as duas anteriores está no grau de importância da postagem em relação à pauta. Neste terceiro grupo, a publicação na fanpage de Cid é citada apenas para reforçar, complementar ou contextualizar o assunto em discussão, não constituindo elemento indutor da pauta, nem seu pano de fundo. O Quadro 3 enumera os 12 textos classificados em tal categoria.

Quadro 3
Textos de O Povo que utilizam conteúdo da postagem de Cid Gomes como contextualização

O primeiro parágrafo da notícia intitulada “Cunha é investigado por contas na Suíça” diz o seguinte:

Após abertura de investigação criminal na Suíça e cinco menções na Operação Lava Jato, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), começa a sentir o peso das denúncias contra ele. Divulgada por procuradores suíços, a informação de que o parlamentar mantém quatro contas secretas no exterior obrigou Cunha a desistir de viagem marcada para a Itália

(FILGUEIRAS, 2015FILGUEIRAS, I. Cunha é investigado por contas na Suíça. O Povo, Fortaleza, 2 out. 2015.).

A notícia relata o bloqueio de US$ 5 milhões das contas do ex-deputado federal Eduardo Cunha por parte do Ministério Público suíço. Apenas no quarto parágrafo a repórter cita o post de Cid: “‘Começa a cair a máscara daquele que representa o achaque em nosso País’, escreveu o ex-governador Cid Gomes em sua página no Facebook”.

Em suma, percebe-se que, na maior parte das postagens de Cid mencionadas na amostra, a rede social ganha relevância central na construção das pautas, funcionando ora como indutora direta dos textos, ora como pano de fundo para desdobramentos.

Com o intuito de verificar se, e em que medida, o material jornalístico privilegiou a fanpage em sua cobertura, apresenta-se outra evidência fundamental: dentre os 67 textos publicados em O Povo, a maioria corresponde a espaços com destaque na programação visual do impresso. É o que se percebe a partir do Gráfico 2.

Gráfico 2
Distribuição dos textos de O Povo que abordam conteúdo de Cid (por retranca)

Aponta-se, portanto, que o número de matérias principais e colunas mencionando o Facebook de Cid são destaque na cobertura. Isso reforça o argumento de que o jornal utilizou

o conteúdo das postagens do ex-governador em matérias cujo peso é maior em sua agenda.

Dimensão 2: Análise quanto ao tipo de conteúdo da fanpage repercutido pelo jornal

Esta parte da análise diz respeito à natureza dos conteúdos postados por Cid que receberam visibilidade em O Povo, permitindo compreender a lógica de repercussão da fanpage no jornal. É traçado, ainda, um comparativo entre os temas mais postados por Cid e os que mais foram publicados pelo jornal, a fim de se verificar se O Povo “comprou” a agenda proposta pelo político – ou se foi refratário quanto a conceder repercussão aos assuntos privilegiados na fanpage.

Para que seja possível analisar a existência de tais associações, apresentam-se algumas características da fanpage. Entre agosto de 2013 e dezembro de 2015, Cid Gomes publicou 217 postagens no Facebook. Ao analisá-las com base nas orientações da AC anteriormente detalhadas, verificou-se a existência de “padrões” ou “categorias” de conteúdo – que acabaram servindo como base para a elaboração de um livro de códigos, posteriormente empregado na avaliação do material jornalístico. São sete os tipos de conteúdo que integram o livro, conforme detalhado a seguir: 1) promoção de ações da gestão; 2) manifestações políticopartidárias; 3) resposta a cobranças públicas; 4) assuntos pessoais; 5) mensagens fáticas (cujo objetivo é compartilhar sentimentos ou estabelecer uma atmosfera de sociabilidade com o público, como “boa noite”, “feliz natal” etc.); 6) promoção da própria fanpage; e 7) conteúdos sem classificação específica. Tal tipologia foi construída após leitura sistemática dos posts, adotando-se como parâmetro a identificação de palavras-chave, expressões e padrões testemunhados na fanpage, a fim de ampliar o grau de objetividade da categorização. Enfatiza-se, ainda, que tal categorização foi elaborada para que o leitor possa visualizar o modo como Cid explorou sua fanpage e para que seja possível confrontar aquilo que Cid publicou com o que O Povo repercutiu.

Uma mesma publicação foi classificada em uma única categoria, tendo sido julgado o teor predominante da mensagem. Destaque-se, ademais, que a natureza do conteúdo publicado pelo ex-governador no Facebook apresenta-se de maneira clara, o que facilitou a alocação nas categorias. Para exemplificar, destacamos alguns casos: na categoria “promoção de ações da gestão”, termos como “visita”, “obra”, “acompanhei”, “concluí” e “farei” auxiliaram na categorização do conteúdo. Em “manifestações político-partidárias”, palavras como “voto”, “eleição”, “pesquisa eleitoral”, dentre outras, foram inventariadas.

Quadro 4
Categorização das postagens de Cid Gomes no Facebook

Apresentados os dados preliminares, analisa-se o conteúdo da cobertura jornalística propriamente dita. Isso permitirá ao artigo averiguar se existe ou não correspondência entre o tema do conteúdo publicado por Cid e o tema do conteúdo que ganhou as páginas de O Povo.

Ao observar os 67 textos do corpus, aponta-se que 28 materiais jornalísticos (ou 41,8% do total) são relativos a postagens de “respostas a cobranças públicas”; outros 26 textos de O Povo (ou 38,8% do total) fazem referência a posts de “promoção de ações da gestão”. Mais sete unidades textuais (ou 10,4% do total) abordam postagens em que há “manifestações político-partidárias”, enquanto que em três oportunidades (ou 4,5% do total) o jornal privilegiou posts de “assuntos pessoais”. Por último, duas produções jornalísticas são sobre “mensagens fáticas” e uma sobre “promoção da fanpage”. O Quadro 5 indica a distribuição dos textos de acordo com a categoria de postagem às quais se referem.

Quadro 5
Distribuição dos textos de O Povo por categoria de postagem de Cid no Facebook

Vistos de forma isolada, os dados revelam algo relevante acerca da cobertura de O Povo: em números absolutos, o jornal deu preferência à repercussão de postagens em que Cid respondeu, rebateu ou esclareceu cobranças de adversários e de demais usuários (categoria “resposta a cobranças públicas”) e em que privilegiou a divulgação de obras e a promoção de eventos de sua agenda (categoria “promoção de ações da gestão”).

Porém, é preciso apontar que, não obstante a categoria “promoção de ações da gestão” tenha sido a mais recorrente entre as publicações de Cid, o jornal não deu, proporcionalmente, o mesmo peso a esse tipo de conteúdo em sua cobertura. Isto é, tal categoria foi, sim, relevante na construção de pautas jornalísticas, mas não acompanhou, de modo proporcional, o ritmo e a intensidade dos posts de Cid dedicados a esse tipo de assunto: enquanto Cid publicou 144 postagens promovendo suas ações de governo (o que representa 66% do total de posts), este mesmo tema rendeu 26 matérias no O Povo (o que representa 38, 8% do total de textos jornalísticos).

Por outro lado, observe-se o que ocorre com a categoria temática “resposta a cobranças públicas” – postagens necessariamente reativas de Cid, nas quais ele foi a público para rebater, esclarecer ou responder a críticas utilizando-se do Facebook. O gestor publicou 15 mensagens com esse tipo de conteúdo (o que representa 6,9% do total de posts). Porém, tal tema despertou bem mais a atenção de O Povo¸ que publicou 28 textos concernente ao assunto no período analisado (o que representa 41,9% do total de textos jornalísticos). Uma vez que os posts da categoria em tela envolvem a polêmica, o conflito e a controvérsia como ingredientes, é válido sublinhar que tais fatores costumam atrair mais ampla cobertura dos periódicos em estudo.

Assim, percebe-se que observar a proporcionalidade entre o que foi publicado por Cid no Facebook e o que foi efetivamente repercutido em O Povo torna-se fundamental para que se avalie o modo como o jornal explorou a fanpage na condição de fonte de informação ou mesmo de agenda. Vistos em perspectiva, os dados mostram que, embora “promoção de ações da gestão” apareça com destaque entre os posts do então governador, a repercussão jornalística de tal categoria não refletiu, proporcionalmente, o investimento de Cid nesse tipo de conteúdo – o que implica o estabelecimento de disputas em torno do controle da esfera de visibilidade pública.

O Quadro 6 permite verificar, mais claramente, a comparação entre os posts e a repercussão de tais conteúdos no periódico.

Quadro 6
Relação entre número de postagens de Cid e número de textos publicados em O Povo

Como pôde ser observado no quadro acima, as categorias com menor repercussão jornalística estão associadas a: “assuntos pessoais”, em que Cid publica assuntos relativos à sua família ou à sua rotina como cidadão; “mensagens fáticas”, como “bom feriado” etc.; e “promoção da fanpage”, em que Cid faz comentários quase metalinguísticos a respeito do espaço.

Apontamentos para concluir

O objetivo do artigo foi examinar de que modo a cobertura jornalística aborda o uso do Facebook por parte de agentes políticos, destacando-se o caso do jornal O Povo em relação à fanpage de Cid Gomes. A investigação permitiu compreender determinados aspectos concernentes à disputa mantida entre o campo do Jornalismo e o campo da Política no que se refere ao controle da esfera de visibilidade.

Ao longo da análise empírica, percebeu-se que Cid é, muitas vezes, apresentado como um personagem cercado de polêmicas: o jornal aborda a fanpage por meio da ênfase em episódios controversos ou situações em que o referido mandatário se encontra em disputa com outros agentes. Trata-se de algo que ilustra a presença do conflito (MOTTA, 2005MOTTA, L. A Análise Pragmática da Narrativa Jornalística. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. São Paulo: Intercom, 2005. Anais...) na narrativa jornalística.

Tal postura do periódico remete ao debate sobre função de “cão de guarda” do Jornalismo, algo parcialmente ilustrado ao se verificar que O Povo praticamente ignora o alto número de postagens nas quais Cid procura meramente dar publicidade a eventos de sua agenda. Dito de outra forma, a tentativa do então mandatário de pautar a imprensa por meio de redes sociais digitais – admitida em entrevista concedida por um ex-assessor de Cid (CABRAL, 2016CABRAL, M. Entrevista concedida para a pesquisa. Fortaleza, 4 ago. 2016.) – obteve sucesso somente parcial, uma vez que, em números proporcionais, as postagens de Cid relacionadas à divulgação de obras e projetos da gestão perderam em destaque para a cobertura jornalística que se interessou mais pela controvérsia.

Isso leva a crer que o jornal encontrou no Facebook de agentes do campo político não necessariamente um concorrente na disputa pela mediação da informação e pela atenção do público, mas uma referência para a construção de suas pautas – o que abre a oportunidade, inclusive, para que o periódico reforce seu discurso de credibilidade junto à audiência, questionando e contextualizando as declarações do agente político, por exemplo.

Nesse sentido, é válido destacar a declaração do ex-editor do núcleo de Conjuntura de O Povo, Érico Firmo: “A comunicação dele nas redes sociais era feita sem o filtro da assessoria. Isso é bom para quem cobre [o repórter]. (...). Havia uma saída do protocolo. Assim, era uma comunicação mais direta, mais autêntica, ainda que estrategicamente pensada” (FIRMO, 2016FIRMO, E. Entrevista concedida para a pesquisa. Fortaleza, 10 ago. 2016.).

Em resumo, os dados permitem afirmar que o jornal em questão procurou manter seu poder de agendamento, não se submetendo, necessariamente, à abordagem proposta por Cid no Facebook. Isso ocorre até mesmo porque, caso apelasse para a mera reprodução do conteúdo divulgado na fanpage. O Povo poderia acabar enfraquecendo a própria posição do jornal – afinal, o cidadão poderia ver mais vantagem em ler diretamente os posts do então mandatário. É possível, assim, afirmar a existência de indícios que apontam para um processo de negociação quanto às agendas e quanto à produção de conteúdo, fortalecendo-se a perspectiva de que a função de gatewatcher (BARDOEL; DEUZE, 2001BARDOEL, J.; DEUZE, M. Network Journalism: converging competencies of old and new media professionals. Australian Journalism Review, v.23, n.2, p.91-103, 2001.; BRUNS, 2011BRUNS, A. Gatekeeping, gatewatching, realimentação em tempo real: novos desafios para o jornalismo. Brazilian Journalism Research, v.7, n.2, p.119-140, 2011.) é exercida por O Povo quando o periódico oferece um tratamento jornalístico a conteúdos que já ganharam publicidade à revelia da redação.

  • 1
    Ver: https://is.gd/P3Yr2m. Acesso em: 9 jan. 2019.
  • 2
    Ver: https://is.gd/gDnDqU. Acesso em: 9 jan. 2019.
  • 3
    Ver: http://fb.me/3f2M81i7p. Acesso em: 9 jan. 2019.
  • 4
    Ver: www.facebook.com/Cid-F-Gomes-658216240856974/?fref=ts. Acesso em: 9 jan. 2019.
  • 5
    Dados repassados por e-mail pelo Diretor de Mercado Leitor de O Povo, Victor Chidid. De acordo com o “Atlas da Notícia”,Fortaleza registrou 0,87 consumo de veículo noticioso (jornal e site) por 100 mil habitantes. Ver: www.atlas.jor.br. Acesso em: 9jan. 2019.
  • 6
    Disponível em: http://bit.ly/2imnNKe. Acesso em: 9 jan. 2019.
  • 7
    Disponível em: http://bit.ly/2jTJoKd. Acesso em: 9 jan. 2019.
  • 8
    Ver: https://fb.me/IdhjWfv7. Acesso em: 9 jan. 2019.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2017
  • Aceito
    25 Jan 2019
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